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CO- CULPABILIDADE E CULPABILIDADE ÀS AVESSAS

Pode o Estado ser responsabilizado por um delito?

Agenda 26/04/2016 às 10:24

Quais são os limites das consequências jurídicas em relação à conduta delituosa de indivíduos marginalizados socialmente? O Estado seria de algum modo, responsável pelo cometimento de certos delitos?

TEORIA DA CO-CULPABILIDADE

Para se começar a tratar do tema em questão é preciso lembrar, precipuamente, acerta da aplicação do Princípio da Culpabilidade no Direito Penal brasileiro, que, em seu conceito, pode ser visto sob três nuances; a culpabilidade do agente pode dizer respeito à responsabilidade subjetiva, à materialização fato criminoso e também como critério de proporcionalidade.

É valido ressaltar que a culpabilidade é considerada pressuposto de aplicação da pena. Isso porque, adotando-se a teoria finalista da ação, passou a se entender que dolo e culpa (figuras antes integrantes do conceito de culpabilidade e que faziam com que esta fosse estudada como elemento subjetivo do crime) migraram para a conduta típica.

Não satisfeito com os critérios Culpabilidade tradicional, Zaffaroni, ilustre jurista Argentino, inova a doutrina, trazendo o instituto da Co-culpabilidade para o Direito Penal. Trata-se de uma espécie de co- divisão de responsabilidade entre o Estado, a sociedade e o indivíduo que comete um ato delituoso.

A Teoria da Co-culpabilidade traz em seu conceito duas leituras, sendo a primeira delas atinente àquele sujeito que cresce num ambiente desfavorável, seja por questões socioeconômicas, educacionais, familiares, entre outras, e é “empurrado” para a criminalidade.

Salienta-se que a tese não deixa de responsabilizar esse indivíduo que se encaixa no perfil supra citado e comete delito; deverá ele ser responsabilizado, nada obstante seja de forma atenuada.

No Brasil, não há dispositivo expresso que trate acerca da Co- culpabilidade, em que pese os que advogam pela teoria  de Zaffaroni possam se socorrer de uma porta aberta deixada pelos artigos 59 e 66 do Código Penal e pelo artigo 187, § 1º, do Código de Processo Penal.

Começando pelo CPP, vejamos:

 Art. 187. O interrogatório será constituído de duas partes: sobre a pessoa do acusado e sobre os fatos. 

        § 1o Na primeira parte o interrogando será perguntado sobre a residência, meios de vida ou profissão, oportunidades sociais, lugar onde exerce a sua atividade, vida pregressa, notadamente se foi preso ou processado alguma vez e, em caso afirmativo, qual o juízo do processo, se houve suspensão condicional ou condenação, qual a pena imposta, se a cumpriu e outros dados familiares e sociais. 

 “Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: 

        I - as penas aplicáveis dentre as cominadas;      

        II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;

        III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;

        IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível”

Já Artigo 66 do código penal, trabalha com analogia “in bonan partem” ao elucidar que “a pena poderá ser ainda atenuada em razão de cicunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei”.

É verdade que a Teoria da Co-culpabilide é trabalhada por parcela minoritária que acredita na tese de Zaffaroni.

A jurisprudência, de forma majoritária, rechaça tal teoria, alegando, para tanto, que dela advém uma espécie de “preconceito”, entendendo que ser o crime ato praticado pelo “desfavorecido economicamente.”

Zaffaroni, no entanto, fala do vulnerável como um todo, não só aquele desprivilegiado economicamente, mas também aquele que não teve boas condições familiares, instrução ou educação, aquele que, de qualquer forma, não teve alguém que “zelasse” por ele.

A segunda leitura acerca da Teoria da Co-culpabilidade refere-se àquele egresso do sistema prisional; o agente tenta se reinserir na sociedade, no mercado de trabalho e não consegue a almejada oportunidade. É, pois, uma interpretação voltada ao “Labeling Aproach”, também conhecida como Teoria do Etiquetamento.

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Em suma, o indivíduo acaba por assumir o papel que os outros veem nele; segundo esse entendimento, a criminalidade não é uma propriedade inerente a um sujeito, mas uma “etiqueta” atribuída a certos indivíduos que a sociedade entende como delinquentes.

CO-CULPABILIDADE ÀS AVESSAS

Brevemente tratado o Instituto da Co-culpabilidade, passa-se agora a discorrer sobre outra teoria símile, resguardas as suas particularidades. Trata-se da Teoria da Co-Culpabilidade às Avessas, defendida por Gregori Moura, que faz uma crítica ao sistema, entendendo que o Estado é mais complacente com alguns delitos que, em regra, são praticados por agentes de classe social mais privilegiada.

A primeira perspectiva de que trata a teoria da co culpabilidade às avessas se traduz-se, pois, no abrandamento à sanção de delitos praticados por pessoas com alto poder econômico e social, como nos chamados dos “White Collar Crimes” , os famosos crimes de colarinho branco (crimes contra a ordem econômica e tributária).

Exemplo prático do entendimento da teoria é extinção da punibilidade pelo pagamento da dívida nos crimes contra a ordem tributária. Em crimes dessa espécie, reparado o dano, extingue-se a punibilidade, diferentemente do que ocorre nos crimes de outras espécies, via de regra praticados por indivíduos inseridos em uma classe social desfavorecida.

A segunda vertente da Teoria da Co-culpabilidade às Avessas se revela, justamente, na tipificação de condutas geralmente praticadas por pessoas marginalizadas. Exemplos disto são os artigos 59 (vadiagem) e 60 (mendicância – revogado pela lei 11.983/2009), da Lei de Contravenções Penais.

Dispõe o artigo 59:

Entregar-se alguém habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover à própria subsistência mediante ocupação ilícita: Pena - prisão simples, de quinze dias a três meses”.

Nos chamados “Blue Collor Crimes”, os crime de colarinho azul, ou seja, os crimes comuns, diversamente do que ocorre nos “White collor crimes” ou crimes do colarinho branco, que como já mencionado, reparado o dano tem-se extinta a punibilidade, aqui reparado o dano, o agente delituoso recebe simplesmente uma redução de pena, conforme pressupõe do artigo 16 do Código Penal Brasileiro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tanto a Teoria da Co-culpabilidade quanto a Teoria da Culpabilidade às avessas são teses que não devem ser desprezadas pelo operador do direito, especialmente o magistrado. A primeira porque embora defendida atualmente pela doutrina minoritária encontre, de certa forma, respaldo jurídico no ordenamento pátrio, como supra mencionado. A segunda porque mantendo um olhar crítico sobre o sistema, verifica-se claramente que o Estado é efetivamente mais complacente com alguns delitos que, em geral, são praticados por agentes de classe social mais privilegiada.

Assim, verifica-se que diversos são os fatores e circunstancias a serem considerados na punibilidade do delito. De outro modo, desconsiderando o meio social como fator circunstancial na conduta delituosa, aquele que comete transgressão premido de necessidade - como é o caso do pai desempregado que furta um pacote de feijão para alimentar seu filho- estará sendo penalizado duas vezes pela sociedade em que vive.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MOURA, Gregore. Do princípio da co-culpabilidade. Niteroi: Impetus, 2006.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 10ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008.

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. Vol. 1: Parte Geral.28.ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2005.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro. 4. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

ZAFFARONI, Eugenio Raul e PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

Sobre a autora
Talita Simões de Aquino Moro

Advogada. Pós Graduada em Direito Do trabalho. Pós graduada em Direito Público.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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