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A conceituação e natureza jurídica do instituto "amicus curiae"

Agenda 17/04/2016 às 17:36

Artigo que trata sobre o conceito e a natureza jurídica do instituto jurídico "amicus curiae", e quem são os legitimados.

1.1 CONCEITO

O amicus curiae costuma ser definido através da expressão latina que significa amigo da Corte, sendo um instituto que auxilia o magistrado para o melhor deslinde da matéria posta em juízo por meio de informações de grande relevância acerca da questão analisada pelo tribunal.

Seu papel no processo baseia-se em prestar apoio de cunho técnico ao juízo, sendo um elemento fundamental para o aprimoramento das decisões, bem como para o crescimento do acesso à justiça, diante da possibilidade de que todos aqueles que possam vir a ser afetados pela decisão judicial intervenham no processo contribuindo com os seus argumentos.

 Devido a essa essência democrática, pode-se dizer que o instituto se torna para o direito um elemento de pluralização constitucional, devido ao fato de estar sempre apto para cooperar com os magistrados na busca pela decisão que melhor se ajuste aos fatos controversos na demanda, seja por meio de pareceres técnicos específicos, seja por meio dos cidadãos e grupos sociais que também ingressam no processo com suas argumentações. A ampliação do debate transforma a busca pela justiça em uma atividade coletiva, não se restringido nem à decisão do magistrado, nem às razões oferecidas pelas partes. Verifica-se, portanto que o amicus curiae é um elemento substancialmente institucional, na medida em que transcende, e é substancialmente diferente do interesse jurídico stricto sensu.

1.2 NATUREZA JURIDICA

No Brasil, o estudo sobre o instituto tem diversos pontos controversos, principalmente no que tange a sua natureza jurídica. Como o amicus curiae tem por finalidade servir como fonte de conhecimento em assuntos inusitados, inéditos, difíceis e controversos, auxiliando os juízes na melhor decisão a ser tomada sobre a questão levada a julgamento[1], sua natureza jurídica influencia diretamente em sua forma de manifestação e na maneira como a sua intervenção será recebida pelo Tribunal julgador. Diante disso, inconcebível admitir a dúvida acerca de importante questão da natureza jurídica.

Luciano Marinho Barros Souza e Filho ilustra o cerne da questão:

O “amigo da corte”, a depender de sua natureza jurídica, possuirá maior ou menor possibilidade de atuação, com participação mais ou menos extensa no processo – e submeter-se-á, analogamente, em maior ou menor ênfase aos efeitos, a depender, justamente, da sua índole intrínseca. Revela-se, pois, a importância prática e não somente teórica deste aclaramento.[2]

Sobre a relevância do instituto no direito pátrio, o Ministro Celso de Mello manifesta-se dizendo que:

[...] O Supremo Tribunal Federal, em assim agindo, não só garantirá maior efetividade e atribuirá maior legitimidade às suas decisões, mas, sobretudo, valorizará, sob uma perspectiva eminentemente pluralística, o sentido essencialmente democrático dessa participação processual, enriquecida pelos elementos de informação e pelo acervo de experiências que o amicus curiae poderá transmitir à Corte Constitucional, notadamente em um processo – como o controle abstrato de constitucionalidade – cujas implicações políticas, sociais, econômicas, jurídicas e culturais são de irrecusável importância, de indiscutível magnitude e de inquestionável significação para a vida do País e a de seus cidadãos[3].

Fundamentando o julgado do Ilustre Ministro, Damares Medina relata:

O eminente Ministro Celso de Mello destacou que não se pode perder de vista a ideia nuclear que anima os propósitos teleológicos da participação do amicus curiae, a saber, a pluralização do debate constitucional, que permite ao Supremo Tribunal Federal dispor de todos os elementos informativos possíveis e necessários à resolução da controvérsia [...] a referida abertura procedimental, visa, ainda, à superação da grave questão pertinente à legitimidade democrática das decisões emanadas pelo Supremo Tribunal Federal, quando no desempenho de seu extraordinário poder de efetuar, em abstrato, o controle concentrado de constitucionalidade[4].

1.2.1 TERCEIRO INTERVENIENTE

Grande parte da doutrina e da jurisprudência sustenta que a intervenção do amicus curiae é uma forma qualificada de assistência. Desta maneira, o terceiro deverá ter, além do interesse jurídico na demanda alheia pendente, os demais pressupostos de admissibilidade da intervenção do amicus curiae. Estes doutrinadores observam que ambas são formas de se intervir em um processo alheio com o intuito de defender uma tese, objetivando o melhor resultado possível à demanda. Esta posição é defendida por Edgard Silveira Bueno Filho:

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 Com efeito, para intervir no processo judicial comum basta ao terceiro demonstrar o interesse legítimo. Nas ações diretas de constitucionalidade e de inconstitucionalidade [...] a intervenção só se permite quando o terceiro seja uma entidade ou órgão representativo. Portanto, além da demonstração de interesse no julgamento da lide a favor ou contra o proponente, a assistência do amicus curiae só será admitida pelo Tribunal depois de verificada a representatividade do interveniente. Daí a conclusão de se tratar de assistência qualificada[5].

