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Internet e as transformações no direito das famílias

A dissolução da sociedade conjugal pode se dar pelo descumprimento dos deveres conjugais de ordem moral inerentes à fidelidade

1. Introdução

Desde os seus primórdios o homem procurou manter algo que fosse de suma importância para sua sobrevivência e a vida em sociedade, o que, sem dúvidas, garantiu o sucesso da nossa espécie. Utilizando a célebre frase, “Nenhum homem é uma ilha isolada […]", de John Donne, renomado poeta inglês do século XVI, podemos ver que o homem não é autossuficiente.

O homem, com o decorrer do tempo, passou a desenvolver novas formas de manter relações sociais e, junto ao avanço tecnológico, surgiram grandes redes de comunicações, entre elas a internet.Esse grande fenômeno global, criado no final da década de 1980, abriu novos horizontes e o Direito, como uma ciência que necessita evoluir no mesmo ritmo da sociedade, teve que acompanhar tal desenvolvimento. Nesse modesto artigo, tentarei mostrar algumas transformações no Direito de Família que foram acarretadas pela Internet em nosso território.


2. Infidelidade Virtual

O Direito de Família é a tentativa de organizar as relações de afeto e das consequências sobre os bens deles decorrentes. Seguindo uma forte influência cristã, um dos pilares da sociedade ocidental é o princípio da monogamia. Boa parte das discussões jurídicas sobre a vida em casal gira em torno da fidelidade, que funciona também como um ponto prioritário das ligações éticas e morais. Falar em monogamia, portanto, significa ressaltar os valores mais importantes de uma vida conjugal: amor, honestidade, promessa, confiança, respeito e culpa. Na visão social, a monogamia está edificada na ideia da importância da família.

Tanto o dever de fidelidade presente no matrimônio, exigido de forma expressa no art. 1.566 do Código Civil, inciso I, quanto o dever de lealdade da união estável, disciplinado no art. 1.724 do Código Civil, possuem ligação direta com o princípio da monogamia. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 226, §5°, determina que os direitos e deveres dos cônjuges devem ser exercidos sem qualquer distinção ou restrição no desempenho de suas funções e de maneira igualitária.

Na internet, o contato físico é substituído pela troca de segredos e fantasias, dando origem, em muitos casos, a uma nova forma de relacionamento: o namoro virtual. Então, é bastante plausível que usuários de redes sociais mantenham diversos relacionamentos paralelos sem nenhum compromisso, e até ao mesmo tempo em que se relacionam com outra pessoa no mundo real, o que se chama de: infidelidade virtual. Era chamado de "adultério virtual", mas, segundo a doutrina, é necessária a conjunção carnal. Como exemplifica a notável Maria Helena Diniz1: "O adultério é a infração ao dever recíproco de fidelidade, desde que haja voluntariedade da ação e consumação da cópula carnal propriamente dita". A infidelidade é o gênero, em outras palavras, e, o adultério, espécie.

Algumas pesquisas na área definem sexo virtual como uma versão de jogos de desejos sexuais, qualquer atividade sexualmente orientada na rede para satisfazer desejos e fantasias. São comportamentos de sedução em salas de bate-papo, por e-mails, voyeurismo, através de sites eróticos e pornográficos, e participação em redes sociais, como Facebook, Twitter e Whatsaap. Mas, segundo a psicóloga brasileira Beatriz Ávila Milehan2: "Falar que não houve relação sexual é sempre uma boa defesa. Mas é grave dividir uma parte significativa da vida emocional com alguém e criar um vínculo que exclua o marido ou a mulher".

É importante ressaltar que um relacionamento iniciado pela internet pode ser apenas o início para uma relação que resulte em uma traição no mundo real. Um dado significativo foi obtido em pesquisa realizada pela Universidade da Flórida3. Concluiu-se que impressionantes 83% das pessoas casadas que mantiveram relações virtuais não consideram o ato cibernético como infidelidade, todavia, foi confirmado que uma elevada percentagem, cerca de 30% dos pesquisados, não ficaram apenas na barreira da internet, e os casos acabaram se transportando para a vida real.

