O direito de resistência é, em síntese, uma garantia de autodefesa social. Consiste no direito fundamental de cada pessoa de descumprir normas jurídicas vigentes, toda vez que tais normas perderem ou não tiverem legitimidade e se puserem em vias de causar injustiça. Trata-se de um bem jurídico que legitima e estimula a desobediência civil para fazer acontecer a justiça plena, que não se perfila com as molduras legais existentes, ou que é impossível de existir pelas vias institucionais oriundas dos organismos coercitivos tradicionais do mundo jurídico. Apesar de ser algo singular, não é tema novo às searas da Ciência Política e do Direito. Formalmente defendido por pensadores contratualistas nos séculos XVI e XVII, restou previsto na versão de 1793, da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a qual dispôs em seu art.35: “Quando o governo viola os direitos do Povo, a revolta é para o Povo e para cada agrupamento do Povo o mais sagrado dos direitos e o mais indispensáveis dos deveres.”
Este princípio serviu de vetor de orientação para as constituições francesas doravante, encontrando-se, atualmente, inserido em Constituições de Estados democráticos, por exemplo, Alemanha e Portugal. Na Constituição alemã, o art. 20, que trata dos Princípios Constitucionais – Direito de resistência, dispõe:
(3) O poder legislativo está vinculado à ordem constitucional; os poderes executivo e judiciário obedecem à lei e ao direito;
(4) Contra qualquer um, que tente subverter esta ordem, todos os alemães têm o direito de resistência, quando não houver outra alternativa.
Em Portugal, por sua vez, o art. 21º da Carta Política, que semelhantemente reza sobre Direito de resistência, prevê: “Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública.”
No Brasil, ressalvando-se o direito de greve, que não deixa de ser uma garantia coletiva de paralisação de trabalho como reação a condições desfavoráveis de labor, a Constituição não trata expressamente de direito de resistência, muito embora o ordenamento jurídico do país recepcione-o manifestamente em determinadas situações. O direito laboral pátrio, por exemplo, abriga o jus resistentiae do trabalhador como remédio contra o exercício arbitrário do jus variandi por parte do empregador; Cortes Superiores, como STJ e STF, por sua vez, já sinalizaram para o reconhecimento da legitimidade de ocupações em questões fundiárias movidas pelo Movimento Sem Terra (MST). Nada extravagante, já que a melhor interpretação há de reconhecer que a Constituição da República ampara a pretensão quando concentra seu núcleo de direitos fundamentais no entorno da dignidade da pessoa humana, projetando-se para o futuro e permitindo a recepção, conforme prescrito no §2º, do art. 5º, de outros “direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
A propósito, reitera a doutrina que o direito de resistência, colocando-se como antagônico ao direito posto, deve revestir-se de qualidades que lhe denotem legitimidade, citem-se, dentre outras: o exercício por coletivo ameaçado por injustiça decorrente da aplicação de direito deslegitimado; ser ação proporcional e de último caso, suscitada após frustrados esforços institucionais de reversão ou impedimento da injustiça; ser materializado às claras, para que não seja confundido como conspiração ilícita, mormente seja a ilicitude da ação, justificada pelo prisma da legalidade formal, o principal argumento dos que se opõe à resistência em marcha.
Qualquer que seja a forma da resistência, não é fácil para um cientista do Direito defendê-la, pois as palavras escritas perenizam-se, e, se por um lado, a história é implacável com juristas que cometem deslizes exortando ações e atitudes desalinhadas com a justiça, por outro lado, somente o tempo poderá dizer se o direito questionado, considerado ilegítimo, e a correlata atitude de desobediência tida como justa, de fato, assim o são verdadeiramente. Mas o fato é que desde antes de Palmares, em fins do século XVI, até a luta contra o Regime Militar, há pouco mais de 30 anos, a história do Brasil está permeada de episódios de resistência, considerados ilegais em seu tempo, e, posteriormente, compreendidos como justos pelo Estado brasileiro. Por isso, é questão de responsabilidade, levantar a discussão nesse momento crítico da histórica política do país, em que se descortina, no Congresso Nacional, sob a alcunha de pedido de impeachment, um inequívoco golpe parlamentar, com beneplácito do sistema de Justiça nacional, contra a atual mandatária do executivo federal.
