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Rádio comunitária.

Ilegal? Crime?

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Agenda 19/11/1997 às 00:00

V - LEGALIZAÇÃO

Torna-se incômodo para qualquer ser humano a necessidade de se ver obrigado a fazer algo. As ações humanas tornam-se incoerentes! Ora, ninguém neste País duvida de que o Presidente da República, Sua Excelência, Professor Fernando Henrique Cardoso, e o Ministro das Comunicações, senhor Sérgio Motta, são homens tremendamente compromissados com as liberdades democráticas. O passado deles recomenda. Quando impetramos Habeas Corpus, ingressamos com a Medida Cautelar Inominada e, logo em seguida, com a Ação Declaratória de Direito, sem dúvida, a União viu-se obrigada a se manifestar. Contestou. Buscou argumentos. Até mesmo a poderosa ABERT entrou "na parada" e armou-se de pareceres de juristas de renome, devidamente anexados aos autos, defendendo sua posição e regalias. Porém - e sempre há um porém - as atitudes da União tornaram-se, ao longo do processo, incoerentes. Se de um lado, processualmente falando, ela refutava com veemência a pretensão da minha constituinte, por outro lado, ela apresentava, para o Congresso Nacional, um projeto de lei, sob nº 1.788/96, regulamentando a atividade das rádios comunitárias (hoje, o projeto de lei do Governo encontra-se apenso, juntamente com outros, de autores vários, ao projeto nº 1.521/96, de autoria do Deputado Arnaldo Faria de Sá, tramitando pela Câmara, lentamente, mas tramitando!). Ora, o Excelentíssimo Senhor Ministro das Comunicações sabe-o muito bem que elas são, hoje, veículo democrático, que propicia o acesso do povo ao Rádio. E é transmissão local (48 ou 50 watts de potência abrangem raio de mais ou menos 20 quilômetros), transmissão, pois, restrita à comunidade. E, podem crer, o Presidente sancionará a lei, quando às suas mãos chegar, com tranqüilidade. Quem se opõe são aqueles que sempre tiveram privilégios e não os querem perder. Sim, porque, como exemplo, aqui em Castilho, 90% da população ouve a Rádio local, porque participa dela ativamente. E o que é pior: por questiúnculas de ordem política, a Rádio local não tem o apoio do Poder Executivo. Apenas do Legislativo. Aquele, se puder, fecha-a! Dessa forma, no âmbito do Judiciário, a União posiciona-se contra as Rádios Comunitárias, contestando a pretensão do direito de funcionar, apesar de todo o aparato legal que as envolve e as fundamenta; contudo, no âmbito do Legislativo (e até mesmo do Executivo), a União apresenta Lei para regulamentá-la. Comportamento altamente incompatível. "Dupla personalidade"???

Na sua sábia sentença, o Meritíssimo Juiz Federal, Dr. Aroldo José Washington, gravou, com positividade, em relação ao pedido da União, que alegava a impossibilidade jurídica do pedido: "No caso presente, encontram-se em choque dois valores constitucionais, ou seja, o direito do indivíduo aos meios de comunicação, estampado no artigo 215, da CF, e ainda o direito individual espelhado no artigo 5º, inciso IX, com o direito da União sobre as concessões, permissões e autorizações, referentes aos serviços de radiodifusão. É o direito de liberdade aos meios de comunicação de uma comunidade, contra a interferência estatal, que exige concessão. São ambos protegidos constitucionalmente, e assim, não há impedimento de ordem jurídica, na defesa do direito subjetivo do requerente". Alegou, ainda, a União, com pareceres a respeito, a interferência das ondas eletromagnéticas de rádio comunitária - que eles chamam de "rádio pirata"- nas comunicações de ambulâncias, navios e aviões. E generalizaram. Tornou-se risível o argumento. Talvez isso até possa acontecer em São Paulo, no Rio, em BH, grandes cidades cujos aeroportos, portos, hospitais encontram-se localizados em áreas residenciais e comerciais. Uma rádio instalada neste local poderia mesmo interferir. Não está provado, diga-se, a bem da verdade. Mas, Deus, se quem assinou esses pareceres conhecesse Castilho, jamais afirmaria com convicção, generalizando, porque seria vexatório. O jornal "O Estado de São Paulo", de 08/01/97, com o título "Comunicação: Rádios Piratas voltam a operar em duas cidades", por seu jornalista responsável, escreveu: "Em Castilho (...). Há dois meses, porém, a emissora retomou as atividades. Músicas sertanejas são intercaladas com rock pesado ou canções românticas. Os locutores apresentam entrevistas com autoridades, comentam noticiários e prestam serviços públicos. O técnico eletrônico, Wagner Pedro de Mello, encarregado do equipamento do aeroporto de Urubupungá (que dista 15 quilômetros da cidade - grifo nosso) disse que FM de Castilho nunca interferiu no sistema de comunicação dos aviões... O Delegado de Polícia da cidade, Paulo César Ferreira, também confirmou que a rádio não interfere nos equipamentosde comunicação daquela repartição...". Como ficam os pareceres, não é verdade? A respeito, sentenciou sabiamente o Meritíssmo Juiz Federal de Araçatuba: "A questão trazida aos autos deve ser analisada a nível constitucional, já que a Constituição, lei das leis, ao mesmo tempo em que afirma que a exploração do serviço de radiodifusão necessita de autorização, concessão ou permissão do Poder Concedente, também prestigia o direito individual de liberdade de informação, e o uso dos mesmos, como atividade de desenvolvimento cultural. Deve ser resolvida a questão de direito, se uma comunidade sem meios de comunicação, fica a mercê, indefinidamente, do Poder Concedente, que está à espera de uma legislação infraconstitucional futura, pode ou não, utilizar-se de aparelho de radiodifusão, em benefício desta mesma coletividade. A questão de fato, sobre eventual interferência em outros meios de comunicação, é matéria técnica, que, se uma vez reconhecido o direito, pode ser facilmente resolvida, com os equipamentos tecnológicos, à disposição no mercado, inclusive com a fiscalização da ré, através do Ministério das Comunicações...". Aliás, a respeito, diga-se, a Rádio Castilho possui aparelhagem técnica recomendada pelo Ministério das Comunicações, pois está rigorosamente dentro dos padrões exigidos. O Dr. Sérgio Viana, engenheiro eletricista e eletrônico, CREA 1556/D - MC 360/66 DENTEL, é que elaborou todo o projeto de viabilidade técnica, determinando marca de transmissor, devidamente legalizado, antena, freqüência a ser utilizada etc. Na continuidade de sua sentença, entre os direitos em choque, fundamentou o Culto Julgador da Primeira Vara: "Assim, na prevalência entre os direitos constitucionais, deve Ter a primazia o direito individual, neste caso concreto, em detrimento do coletivo, face não existir prejuízo para a coletividade, de modo geral.(...) Como entre as Leis das Leis, é a Justiça quem decide, no confronto entre dois preceitos constitucionais, deve prevalecer o mais justo, sem nenhum prejuízo para a coletividade, antes, benefício. Com fundamento neste ideal, é que julgo procedente a presente demanda(...) reconhecendo a relação jurídica material de que a autora não está obrigada a requerer autorização, permissão ou concessão da ré, que se nega a fazê-lo, por falta de legislação infraconstitucional, e ainda, determinando que a ré abstenha-se da lacração de equipamentos da autora, caso a mesma opere os equipamentos de transmissão radiofônicas de baixa potência, em freqüência modulada, no município de Castilho, suspendendo o termo de interrupção lavrado em 8/02/96, e nem faça a apreensão de nenhum de seus equipamentos.

