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Regime jurídico dos contratos administrativos

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Agenda 19/03/2004 às 00:00

5REGRAS GERAIS DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

Embora regidos por preceitos de direito público, aplicam-se aos contratos administrativos, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado, nos termos do art. 54 da Lei 8666/93.

Independentemente de ser dispensada ou inexigida a licitação, haverá vinculação do contrato ao ato que o autorizou bem como à respectiva proposta, conforme se infere dos parágrafos 1.º e 2.º do art. 54 da Lei 8666/93, sob pena de nulidade (JUSTEN FILHO, 2000, p. 506).

A Lei de Licitações estabelece em seu art. 55 cláusulas necessárias aos contratos administrativos. Porém, MARÇAL JUSTEN FILHO (2000, p. 506) entende ser obrigatória a presença apenas das mencionadas nos incisos I, II, III, IV e VII, sendo as demais, ou dispensáveis, ou facultativas, conforme a "natureza e as peculiaridades de cada contrato".

Deve ser lembrado que, certas cláusulas, ainda que não previstas no contrato, decorrem da lei e, em razão de sua cogência, não podem ser afastadas pela vontade das partes. São implícitas, consoante lição de HELY LOPES MEIRELLES (1996, p. 181).

Uma cláusula mencionada no § 2.º do art. 55, a qual determina que conste no contrato, como foro de eleição, a sede da Administração, é apontada por MARÇAL JUSTEN FILHO (2000, p. 513), como parcialmente inconstitucional, porque restringiria a regra prevista no art. 109, §2.º da CR.

O §3.º do art. 55 demonstra a aplicação do princípio da publicidade e do controle a que está sujeita a Administração ao determinar a comunicação das despesas efetuadas com a discriminação de sua natureza.

Pode a Administração exigir garantia dos contratados, nos termos do art. 56 da LLCA. A exigência da garantia é ato discricionário.

Se fosse obrigatória a exigência de garantia, e se esta fosse de valor considerável, isso poderia prejudicar a própria contratação, ou até inviabilizá-la, uma vez que traria grande encargo para o contratado (JUSTEN FILHO, 2000, p. 515).

Conforme apontado quando tratado do princípio da legalidade, nota-se no art. 57 da LLCA sua aplicação, onde exige vinculação do contrato à autorização orçamentária.

Os traços mais marcantes dos contratos administrativos são arrolados no art. 58 da LLCA, que dispõe, verbis:

Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:

I - modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado;

II - rescindi-los, unilateralmente, nos casos especificados no inciso I do art. 79 desta Lei;

III - fiscalizar-lhes a execução;

IV - aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do ajuste;

V - nos casos de serviços essenciais, ocupar provisoriamente bens móveis, imóveis, pessoal e serviços vinculados ao objeto do contrato, na hipótese da necessidade de acautelar apuração administrativa de faltas contratuais pelo contratado, bem como na hipótese de rescisão do contrato administrativo.

Sem embargo da posição que a Administração ocupa em relação ao contratado, verificada pelas prerrogativas que detém, o ordenamento, como forma de compensação, estabelece o direito de indenização ao último, a teor do parágrafo único do art. 59 da LLCA, quando houver nulidade contratual.

Outrossim, o equilíbrio-econômico financeiro deve sempre ser mantido, sendo que qualquer alteração que lhe afete deve ser precedida de concordância por parte do contratado.


6FORMALIZAÇÃO DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

O contrato administrativo é realizado por escrito, exceto nas hipóteses de pequenas compras de pronto pagamento, a teor do parágrafo único do art. 60.

A forma escrita garante a possibilidade de controle dos atos praticados pela Administração (JUSTEN FILHO, 2000, p. 537; MEIRELLES, 1996, p. 177).

Lembra HELY LOPES MEIRELLES (1996, p.177) que "é nulo o contrato administrativo omisso em pontos fundamentais, ou firmado sem licitação quando exigida, ou resultante de licitação irregular ou fraudada no julgamento".

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O parágrafo único do art. 61 retrata mais uma aplicação do princípio da publicidade, como condição indispensável à eficácia do contrato. Novamente esse princípio é observado no art. 63 ao determinar a acessibilidade do processo a qualquer interessado.

Não são em todos os contratos que o instrumento será obrigatório, conforme se infere do art. 62 da LLCA.