A jurisprudência, por sua vez, apresenta-se conflitante. Enquanto algumas decisões afirmam veementemente que a intervenção do amicus curiae não configura uma espécie de assistência, outras demonstram posição totalmente diversa. Citam-se, ilustrativamente, as seguintes ementas do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, respectivamente:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - INTERVENÇÃO ASSISTENCIAL - IMPOSSIBILIDADE [...] O processo de controle normativo abstrato instaurado perante o Supremo Tribunal Federal não admite a intervenção assistencial de terceiros. [...] Simples juntada, por linha, de peças documentais apresentadas por órgão estatal que, sem integrar a relação processual, agiu, em sede de ação direta de inconstitucionalidade, como colaborador informal da Corte (amicus curiae): situação que não configura, tecnicamente, hipótese de intervenção ad coadjuvandum. [...][6]

 [...] RECURSO ESPECIAL. [...] INTERVENÇÃO DO CADE. [...] A regra inscrita no art. 5º, parágrafo único, da Lei nº. 9.469/97 e art. 89 da lei 8.884, contém a base normativa legitimadora da intervenção processual do amicus curiae em nosso Direito. Deveras, por força de lei, a intervenção do CADE em causas em que se discute a prevenção e a repressão à ordem econômica, é de assistência. [...][7]

1.2.2 AUXILIAR JUDICIAL

Sobre ser ou não o amicus curiae um auxiliar do juízo, aduz Cássio

Scarpinella Bueno:

[...] entender (classificar) o amicus como "auxiliar do juízo" é iniciativa pouco esclarecedora. Ser "auxiliar do juízo" não distingue o amicus como tal, nem tem condições de distingui-lo dos demais auxiliares do juízo. [8]

Auxiliar da justiça é gênero que aglutina outras espécies de sujeitos processuais, por expressa dicção legal (CPC, arts. 139 a 153). E, para quem entende ser necessário, para definir seu regime jurídico, a etimologia de seu nome latino (amicus curiae), a classificação é tautológica: o "amigo", no sentido de auxiliar, da cúria, no sentido de espaço reservado, no direito romano, para as deliberações do Senado é um "auxiliar do juízo". Especificamente em relação ao perito, tem-se que ele é o "responsável por levar ao conhecimento do juízo informações técnicas que não estão ao alcance da compreensão exigida de um magistrado"[9]

Mirella de Carvalho Aguiar, de maneira bem mais enfática e contundente, assevera que se afigura "claramente absurda a atribuição de outra natureza jurídica ao instituto que não a de auxiliar do juízo". Após fazer referência à circunstância de que a enumeração das espécies de auxiliar do juízo operada pelo CPC não constitui numerus clausus, prossegue a autora:

 [...] o principal fito da admissão de uma pessoa ou entidade, completamente estranha à causa, é justamente a contribuição que poderá prestar à Corte, das mais diversas formas, ampliando o contraditório e trazendo a lume questões que poderiam escapar ao órgão julgador, municiando-o com o máximo de informações possíveis acerca do thema decidendum, da hermenêutica normativa, de suas implicações e repercussões, de forma a brindar suas decisões com maior qualidade e legitimidade[10].

1.2.3 COMO ASSISTENTE

A razão pela qual o amicus curiae intervém em um dado processo alheio não guarda nenhuma relação com o que motiva e justifica, perante a lei processual civil, o ingresso do assistente, seja na forma simples ou na litisconsorcial.

O que enseja a intervenção deste “terceiro” no processo é a circunstância de ser ele, desde o plano material, legítimo portador de um “interesse institucional”, assim entendido aquele interesse que ultrapassa a esfera jurídica de um indivíduo e que, por isso mesmo, é um interesse meta-individual, típico de uma sociedade pluralista e democrática, que é titularizado por grupos ou por segmentos sociais mais ou menos bem definidos. O amicus curiae não atua, assim, em prol de um indivíduo ou uma pessoa, como faz o assistente, em prol de um direito de alguém. Ele atua em prol de um interesse, que pode, até mesmo, não ser titularizado por ninguém, embora seja compartilhado difusa ou coletivamente por um grupo de pessoas e que tende a ser afetado pelo que vier a ser decidido no processo.

O chamado “interesse institucional” autoriza o ingresso do amicus curiae em processo alheio para que a decisão a ser proferida leve em consideração as informações disponíveis sobre os impactos do que será decidido perante aqueles grupos, que estão fora do processo e que, pela intervenção aqui discutida, conseguem dele participar. Neste sentido, não há como negar ao amicus curiae uma função de legitimação da própria prestação da tutela jurisdicional uma vez que ele se apresenta perante o Poder Judiciário como adequado portador de vozes da sociedade e do próprio Estado que, sem sua intervenção, não seriam ouvidas ou se o fossem o seriam de maneira insuficiente pelo juiz.

 A atuação processual do amicus curiae, como se dá com todos os demais intervenientes, vincula-se umbilicalmente à razão de ser de sua própria intervenção.

