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Análise da decisão do STF que decidiu pela constitucionalidade do Seguro Acidente de Trabalho

Agenda 29/02/2004 às 00:00

A jurisprudência em tela trata da constitucionalidade da cobrança do Seguro Acidente de Trabalho – SAT. A empresa MORETTI AUTOMÓVEIS LTDA impetrou uma ação declaratória contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), pleiteando o não pagamento desse tributo, devido entendê-lo como inconstitucional.

Em 10/03/1999, foi distribuída ação declaratória com pedido de antecipação de tutela (Nº 99.01.01001-2) na Justiça Federal de Santa Catarina. O pedido de antecipação de tutela foi indeferido. Em 17/09/99, sentença julgou improcedente a ação, mas foi interposta apelação que foi recebida no duplo efeito.

A apelação no Tribunal Regional Federal da 4ª. Região (no. 2000.04.01.060070-0), teve como relatora a Desembargadora Federal Ellen Gracie Northfleet - 1ª Turma. Em 20/06/2000, a Turma, por unanimidade, negou provimento à apelação. Foram opostos embargos de declaração pelo apelante, aos quais foi negado provimento; houve nova interposição e a Turma, por unanimidade, deu provimento aos para fins de prequestionamento. Ainda insatisfeito, o autor interpôs recurso especial e extraordinário.

O Recurso Extraordinário - RE no. 343446 foi julgado pelo pleno que decidiu por unanimidade pelo não conhecimento do recurso, decisão publicada no Informativo do Supremo Tribunal Federal - STF no. 301. O Recurso Especial de no. 330.701 foi atribuído ao Ministro Castro Meira - Segunda Turma, esta, também por unanimidade, negou provimento ao recurso.

Inicialmente, faz-se necessária uma breve explanação sobre a instituição do SAT, para depois podermos analisar melhor as questões jurídicas em discussão na decisão do STF que decidiu pela sua constitucionalidade.

O SAT surgiu com a Lei 6.367/76, art. 15, que prescrevia que haveria um acréscimo de percentagens (de 0,4%-risco leve, 1,2%-risco médio e 2,5- risco grave) sobre valor da folha de salário de contribuição dos segurados.

Tem matriz constitucional no art. 195, inciso I, a [1]. A Lei 7.787/89, art. 3º., II previu alíquota única de 2%. Posteriormente, a Lei 8.212/91, art. 22, II determinou que a contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, para o financiamento da complementação das prestações por acidente do trabalho incidiria nos percentuais de 1, 2 e 3%, respectivamente risco leve, médio ou grave, incidentes sobre o total das remunerações pagas ou creditadas aos segurados empregados e trabalhadores avulsos. Por fim, a Lei 9.732/98 impôs alterações quanto aos benefícios a serem pagos com a contribuição.

Passemos agora à análise das alegações das partes no caso em discussão. A empresa pretende que seja declarada inconstitucionalidade dos art.s 3º, II da Lei 7787/89 [2] e art. 22, inc II da Lei 8212/91 [3], além dos Decretos 612/92 e 2.173/97, sob os fundamentos a seguir expostos.

Ofensa à CF, art. 195, §4º [4] (instituição de fontes destinada à seguridade social) c/c art. 154, I [5] (competência residual da União). A Base de cálculo "total das remunerações" prevista pelo o art. 3º., II da Lei 7.787/89 e art. 22, II, a da Lei 8212/91difere da prescrita pelo art. 195, I, CF antes da EC 20/98 [6], "folha de salários", criando nova contribuição social, o que exigiria Lei Complementar, pois implicaria na competência residual da União para instituir impostos.

Ofensa à CF, art.149 [7] (competência da União para instituir contribuições sociais) c/c 146, III [8] (reserva de Lei Complementar) e 150, I [9] (princípio da legalidade tributária). Os Decretos 612/92 e 2.173/97 inovaram ao redefinir o conceito de atividade preponderante e graus de risco, o que repercute na base de cálculo, alíquotas e definição de contribuinte, havendo alteração da destinação do produto do SAT, que passou a "financiamento da complementação das prestações por acidente do trabalho" (art. 22, II, a da Lei 8212/91) para nos decretos passar a ser destinada ao financiamento dos benefícios concedidos em razão da maior incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho.

Por fim, violação da isonomia (CF, art. 5º, caput e art. 150, II [10])., pois alíquota única de 2% para todos os contribuintes fixada pelo inciso II do art.3º. da Lei 7.787/89 atingiu de forma igual contribuintes que se encontravam em situações diferentes.