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Como é sentença sujeita ao duplo grau de jurisdição, encontra-se hoje no TRF 3º Região, aguardando julgamento.



VI - CONCLUSÃO

Em face de todo o exposto, levando-se em consideração a total incoerência da União, de um lado, no âmbito do Judiciário, contestando a pretensão de minha constituinte, de outro, usando de sua prerrogativa de apresentar projetos de lei, propondo a regulamentação das rádios comunitárias; levando-se em conta a sentença proferida em primeira instância, sabiamente, pelo douto Juiz Julgador, na qual privilegiou, conforme a exposição feita, o individual em detrimento do coletivo, dando oportunidade a uma comunidade que, no limiar do ano dois mil, quando todo o mundo está ligado numa rede de comunicação - a Internet (na qual estamos, neste instante), nada mais pede do que lhe seja reconhecido o direito de instalar uma rádio de baixa potência, sem poder ofensivo algum, para transmitir restritamente à sua comunidade, sem fins lucrativos, e com objetivos culturais, legalmente fundamentada na Constituição Federal e em tratado internacional, do qual o Brasil é parte integrante; levando-se em conta que ao Tribunal Regional Federal caberá ratificar ou retificar, no todo ou em parte, a sentença, concluímos que a legalização das rádios comunitárias se faz necessária no Brasil. O Executivo, sem dúvida, deseja a regulamentação e fá-la-á, apesar das pressões corporativistas de quem "ganhou" a concessão, o privilégio, e não admite sua perda ou, no mínimo, não admite concorrência. Aliás, concorrência não, pois é até covardia, porque a rádio comunitária transmite para área restrita, para sua comunidade. Em nada poderá afetar a grandiosidade das redes de rádio. Ao Judiciário, não temos dúvida, compete pôr fim à questão. O que a Rádio Comunitária Castilho FM pede é o reconhecimento de seu direito que nada fere. Minha constituinte deseja ardentemente que o MINICOM dê toda cobertura, tecnicamente falando, e ela se propõe a atender no que for preciso, para que a Rádio funcione sem ferir direitos de terceiros, conforme também sentenciou o Juiz a quo. O Tribunal Regional Federal terá a oportunidade de ratificar a sentença, demonstrando que na relação do indivíduo, socialmente falando, com o Estado, deve, de fato, prevalecer o individual, desde que sua pretensão seja inofensiva, como o é o caso das rádios comunitárias. Que se dê fim, nesta relação, do poder leonino do Estado sobre a sociedade, naquilo a que a sociedade tem direito. E somente o Judiciário é capaz disso, como Poder independente que é. E é nele, indubitavelmente, que povo ainda deposita sua fé e confiança. Notamos esse sentimento no povo castilhense. No dia em que esta confiança, que esta fé desmoronar, com ela desmoronará o último bastião do povo brasileiro- o Judiciário. Ninguém acreditará mais em ninguém. E, daí para frente, será um "salve-se quem puder". Radicalismo? Talvez! Mas, realista. Os fatos sociais estão aí, vivos, para o comprovar!

A quem se interessar por esse assunto, fica a certeza de que, como advogado, fizemos o que devíamos fazer, ou seja, o que preconizou Eduardo Couture:

"LUTA. Teu dever é lutar pelo Direito.
Mas no dia em que encontrares o Direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça"

Sobre o autor
Wilson Paganelli

advogado e professor em Castilho (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAGANELLI, Wilson. Rádio comunitária.: Ilegal? Crime?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. 21, 19 nov. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/502. Acesso em: 22 dez. 2024.

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