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Rádio comunitária.

Ilegal? Crime?

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19/11/1997 às 00:00
Leia nesta página:
"LUTA. Teu dever é lutar pelo Direito.
Mas no dia em que encontrares o Direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça"
(Eduardo Couture)


I - INTRÓITO

Um fato social de suma importância - porque repercute incisivamente no ordenamento jurídico pátrio, acarretando protestos por direitos, alegados pelas partes que compõem a lide - vem ocorrendo ultimamente por todo o Brasil: o aparecimento das denominadas "Rádios Comunitárias". E onde quer que elas apareçam, arrastam contra si a ira dos proprietários das rádios comerciais que se sentem prejudicados, pois perdem política e economicamente (na verdade, mais política que economicamente, no caso específico que enfocaremos). Contudo, olvidam - porque lhes é conveniente - que faturam alto com suas rádios (quando não possuem redes de rádio ou sistemas regionais de rádio) mercê de concessão outorgada gratuitamente, muitas das concessões obtidas em porões nos áureos tempos ditatoriais ou, atualmente, em troca de favores políticos (1.028 concessões, entre rádio e TV, para garantia de mandato de 5 anos), como é de domínio público e como nos relatou em seu livro o ilustre autor Moacir Pereira, in "O Direito à Informação da Nova Lei de Imprensa".

Grosso modo, quem se predispusesse a montar rádio comunitária sabia - e sabe - que seria alvo de denúncias e mais denúncias. Conseqüentemente, receberia, de forma inconteste, a visita de fiscais do Ministério das Comunicações, no mais das vezes, acompanhados por policiais federais. Assim, o responsável pelo empreendimento tinha em seu encalço "a lei", com o argumento de que a prática constituía crime, apenado com detenção variável de um a dois anos, conforme determinação do artigo 70 da Lei nº 4.117/62. Ita lex dicit. E era o responsável, então, indiciado, além de ter os equipamentos da rádio apreendidos ou lacrados.



II - HISTÓRICO


Um grupo de pessoas instalou a Rádio Comunitária Castilho FM, da qual sou advogado, na minha cidade. Com qual objetivo?

A pequena Castilho, com seus aproximadamente 15 mil habitantes, situa-se no noroeste do Estado de São Paulo. Em compensação, para quem desconhece, é o terceiro maior município paulista em extensão territorial. Para melhor compreensão geográfica, citemos duas cidades mais conhecidas: limita-se, de um lado, com Três Lagoas, terceira maior cidade do Estado de Mato Grosso do Sul; do lado oposto, com Andradina (ela mesma, a do rei do gado, em torno de 60 mil habitantes). Como meios de comunicação, no limiar do ano dois mil, quando o mundo está ligado pela Internet, a cidade possuía (e possui) dois jornais: um diário, mas regional, e um semanário. E só! Propaganda de lojas comerciais, anunciando liquidação, avisos de interesse da comunidade etc., só restava à comunidade serviço volante de alto-falante. Geralmente, um velho veículo, com alto-falante fixado no teto, rodava a cidade toda, poluindo-a sonoramente, pouco se importando com a privacidade do cidadão, pois todos eram obrigados a ouvir, mesmo não o desejando. Até participação de morte do cidadão era por este meio.

Porém, Castilho é verdadeiramente conhecida por dois fatos: um, ser sede de usina hidrelétrica - Jupiá - possuindo, assim, boa arrecadação (até que venha a reforma!); dois, em época de enchente, não sai dos noticiários de TV e jornais, pelas inundações monstruosas! As comportas da usina são obrigatoriamente abertas pela CESP, para dar vazão à água represada. Com isso, as águas do rio Paraná descem, rumo à Argentina, levando o que encontram pela frente. É período catastrófico! E a Defesa Civil fica impotente quanto à comunicação. Não há como se manter contato com as famílias ribeirinhas ilhadas. Como Castilho não possui rádio e nem houve interesse em abrir uma, por parte de um grupo que mantém, agressivamente atuante, todo um sistema de rádio na região, (apesar de explorar a nossa comunidade economicamente), cidadãos castilhenses, então, resolveram montar uma Rádio. Só com o burburinho, com o diz-que-diz, iniciou-se verdadeira guerra! Aí entrei com meu trabalho.

