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Reflexões acerca do art. 1º do Código de Defesa do Consumidor

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Agenda 23/02/2004 às 00:00

6. CONCLUSÕES

A interpretação do Direito, longe de ser apenas uma atividade de mera compreensão do texto normativo – a qual teria sentido, principalmente, naqueles casos em que a lei fosse imprecisa ou ambígua –, importa, outrossim, a exegese – ou compreensão – dos fatos de um caso concreto. Essa a visão do professor Eros Grau – com a qual se comunga, diga-se – no sentido de que a atividade de interpretar e a de aplicar o Direito correspondem a uma só operação [97].

Além de outras implicações, isso significa que todo trabalho doutrinário que se propõe a interpretar textos normativos, deve partir, sempre que possível, de exemplos práticos, ou ainda, de exemplos criados – afinal, por vezes, o intérprete adianta-se aos problemas que irão surgir –, sob pena de se sujeitar a toda sorte de lacunas ou "buracos doutrinários", o que tornaria o feito menos prático do que superficial.

Pretendeu-se, aqui, justamente isto: passar ao operador do Direito uma exegese umbilicalmente jungida à sua aplicação prática, utilizando-se, para isso, de casos colhidos na jurisprudência pátria – inseridos em notas de rodapé, bem como no transcorrer de todo corpo textual –, visando dar uma qualidade funcional ao trabalho.

Seguindo esse critério, evidenciou-se, nos comentários aqui produzidos, o vigor normativo que possui a Lei consumerista, porquanto se apresenta, inarredavelmente, enraizada na Constituição Federal. De todo o estudo, concluiu-se que o artigo inaugural do Código de Defesa do Consumidor representa mais do que uma declaração de seu objetivo – proteger o consumidor brasileiro. Em verdade, a exata percepção de seu fim leva o intérprete a compreender os motivos históricos que levaram a criação da Lei consumerista, evidenciando, ainda, e principalmente, a sua robusteza como texto normativo.

Destarte, percebeu-se que o Código de Defesa do Consumidor surgiu numa época em que a autonomia da vontade e a liberdade de contratar, há tempos, não mais se serviam à manutenção da segurança e igualdade das partes pactuantes. Os valores do contrato tradicional criaram um abismo, quase intransponível, impediente do alcance do consumidor ao fornecedor. Era como se somente o último pudesse atingir o primeiro, por meio de uma ponte de via única.

Ditou o Estado, em razão dessa anterior realidade, e mediante a Lei 8.078/90, normas de ordem pública – de obediência necessária e obrigatória –, limitando, pois, a autonomia da vontade e a liberdade de contratar dos partícipes das relações de consumo. Pretendeu-se, com isso, garantir uma real igualdade – e não meramente aparente – entre consumidor e fornecedor.

O Código consumerista, além da sua necessária e forçosa observação pelos contratantes, possui certas particularidades em função de sua origem constitucional, bem como pela sua expressa caracterização como norma de ordem pública e interesse social.

À vista disso, sua aplicação independe do requerimento das partes, podendo ser feita ex officio pelo magistrado ou Tribunal. Por ser a Lei 8.078/90 derivada de uma cláusula pétrea (art. 5º, XXXII, CF), sua aplicação não poderá ser afastada por outras legislações, isso sempre que o intérprete estiver diante de uma relação de consumo. Possui, ainda, a Lei consumerista aplicação imediata - e não retroativa – naquelas situações não definitivamente concluídas ou nos efeitos presentes e futuros decorrentes de fatos já consumados.

Ademais, por constituir-se numa lei principiológica e de ordem pública, goza de supremacia em relação a outras leis – sejam elas gerais ou especiais, nacionais ou provenientes de ordem internacional – quando conflitantes com ela no momento da interpretação e aplicação legislativa para a solução de algum caso concreto. Com efeito, sempre que o intérprete encontrar-se diante de situações tuteladas por duas leis diversas, sendo uma delas a Lei 8.078/90 e, não sendo possível sua compatibilização interpretativa (ou de seus textos normativos), deverá afastar a lei conflitante (ou, apenas, o texto normativo conflitante) com o Código de Defesa do Consumidor, para a solução daquele caso concreto.

Ao que tudo indica, o já citado art. 7º reproduziu o espírito do preceito imposto pelo § 2º, art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil: "A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior." A regra geral, diante disso, é a prevalência harmônica no sistema das diversas leis já existentes, bem como aquelas a existir no futuro, com o Código de Defesa do Consumidor. O art. 7º reproduz essa realidade. Deverá, pois, o intérprete, como primeiro critério a se adotar, procurar compatibilizar a Lei 8.078/90 com a legislação (ou texto normativo) supostamente conflitante. Sendo possível a aplicação conjunta de ambas as leis (ou texto normativo), o problema estará solucionado e a regra geral será aplicada [98], (99).

Evidente, pois, que o objetivo da Lei consumerista não é revogar outras leis ou textos legais existentes no sistema jurídico. Sua principal função é complementar, melhorar as legislações já existentes – ou as que vierem a existir –, impor novos valores ao sistema jurídico vigente, visando, com isso, a uma maior tutela do consumidor. Nesse passo, os princípios e normas regentes do Código de Defesa do Consumidor deverão permear, integrar e aperfeiçoar a lei também aplicável àquela situação a ser solucionada; o espírito da Lei 8.078/90 entranhará no corpo normativo da legislação também aplicável ao caso concreto, aperfeiçoando-a e adequando-a à tutela do consumidor. Somente quando tal compatibilização não for possível (antinomia real), é que Lei 8.078/90, em razão de sua supremacia – Lei principiológica e de ordem pública –, afastará a aplicação do texto normativo ou legislação com ela conflitante para dirimir embates num dado caso concreto. Afinal, é o Código de Defesa do Consumidor – metaforicamente falando – um dos fios de ouro do emaranhado de leis que constituem a teia do ordenamento jurídico.


7. BIBLIOGRAFIA

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8.NOTAS

01. Art. 1º - O presente Código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos artigos 5º, inc. XXXII, 170, inc. V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias.