Pela teoria da responsabilidade subjetiva, todo ato da vida civil repercute consequências e gera responsabilidades ao indivíduo. Segundo o artigo 5º, incisos V e X, da CF de 1988, existe o dever de reparação pelos danos causados à honra, ao patrimônio ou à imagem de outrem. O casamento e a união estável possuem natureza contratual, gerando então direitos e deveres recíprocos. O não cumprimento de quaisquer dos deveres conjugais encontrados no artigo 1566 do Código Civil e seus incisos, sobretudo o de fidelidade e respeito recíprocos, enquanto requisitos desse pacto, constitui, de tal maneira, injúria grave, sendo passíveis de reparação os danos causados, de modo a ressarcir ou compensar o ofendido mediante o pagamento de valor indenizatório. Somente com a sentença do divórcio é que as partes se exoneram dos deveres contraídos com o matrimônio, fato visto no artigo 1576 do Código Civil. Como afirma a professora Regina Beatriz Santos4:

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“Aplica-se ao Direito de Família o princípio geral de que diante de ação lesiva é assegurado o direito do ofendido à reparação, o qual inspira a responsabilidade civil e viabiliza a vida em sociedade, com o cumprimento da finalidade do Direito e o restabelecimento da ordem ou equilíbrio pessoal e social. A prática de ato ilícito pelo cônjuge, que descumpre dever conjugal e acarreta dano ao consorte, ensejando a dissolução culposa da sociedade conjugal, gera a responsabilidade civil e impõe a reparação dos prejuízos, com o caráter ressarcitório ou compensatório, consoante o dano seja de ordem material ou moral”.

Portanto, poderá ser ajuizada uma ação de danos morais, cuja grande dificuldade é a geração de provas já que o cônjuge se comunica através de um computador ou outro aparelho de cunho pessoal, uma vez que a inviolabilidade da intimidade e da privacidade são garantias constitucionais previstas no artigo 5º, inciso XII, da Carta Magna de 1988. De tal maneira, afasta-se a hipótese de uso de informações obtidas por meios ilícitos como prova da infidelidade virtual, não podendo ser acessadas sem a expressa autorização de seu titular.

Fica claro que dificulta, e não impossibilita, a geração de provas. Vejamos um exemplo de decisão em relações amorosas/eróticas virtuais com natureza de infidelidade:

“TJDF DIREITO CIVIL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – DANO MORAL – DESCUMPRIMENTO DOS DEVERES CONJUGAIS – INFIDELIDADE – SEXO VIRTUAL (INTERNET) – COMENTÁRIOS DIFAMATÓRIOS – OFENSA À HONRA SUBJETIVA DO CONJUGE TRAÍDO – DEVER DE INDENIZAR – EXEGESE DOS ARTS. 186 E 1.566 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 – PEDIDO JULGADO PRECEDENTE.

[…] Se a traição, por si só, já causa abalo psicológico ao cônjuge traído, tenho que a honra subjetiva da autora foi muito mais agredida, em saber que seu marido, além de traí-la, não a respeitava, fazendo comentários difamatórios quanto à sua vida íntima, perante sua amante, afirma a sentença. As provas foram colhidas pela própria esposa enganada, que descobriu os e-mails arquivados no computador da família. Ela entrou na Justiça com pedido de reparação por danos morais, alegando ofensa à sua honra subjetiva e violação de seu direito à privacidade. Acrescenta que precisou passar por tratamento psicológico, pois acreditava que o marido havia abandonado a família devido a uma crise existencial. Diz que jamais desconfiou da traição, só comprovada depois que ele deixou o lar conjugal. Em sua defesa, o ex-marido alegou invasão de privacidade e pediu a desconsideração dos e-mails como prova da infidelidade. Afirma que não difamou a ex-esposa e que ela mesma denegria sua imagem ao mostrar as correspondências às outras pessoas. Ao analisar a questão, o magistrado desconsiderou a alegação de quebra de sigilo. Para ele, não houve invasão de privacidade porque os e-mails estavam gravados no computador de uso da família e a ex-esposa tinha acesso à senha do acusado. Simples arquivos não estão resguardados pelo sigilo conferido às correspondências, conclui. (Proc. nº 2005.01.1.118170-3 TJ-DFT TJDF, Sentença proferida pelo Juiz Jansen Fialho de Almeida).

TJSP - Alimentos - Provisórios - Mulher casada - Pendência de separação judicial ajuizada pelo marido - Imputação de conduta desonrosa à esposa, manifestada em infidelidade virtual - Interferência na motivação da tutela emergencial - Mulher, ademais, habilitada para o trabalho - Provisórios negados - Inteligência do artigo 19 da Lei Federal nº 6.515/77 - Recurso não provido" (AI 206.044-4).