Até mesmo porque, apesar de não mencionar expressamente o direito de resistência no texto constitucional, o ordenamento do país admite-o como garantia fundamental implícita, municiando permanentemente a sociedade na defesa dos valores elevados da República, sendo a defesa da integridade política do Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º), inquestionavelmente, uma das situações de manifesta imperiosidade. Saliente-se, uma vez mais destacando o §2º, do art. 5º, da Constituição, que prescreve que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”, que o direito de resistência é amplamente factível no país, não apenas por ser um direito ou garantia decorrente de princípios adotados pela República (no caso, o princípio democrático), mas, também, por força de tratados internacionais reconhecidos pelo Brasil, como a Carta Democrática Interamericana, de 2001, documento que tem servido de referencial, desde sua aprovação, para as ações da Organização dos Estados Americanos (OEA) diante de todos os casos de instabilidade institucional no continente (Venezuela, 2002; Bolívia, 2003; Peru, 2003; Haiti, 2004; Bolívia, 2005; Nicarágua, 2005; Equador, 2005; Honduras, 2009; Paraguai, 2012) e cujo art.1º preleciona que “os povos da América têm direito à democracia e seus governos têm a obrigação de promovê-la e defendê-la”. Ou como o Protocolo de Assunção sobre Compromisso com a Promoção e a Proteção dos Direitos Humanos do Mercosul, de 2005, internalizado na forma do Decreto 7.225/10, que estabelece, em seu art.1º, que
A plena vigência das instituições democráticas e o respeito dos direitos humanos e das liberdades fundamentais são condições essenciais para a vigência e evolução do processo de integração entre as Partes.
Com efeito, não havendo dúvidas sobre a plausibilidade e a justeza do recurso ao direito de resistência como legítimo mecanismo de defesa individual e coletiva ante a injustiça, o que se deve discutir doravante é se haveria, ou não, razões motivadoras para a utilização do mecanismo, no caso de uma eventual procedência do pedido de impeachment ora proposto contra a presidenta Dilma Rousseff, no parlamento nacional.
Preliminarmente à discussão, é importante entender-se que, apesar das lembranças vivas de 1964, a ruptura da ordem institucional de um Estado não necessariamente se dá através de um golpe militar. Tanto em Honduras, em 2009, quanto no Paraguai, em 2012, as destituições dos respectivos presidentes Manuel Zelaya e Fernando Lugo, se deram por vias diferentes, em cenários de aparente normalidade democrática, e, teoricamente, ancorados nas ordens jurídicas internas. Em Honduras, Zelaya até esteve momentaneamente detido em domicílio por tropas policiais federais e do exército, mas foi o Legislativo que contaminou o processo político local, com uma oposição insana e sistemática contra o ex presidente, oposição cujo suporte foi dado pelo Judiciário, o qual incriminou-o de maneira sórdida, até que não pudesse mais exercer, de maneira estável, o mandato presidencial para o qual fora eleito. Já no Paraguai, não houve qualquer ação militar, o ex presidente Lugo foi deposto através de um questionado processo de impeachment conduzido pelo Senado do país. Em ambos os casos, Honduras e Paraguai, a OEA condenou as ações golpistas, não reconheceu os governos de fato que assumiram os comandos das respectivas nações, e, como medida repreensiva, suspendeu citados Estados do sistema interamericano, até que novas eleições acontecessem, fundamentando-se no disposto no art.19, da já citada Carta Democrática Interamericana:
...a ruptura da ordem democrática ou uma alteração da ordem constitucional que afete gravemente a ordem democrática num Estado membro constitui, enquanto persista, um obstáculo insuperável à participação de seu governo nas sessões da Assembleia Geral, da Reunião de Consulta, dos Conselhos da Organização e das conferências especializadas, das comissões, grupos de trabalho e demais órgãos estabelecidos na OEA.
Diversos países apoiaram tais medidas coercitivas e estipularam sanções diplomáticas individuais, inclusive o Brasil, não sendo custoso recordar que, para o Paraguai, além da suspensão da OEA, restou-lhe o afastamento temporário do Mercosul, com fulcro nos arts. 3º e 4º, do também citado Protocolo de Assunção sobre Compromisso com a Promoção e a Proteção dos Direitos Humanos:
O presente Protocolo se aplicará em caso de que se registrem graves e sistemáticas violações dos direitos humanos e liberdades fundamentais em uma das Partes em situações de crise institucional ou durante a vigência de estados de exceção previstos nos ordenamentos constitucionais respectivos...
(...)