02. As expressões "importância funcional" e "relevância funcional" serão aqui utilizadas como sinônimos de "utilidade prática". Busca-se, com tais termos, demonstrar que o art. 1º da Lei 8.078/90, longe de ser uma norma aberta, sem aplicação prática instantânea no caso em análise, possui serventia concreta no ordenamento jurídico pátrio.

03. A civilista Leite Novais esclarece que são tidas como as principais origens da autonomia da vontade o Direito Canônico, a teoria do Direito Natural, a Revolução Francesa e, finalmente, as teorias econômicas e o liberalismo.

No Direito Canônico, mediante a visão da sacralização dos contratos, o Direito se viu liberto do formalismo exagerado imposto pelo Direito Romano. O simples pacto dava origem à obrigação moral e jurídica para o indivíduo.

A Teoria do Direito Natural, por sua vez, foi a que mais contribuiu para o desenvolvimento e consolidação do princípio da autonomia da vontade. Substituiu-se a idéia de direito divino pela idéia de liberdades naturais, fato que contribuiu para o entendimento do dogma da autonomia da vontade como um princípio informativo do Direito Privado.

Na Revolução Francesa, com a formulação da teoria de Russeau, lançou-se a idéia do contrato social como base da sociedade: a autoridade estatal, fundamentada no consentimento dos sujeitos direitos, os cidadãos. Ademais, foi naquela época que se deu o nascimento do Code Napoleón, traduzindo o mais puro e forte individualismo e voluntarismo, enquadrando o princípio da autonomia da vontade como um valor supremo de todo o sistema contratual.

Finalmente, ao analisar o quarto ponto de origem, isto é, as Teorias Econômicas e o Liberalismo, esclarece a autora que, no século XVII, surgiram diversas teorias econômicas, segundo as quais seria basicamente necessária a livre circulação das riquezas na sociedade, o que deveria ocorrer por meio do contrato. Diante desse fato, tais teorias econômicas pregavam a necessidade da plena liberdade contratual como forma de proporcionar referida movimentação de riquezas na sociedade.

O auge do liberalismo, ocorrido no século XIX, foi marcado pela mínima intervenção estatal nas relações entre particulares, surgindo, daí, a visão tradicional do contrato, calcado no princípio máximo da autonomia da vontade e na liberdade de contratar. (LEITE NOVAIS, Alinne Arquette. A teoria contratual e o código de defesa do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 44-47).

04. Nesse sentido Marques leciona: "Na concepção clássica, portanto, as regras contratuais deveriam compor um quadro de normas supletivas, meramente interpretativas, para permitir e assegurar a plena autonomia de vontade dos indivíduos, assim como a liberdade contratual." (MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. p. 17).

05. LEITE NOVAIS, op. cit., p. 58.

06. VILLARPANDO, Hugo. Pessoa jurídica e o crédito bancáriodestinatário final. Disponível no site: <http://www.infojus.com.br>. Acessado em 22 fev. 2003.

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07. O grande mestre processualista J. J. Calmon de Passos, referência de vivacidade, experiência, cultura e coragem, ao proferir discurso aos formandos em Direito na Universidade Federal da Bahia, em que foi devidamente homenageado como paraninfo, prolatou as seguintes palavras, dignas de reflexão: "A par disso, e talvez sua mais grave conseqüência, debilitou-se a auto-limitação da liberdade, que é a maneira mais segura de se tutelar a própria liberdade. Daí este nosso mundo de hoje, em que entoamos hosanas à liberdade, mas temos correntes nos pés. Mundo em que se sucedem fulgurantes proclamações formais ratificadoras da soberania das liberdades, enquanto a realidade do quotidiano é de progressiva insegurança, alimentada pela progressiva conflituosidade de uma convivência social de homens que perderam toda referência do "outro", somente possível com a introjeção do dever como valor. Assim descomprometidos com o dever e dele desvinculados, fizeram os homens de si mesmos, da sua solidão sem solidariedade, o valor supremo. Ilharam-se mentalmente enquanto materialmente se estruturava um mundo de sufocante interdependência." (Passos, J. J. Calmon de. Aos que vão prosseguir. Revista Prática Jurídica, n. 3. Brasília: Consulex, 2002. p. 08).

08. Marques ensina, com mestria, que as "leis de função social caracterizam-se por impor as novas noções valorativas que devem orientar a sociedade e por isso optam, geralmente, por positivar uma série de direitos assegurados ao grupo tutelado e impor uma série de novos deveres imputados a outros agentes da sociedade, os quais, por sua profissão ou pelas benesses que recebem, considera o legislador, que possam e devam suportar estes riscos. São leis, portanto, que nascem com a árdua tarefa de transformar uma realidade social, de conduzir a sociedade a um novo patamar de harmonia e respeito nas relações jurídicas. Para que possam cumprir sua função, o legislador costuma conceder a essas novas leis um abrangente e interdisciplinar campo de aplicação." (MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 158-159).

09. Conforme muito bem ressalta o Ministro Marco Aurélio de Mello "... o único modo de se corrigir desigualdades é colocar o peso da lei, com a imperatividade que ela deve ter em um mercado desequilibrado, a favor daquele que é discriminado, que é tratado de forma desigual." (MELLO, Marco Aurélio de. Igualdade entre as raças. Síntese Jornal, ano 6, n. 61. p. 3-4, mar. 2002).

10. Marques assevera que, a partir de 1988, a defesa do consumidor incluiu-se na chamada ordem pública econômica que legitima e instrumentaliza a crescente intervenção do Estado na atividade econômica dos particulares. (MARQUES, op. cit., 1993. p. 164).

11. MARINS, James. Responsabilidade da empresa pelo fato do produto. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 29.

12. GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 68-70.

13. GOMES, op. cit., p. 70.

14. Ibid., p. 69.

15. FILOMENO, José Brito. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 20.

16. PAUPÉRIO, A. Machado. Introdução ao estudo do direito. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 133.

17. NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1987. p 102.

18. FILOMENTO, José Geraldo Brito. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999. p. 26.

19. Segundo as lições sempre precisas de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, ser "de interesse social significa, em termos práticos, que o MP terá participação obrigatória em todas as ações coletivas sobre lides de consumo, encontrando-se legitimado para defender, em juízo, os direitos individuais homogêneos (CDC 81, Par. Un. III) do consumidor, pois como são de interesse social ex lege (CDC 1º), essa defesa atende a finalidade institucional do MP (CF 127 caput), como autorizado pela CF 129 IX. V. Nery, DC 3/52. As ações coletivas ((CDC 81, Par. Un.; 91 e ss; LACP) foram criadas pela lei em razão do interesse público e social. A falta de previsão constitucional expressa para a defesa coletiva, pelo MP, dos direitos individuais homogêneos (CF 129 III), ocorreu também porque a categoria foi criada por lei posterior (CDC 81 Par. Un. III), mas a legitimação do MP está assegurada pela autorização da CF 129 IX, que permite à lei federal, a atribuição ao MP de outras funções que sejam compatíveis com sua finalidade institucional. Como a defesa coletiva de interesses sociais, como o são os do consumidor (CDC 1º), é função institucional do MP (CF 127 caput), a legitimação dada ao parquet pelo CDC 82, para a tutela em juízo dos direitos individuais homogêneos, está em perfeita consonância com o sistema constitucional brasileiro." (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Novo código civil e legislação extravagante anotados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 719.)

20. "O caráter de norma pública atribuído ao Código de Defesa do consumidor derroga a liberdade contratual para ajustá-la aos parâmetros da lei, impondo-se a redução da quantia a ser retida pela promitente vendedora a patamar razoável, ainda que a cláusula tenha sido celebrada de modo irretratável e irrevogável." (Superior Tribunal de Justiça, REsp 292.942/MG, Quarta Turma, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, data da decisão: 03/04/2001. Disponível em: http://www.stj.gov.br).

21. MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 2. ed. [s.l.]: Coimbra, 1998. p. 214. t. IV.

22 A expressão "lei de função social" foi utilizada por Marques no trabalho intitulado "A responsabilidade do Transportador Aéreo pelo fato do serviço e o Código de Defesa do consumidor – Antinomia entre norma do CDC e de leis especiais", in Revista de Direito do Consumidor, v. 3, p. 154. Na segunda edição de sua aplaudida monografia, "Contratos no código de defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais", a renomada jurista, citando Portalis, leciona que "as leis de ordem pública são aquelas que interessam mais diretamente à sociedade que aos particulares". (MARQUES, op. cit., 1993. p. 158).

23. Nesse sentido Nunes. (NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao código de defesa do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 76.

24. "Essa nulidade, por envolver matéria de ordem pública, pode ser argüida por meio de ação, exceção, ou decretada de ofício pelo juiz ou tribunal, a qualquer tempo e grau de jurisdição, não estando sujeita a prazos de prescrição ou decadência." (Tribunal de Alçada do Distrito Federal, Terceira Turma Cível, Apelação Cível nº 4.593.697, Relator Juiz Wellington Medeiros, decisão unânime, publicada no Diário da Justiça do DF em 05/08/1998, p. 98).

25. "A Segunda Seção deste Tribunal houve por bem definir a competência, em se tratando de contratos de adesão, sob a disciplina do Código do Consumidor, como absoluta, e autorizar, conseqüentemente, o pronunciamento de ofício do juiz perante o qual ajuizada a causa em primeiro grau, ao argumento da prevalência da norma de ordem pública que protege o consumidor e garante sua defesa em juízo. No caso, no entanto, de o próprio réu-devedor postular pela validade da cláusula de eleição do foro, alegando que não terá dificuldades em sua defesa, deve a mesma prevalecer." (Superior Tribunal de Justiça, REsp 225.866/MS, Quarta Turma, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, data da decisão: 09/11/1999. Disponível em: http://www.stj.gov.br).

26. "Conflito de competência. Cláusula eletiva de foro lançada em contrato de adesão. Nulidade com base na dificuldade de acesso ao judiciário com prejuízo à ampla defesa do réu. Caráter de ordem pública da norma que instituiu o Código de Defesa do Consumidor. Inaplicabilidade do enunciado nº 33 da súmula/STJ. Tratando-se de contrato de adesão, a declaração de nulidade da cláusula eletiva, ao fundamento de que estaria ela a dificultar o acesso do réu ao Judiciário, com prejuízo para a sua ampla defesa, torna absoluta a competência do foro do domicílio do réu, afastando a incidência do enunciado nº 33 da súmula/STJ em tais casos." (Superior Tribunal de Justiça, CC 20.826/RS, Segunda Seção, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, data da decisão: 13/05/1998. Disponível em: http://www.stj.gov.br).

27. Ver arts. 2º, 128 e 460 do Código de Processo Civil.

28. "O processo civil rege-se pelo princípio dispositivo (‘judex secundum allegata partium judicare debet’), somente sendo admissível excepcionar sua aplicação quando razões de ordem pública e igualitária o exijam, como, por exemplo, quando se esteja diante de causa que tenha por objeto direito indisponível (ações de estado) ou quando o julgador, em face das provas produzidas, se encontre em estado de perplexidade ou, ainda, quando haja significativa desproporção econômica ou sócio-cultural entre as partes." (RSTJ 78/268).

29. "As questões de ordem pública decididas no saneador não são atingidas pela preclusão." (Superior Tribunal de Justiça, REsp 232187/SP, Relator Ministro José Delgado, data da decisão: 23/03/2000. Disponível em: http://www.stj.gov.br).

30. CRETELLA NETO, José. Fundamentos principiológicos do processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 284.