O § 3.º do art. 62 mostra um aparente contrasenso ao mencionar, no inciso I, que certos contratos se regem, predominantemente, por preceitos de direito privado, mas, ao mesmo tempo, determina também a aplicação das regras do art. 55 e 58 a 61, que são eminentemente de direito público.

A Administração dispõe de prazo para contratar o vencedor da licitação, que ficará adstrito aos termos de sua proposta. Porém, o prazo para contratar é decadencial, nos termos do art. 64 da LLCA, findo o qual não pode mais a Administração exigir a contratação.

Se o vencedor se recusar a assinar o contrato, poderá sofrer uma série de sanções, abrindo para a Administração a possibilidade de convocar os próximos classificados do certame licitatório, que, se quiserem contratar, deverão sujeitar-se às condições propostas pelo primeiro colocado (art. 64, § 2.º, da LLCA).


7ALTERAÇÃO DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

Conquanto permitida a alteração do contrato, inclusive unilateralmente pela Administração, um preceito de ordem constitucional deve ser observado: a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro (art. 37, XXI, CR).

Esse verdadeiro princípio regente dos contratos administrativos vêm expresso do art. 65 da LLCA, que trata da alteração dos contratos.

Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:

[...]

II - por acordo das partes:

[...]

d) para restabelecer a relação que as parte pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da Administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobreviverem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando área econômica extraordinária e extracontratual.

Entre outras coisas, esse dispositivo garante que se observe a proibição do enriquecimento ilícito, agora contemplado expressamente no Código Civil, em seu art. 884:

Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.

Além disso, também aqui se verifica o respeito à boa-fé dos contratantes, o qual consta do atual Código Civil, em seu art. 422, devendo ser observado tanto na formação quanto na execução dos contratos.

Esse princípio é de observância obrigatória nos contratos administrativos, seja pela aplicação supletiva do referido dispositivo do diploma civil, por força do art. 54 da LLCA, seja por decorrência do princípio da moralidade administrativa.

Certos fatos supervenientes são de extrema relevância para a relação contratual, razão pela qual a lei os considera para efeito de permitir a alteração contratual.

Segundo HELY LOPES MEIRELLES (1996, p. 204), esses fatos seriam abrangidos pela Teoria da imprevisão:

Quando sobrevêm eventos extraordinários, imprevistos ou imprevisíveis, onerosos, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, a parte atingida fica liberada dos encargos originários e o contrato há que ser revisto ou rescindido, pela aplicação da teoria da imprevisão provinda da cláusula rebus sic stantibus, nos seus desdobramentos de força maior, caso fortuito, fato do príncipe, fato da administração e interferências imprevistas.

Para MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO (2003, p. 255), porém, a teoria da imprevisão seria aplicável tão-somente na chamada álea econômica.

Além desta, nas palavras dessa autora, haveria a álea ordinária ou empresarial, sendo o "risco que todo o empresário corre", o qual, se for previsível, será arcado pelo contratado (2003, p. 255).

Quanto ao fato do príncipe e fato da administração, são enquadrados por MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO (2003, p. 256) como álea administrativa, juntamente com demais hipóteses de alteração unilateral por parte da Administração.

Rapidamente, veja-se como são tratados cada um desses institutos, acompanhando, todavia, a lição de HELY LOPES MEIRELLES (1996):

7.1 TEORIA DA IMPREVISÃO

Nas palavras de HELY LOPES MEIRELLES (1996, p. 205):

A teoria da imprevisão consiste no reconhecimento de que a ocorrência de eventos novos, imprevistos e imprevisíveis pelas partes, autoriza a revisão do contrato, para seu ajustamento às circunstâncias supervenientes. É a moderna aplicação da velha cláusula rebus sic stantibus aos contratos administrativos, à semelhança do que ocorre nas avenças de Direito Privado, quando surgem fatos não cogitados pelos contratantes, criando ônus excessivo para uma das partes, com vantagem desmedida para a outra. Esse desequilíbrio retira a comutatividade do ajuste e impõe a revisão do contrato, para que se possibilite sua execução sem a ruína econômica do particular contratado.

Ressalte-se que, se não fosse aplicada tal teoria, a própria Administração poderia sofrer sérias conseqüências: os concorrentes, sabendo dos riscos a que estariam sujeitos, incluiriam isso no custo de suas propostas, elevando-as consideravelmente. Isso, obviamente, na hipótese de haver algum interessado em contratar com a Administração.

