RESUMO:Tendo como pano de fundo o princípio da dignidade humana, o presente artigo busca analisar, de forma sistemática, o benefício auxílio doença parental, ainda não integrado oficialmente ao nosso ordenamento jurídico. Busca analisar, ainda, quais os fundamentos constitucionais e infraconstitucionais que permitem a existência de tal benefício. Também traz à baila outros benefícios existentes, onde o segurado não é o sujeito que gera o evento ensejador do recebimento, mas dependentes próximos. Analisa também quem teria direito ao benefício, e, por último, faz uma análise de um projeto de Lei existente no Senado Federal que discute tal assunto.
PALAVRAS CHAVE: Auxílio doença, parental, fundamentos, projeto, lei.
1 CONCEITUAÇÃO E CARACTERÍSTICAS
Primeiramente, como o benefício em estudo está intimamente ligado aos fundamentos do benefício auxílio doença, somente deste se diferenciando em relação ao sujeito que sofre a condição de incapacidade, ensejadora do benefício, cabe ressaltar que, nesse caso a incapacidade deve ser a tal ponto que impeça o doente de se tratar sem o auxílio de terceiros.
De acordo com o Ilustre Doutrinador Carlos Alberto Vieira de Gouveia, o auxílio doença: "Será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido na Lei 8.213/91, ficar incapacitado para o trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos."[2]
Hodiernamente o benefício auxílio doença é o mais implantado pela Previdência Social[3], e trata-se de um benefício não programado, que tem sua incidência com o evento incapacidade.
A doença, por si só, não garante a implantação do benefício. É necessário que a doença seja ulterior à filiação ao sistema, e a incapacidade deve ser avaliada de acordo com a atividade exercida pelo segurado, pois, por exemplo, uma hérnia de disco tem efeitos diferentes para um trabalhador carregador de caminhões e para outro que trabalha num escritório.[4]
Agora, tratando do tema específico deste artigo, o auxílio doença parental também tem a sua deflagração pelo evento incapacidade, mas, nesse caso, não do segurado e sim de um dependente seu.
Logicamente, não poderia ser qualquer doença a deflagrar o benefício, mas somente aquelas em que o doente necessita de um terceiro para se tratar. Imaginemos uma criança com câncer: é fato notório que essa criança deverá ser conduzida inúmeras vezes a consultas, exames, internamentos, quimioterapias, etc. Qual seria a melhor pessoa do mundo para conduzir tal tratamento? Certamente seu responsável.
Se a pessoa responsável por essa criança doente não tem amparo do Estado, certamente irá faltar inúmeras vezes ao trabalho, até que o empregador, não suportando a situação, irá romper o contrato de trabalho. Ocorrendo isso, a situação da criança (e da pessoa responsável) só irão piorar, e, não raras vezes, o que se percebe num ambulatório são pessoas nessas situações que passam o dia inteiro sem ter recursos financeiros nem sequer para a sua alimentação.
2 FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS E PRINCIPIOLÓGICOS
Os argumentos contrários aos direitos prestacionais não são apenas ideológicos, mas, também, jurídicos e materiais. É inaceitável se cogitar a impossibilidade de concessão do benefício objeto desse artigo sob o argumento de que está fora da arena parlamentar.[5]
De acordo com José Antônio Savaris, o direito à Previdência Social, especialmente em observância aos artigos 1º e 3º da Constituição Federal, goza da força normativa do inciso IV do artigo 60 (cláusula pétrea), o que deve proporcionar uma adequação aos contornos de nossa realidade social.[6] O mais forte princípio que norteia o auxílio doença parental é o da dignidade humana, estampado como fundamento da Constituição da República (CF art. 1º,III[7]).
De acordo com José Afonso da Silva[8], a dignidade da pessoa humana é um postulado que atrai todos os direitos fundamentais, e não pode ser reduzida aos direitos tradicionais. Ainda, de acordo com o autor, a ordem econômica deve assegurar a todos uma existência digna (CF art. 170[9]).