Tão logo se noticiou que uma rádio comunitária funcionaria em Castilho, saiu artigo no Jornal da Região, de Andradina, nos dias 26 e 28/09/95, em que, grosso modo, de forma indireta, veiculava ameaça a quem se dispusesse a abrir o que eles chamavam de "rádio pirata", esclarecendo que a Polícia Federal e a Polícia Civil teriam ordens para "fechá-las", apreenderem equipamentos e enquadrarem os responsáveis em crime. Noutro, noticiavam o fechamento de rádios, por parte de Polícia Federal "que se instalam ou estão instalando irregularmente". No dia 13/11/95, este advogado recebeu, de forma educada (sem ironia), convite para comparecer à Delegacia de Polícia e recebeu a advertência de que seria crime a abertura de rádio. Estava caracterizado o constrangimento ilegal.

Caracterizado o constrangimento ilegal, em nome de alguns responsáveis pela Rádio, impetrei, em 23/11/95, na Justiça Federal de Araçatuba, competente para o caso, Ordem de Habeas Corpus Preventiva, com requerimento de Medida Liminar-- Lei 1.533/51, artigo 7º, Inciso II - com fundamento também em artigos da Constituição Federal e da Convenção Americana, pacto de São José da Costa Rica, de 22/12/69 (os quais abordaremos mais adiante), cujo processo recebeu o nº 95.0803709-1, pela Primeira Vara da Justiça Federal, para que pudesse funcionar emissora de radiodifusão de baixa potência (48 watts), cuja personalidade jurídica estava legal, devidamente registrada em Cartório competente, sem fins lucrativos, com objetivos de favorecer a comunidade, dotando-a de veículo de comunicação, no qual tivesse oportunidade de divulgar sua cultura, eventos artísticos, prestar serviços comunitários, desfrutar de lazer, enfim, ter veículo de comunicação com fins culturais e sem fins lucrativos.

No dia 5/12/95, o Meritíssimo Juiz Federal da Primeira Vara da Justiça Federal de Araçatuba, Dr. Aroldo José Washington, homem extremamente culto, pelo qual nutro o mais profundo respeito e admiração, concedeu a medida liminar. No dia 10/12/95, a Rádio foi inaugurada, em endereço certo: rua José Manoel de Ângelo, 576, em Castilho. E começou a funcionar nos estritos moldes para o qual foi criada, voltada para a comunidade, com conselho comunitário etc.

No dia 09/01/96, a Rádio Castilho recebeu o ofício 004/DRMC/GAB, datado de 02/01/96, oriundo da Delegacia Regional do Ministério das Comunicações, assinado pelo ilustre Dr. Eduardo Graziano, Delegado Regional, orientando para que a estação não permanecesse em operação, pelo fato de não estar licenciada, citando a Lei 4.117/62, artigo 70, alterado pelo Decreto 236/67, como base de seu argumento. Contudo, no referido documento, deixou claro que "É bem verdade que este Ministério, a partir de sugestões emanadas de vários segmentos sociais, tem realizado estudos visando a uma regulamentação legal para as emissoras de baixa potência". De fato, era - e é - de conhecimento público que há lei tramitando pelo Congresso Nacional, neste sentido. Dias depois, mais precisamente, em 08/02/96, fiscais do Ministério das Comunicações, acompanhados de Policiais Federais, alegando que a Rádio não possuía concessão, lacraram seus equipamentos, embora fosse a eles apresentado o documento que autorizava o funcionamento dela pela Justiça Federal. Lembro-me bem de que um dos fiscais ainda foi taxativo: "quem dá concessão e freqüência é o Ministério das Comunicações e não juiz. Se fosse para juiz dar concessão, não precisaria de Ministério." Contudo, era certo que a medida liminar protegia os pacientes da indiciação e da apreensão. Não do "lacre".