31. MARCATO, Antonio Carlos. Preclusões: limitação ao contraditório? Revista de Direito Processual, n. 17, P. 106, 1980.

32. A esse respeito é indispensável a leitura do ensaio jurídico intitulado "É inconstitucional qualquer medida provisória que pretenda afastar o Código de Defesa do Consumidor", de autoria do professor Nunes. Veja-se uma das lições insertas nesta doutrina: "Não se pode olvidar que é também cláusula pétrea como dever absoluto para o Estado a defesa do consumidor (CF, art.5.º, XXXII). Aliás, só por isso, já não poderia o principal representante do Estado, o Presidente da República, baixar Medida Provisória contra a lei de proteção ao consumidor. Resta ainda lembrar que a Constituição Federal estabelece que o regime econômico brasileiro é capitalista, mas limitado (CF, art. 1.º, IV, c/c art. 170 e s.): são fundamentos da República os valores sociais do trabalho e os valores sociais da livre iniciativa (CF, art. 1.º, IV), e a defesa do consumidor é princípio fundamental da ordem econômica (CF, art. 170, V). Ora, o Código de Defesa do Consumidor nada mais fez do que concretizar numa norma infraconstitucional esses princípios e garantias constitucionais. Assim está previsto expressamente no seu art. 1.º." (NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. É inconstitucional qualquer medida provisória que pretenda afastar o Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: http://www.saraivajur.com.br). Acessado em 22.2.3002.

33. MORAES, Alexandre. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Jurídica Atlas, 2002.

34. NISHIYAMA; Adolfo Mamoru. A proteção constitucional do consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 131.

35 MARTINS, Ives Gandra. Comentários à constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1995. 4. v, t. I. p. 355.

36. Ibid., p. 355.

37. Veja-se que o Código de Defesa do Consumidor está em perfeita sintonia com a Constituição. O artigo primeiro da Lei 8.078/90 prescreve, expressamente, que o presente Código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, (...), nos termos dos artigos 5º, inc. XXXII, 170, inc. V, da Constituição Federal, e art. 48 de suas Disposições Transitórias. Noutras palavras, o CDC está enraizado na Carta Magna; negar vigência a ele é, automaticamente, empregar obstáculo à efetividade do princípio, direito e garantia da defesa do consumidor. O conflito entre textos normativos e o Código de Defesa do Consumidor será, oportunamente, abordado, com mais profundidade, neste trabalho.

38. Nesse sentido, especialmente interessante a observação de Maria da Glória Villaça Borin Gavião de Almeida e Ricardo Morishita Wada: "Com relação ao art. 5º, XXXII, afirmamos tratar-se de direito e garantia fundamental à defesa do consumidor, o que lhe confere status constitucional de direitos fundamentais, apontando-se dois efeitos – prevalência, pois se trata de direitos humanos e portanto nos eventuais conflitos normativos afirma-se sua prevalência, e segundo, goza da chamada estabilidade constitucional, pois se inscreve nas disposições do art. 60, §4º, IV, da CF, tratando-se de cláusula pétrea, não podendo ser abolida por emenda ou mesmo revisão constitucional." (ALMEIDA, Borin Gavião de; Villaça, Maria da Glória; WADA; Ricardo Morishita. Os sistemas de responsabilidade no código de defesa do consumidor – aspectos gerais. Revista de Direito do Consumidor, 41. São Paulo: RT, 2002. p. 187).

39. FARIAS; Cristiano Chaves de. A proteção do consumidor na era da globalização. Revista de Direito do Consumidor, 41. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 91.

40. MACHADO, A. Paupério. Introdução ao estudo do direito. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 282.

41. Assim, conforme ensina Gusmão, o problema da retroatividade ou da irretroatividade das leis só surge quando, para a mesma situação jurídica, existem duas leis incompatíveis entre si: a derrogada e a vigente. (GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução à ciência do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1960. p. 150).

42. MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 4. ed. São Paulo: Martins, 1973. v. 2, p. 152.

43. Ensina Paupério que, segundo o princípio da retroatividade, "a lei nova pode abarcar situações virtualmente abrangidas por leis anteriores. Pelo princípio da não-retroatividade, ao contrário, a lei nova não pode abarcar as situações jurídicas abrangidas pela lei antiga" (PAUPÉRIO, op. cit., p. 283).

44. FARIA, Bento de. Aplicação e retroatividade da lei. Rio de Janeiro: A. Coelho Branco Filho, 1934. p. 20.

45 FARIA, op. cit., p. 21.

46. Paupério, op. cit., p. 293.

47. Como atesta Nery Júnior, a doutrina brasileira enumera diversas garantias oriundas do princípio constitucional do devido processo legal, dentre elas, o direito de não ser processado, julgado ou condenado por alegada infração às leis ex post facto (NERY JÚNIOR, op. cit., p. 41). Além de expressamente o legislador constitucional adotar o princípio da irretroatividade da lei como regra geral do sistema, esse argumento (lesão ao princípio do devido processo legal) é mais um justificador do que aqui está sendo defendido.

48. Assevera Diniz, é "princípio fundamental de direito que as leis sejam aplicáveis a atos anteriores à sua promulgação, contanto que tais atos não tenham sido objeto de demandas, que não estejam sob o domínio da coisa julgada, nem configurem ato jurídico perfeito ou direito adquirido. Fácil é perceber que entre a retroatividade e a irretroatividade existe uma situação intermediária, a da aplicação imediata da nova norma às relações nascidas sob a vigência da anterior e que ainda não se aperfeiçoaram. O requisito sine qua non para a imediata aplicação é o respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada." (DINIZ, Maria Helena. Lei de introdução ao código civil brasileiro interpretada. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 193).

49. MONTORO, op. cit., p. 155.

50. Paupério, op. cit., p. 294.

51. "... as normas de direito econômico se aplicam imediatamente, alcançando os contratos em curso, notadamente os de execução diferida ou de trato sucessivo, mercê do caráter de norma de ordem pública que desfrutam". (Superior Tribunal de Justiça, Quarta Turma, REsp n 2595 – SP, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo, data do julgamento em 28 de agosto de 1990).