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Já o INSS pretende que seja declarada a legitimidade da cobrança do SAT, pois este foi regularmente instituído, tendo a Lei 8212/91 definido satisfatoriamente todos os elementos capazes de fazer nascer uma obrigação tributária válida, não havendo também ofensa à isonomia, pois o art. 4º. da Lei 7.787/89 [11], ao instituir uma contribuição adicional para as empresas cujo índice de acidente de trabalho seja superior à média do respectivo setor, cuidou de tratar desigualmente desiguais

O Tribunal Pleno do STF decidiu a questão da seguinte forma:

"EMENTA: - CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO: SEGURO DE ACIDENTE DO TRABALHO – SAT. Lei 7.787/89, arts. 3º e 4º; Lei 8.212/91, art. 22, II, redação da Lei 9.732/98. Decretos 612/92, 2.173/97 e 3.048/99. C.F., artigo 195, § 4º; art. 154, II; art. 5º, II; art. 150, I.

I. – Contribuição para o custeio do Seguro de Acidente do Trabalho – SAT: Lei 7.787/89, art. 3º, II; Lei 8.212/91, art. 22, II: alegação no sentido de que são ofensivos ao art. 195, § 4º, c/c art. 154, I, da Constituição Federal: improcedência. Desnecessidade de observância da técnica da competência residual da União, C.F., art. 154, I. Desnecessidade de lei complementar para a instituição da contribuição para o SAT.

II. - O art. 3º, II, da Lei 7.787/89, não é ofensivo ao princípio da igualdade, por isso que o art. 4º da mencionada Lei 7.787/89 cuidou de tratar desigualmente aos desiguais.

III. - As Leis 7.787/89, art. 3º, II, e 8.212/91, art. 22, II, definem, satisfatoriamente, todos os elementos capazes de fazer nascer a obrigação tributária válida. O fato de a lei deixar para o regulamento a complementação dos conceitos de "atividade preponderante" e "grau de risco leve, médio e grave", não implica ofensa ao princípio da legalidade genérica, C.F., art. 5º, II, e da legalidade tributária, C.F., art. 150, I.

IV. – Se o regulamento vai além do conteúdo da lei, a questão não é de inconstitucionalidade, mas de ilegalidade, matéria que não integra o contencioso constitucional.

V. – Recurso extraordinário não conhecido."

O meio escolhido pelo autor para obter a declaração de inconstitucionalidade do tributo foi a Ação declaratória, que visa dirimir incerteza relacionada à relação jurídica tributária, do tipo negativa, pois pretende declaração de inexistência da mesma. Diferentemente da Ação declaratória positiva, que almeja a declaração da existência de algum direito do contribuinte, por exemplo, que seja reconhecida uma isenção.

A ação declaratória é o meio processual mais adequado ao caso, pois tem ampla coisa julgada, em sendo declarado o tributo inconstitucional, nenhuma atividade do Fisco pode ser praticada contra o contribuinte no sentido da cobrança do tributo.

Outros contribuintes, visando questionar a constitucionalidade da cobrança do SAT, impetraram mandado de segurança preventivo, visando impedir a atividade de cobrança por parte do Fisco.

Esta ação é imprópria ao caso, porque esse questionamento exige dilação probatória, por exemplo para verificar qual a atividade predominante da empresa, que no mandado de segurança é mínima, na proporção em que neste a cognição é sumária e a prova deve ser pré-constituída. Além disso, de regra, o mandado de segurança não faz coisa julgada para exercícios posteriores [12].

Quanto à alegação do autor de ofensa à forma de instituição de fontes destinadas à seguridade social não previstas pela Constituição Federal, que deveria se dar pelo exercício da competência residual da União, a doutrina, interpretando literalmente a Constituição Federal art. 154, inciso I, afirma que essa competência refere-se a impostos, não a contribuições, como é o caso do SAT.

O Supremo decidiu que o SAT não é uma nova contribuição, pois está previsto na CF, art. 7º., inciso XXVIII, incidindo sobre a folha de salários alíquota de 2% sobre total das remunerações pagas ao empregado (L. 7887/89, art. 3º., II), por isso não há que se falar em competência residual da União.

Alega também o recorrente que os Decretos 612/92 e 2.173/97 inovaram ao redefinir o conceito de atividade preponderante e graus de risco, ofendendo a competência da União para instituir contribuições sociais, a reserva de Lei Complementar e ao princípio da legalidade tributária.

Em sua decisão, a Corte Suprema expressou o entendimento de que a Lei 8.212/91, que instituiu o SAT, define satisfatoriamente todos os elementos capazes de fazer nascer uma obrigação tributária válida, quais sejam: sujeito passivo a empresa, sujeito passivo o INSS, base de cálculo sendo a remuneração dos segurados empregados ou trabalhadores avulsos e alíquota definida em razão do grau de risco a que se sujeita a atividade preponderante da empresa.

A Lei Ordinária 8.212/91, ao instituir o SAT, não ofendeu à reserva de Lei Complementar, pois, como já observado acima, o caso não é de competência residual da União.

Além disso, o fato de a lei deixar para regulamento os conceitos de atividade preponderante e graus de risco não implica ofensa à legalidade tributária, pois não está modificando elementos básicos da contribuição, mas delimitando conceitos necessários à aplicação da norma, sendo um regulamento delegado pela lei.