Lavrou-se boletim de ocorrência. Jornais da região estamparam em primeira página, de forma debochada, o fato. O jornal "O Debate" de Andradina trouxe charge, com os dizeres: "Na clandestinidade: Nem mesmo um suposto Habeas Corpus Preventivo foi capaz de manter a Rádio de Castilho no ar...". De imediato, entrei com nova ação na Justiça Federal: Medida Cautelar Inominada, protocalada no dia 12/02/96, na mesma vara, por dependência. O processo recebeu o nº 96.0800320-2. Comprovei o fumus boni iuris e o periculum in mora. No dia 29/02/96, o jornal "O Estado de São Paulo" trazia estampado no caderno C, fls.5, a notícia "Rádio Comunitária é autorizada a funcionar: Juiz de Araçatuba dá liminar a favor de emissora de Castilho, fechada há duas semanas." No dia 14/03/96, entramos com uma Ação Declaratória de Direito, como ação principal.

Voltou a rádio para o ar, prosseguindo o seu trabalho na mesma linha de atuação. Vivia ela de apoio cultural, cuja arrecadação, complementada por importâncias doadas pelos fundadores da Rádio, dava para pagar salários aos funcionários (gerava empregos) e gastos de manutenção. Contudo, no dia 21/05/96, o Diário da Justiça da União trouxe decisão do eminente Juiz Oliveira Lima, do TRF 3º Região, Suspensão de Segurança nº 96.03.0330010-8, que dizia, in fine: "Assim, por concluir pela ameaça de grave lesão à ordem pública, consubstanciada no desrespeito à ordem jurídica, suspendo a execução da liminar concedida, objeto deste pedido." Havia o Ministério das Comunicações apelado para um recurso jurídico - a avocatória - cujas raízes fincavam-se numa época que gostaríamos de esquecer: a ditatorial! Aliás, sobre ela, manifestaram-se os Juízes Federais, reunidos no VII Encontro Nacional, meados de novembro de 1991, em Canela-RS, na famosa "Carta de Canela", em que se lê: "...manifestam-se contrários à reedição da avocatória, lembrando que este instituto processual não se coaduna com o momento histórico em que vivemos. Várias instituições oficiais, com o restabelecimento das liberdades democráticas, foram consquistando o apoio e a confiança da população, sendo que(sic), no caso do Judiciário, passou ele a ser o último reduto em que o povo deposita suas esperanças.(...) ". Pior ainda. O advogado do interior padece com qualquer tipo de recurso cujo prazo de resposta é de 5 dias. In casu, perdi o prazo. Publicado no dia 21/05/96, recebi o boletim da AASP no dia 25/05/96. O Diário Oficial chegou à cidade no dia 26/05/96. Tarde demais. Preparar o recurso e dar entrada na capital, estando a 700 quilômetros dela, e, na verdade, com um dia real de prazo...

Rádio, novamente, fora do ar. Indignação no ar! Injustiça não poder defender-se. Advogado de interior, bah! Passado o tempo, no dia 19/11/96, foram publicadas as sentenças da Medida Cautelar Inominada e da Ação Declaratória de Direito. Ambas favoráveis à Rádio Comunitária Castilho FM. Voltou a Rádio para o ar (e está até hoje). Como as ações comportam o duplo grau de jurisdição, encontram-se em São Paulo, no TRF 3º Região, aguardando julgamento, que, sinceramente esperamos, ratifique a sentença do juiz a quo.



III - ASPECTOS JURÍDICOS CÍVEIS

A Rádio Comunitária Castilho FM é pessoa jurídica de direito privado, composta de diretoria, de conselho comunitário, agindo sem fins lucrativos e com objetivos culturais, científicos, de lazer, etc. Possui seu estatuto. E como ela existe, juridicamente falando, amparada por sentença?

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A Rádio Comunitária fundamenta-se na Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, Inciso IX, no qual está insculpido:

"É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica, e de comunicação, independentemente de censura e licença."

Ora, o referido artigo (e seu inciso) é norma de eficácia plena. Aliam-se a ele os artigos:

Art.220: "A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição";

Art. 220, parágrafo 1º: Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV."

Art. 215- "O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais."

Art. 223: "Compete ao Poder Executivo outorgar ou renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal."