Mas a Carta Republicana não pára no artigo 1º,III. No artigo 3º percebemos que os objetivos fundamentais da República Federativa é promover uma sociedade justa e solidária e erradicar a pobreza (CF art. 3º,I e III[10]). O que a Constituição prevê é que a justiça distributiva e retributiva seja um fator de dignificação do ser humano “e em que o sentimento de responsabilidade e apoio recíprocos solidifique a ideia de comunidade fundada no bem comum”.[11]
Não se pode ignorar ainda, que a Constituição Federal prevê que o Estado tem o dever de proteger a família, pois esta é a base da sociedade (art. 226)[12]. Logicamente, essa proteção deve ser interpretada em sentido amplo. A proteção deve ser no campo da violência, educação, mas, principalmente, no social. Se alguém da família está enfermo, e se necessita de terceiro para o seu tratamento, o Estado tem o dever de propiciar meios à assegurar a dignidade tanto do enfermo quanto daquele que o rodeia.
Analisando conjuntamente os artigos 194[13], 201[14], 7º e 5º da Constituição Federal, além daqueles já citados, facilmente se chega à conclusão de que existem fundamentos constitucionais suficientes a garantir ao segurado, filiado à Previdência Social, quando tiver algum membro familiar doente, incapaz, que não possa se tratar sozinho, deve o segurado receber proteção do Estado, tendo implantado o benefício auxílio doença parental.
3 FUNDAMENTAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL
Somente pelos fundamentos constitucionais já seria possível a concessão do auxílio doença parental, porém o legislador foi mais além: em diversos dispositivos infraconstitucionais percebemos a possibilidade da concessão do benefício.
Vejamos o que estabelece o artigo 1º da Lei 8213/91:
Art. 1º A Previdência Social, mediante contribuição, tem por fim assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, desemprego involuntário, idade avançada, tempo de serviço, encargos familiares e prisão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente.
Vejamos agora o artigo 10º do Decreto 3048/99:
Art. 10. Os beneficiários do Regime Geral de Previdência Social classificam-se como segurados e dependentes, nos termos das Seções I e II deste capítulo.
Ainda, no artigo 16 da Lei 8213/91 e do Decreto 3048/99, encontramos um rol dos dependentes do segurado.
Vejamos agora, o que estabelecem os artigos 4º e 5º da LINDB:
Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
Art. 5o Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.
Por último, vejamos o que estabelece o item “X” do Preâmbulo da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência assinada em 2007:[15]
Convencidos de que a família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem o direito de receber a proteção da sociedade e do Estado e de que as pessoas com deficiência e seus familiares devem receber a proteção e a assistência necessárias para tornar as famílias capazes de contribuir para o exercício pleno e equitativo dos direitos das pessoas com deficiência,
Vejamos que o Ilustre Professor Carlos Gouveia entende sobre o assunto:
A incapacidade para o trabalho não precisa se dar em razão de problemas físicos/mentais, pode se dar através também de problemas psíquicos, pois a doença no ente querido provoca uma incapacidade em ricochete no segurado; embora a patologia coadunadora não ocorra nele, esta provoca naquele um estado de incapacidade por elemento externo, tornando-o absolutamente incapaz de conseguir desempenhar atividade que lhe garanta subsistência.[16]
Logicamente aqui não se trata de um benefício devido ao dependente em si, mas ao segurado, pois este estará incapacitado ao trabalho em decorrência do adoecimento do seu dependente, e, como demonstrado, a sociedade e o Estado tem um dever para com as pessoas com deficiência e deve fornecer a assistência necessária a assegurar sua dignidade.
4 ANALOGIA A OUTROS BENEFÍCIOS
De acordo com o artigo 195 da Constituição Federal, toda a sociedade, de forma direta e indireta, financia a Seguridade Social. Ainda, de acordo com o § 1º do artigo 201 da Carta Magna, é vedada a adoção de critérios diferenciados para a concessão de benefícios.
Vejamos o que afirma Pedro Lenza:
Os benefícios têm requisitos específicos, que devem ser os mesmos para todos os beneficiários, vedadas quaisquer diferenciações, o que atende aos princípios da universalidade e da uniformidade e equivalência de benefícios e serviços às populações urbanas e rurais.[17]
A tutela é uma obrigação do Estado e da sociedade civil, e todo aquele sem condições de autossustento deve ser amparado pelo Estado e pela sociedade organizada. A tutela não pode ser um eterno assistencialismo de políticas eleitoreiras, mas, sim, o socorro diante da real necessidade a um caso concreto.[18]
Já existem benefícios que são extensíveis aos dependentes do segurado, como auxílio reclusão[19] e pensão por morte.