Em países com a França, a "paquera" virtual é considerada traição. Recentemente, uma mulher foi considerada culpada durante o processo de divórcio, depois de serem divulgadas conversas e trocas de fotos sensuais com vários homens através de aplicativos e sites de encontros.


3. Projeto de visita virtual

Esse assunto não é novo e não é exclusivo de nosso país. A visita virtual é defendida em vários outros países e seria mais uma maneira do pai ou mãe que não possui a guarda, conseguir manter o contato com o filho. Isso não diminuiria as visitas físicas. O Código Civil estabelece a visitação para o pai ou mãe que não tem a guarda do filho, dispondo no art. 1.589 que "o pai ou a mãe em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visita-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação".

Segundo Silvio Neves Baptista5, "[…] Uma vantagem seria a de atenuar os possíveis efeitos da alienação parental, nos casos em que um genitor - em geral aquele que mantém a guarda - procura impedir a presença do outro, obstruindo as visitas sob falsos argumentos. Mas sem dúvida o maior benefício que a visitação virtual poderia trazer seria o de promover um contato mais freqüente do filho com o genitor não guardião, principalmente em relação aos pais que moram em locais distantes das residências dos filhos, já que o objetivo maior do direito à visita é preservar os laços afetivos entre filhos de pais separados, muitas vezes abalados pelo rompimento do vínculo.".


4. Conclusão

Ao observar o que foi exposto nesse pequeno trabalho, temos que a dissolução da sociedade conjugal não decorre da extinção do amor e do afeto, mas sim do descumprimento dos deveres conjugais de ordem moral, inerentes ao dever de fidelidade, exigidos do casal de maneira igualitária.

A internet, sem dúvidas, trouxe muitos avanços à humanidade. Essa ferramenta, porém, não pode ser utilizada como instrumento de desequilíbrio da relação matrimonial. Logo, a indenização tem caráter legítimo e legal em decorrência dos constrangimentos e vexames causados ao cônjuge.

Quanto ao projeto de regulamentação das visitas virtuais, existe uma grande chance desse tema ser debatido nos acordos. A maior beneficiada, sem sombra de dúvida, será a criança, pois contará com contato com o genitor por muito mais tempo. A troca de afeto é de longe o maior objetivo das visitas, seja presencial ou por vídeo.


5.Notas

1. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 228-229.

2. Revista Veja - http://veja.abril.com.br/250106/p_076.html Trair e teclar, é só começar. Acessado em 17 jul. 2014.

3. KÜMPEL, Vitor F. Infidelidade virtual. Disponível em: <www.jusvi.com/artigos/2313>. Acesso em: 17 jul. 2014.

4. SANTOS, Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos. Reparação Civil na Separação e no Divórcio. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 184.

5. Baptista,Silvio Neves http://dp-pe.jusbrasil.com.br/noticias/2277509/direito-de-visita-virtual, acessado 17 jul. 2014


6. Referências

Revista Veja - http://veja.abril.com.br/250106/p_076.html Trair e teclar, é só começar. Acessado em 17 jul 2014.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002.

KÜMPEL, Vitor. Infidelidade Virtual. Disponível em: http://jusvi.com/pecas/2313. Acesso em 17 jul 2014.

SILVA, Hugo Lança. O Direito da Família e a Internet. Infidelidade virtual: mito ou realidade com efeitos jurídicos. Disponível em: <http://www.verbojuridico.com/doutrina/tecnologia/infidelidadevirtual.pdf>. Acesso em:17 jul. 2014.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, 6 ed. ver; atual., São Paulo: Saraiva, 2009

Sobre os autores
Fernando Robério Passos Teixeira Filho

Advogado. Consultor. Analista de Controle Externo do Tribunal de Contas de Pernambuco. Auditor Fiscal de Garanhuns (2017-2021). Graduado em Direito e Gestão Financeira. Graduando em Ciências Contábeis. Pós-graduado em Direito Tributário, Direito Público e Direito Administrativo. Pós-graduando em Direito Previdenciário, Direito Privado e Direito consultivo.

Antônio Dantas da Silva

Formando em Direito pela Universidade de Pernambuco

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FILHO, Fernando Robério Passos Teixeira; GOMES, Marcus Vinycius Silva et al. Internet e as transformações no direito das famílias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4701, 15 mai. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/48913. Acesso em: 21 nov. 2024.

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