Ora, a Constituição enumera três sistemas: privado, público e estatal. A sessão ordinária da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados aprovou, em 04/12/96, projeto de lei 1.521/96, autoria do Deputado Arnaldo Faria de Sá, que regulamenta "a radiodifusão livre e comunitária e dá outras providências"; no comunicado que a Rádio recebeu da Delegacia Regional do Ministério das Comunicações, o Delegado Regional fala em " regulamentação legal para as emissoras de baixa potência". Perguntamos, então: radiodifusão comunitária ou emissoras de baixa potência pertencem a qual dos três sistemas citados na Constituição, no artigo 223: sistema privado? Sistema estatal? Ou sistema público? Como diz o insigne mestre Luiz Maranhão Filho: " Ainda não se definiu o que seja sistema público. O que temos é o sistema estatal. De onde surgirá o sistema público? As comunidades anseiam pela abertura de faixas comunitárias, de estações de baixa potência (apud Legislação e Comunicação, L.Tr, 1995, p.135).

Dessarte, é inafastável a certeza de que rádio comunitária ou de baixa potência, uma ou outra, é figura juridicamente nova. Todos os preceitos, conforme observamos, referem-se aos sistemas privado, estatal e público. A Rádio de baixa potência ou comunitária não está inclusa em nenhum deles. Portanto, há lacuna na lei. O jornal "O Estado de São Paulo", de 19/03/96, noticiou, na época, a existência do projeto de lei do governo e disse, textualmente, que "de acordo com o projeto do Governo, as emissora passariam a ser chamadas de "comunitárias". Infere-se, pois, que poderia ser um quarto sistema. Ou, então, passaria a ser elencado no "sistema público". Contudo, ainda não o está. E, em havendo lacuna na lei, preceitua o artigo 5º, inciso II, da Carta Magna: "E ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei". Ora, se não há lei...

Combinam-se com os citados artigos da nossa Carta Magna os artigos da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, convenção conhecida por Pacto de San José da Costa Rica, assinado em 22/11/69:

Art. 13-1: "Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber, difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha";

Art. 13 - 2: "O exercício do direito previsto no inciso precedente (liberdade de pensamento e expressão) não pode estar sujeito à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas em lei (...)"

Art. 13-3: "Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de freqüências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões"

Trata-se, sem dúvida, de um verdadeiro hino à liberdade de pensamento e expressão. Contudo, liberdade com responsabilidade. Ressalte-se, ainda, que a validade da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos sedimentou-se, porque o Brasil promulgou o Pacto de San José da Costa Rica, por meio do Decreto 678/92, de 06/11/92, autorizado pelo Decreto Legislativo nº 27, do Congresso Nacional, datado de 26/05/92. A Carta de Adesão ratificou-o em 25/09/92. Assim, a Convenção Americana veio a ser, finalmente, incorporada ao direito interno e o Decreto acima citado determinou o seu integral cumprimento. E quanto à sua validade, é pacífica a doutrina. Assim o diz Ada Pellegrini Grinover, in "As Nulidades no Processo Penal"; Luís Jiménez de Asúa, in "La ley y el delito"; Hildebrando Accioly, in "Manual de Direito Internacional Público"; Celso D. de Albuquerque Mello, in "Direito Constitucional Internacional", e tantos outros. Porém, sacramenta-o o artigo 5º, parágrafo 2º, da Constituição Federal de 1988, no qual foi insculpido: "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte". A Convenção Americana sobre Direitos Humanos é um tratado internacional. Coroamos os fundamentos com a lição de Ada Pellegrini Grinover e outros, in "As Nulidades...": Isso quer dizer que as garantias constitucionais e as da Convenção Americana interagem e se completam; e, na hipótese de uma ser mais ampla que outra, prevalecerá a que melhor assegure os direitos fundamentais".