O artigo 6º do Decreto 3048/99 estabelece:
Art. 6º A previdência social compreende:
I - o Regime Geral de Previdência Social; e
II - os regimes próprios de previdêcia social dos servidores públicos e dos militares.
Pode-se citar, ainda, o previsto no artigo 83 da Lei 8112/90:
Art. 83. Poderá ser concedida licença ao servidor por motivo de doença do cônjuge ou companheiro, dos pais, dos filhos, do padrasto ou madrasta e enteado, ou dependente que viva a suas expensas e conste do seu assentamento funcional, mediante comprovação por perícia médica oficial:
§ 1° A licença somente será deferida se a assistência direta do servidor for indispensável e não puder ser prestada simultaneamente com o exercício do cargo ou mediante compensação de horário, na forma do disposto no inciso II do art. 44.
§ 2o A licença de que trata o caput, incluídas as prorrogações, poderá ser concedida a cada período de doze meses nas seguintes condições:
I - por até 60 (sessenta) dias, consecutivos ou não, mantida a remuneração do servidor; e
II - por até 90 (noventa) dias, consecutivos ou não, sem remuneração.
§ 3o O início do interstício de 12 (doze) meses será contado a partir da data do deferimento da primeira licença concedida.
§ 4o A soma das licenças remuneradas e das licenças não remuneradas, incluídas as respectivas prorrogações, concedidas em um mesmo período de 12 (doze) meses, observado o disposto no § 3o, não poderá ultrapassar os limites estabelecidos nos incisos I e II do § 2o
Como pode ser observado, tanto o Regime Próprio dos Servidores Públicos Federais, quanto o Regime Geral da Previdência, são administrados pela mesma autarquia. Desse modo fica a pergunta: se no Regime Próprio é possível o afastamento remunerado para tratar de parente incapaz, por que o mesmo não seria possível ao segurado do Regime Geral? Será que não estão todos sujeitos às mesmas desventuras da vida?
Vejamos o que estabelece o artigo 5º da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência assinada em Nova Iorque em 2007:[20]
Artigo 5
Igualdade e não discriminação
1. Os Estados Partes reconhecem que todas as pessoas são iguais perante e sob a lei e que fazem jus, sem qualquer discriminação, a igual proteção e igual benefício da lei.
Vejamos o que o Ilustre Desembargador Ricardo Tadeu Marques da Fonseca comenta sobre a referida convenção e o protocolo adicional também ratificado pelo Brasil:
O Brasil subscreveu o protocolo que reconhece a competência do Comitê sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência para receber e considerar comunicações submetidas por indivíduos ou grupos de pessoas sujeitos à sua jurisdição, em caso de transgressões das normas convencionais pelos Estados-Partes.[21]
Nota-se que o dispositivo acima citado foi incorporado ao ordenamento jurídico pátrio, obtendo status de emenda constitucional. Assim sendo, pode-se afirmar que CONSTITUCIONALMENTE está estabelecido que todas as pessoas fazem jus a igual proteção e benefício da lei.
Desse modo, por questão de isonomia, princípio constitucional, deve o segurado do Regime Geral ter o mesmo tratamento do Servidor Público.
5 QUEM TEM DIREITO
Não se pode deferir o benefício a qualquer segurado que tenha seu parente doente. O evento deflagrador do benefício deve ser o mesmo estabelecido para o auxílio doença, ou seja, a incapacidade. Nesse quesito deve-se ir mais longe: a incapacidade deve ser a tal ponto que impeça o incapaz de se tratar sozinho. Dentre os sujeitos que necessitam do auxílio de terceiro tem-se maior incidência em crianças e idosos.
Várias são as doenças incapacitantes que necessitam de terceira pessoa para auxiliar na recuperação. Dentre elas pode-se citar: síndrome de West, depressão, síndrome do pânico, câncer, dentre tantas outras.
Desse modo, teria direito aquele segurado que tem seu dependente incapaz, não tendo condições de se tratar sozinho. Os dependentes seriam aqueles já elencados no artigo 16 da Lei 8213/91 e Decreto 3048/99 (cônjuge, companheiro(a), filho(a) menor de 21 anos ou invalido(a), pais, irmãos).