Tais medidas abarcarão desde a suspensão do direito a participar deste processo de integração até a suspensão dos direitos e obrigações emergentes do mesmo.
Portanto, se considerado golpe o que hoje anda em curso no Congresso Nacional sob a forma jurídica de impeachment, não obstante inocorra qualquer levante militar, o Estado brasileiro, provavelmente, sofrerá sanções internacionais, não devendo o governo ilegítimo ser reconhecido como governo de direito por parte expressiva da sociedade internacional, especialmente no continente americano (OEA e Mercosul), quiçá pelos países com os quais o Brasil mantém afinidade ideológica-comercial, caso dos membros integrantes do bloco BRICS (Rússia, Índia, China e África do Sul).
Partindo-se para a análise da forma e do conteúdo do processo de impeachment que, em datas de hoje, tramita na Comissão Especial no Senado Federal, é possível, desde já, afirmar que se trata de um artifício inteiramente fraudulento, eivado de vícios de nulidade:
Em primeiro lugar, não encontra fundamento jurídico. Em seu processo de impeachment, a presidenta é acusada por dois supostos crimes: a) autorização de crédito suplementar orçamentário em 2015, sem autorização legal; b) atraso no repasse ao Banco do Brasil de valores relativos a subvenções do crédito rural (pedalada fiscal). Ambas as condutas configurariam, em tese, a hipótese do artigo 85, inciso VI, da Constituição, crimes de responsabilidade por violação da Lei Orçamentária. Diz-se em tese porque juridicamente é impossível atribuir-se tipificação de crime às ações cometidas. A suplementação de crédito não infringiu a meta de responsabilidade fiscal de 2015, a qual foi reconhecida como legal pelo Congresso Nacional, através do Projeto de Lei do Congresso Nacional (PLN) nº 5/2015. O PLN supriu a carência de autorização ocasional dos decretos supletivos, conduta historicamente admitida como lícita pelo Tribunal de Contas da União (TCU) até o fim de 2014, quando a Corte mudou de posição, por razões nitidamente persecutórias contra a presidenta. Por seu turno, as pedaladas também não consistiram em crimes orçamentários, porque não feriram a Lei Orçamentária Anual, uma vez que não repercutiram em perda econômica para o tesouro ou para o banco pagador das subvenções sociais, sendo este privado dos repasses apenas momentaneamente, para custeio de programas sociais voltados à atenção do povo mais sofrido do país. Trata-se meramente de medidas financeiras, e não de operações de crédito segundo definido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 29, inciso III). Ou seja, a suplementação de crédito e as pedaladas fiscais questionadas não constituíram crimes – muito menos de responsabilidade – praticados com ânimo de fraudar, de intensa gravidade, requisitos necessários a um extraordinário impeachment presidencial. As medidas adotadas pelo Executivo federal, que não foram invenção da presidenta da República, posto que aplicada e reaplicada, repetidamente, em governos anteriores, nunca redundaram em perda econômica para o erário, tampouco geraram enriquecimento ilícito e jamais estiveram associadas à prática de corrupção. A propósito, se pedaladas fiscais fossem crime, igual responsabilidade deveria recair sobre quase duas dezenas de governadores estaduais, os quais efetuaram a mesmíssima estratégia nas gestões de suas finanças. Deveria recair também sobre o vice-presidente Michel Temer, que assinou, em exercício da Presidência, decretos a título de pedaladas fiscais. Registre-se, apenas a título de ilustração, que, entre novembro de 2014 e julho de 2015, Temer havia assinado decretos de liberação em valores três vezes superiores aos assinados, até então, pela presidenta. O vice também autorizou suplementação de crédito orçamentário.
Segundo, porque se trata de uma proposição anunciada desde os dias iniciais do segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff, quando os ânimos eleitorais ainda estavam acirrados e o reconhecimento da derrota eleitoral obstruía a garganta, clarividenciando que o objetivo da ação oposicionista nunca foi realizar justiça, mas, única e tão somente, derrubar um governo legitimamente eleito pela população, com mais de 54,5 milhões de votos, o qual, uma vez conquistado dentro de um regime presidencialista, via de regra, somente poderia ser destituído após novas eleições.
Terceiro, porque está materializado na forma de um procedimento contaminado pelos vícios pegajosos da velha política, instaurado pela ira vingativa de um presidente de Câmara, denunciado no STF por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, que jamais conduziu o rito com isenção e justiça, bastando dizer que, de um lado, processou o impeachment a mil por hora nos órgãos internos da Câmara, enquanto mantinha o pé no freio em seu próprio processo de cassação no Comitê de Ética da Casa parlamentar.