Considerando que o norte de seu ingresso é o de aprimorar a decisão jurisdicional a ser proferida, levando ao Estado-juiz informações complementares que, de outro modo, não seriam, muito provavelmente, de conhecimento seu, pode ele desempenhar todo e qualquer ato processual que seja correlato ao atendimento daquela finalidade.

1.3 LEGITIMADOS PARA INTERVIR COMO AMICUS CURIAE

Conforme já relatado no decorrer do presente trabalho, com exceção do artigo 23, §1º, da Resolução n. 390/2004 do Conselho da Justiça Federal, o qual já foi devidamente descrito, no direito brasileiro não existem referências legislativas expressas à utilização do amicus curiae. Contudo, mesmo não existindo previsão tácita quanto à utilização do instituto, existem leis que abrem margem e dão possibilidade a terceiros de ingressarem na lide na qualidade de amicus curiae. O artigo 31 da referida lei dispõe sobre a possibilidade da Comissão de Valores Imobiliários intervir em processos judiciais para esclarecer questões postas em juízo que digam respeito ao mercado de capitais.

Outra lei que também introduziu a possibilidade de utilização do instituto foi a Lei 8.884/94, a qual dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica e dá outras providências. Essa lei passou a regular o direito relativo à ordem econômica e o direito concorrencial ou antitruste, sendo que o artigo 89 autoriza o Conselho Administrativo de Defesa Econômica a intervir em processos judiciais na condição de amicus curiae: “Art. 89. Nos processos em que se discuta a aplicação desta Lei, o CADE deverá ser intimado para, querendo, intervir no feito na qualidade de assistente.”

 A partir da análise do texto legislativo, nota-se que o mesmo define a intervenção do CADE na lide como assistente, e não como terceiro interessado. Outra peculiaridade observada é o fato de que, diferentemente do que ocorre em outros casos, a lei é clara quanto à facultatividade da intervenção do CADE, uma vez que este deverá ser devidamente intimado para intervir, mas só intervirá concretamente se quiser.

Cabe ainda relatar que a Lei 8.884/94 foi revogada em 29 de maio de 2012, quando entrou em vigor a Lei 12.529/11, que reformulou o Sistema Brasileiro da Concorrência. Porém, o amicus curiae foi recepcionado da mesma maneira, estando previsto no art. 118 do novel diploma legal. As duas leis acima expostas foram as que primeiro trouxeram a figura do amicus curiae para o processo judicial pátrio.

Contudo, foi a partir do advento da Lei 9868/99 o instituto ganhou maior notoriedade no direito brasileiro, pois esta é a Lei que dispõe sobre o procedimento e julgamento da ação direta de Inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade, bem como da arguição de descumprimento de preceito fundamental no Supremo Tribunal Federal.


[1] SANTOS, Esther Maria Brighenti dos. Amicus Curiae: um instrumento de aperfeiçoamento nos processos de controle de constitucionalidadeJus Navigandi. Teresina: ano 10, n.º 906, 26 dez. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/7739>

[2] SOUZA FILHO, Luciano Marinho de Barros e. Amicus Curiae – Instituto controvertido e disseminado no ordenamento jurídico brasileiro. Revista da Advocacia Geral da União, ano VII, nov. 2007. Disponível em: <https://redeagu.agu.gov.br/UnidadesAGU/CEAGU/revista/Ano_VII_novembro_2007/AmicusCuriae_LucianoMarinho.pdf ->.
 

[3] ADIn 2130

[4] MEDINA, Damares. A finalidade do amicus curiae no controle concentrado de constitucionalidadeRevista Jus Navigandi, Teresina, ano 10n. 71722 jun. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/6917>. Acesso em: 12 out. 2015.

[5]BUENO FILHO, Edgard Silveira. Amicus Curiae – a democratização do debate nos processos de controle de constitucionalidade. Revista Dialogo Jurídico, número 14. Junho/agosto 2002. Salvador. Disponível em:  http://direitopublico.com.br/pdf_14/DIALOGO-JURIDICO-14-JUNHO-AGOSTO-2002-EDGARD-SILVEIRA-BUENO-FILHO.pdf

[6] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Jurisprudência. Agravo Regimental em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 748 – RS. Agravante: Governador do Estado do Rio Grande do Sul. Agravado: Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul. Relator: Min. Celso de Mello. Brasília, 01/08/1994. Disponível em: http://www.stf.gov.br

[7] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Jurisprudência. Medida Cautelar nº. 9.576 – RS. Requerente: Associação Nacional dos Transportadores de Veículos. Requerido: Ministério Público Federal. Relator: Min. Luiz Fux. Brasília, 15/02/2005. Disponível em: http://www.stf.gov.br

[8] BUENO, Cássio Scarpinella. Amicus curiae no processo civil brasileiro: um terceiro enigmático. 2. ed. rv. at. e amp. São Paulo: Saraiva, 2008.

[9] BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: procedimento comum: ordinário e sumário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

[10] AGUIAR, Mirella de Carvalho. Amicus Curiae. Salvador: Jus Podium, 2005.
 

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