O conceito do princípio da legalidade tributária está claro em Amaro [13], por isso aqui o transcreveremos:

"Em suma, a legalidade tributária não se conforma com a mera autorização de lei para cobrança de tributos; requer-se que a própria lei defina todos os aspectos pertinentes ao fato gerador, necessários à quantificação do tributo devido em cada situação concreta que venha a espelhar a situação hipotética descrita na lei" (itálico no original).

Ao lado do princípio da legalidade tributária está o Poder regulamentar a ser exercido pelo Executivo, que pode ocorrer desde que observados os critérios descritos abaixo, retirado de trecho do voto do Ministro Relator:

"(...) legislação pelo Executivo, em termos de regulamentação, como técnica de administração, desde que observados os seguintes critérios: a) a delegação pode ser retirada daquele que a recebeu, a qualquer momento, por decisão do Congresso; b) o Congresso fixa standarts ou padrões que limitam a ação do delegado; c) razoabilidade da delegação." [14]

O Tribunal entendeu que a lei instituidora do SAT, delegou ao regulamento determinar o que seria atividade predominante e enquadrar as empresas nas quais essa atividade seria de risco leve, médio ou grave.

Atividade preponderante é um conceito jurídico indeterminado, o que significa que ele tem estrutura aberta, capaz de adaptar-se a diferentes realidades, semelhante às normas em branco do Direito Penal.

Alguns doutrinadores defendem que não poderia existir norma tributária em branco, pois a descrição da regra matriz de incidência tributária, por expressa previsão constitucional, caberia apenas ao Legislativo, não podendo o Executivo suprir-lhe falhas ou omissões.

A definição de atividade preponderante foi integrada através de decretos do Executivo, mas a jurisprudência majoritária do Supremo [15] pensa que essa integração foi autorizada pela lei e que houve razoabilidade na escolha dos critérios, não sendo eivada de inconstitucionalidade.

Por fim, quanto a suposta violação ao princípio da isonomia o Supremo Tribunal Federal decidiu que o art. 4º. da Lei 7.787/89, ao determinar uma contribuição adicional a ser paga pelas empresas que tivessem mais acidentes que a média do setor, cuidou de atender a esse princípio.

Diante de todo o exposto, acreditamos constitucional a exigência do Seguro Acidente de Trabalho, seguindo a Jurisprudência dominante dos nossos Tribunais.


BIBLIOGRAFIA:

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 8ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2002. ISBN 85-02-03750-1.

CAIS, Cleide Previtalli. O processo tributário. 3ª. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais: 2001. – (Coleção estudos de direito de Processo Enrico Túlio Liebman; 22). ISBN 85-203-2028-7.

CASTRO, Carlos Alberto Pereira de, LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 3ª. ed. atual. São Paulo: LTr, 2002. ISBN 85-361-0245-4.

PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 5ª. ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado: ESMAFE, 2003. ISBN 85-7348-274-5


NOTAS

01. "CF, Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;"

02. "Lei 7.787/89, Art. 3º A contribuição das empresas em geral e das entidades ou órgãos a ela equiparados, destinada à Previdência Social, incidente sobre a folha de salários, será:

(...)

II - de 2% sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e avulsos, para o financiamento da complementação das prestações por acidente do trabalho."

03. "Lei 8212/91, Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de:

omissis

II - para o financiamento da complementação das prestações por acidente do trabalho, dos seguintes percentuais, incidentes sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos:

a) 1% (um por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de acidentes do trabalho seja considerado leve;

b) 2% (dois por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado médio;

c) 3% (três por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave."

04. "CF, Art. 195... .....................

.......................

§ 4º - A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I."

05. "CF, Art. 154. A União poderá instituir:

I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição;"

06. "CF, Art. 195. (...)

I - dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro;" Antes da EC 20/98.

07. "CF, Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo."

08. "CF, Art. 146. Cabe à lei complementar:

omissis

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:"

09 "CF, Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça"

10. "CF, Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.

Art. 150.................

..............

II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;"

11. "Lei, 7.787/89, Art. 4º A empresa cujo índice de acidente de trabalho seja superior à média do respectivo setor, sujeitar-se-á a uma contribuição adicional de 0,9% a 1,8%, para financiamento do respectivo seguro."

12. "Sum. STF 239 Decisão que declara indevida a cobrança do imposto em determinado exercício não faz coisa julgada em relação aos posteriores."

13. AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 8ª. Ed.

14. "A delegação legislativa – A legislação por associações" em "Temas de Direito Público", Carlos Velloso, 1ed., 2 tir.,

15. Acórdãos no mesmo sentido: RE 318048 AgR-RS, RE 332604 AgR-PR, RE 341137 AgR –SC, RE 359977 AgR –PR e RE 362888 AgR-PR.

Sobre a autora
Fabíola Paula Cavalcante

bacharela em Direito pela Universidade Federal do Ceará

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAVALCANTE, Fabíola Paula. Análise da decisão do STF que decidiu pela constitucionalidade do Seguro Acidente de Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 236, 29 fev. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4862. Acesso em: 26 nov. 2024.

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