Quarto, porque, na mesma esteira, desde o princípio vem expondo a presidenta da República a um julgamento de exceção, descompensado, mensurado e decidido por dezenas de investigados, acusados e condenados nos mais diversos crimes políticos e contra a administração pública (37 dos 65 integrantes da Comissão Especial de Impeachment na Câmara estavam em situação complicada; dos 37, 35 votaram pela admissibilidade processual), boa parte na torcida para que uma hecatombe social acontecesse lhes permitindo salvar a própria pele, em claro atentado contra os mais comezinhos princípios de justiça do país, ignorando-se o fato de que um fiel processo de impeachment, em que pese a tramitar numa Casa legislativa, deve se orientar por pressupostos jurídicos, e não meramente políticos ou de interesses pessoais. Esse fato se mostrou mais do que evidente no julgamento da admissibilidade do impeachment no Plenário da Câmara, quando, desavergonhadamente, dezenas e dezenas de parlamentares justificaram seus votos na família, em Deus, no povo de Israel, nos maçons do país, em torturadores do regime militar, etc., menos na existência de crime de responsabilidade da presidenta da República. Essa mesma situação vê-se acontecer no Senado onde, presentemente, o processo encontra-se relatado por autoridade que, desde sempre, vem se pondo como favorável ao impedimento presidencial, porém, quando governador de seu Estado, fez uso de pedalas fiscais, mesmo suposto crime pelo qual a presidenta vem sendo acusada de haver cometido, e em função de que encontra-se ameaçada de perder o mandato. Isso sem falar da questionável integridade política e moral de parte expressiva dos senadores que irão julgar, definitivamente, a presidenta, já se observando, na própria Comissão Especial, pessoas condenadas, indiciadas, fichas sujas de toda natureza, até proprietários de helicópteros flagrados com 430kg de cocaína. Portanto, não é impeachment o que anda em curso no Congresso Nacional, é golpe parlamentar.
Chocados com os desdobramentos dos fatos políticos no Brasil, imprensa internacional, pensadores e estadistas do mundo inteiro condenam o golpe em curso, e, a cada dia, aprofundam a análise sobre os reais interesses na ocasional troca de governo, não deixando de apontar, dentre os motivos, a ganância do mercado financeiro de wall street, o desejo norte-americano na eventual exploração do pré-sal brasileiro e o receio dos países do G7 com o recém-conquistado protagonismo brasileiro nas discussões internacionais, em especial com o BRICS. Percebem, claramente, as matrizes políticas internas que estão nas origens do golpe, seja a tônica neoliberal de corporações patronais ávidas por submeter trabalhadores a severas restrições de direitos, ou o conservadorismo de agrupamentos reacionários da sociedade brasileira, interessados em impor uma regressão do país, em termos de direitos humanos e de agenda social.
Em direção oposta, a grande imprensa do país escancara apoio à pretendida destituição presidencial, patrocinando a disseminação de todo e qualquer factoide possível para manter a sociedade absolutamente confusa diante dos fatos em apuração no Congresso. É somente aí, por exemplo, que o impeachment se encontra com a Lava Jato, porque ambos os fatos nada tem a ver um com o outro. A operação Lava Jato vem servindo de munição para robustecer a mídia em seu processo de manipulação de opinião pública.
Ao grampear e vazar, sem autorização do Supremo Tribunal Federal, os diálogos da presidenta Dilma com o ex presidente Lula para Rede Globo, o Juiz Moro apenas reascendeu um processo de impeachment, que se encontrava natimorto. Agiu única e exclusivamente a serviço do golpe, fato que ficou absolutamente evidenciado, desde quando determinou a condução coercitiva do ex presidente para depoimento à Polícia Federal num aeroporto, sem que estivesse sequer sob investigação formal, numa espetaculosa operação que envolveu transmissão ao vivo pelas televisões de todo país, 200 policiais federais e até um jatinho para o sequestro presidencial até o “principado de Curitiba”.