52. "Trata-se de lei que mudou o padrão monetário móvel, dentro da fluidez da inflação; que "descaracterizou o salário mínimo como fator de correção monetária", segundo reza a ementa da Lei 6.205. Não há como negar-lhe aplicação imediata. Não afeta ela direito adquirido, pela simples razão, como acentua Roubier, de que inexiste direito adquirido a padrão monetário, a estatuto legal da moeda, matéria da competência exclusiva do Estado. Se, acaso, esse poder não se exerceu durante determinado período, no qual houve liberdade de convencionar determinada indexação, isso não significa que, manifestado o poder regulamentar nessa área, possam manter-se as convenções anteriores, contra legem, simplesmente toleradas em fase de lacuna legislativa, mas abolidas quando o Estado preencheu o vazio legal. Mesmo que se admita houvesse leis autorizadoras do salário mínimo como padrão corretivo da moeda, claro está que a lei nova que altera esse padrão deve ser cumprida de imediato. Simplesmente porque não há direito adquirido a padrão monetário. Se o Governo mudar o índice, não haverá também direito adquirido em relação aos contratos celebrados na base da ORTN, se a lei nova não os ressalvar." (RT 656/202).

53 "Não constitui direito adquirido o direito eventual estatuído em lei e dependente de fato futuro para a sua completa concretização; antes da realização deste é mera expectativa de direito." (RT 149/349).

54 Paupério, op. cit., p. 296.

55 PEREIRA, trazendo a baila a teoria de Paul Roubier, evidencia ser forçoso distinguir dois momentos sucessivos no desenvolvimento de uma situação jurídica: "há situações jurídicas que se constituem em um só momento, em conseqüência de um único fato (a morte de uma pessoa, o abalroamento de um veículo) e há outras que supõem certo lapso de tempo, requerendo um estado de fato contínuo (a prescrição aquisitiva pressupõe a posse contínua por um lapso prolongado), ou a presença de elementos sucessivos (a sucessão testamentária requer, de um lado, um testamento válido e, de outro, a morte do testador). No tocante às situações jurídicas que já se acham constituídas, a regra é uma só: as leis que regulam a constituição de uma situação jurídica não podem atingir as situações jurídicas já constituídas." (PEREIRA, Caio Mário. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1974. p. 149).

56 Disponível em: http://www.stj.gov.br. Acessado em 22 fev. 2003.

57 Lições retiradas do REsp 11.698 – MS, Terceira Turma, Relator Ministro Waldemar Zveiter, julgado em 18/02/1992.

58 Veja-se mais um exemplo jurisprudencial que bem evidencia a aplicação imediata da lei: "Prescrição. Rurícola. Superveniência da Emenda Constitucional nº 28, de 26-05-2000. Inaplicabilidade. 1. Inconcebível, no ordenamento jurídico brasileiro, a aplicação retroativa de lei que importe infringência ao direito adquirido da parte(CF/88, art. 5º, inc. XXXVI). 2. A Emenda Constitucional nº 28, de 26-05-2000, não regula a prescrição se, quando passou a viger, apanhou o contrato de emprego do rurícola já extinto e a ação já ajuizada. A lei nova não tem o condão de alcançar situações pretéritas, já totalmente consolidadas segundo a regra prescricional vigente à época. A aplicação imediata da lei nova alcança unicamente os efeitos futuros de fatos passados, mas não se compadece com a incidência sobre fatos integralmente consumados no passado. "Esse princípio é a própria moral da legislação" (GRENIER). Convicção robustecida mediante a aplicação analógica da Súmula nº 445 do E. STF. 3. Inexistência de ofensa aos artigos 896 da CLT, 7º, inciso XXIX, da Constituição Federal e 462 do CPC. Embargos de que não se conhece. Por unanimidade, não conhecer dos embargos." (Tribunal Superior do Trabalho, Embargos em Recurso de Revista, Relator Ministro João Oreste Dalazen, Subseção I, Especializada em Dissídios Individuais, DJ 07/06/2002).

59 Assim já decidiu o Superior Tribunal de Justiça ao concluir que as normas de ordem pública econômica "implicam derrogação de cláusulas de contratos em curso". (Superior Tribunal de Justiça, Quarta Turma, REsp 7.904-ES, Relator Ministro Athos Carneiro, julgada em 12/03/1991. Disponível em: <http://www.stj.gov.br>. Acessado em 22 fev. 2003).

60 FARIA, op. cit., p. 26.

61 FARIA, op. cit., p. 27.

62 DINIZ, op. cit., p. 194.

63 FARIA, op. cit., p. 28.

64 PEREIRA, op. cit., p. 155.

65 O presente estudo alterou nossa posição a respeito do tema. No recém-lançado livro intitulado "Responsabilidade civil e tabagismo no Código de Defesa do Consumidor", chegamos a confundir os termos "retroatividade" e "imediata", momento em que foi afirmado: "... havendo interesse social a exigir a imediata aplicação da lei nova, a norma retroagirá, até porque a sucessão de problemas ou situações é que finda por evidenciar a necessidade ou mesmo a urgência de novo preceito cogente." (DELFINO, Lúcio. Responsabilidade civil e tabagismo no código de defesa do consumidor. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 89). Conforme defendido neste ensaio, não há que se confundir as duas expressões, porquanto elas retratam situações diversas, cada qual com particularidades próprias.

66 O próprio significado literal da palavra ‘retroativo’ evidencia o que aqui se defende. Aurélio Buarque de Holanda Ferreira define referido termo como aquilo relativo ao passado, que modifica o que está feito, que afeta o passado, que retroage. (FERREIRA, Aurélio Buarque Holanda. Dicionário Novo Dicionário Aurélio Eletrônico. Versão 3.0. MGB Informática Ltda.).

67 "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu".

68 Tais situações atingem diversos contratos, a exemplo dos contratos de locação e promessa de venda e compra.

69 Em sentido contrário o entendimento majoritário do Supremo Tribunal Federal que, trocando em miúdos, dá preferência ao equilíbrio inicial do contrato e à expectativa das partes no momento do pactuado, desprezando, por outro lado, os novos valores e princípios impostos pela novel legislação.