Essa idéia de que certos fatores são pulverizados nos custos do empresário é difundida por FÁBIO ULHOA COELHO (2002, p. 37-46), que a denomina de direito-custo.

7.1.1 FORÇA MAIOR

A força maior é um evento humano, imprevisível e inevitável, que impede absolutamente a execução do contrato (MEIRELLES, 1996, p. 206).

A conseqüência da força maior é a liberação de ambas as partes do cumprimento do contrato (DI PIETRO, 2003, p. 263), ensejando sua rescisão, conforme art. 78, XVII, da LLCA.

7.1.2 CASO FORTUITO

É o evento da natureza, imprevisto e inevitável, que impede absolutamente a execução do contrato (MEIRELLES, 1996, p. 207).

Um extenso período de chuvas torrenciais, como é cediço, impede que muitas obras sejam realizadas.

HELY LOPES MEIRELLES (2001, p.228) salienta que não basta a imprevisibilidade para a caracterização do caso fortuito, mas também a absoluta intransponibilidade do obstáculo surgido.

Como conseqüência deste evento, a LLCA admite a rescisão contratual.

7.1.3 FATO DO PRÍNCIPE

É definido como "toda determinação estatal, geral, imprevista e imprevisível, positiva ou negativa, que onera substancialmente a execução do contrato administrativo" (MEIRELLES, 1996, 207).

CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (2003, p. 592) refere-se a ele como "agravos econômicos resultantes de medidas tomadas sob titulação jurídica diversa da contratual, isto é, no exercício de outra competência, cujo desempenho vem a ter repercussão direta na economia contratual".

A criação de determinado tributo, normalmente é citada como exemplo deste instituto.

7.1.4 FATO DA ADMINISTRAÇÃO

Enquanto o fato do príncipe decorre de ato geral, o fato da administração é praticado pela própria contratante e afeta determinado contrato (MEIRELLES, 1996, p. 209).

Pode-se citar, por exemplo, o disposto nos incisos XV e XVI do art. 78 da LLCA, ou seja, quando a Administração atrasa por mais de 90 dias os pagamentos devidos ou quando não deixa disponível área, local ou objeto para a execução do contrato.

7.1.5 INTERFERÊNCIAS IMPREVISTAS

"São ocorrências materiais não cogitadas pelas partes na celebração do contrato, mas que surgem na sua execução de modo surpreendente e excepcional, dificultando e onerando extraordinariamente o prosseguimento e a conclusão dos trabalhos." (MEIRELLES, 1996, 210).

Exemplifica MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO (2003, p. 263): "é o caso de empreiteiro de obra pública que, no curso da execução do contrato, esbarra em terreno de natureza imprevista que onera ou torna impossível a execução do contrato."

7.2 O RESTABELECIMENTO DO EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO E O REAJUSTE

Após demonstradas as ocorrências que ensejam a alteração do contrato administrativo, tratar-se-á, agora, do restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro.

Esse restabelecimento independe de previsão contratual (JUSTEN FILHO, 2000, p. 558), pois decorre do princípio da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro, corolário da igualdade e da moralidade administrativa.

Um cuidado que deve ser tomado na aplicação do restabelecimento é o princípio da obtenção da proposta mais vantajosa, previsto no art. 3.º da LLCA.

Com efeito, pode ocorrer de ser mais conveniente e vantajoso realizar outra licitação em vez de restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro, seja porque o contratado não aceita as condições da Administração, seja porque esta não aceita o pleito daquele.

Ao lado do restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro, existe o "reajuste de preços", criado pela constatação da impossibilidade de manutenção do contrato com os preços nominais, em razão da notória inflação e seus efeitos (JUSTEN FILHO, 2000, p. 557). O reajuste, porém, exige previsão no edital.

MARÇAL JUSTEN FILHO (2000, p. 558) diferencia o reajuste, que "se baseia em índices setoriais vinculados às elevações inflacionárias quanto a prestações específicas", da atualização monetária, a qual "se refere aos índices gerais de infração".

Sobre o autor
Leandro Sarai

Doutor e Mestre em Direito Político e Econômico e Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SARAI, Leandro. Regime jurídico dos contratos administrativos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 255, 19 mar. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4968. Acesso em: 23 nov. 2024.

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