IV- ASPECTOS JURÍDICOS CRIMINAIS

O Ministério das Comunicações, por meio dos seus fiscais, e a Polícia Federal, para proteger os fiscais do Minicom (sem motivo, pois, não acreditamos que as pessoas que instalem rádios comunitárias sejam bandidas), nas suas andanças, no encalço dos responsáveis pelas referidas rádios, quando, no cumprimento de ordens, faziam a apreensão ou a lacração, lavravam o termo e enquadravam o responsável (ou responsáveis) no artigo 70, da Lei 4.117/62, que diz: " Constitui crime punível com a pena de detenção de um a dois anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, a instalação ou utilização de telecomunicações, sem observância do disposto nesta lei e nos regulamentos." Ora, uma lei, quando é "criada", grosso modo, o é com o objetivo de regular o convívio em sociedade, estabelecendo normas que obrigam à obediência os cidadãos por elas afetados. A Lei 4.117/62 foi casuística. O artigo 70, com redação determinada pelo decreto nº 236, de 28 de fevereiro de 1967, da citada Lei, surgiu como forma de repressão em pleno regime de exceção, com o escopo de calar vozes contrárias ao regime. Essas pessoas se utilizavam de transmissores de baixa potência e transmitiam suas mensagens contrárias, por ondas eletromagnéticas, para um raio de aproximadamente 20 ou 30 quilômetros. Quando as forças de repressão tentavam localizar, havia a mudança de local. A história da época, hoje de total domínio público, retratava o que narramos. Então, para o objetivo dos que se sentiam incomodados com os fatos, o artigo 70, mercê do regime de exceção que tudo podia, veio ao encontro do que necessitavam: jogar na ilicitude quem se utilizava desse meio. Por isso, podia prender-se com base legal (as aparências eram importantes!!!). Quem viveu a época é sabedor das marchas e contramarchas de que falamos.

Carlos Maximiliano, in "Hermenêutica e Aplicação do Direito", com sua extrema sabedoria, diz: "As mudanças econômicas e sociais constituem o fundo e a razão de ser de toda a evolução jurídica; e o direito é feito para traduzir em disposições positivas e imperativas toda a evolução social. Como, pois, recusar interpretá-lo no sentido das concepções sociais que tendem a generalizar-se e a impor-se?" Perguntamos: no limiar do ano dois mil, o artigo 70 da Lei 4.117/62, com redação determinada pelo decreto nº 236/67, quando vivemos as liberdades democráticas, é compatível com o estágio de nossa sociedade? Além do mais, mesmo que houvesse "validade", hermeneuticamente falando, trata-se de norma penal em branco. In fine, diz o artigo - ...disposto nesta lei e nos regulamentos." Ora, falta a norma regulamentadora, a norma de integração. Como se pode, então, falar em crime? Nélson Hungria, do alto de sua cátedra e conhecimentos jurídicos profundos, in "Comentário ao Código Penal", salienta, juntamente com Heleno Fragoso: " 7. Leis Penais em branco. Há certas leis penais que dependem, para sua exeqüibilidade, do complemento de outras normas jurídicas in fieri ou da futura expedição de certos atos administrativos (regulamentos, portarias, editais). É o que se chama de "leis penais em branco", "cegas", ou "abertas". Contêm a sanctio (cominação de pena), mas o proeceptum é remetido à lex ferenda ou futuro ato administrativo..." E, sabemos, de acordo com o artigo 1º da LICC, que necessitam de ser publicadas no órgão oficial para sua eficiência. Contudo, para pôr água fria nesse tempero quente, observem um dentre tantos outros julgados que vão pacificando o assunto: Telecomunicações - Instalação de radiotransmissor clandestino - Artigo 70, da Lei 4.117/62 - Insignificância - Radiotransmissor de pequeno alcance, rudimentalmente instalado, sem a devida autorização, embora reprovável, apresenta-se de baixíssimo potencial ofensivo. Teoria da insignificância que autoriza a absolvição. Recurso improvido (TRF- 1º Região - 4º T.; Ap. Crim. Nº 96.01.09003-7- MA; Rela. Juíza Eliana Calmon; j. 13.05.1996; v.u.; ementa.). E, ratificando, sentenciou o Merítissimo Juiz Federal de Araçatuba, cultíssimo Dr. Aroldo José Washington, em nossa ação: "Face aos itens 2 e 3 daquela Convenção, o artigo 70 da Lei 4.117/62, com redação determinada pelo Decreto nº236, de 28 de fevereiro de 1967, tempo do regime ditatorial que vigorou em nosso País, está, prima facie, derrogado, ao menos na parte que diz respeito à autorização governamental, para a permissão de funcionamento de emissoras de radiotransmissão de baixa potência, para fins exclusivamente culturais". Não há, pois, que se falar em crime!!!

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Sobre o autor
Wilson Paganelli

advogado e professor em Castilho (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAGANELLI, Wilson. Rádio comunitária.: Ilegal? Crime?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. 21, 19 nov. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/502. Acesso em: 4 nov. 2024.

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