70 Nesse sentido os ensinamentos do Ministro Aliomar Baleeiro (RExt. 62.731-GB), citado por Marques: "Eu contesto é que se possa negar efeitos já produzidos, decorrentes de situação definitivamente constituída. Supomos que neste momento a lei marque o teto de 6% à usura. Será feita uma Lei ou Decreto-lei baseado na segurança nacional, e dirão no Brasil, no empréstimo, não poderá mais cobrar juros, juro é pecado. Assim, com tais fundamentos morais, ficam proibidos os juros. Tendo validade essa lei, daqui para o futuro ninguém mais pagaria juros, mas quem recebeu juros até hoje não é obrigado a devolvê-los. Ninguém pode pedir de volta o juro que estava vencido até ontem; ninguém deixa e ser credor de juro que estava vencido até ontem. É uma situação definitiva. O credor não pode ser prejudicado". (MARQUES, op. cit., p. 194-195).

71 "O Código de Defesa do Consumidor tem aplicação imediata aos contratos com eficácia duradoura, conforme o art. 170 da Constituição Federal e art. 6º da Lei de Introdução ao Código Civil." (9.ª conclusão do II Congresso Brasileiro de Direito do Consumidor).

72 MARQUES, op. cit., p. 193.

73 Embora nossa opinião a respeito do tema tenha sido expressada de maneira diversa no trabalho intitulado Responsabilidade Civil e Tabagismo no Código de Defesa do Consumidor, publicado pela editora Del Rey, nossa conclusão lá esposada permanece inalterada. Isto é, entendemos que o Código de Defesa do Consumidor é a lei aplicável em ações promovidas contra as indústrias do fumo, em que se pleiteiam indenizações por doenças tabaco-relacionadas. A Lei consumerista, nesses casos, terá aplicação imediata, porque os efeitos gerados pelo tabagismo somente surgem anos após a data inicial de consumo de cigarros. Todas as pessoas – ou a maioria delas – hoje acometidas por doenças relacionadas ao fumo, iniciaram-se no vício décadas atrás, o que significa que seus efeitos malignos (efeitos futuros) manifestaram-se após a publicação do Código de Defesa do Consumidor, fato que, per se, motiva a aplicação imediata da mencionada legislação.

74 Nesse sentido: "Consórcio – Publicidade enganosa – Teoria da confiança – Aplicação. Proteção ao consumidor. Direito intertemporal. Código do Consumidor. Contratos concluídos antes de sua vigência. Evolução da teoria contratual. Teoria da confiança. Responsabilidade da empresa que, em enganosa publicidade, vinculou seu nome a consórcio administrado por empresa do mesmo grupo econômico. Pessoa jurídica que acabaria em liquidação extrajudicial, sendo que o consumidor só contratou devido à respeitabilidade da empresa oculta. I – O CDC contém normas de ordem pública, portanto de aplicabilidade imediata. Quanto às relações contratuais em curso quando de sua entrada em vigor, hão que se distinguir dois marcos: o momento pré-contratual será regido pela lei da época, enquanto que os efeitos observados na vigência do Código deverão adequar-se a este diploma... ." (Tribunal de Alçada de Minas Gerais, Apelação Cível n. 233.177, Relator Juiz Wander Marotta, DJ/MG de 12/08/1997; Repertório IOB de Jurisprudência, 2ª quinzena set. 1997, n. 18/97, P. 356,3/13592).

75 Sobre o tema, veja-se a profunda análise feita pela professora Marques, op. cit., 1992.

76 "Responsabilidade Civil. Transportador. Limitação de Indenização. Código de Defesa do Consumidor. Convenção de Varsórvia. Editada lei específica, em atenção à Constituição (Art. 5º, XXXII), destinada a tutelar os direitos do consumidor, e mostrando-se irrecusável o reconhecimento da existência de relação de consumo, suas disposições devem prevalecer. Havendo antinomia, o previsto em tratado perde eficácia, prevalecendo a lei interna posterior que se revela com ele incompatível. Recurso conhecido e não provido." (Superior Tribunal de Justiça, Terceira Turma, REsp 169000/RJ, Relator Ministro Paulo Costa Leite, data da decisão: 04/04/2000).

77 "LOCAÇÃO - LEI 8.245/91 - RETENÇÃO E INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - LEI 8.078/90 - INAPLICABILIDADE. 1. Não é nula, nos contratos de locação urbana, a cláusula que estabelece a renúncia ao direito de retenção ou indenização por benfeitorias. 2. Não se aplica às relações regidas pela Lei 8.245/91, porquanto lei específica, o Código do Consumidor. 3. Agravo regimental não provido." (Superior Tribunal de Justiça, Quinta Turma Cível, Relator Ministro Edson Vidigal, data da decisão: 11/04/2000).

78 "Alienação fiduciária – Busca e apreensão – purgação da mora – limite – revogação – Código de Defesa do Consumidor – Aplicabilidade.

- O §1º do art. 3º do Decreto-lei 911/69, que limita a purga da mora ao pagamento de 40% das prestações, encontra-se revogado em vista das disposições contidas nos arts. 6, V e 53 do Código de Defesa do Consumidor." (Apelação Cível n 332.777-9, Relator Juiz Alvimar de Ávila, Belo Horizonte, julgado em 25/04/2001. Disponível em: <http://www.ta.mg.gov.br>. Acessado em 22 fev. 2003.).

79 MARQUES, op. cit., 1992. p. 22.

80 MARQUES, op. cit., 1992. p. 17.

81 VILLARPANDO, Hugo. Pessoa jurídica e o crédito bancário – destinatário final. Disponível em: <http://www.infojus.com.br >. Acessado em 22 fev. 2003.