Na semana subsequente, mesmo após advertido pelo ministro do STF Teori Zavascki, o magistrado repetiu o malfeito, vazando e logo depois recompondo o sigilo sobre a lista da Odebrecht, quase que comunicando a 200 políticos, dentre os quais muitos parlamentares da Comissão Especial de Impeachment da Câmara em vias de julgar o relatório de admissibilidade, que a Lava Jato os poderia alcançar. O futuro dirá se foi esta a razão da debandada de última hora de tantos parlamentares que antes compunham o arco de apoio do governo.
Posturas como a do juiz Moro inebriam outros candidatos a Hércules, estimulando-os a promover a banalização do desapego à Constituição e ao devido processo legal. Em menos de dois dias, um promotor de Justiça do interior paulista solicitou a prisão preventiva do ex presidente Lula fundamentando-se em “Marx e Hegel”, enquanto um juiz federal candango negou-lhe a posse no Ministério da Casa Civil, em meteórica liminar concedida aos exatos 28 segundos após protocolada a respectiva ação na Justiça. Os dois personagens foram flagrados reverberando impropérios contra o governo federal em ruas e redes sociais. Dias depois, outra juíza do Distrito Federal determinou a suspensão de posse do atual ministro da Justiça, em decisão que assombrou toda comunidade jurídica do país. O STF, por sua vez, após confirmar a suspensão da posse do ex presidente Lula no Ministério da Casa Civil e encaminhar o respectivo processo para a Vara Federal do juiz Moro, em Curitiba, já se apressou em vir a público, através de alguns ministros, para sugerir que o processo de impeachment tramita em perfeita normalidade institucional. Cambaleia, porém, diante do processo de cassação do mandato parlamentar do presidente da Câmara dos Deputados, acusado de inúmeros crimes já citados. Em outra espantosa manifestação, o ministro do STF, Gilmar Mendes, atual presidente do TSE, insinuou que se o impeachment não vingasse seria possível dividir e analisar separadamente as contas de campanha da presidenta da República e seu vice, dando as costas para o fato de que ambos compuseram mesma chapa na última disputa eleitoral, o que deveria tornar impossível uma análise contábil em separado.
Há muito mais a se dizer sobre o atual momento. O Conselho Federal da OAB, não obstante haver decidido, em 2015, pela não propositura de um pedido de impeachment contra a presidenta Dilma, agora, sob nova gestão, resolveu apresentar a peça. O Ministério Público e Polícia Federal estão na origem de parte expressiva das ações supra comentadas, solicitando o vazamento de informações, vazando-as efetivamente. Por último, o procurador geral da República solicita ao STF que abra novo inquérito para investigar uma série de políticos, dentre os quais o ex presidente Lula e a presidenta Dilma, sobre fatos que o próprio Ministério Público e o Judiciário já haviam reprochado anteriormente.
Em resumo, assim como em Honduras, no Brasil, a ação parlamentar conspiratória também encontra suporte no Judiciário, que, além de não impedir a sucessão de fraudes no âmbito da Câmara e do Senado, ainda confunde o cenário, juntando alhos com bugalhos, prejudicando a avaliação crítica da opinião pública e dando subsídios para que a imprensa nacional, consorciada com os interesses golpistas, aja em sua tarefa de desarmonização social.
O presente texto não tem por objetivo fazer uma análise histórico-sociológica dos fatos políticos, portanto, é compreensível que um ou outro pormenor não tenha sido exposto com rigorosa precisão científica. Todavia, o que se pode afirmar, com iniludível certeza, é que não há normalidade no processo de impeachment em curso no Parlamento. Ninguém duvida do desfecho do processo: somente por obra divina, o impeachment não será definitivamente admitido, e, eventualmente, provido. Isso acontecerá, contudo, não pelo fato do processo ser juridicamente possível, mas por haver sido fatidicamente imposto, sem chances de justa defesa, pelas forças de oposição à presidenta. A circunstância será mais do que suficiente para configurar a hipótese de legítima utilização do direito de resistência, afinal, contra a injustiça manifesta cabe a indignação. O modo como se resistirá, interna e internacionalmente, as repercussões que a insurgência trará para o equilíbrio ou desequilíbrio da situação política, social e econômica do país, é impossível saber-se de antemão, mas que o direito de resistência já se encontra legitimado e precisa ser exercido, isso não há a menor dúvida. Mais do que a probidade e a honra da presidenta da República estão em jogo a defesa da democracia, do apreço ao Brasil, e da soberana manifestação de vontade do povo brasileiro expressada nas urnas. Rudolf Von Ihering (1992, p.87), estava certo quando profetizou que “só na luta encontrarás o teu direito”.
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