82 Ibid.

83 MARQUES, op. cit., 1992. p. 49.

84 Rizzatto Nunes, em ensaio jurídico intitulado "É inconstitucional qualquer Medida Provisória que pretenda afastar o Código de Defesa do Consumidor", publicado no site da editora Saraiva, esclarece que "a Lei n. 8.078/90 é Código por determinação constitucional (conforme art. 48 do ADCT/CF), o que mostra desde logo o primeiro elemento de ligação entre esse diploma e a Carta Magna." E continua: "Como lei principiológica entende-se aquela que ingressa no sistema jurídico, fazendo, digamos assim, um corte horizontal, indo, no caso do CDC, atingir toda e qualquer relação jurídica que possa ser caracterizada como de consumo e que esteja também regrada por outra norma jurídica infraconstitucional. Assim, por exemplo, um contrato de seguro de automóvel continua regulado pelo Código Civil e pelas demais normas editadas pelos órgãos governamentais que regulamentem o setor (Susep, Instituto de Resseguros etc.), porém estão tangenciados por todos os princípios e regras da Lei n. 8.078/90, de tal modo que, naquilo que com eles colidirem, perdem eficácia por tornarem-se nulos de pleno direito." (Disponível em: <http://www.saraivajur.com.br>. Acessado em 22. fev. 2003.

85 Marques, em suas precisas lições, realça a importância dos valores estabelecidos na Carta Magna: "O dinamismo e os interesses contraditórios presentes na atual sociedade de massas desencadearam o aparecimento de um grande número de leis esparsas, leis especiais, em um fenômeno que os alemães denominaram de "Estilhaçamento" do direito (Zersplitterung). Frente aos interesses contraditórios defendidos pelas leis especiais, face a generalização excessiva dos Códigos dos sécs. XVIII e XIX, a ciência do direito teve que buscar a segurança da lei máxima, da lei hierarquicamente superior, para ali resguardar os valores que considerava mais importantes para aquela sociedade. A Constituição toma assim o lugar da Codificação maior. É o fenômeno denominado por Hesse da "Força normativa da Constituição" que leva a Constituição a guiar, com suas novas linhas mestras tanto o direito público quanto o direito privado." (MARQUES, op. cit., 1993. p. 163-164).

86 Cavalieri FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 359.

87 BENJAMIN, Antônio Herman V. O transporte aéreo e o Código de Defesa do Consumidor. Ajuris, mar. p. 509-510. Porto Alegre: Associação dos Juizes do Rio Grande do Sul, 1998.

88 Pouco importa, na solução de conflitos legais envolvendo o Código de Defesa do Consumidor, que as leis com ele conflitantes sejam gerais ou especiais. A Lei 8.078/90 preponderará, inclusive, sobre as leis especiais em função de sua origem constitucional (critério hierárquico), bem como em razão ao seu caráter de norma de ordem pública e interesse social. Frise-se: sempre que a matéria em conflito for albergada pela Lei consumerista, aplicar-se-á essa Lei em desprezo a outra lei (geral ou especial) em embate. É essa a vontade expressa do Estado ao caracterizar a Lei 8.078/90 como lei de ordem pública. A liberdade de contratar e a autonomia da vontade tiveram sua importância reduzida, prevalecendo-se sobre elas as normas imperativas ou obrigatórias impostas pelo Estado. Nesse sentido, a opinião do eminente Cavalieri Filho: "Em conclusão: é impertinente a regra lex posterior generalis non derrogat priori speciali, porque, tratando-se de relações de consumo, o Código de Defesa do Consumidor é a lei própria, específica e exclusiva; a lei que estabeleceu a Política Nacional das Relações de Consumo, consolidando em um só diploma legal todos os princípios pertinentes à matéria, em razão de competência que lhe foi atribuída pela própria Constituição Federal. E, na matéria de sua competência específica, nenhuma outra lei pode a ele (Código) se sobrepor ou subsistir. Pode apenas coexistir naquilo que com ele não for incompatível." (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 236).

89 Farias, em excelente artigo, demonstra, com mestria, a supremacia da Constituição Federal – e por conseqüência, da própria Lei 8.078/90 – quando em choque com tratados e convenções internacionais. Com efeito, evidencia: "Tenha-se em mente que o desenvolvimento de atividades mercantis globalizadas exige uma responsabilidade também globalizada dos fabricantes e demais participantes do fornecimento. Ou seja, em vez de importar um enfraquecimento da proteção do consumidor, a globalização exige uma defesa ainda mais ampla e segura, eis que os riscos de lesões às relações consumeristas aumentam nitidamente.

Nessa trilha, não é possível qualquer restrição ao nosso eficaz sistema de proteção ao consumidor. Ao revés, deve-se tentar ampliar a proteção consumerista, coadunando-se com a própria diretriz constitucional.

Aliás, é certo e incontroverso que como colorário do conceito de soberania nacional, presente nos estados democráticos de direito, apresenta-se a supremacia constitucional.

E é a partir dessa induvidosa supremacia da ordem constitucional que até mesmo convenções e tratados internacionais devem se compatibilizar com a ordem (constitucional) interna para que possam ter aplicabilidade. É que têm os tratados e convenções internacionais, assim como quaisquer instrumentos normativos externos que pretendam ingressar em nosso Ordenamento, altitude infraconstitucional, devendo obediência hierárquica ao Texto Mater.

Daí Maurício Andreiuolo Rodrigues afirmar com propriedade que, "ao menos no Brasil, o tratado internacional não pode ultrapassar os limites impostos pela Constituição da República. E a razão para tanto está na natureza estável do texto constitucional. A leitura dos arts. 59 e seguintes deixa ver que se trata de uma Constituição rígida. E, como tal, os seus preceitos revestem-se de situação hierárquica mais elevada. Porque se trata de conflito de normas de diferentes hierarquias – uma, constitucional, e a outra, de natureza internacional, logo infraconstitucional – não tem valor a regra do monismo moderado, ordinariamente utilizada, e de acordo com a qual lex posterior derrogat lex priori." (FARIAS; Cristiano Chaves de. A proteção do consumidor na era da globalização. Revista de Direito do Consumidor, 41. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 91).

90 Cavalieri FILHO, op. cit., p. 431.

91. Com acerto, Marques leciona que na "maioria dos casos (...) a contradição existente é apenas entre algumas disposições (normas) destas leis, continuando-se a aplicar ambas as leis (a exceção das normas conflitantes) a um mesmo caso concreto. A regra geral é, justamente, da continuidade das leis no sistema." (MARQUES, op. cit., 1993. p. 167).

92 Marques, em outro ponto de sua excelente monografia, assevera que "o conflito entre as normas do Código de Defesa do Consumidor com as dos Códigos Civil e comercial seria resolvido pela aplicação da regra do §2º do art. 2º da LICC, segundo a qual a lei nova especial não revogará a antiga lei geral, quando instituir normas especiais "a par das já existentes". Assim, também, a noção de vício dos arts. 18 e 25 do CDC é totalmente diferente da de vício redibitório do art. 1.101 do Código Civil, os prazos de decadência do direito de reclamá-los também são novos, assim como a impossibilidade de se exonerar contratualmente da responsabilidade; mas, nem por isso, os arts. 1.101 e ss. do Código Civil estão revogados, somente não serão mais utilizados quando se tratar de um contrato de consumo. Na prática, os efeitos se aproximam, mas a sobrevivência das regras gerais é importante porque nem todos podem ser sempre caracterizados como consumidores e nem o CDC regulou toda matéria referente à existência, à validade e à eficácia dos contratos." E conclui: "As normas presentes nas leis especiais continuam válidas para regular todos os contratos civis ou comerciais a que se destinam; tratando-se de contrato de consumo, sua aplicação será afastada naquilo que incompatíveis com o espírito protetor do CDC." (Ibid., 1993. p. 179).

93 "A revogação é, porém, a morte da norma jurídica, significa tirar a força obrigatória, a vigência de uma norma, por incompatível com as novas normas impostas pelo legislador. O conflito de leis no tempo pode resolver-se pela revogação, se incompatíveis, como dispõe o art. 2º da LICC, mas a tendência do direito é justamente a contrária, a da continuidade das leis. O exame da compatibilidade das normas deve incluir não só os textos e as finalidades das normas, mas também analisar com cuidado o campo de aplicação de cada norma, pois se os campos de aplicação material e subjetivo são ora coincidentes ora não, não há interesse do sistema na decretação da perda de vigência de uma das normas, ao contrário, a sobrevivência de ambas é essencial, ou estaremos criando uma lacuna não querida no ordenamento jurídico." (Ibid., 1993. p. 161).

94 Os Tratados internacionais, quando em conflito com o Código de Defesa do Consumidor, também terão suas normas afastadas. Tal situação se deve à origem constitucional da Lei 8.078/90, que torna inadmissível a supremacia de legislações contrárias aos ditames estabelecidos pela Lei Magna.

95 Tem-se especulado se o Novo Código Civil possui prevalência, mesmo nas relações tidas de consumo, sobre o Código de Defesa do Consumidor. A resposta é negativa. Deve-se deixar claro que, em se tratando de relações de consumo, a Lei consumerista deverá ser aplicada, com primazia, sempre. As suas raízes constitucionais (norma principiológica) conferem a ela um verdadeiro privilégio de aplicação e predominância sobre os demais textos normativos, gerais ou especiais. O Novo Código Civil, a exemplo das demais leis, poderá, sim, ser aplicado conjuntamente com o Código de Defesa do Consumidor no desato de problemas envolvendo relações de consumo; entretanto, havendo conflito entre as duas leis, prevalecerá, indubitavelmente, o vigor da última.

96 MARQUES, op. cit., 1993.

97 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo: Malheiros, 2002.

98 O mestre Maximiliano, em brilhante lição, assevera: "Não raro, à primeira vista duas expressões se contradizem; porém, se as examinarmos atentamente (subtili animo), descobrimos o nexo culto que as concilia. É quase sempre possível integrar o sistema jurídico; descobrir a correlação entre as regras aparentemente antinômicas." E conclui: "Sempre que se descobre uma contradição, deve o hermeneuta desconfiar de si; presumir que não compreendeu bem o sentido de cada um dos trechos ao parecer inconciliáveis, sobretudo se ambos se acham no mesmo repositório. Incumbe-lhe preliminarmente fazer tentativa para harmonizar os textos; a este esforço ou arte os Estatutos da Universidade de Coimbra, de 1772, denominavam Terapêutica Jurídica." (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 14. ed. Rio de Janeiro : Forense, 1994. p.134).

99 Essencial se mostra, nesse ponto, as lições da professora Marques ao esclarecer a importância de se respeitar a regra do sistema consumerista imposta pelo artigo 7º: "Observe-se, por exemplo, que o CDC é lei especial na sua face subjetiva, pois só impõe regras para relações contratuais e extracontratuais envolvendo pessoas, que define como consumidores e fornecedores. De outro lado, é lei geral, em grande parte de sua face material, pois trata de várias relações jurídicas envolvendo consumidores e fornecedores, não tratando exaustivamente ou especificamente de nenhuma espécie de contrato em especial, mas impondo novos patamares gerais de equilíbrio e de boa-fé a todas as relações de consumo. O CDC é, por exemplo, lei especial em relação ao Código Civil de 1917, pois só trata das relações envolvendo os que define (ou equipara) como consumidores. O CDC, porém, só trata de alguns aspectos dos contratos de consumo (dever de informação, garantias, vícios de prestação contratual, cláusulas abusivas, dever de redação dos contratos de adesão etc.), deixando a maioria das regras sobre existência, validade e eficácia da relação para o Código Civil, logo, se o CDC revoga-se uma norma que fosse o Código Civil criaria uma grande lacuna para todos os outros tipos de contratos e para o seu próprio sistema, que não é exaustivo." (MARQUES, op. cit., 1993. p. 175).

Sobre o autor
Lúcio Delfino

advogado e consultor jurídico em Uberaba (MG), doutor em Direito Processual Civil pela PUC/SP, professor dos cursos de graduação e pós-graduação da UNIUBE/MG, membro do Conselho Fiscal (suplente) do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (BRASILCON), membro do Instituto dos Advogados de Minas Gerais, membro da Academia Brasileira de Direito Processual Civil, diretor da Revista Brasileira de Direito Processual

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DELFINO, Lúcio. Reflexões acerca do art. 1º do Código de Defesa do Consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 230, 23 fev. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4832. Acesso em: 22 nov. 2024.

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