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Poder e força nas relações de consumo

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Agenda 17/07/2016 às 21:13

A cada dia os meios de comunicação mostram seu poder frente ao mundo, influenciando a vida de todos os seres humanos, de uma forma que jamais um Príncipe sonhou influenciar.

RESUMO

 

 

                            A cada dia os meios de comunicação mostram seu poder frente ao mundo, influenciando a vida de todos os seres humanos, de uma forma que jamais um Príncipe sonhou influenciar. O que assistimos não é um uso da força pelos meios de comunicação, mas sim um uso indiscriminado de poder, que faz com que todos atuem conforme a vontade do poderoso, sem ao menos perceber esta “mão invisível” que guia seus passos. E este poderoso tem nome, MERCADO. É o mercado que necessita vender, e é ele que usa as técnicas disponíveis pelo poder, como a publicidade, a propaganda, o marketing e o merchandising. No presente trabalho monográfico analisaremos a relação entre Poder e Direito, passando pelos conceitos e análises da força e do próprio poder, diferenciando estes dois termos; analisaremos as teorias orgânicas do poder, conforme o ponto de vista de Tércio Sampaio Ferraz Júnior; analisaremos a rejeição de Lord Acton ao poder absoluto; analisaremos os meios de comunicação de massa e sua relação com o poder e como fica o consumidor frente a esse poder; analisaremos o papel do direito na equanimização das situações consumeristas e na mudança dos quadros sociais e por fim a beleza e o “status” como poder para o consumidor. A confluência de temas foi necessária para compreender tudo o que os Códigos de Leis não conseguem explicar.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

 

                            O poder é um dos fenômenos mais antigos da civilização, tendo seu auge na figura do Mercado, nos meios de comunicação, que hoje chegam a um número indeterminado de seres humanos, nos mais diversos locais do planeta.

 

                            A força também é um fenômeno muito antigo, mas muitas vezes é confundido com o poder. Há diferenças entre estes dois fenômenos, algumas sutis, outras mais latentes. Este será um dos nossos objetivos: diferenciar os dois fenômenos, em especial nas relações de consumo, onde estas diferenças são mais alargadas.

 

                            O principal instrumento que o Mercado se utiliza para atingir seus objetivos são os meios de comunicação, em todas as suas formas, das mais rudimentares as mais sofisticadas. Todas as pessoas, mesmo que não queiram, são bombardeadas pelo poder que flui como uma luz na retina humana. Beleza, “status”, sensação de domínio, de força e de poder, prestígio e riqueza são os combustíveis que agem no cérebro humano, para levar à finalidade querida por aqueles que detêm um poder jamais visto. Na verdade, este poder tem nome, e este nome é o dinheiro.

 

                            Infelizmente, nossa sociedade deixou características sadias de lado (não na totalidade, mas em números consideráveis), como afeto, carinho, amor, solidariedade, respeito e amizade. Hoje imperam os ganhos materiais.

 

                            A evolução traz consigo fatos bons, acontecimentos espetaculares para o progresso da raça humana, porém traz infelicidade, que em um primeiro momento é confundida com felicidade. Ir às compras não cura depressão, traz, somente, uma falsa impressão de felicidade, e é exatamente isso que queremos mostrar. Os meios de comunicação e o Mercado são fenômenos úteis e necessários, mas não são os únicos para um progresso humano. Os valores estarão sempre acima dos ganhos e possibilidades de uma evolução desmedida. No sistema capitalista de produção e distribuição de bens, a conduta dos governantes é a reprodução da vontade dos detentores do poder econômico, e isso não pode ser mascarado pela mídia.

 

                            Nesse diapasão, será objeto de nosso estudo as relações de consumo, a análise pormenorizada dos fenômenos do poder e da força, diferenciando os dois termos, além de relaciona-los com o Direito. Os meios de comunicação de massas, o Mercado, a situação do consumidor frente ao poder daqueles que detém o poder, ou parcela deste, o papel do direito na equanimização das situações consumeristas e na mudança dos atuais quadros sociais, a beleza e o “status” como um poder – ou falso poder – para o consumidor, enfim, toda relação poder, força e consumidor serão por nós analisados.

 

                            O tema em tela ultrapassa as barreiras dos bancos escolares, sendo voltado para a sociedade como um todo, desenvolvido e pensado para esta. Os leitores deste Trabalho devem analisá-lo com espírito novo e reflexivo, para termos um instrumento de mudança social, que possa contribuir muito mais para a evolução de nossas instituições políticas e jurídicas, contribuindo para uma fundamental mudança de espírito e de forma de pensar. Humildemente desejamos isto!

 poder e da força, diferenciando os dois termos, alres para o progresso da raça humana, por

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1. PODER E DIREITO

 

                            Poder e Direito são temas conexos, assim como a maior parte das ciências. A propósito do assunto, Boaventura de Souza Santos alega que a distinção dicotômica entre ciências naturais e ciências sociais deixou de ter sentido e utilidade já há algum tempo. [1] Ou seja, cada vez mais o estudo do Direito (nosso objetivo que ora se faz presente) é mais interdisciplinar e multidisciplinar.

 

                            O fenômeno do poder é sentido em todas as áreas e em todas as situações. Ele é sentido nas relações amorosas, nas relações de amizade, nas relações de parentesco, nas relações laborais, na política, na economia, na cultura, na ciência e também no Direito. Aliás, Tércio Sampaio Ferraz Júnior alega que o poder é fenômeno sentido na vitória, na força, na violência, na resistência e até mesmo na fraqueza e no desamparo. [2]

 

                            O mesmo Tércio Sampaio ensina que o verbo poder, em português e nas demais línguas latinas e também o inglês (can, may) e o alemão (können, mögen, dürfen), exige mais de uma palavra para sua variada expressividade, e citando Hannah Arendt, em “A condição humana”, alega que a palavra poder, assim como no seu equivalente grego “dynamis” e no latino “potentia”, com seus vários derivados modernos, indicam seu caráter de potencialidade. [3] Ou seja, o poder é potencial.  

 

                            Mas o poder é coisa? É substância? É palpável? É faculdade ou possibilidade? É capacidade ou relação? Talvez o poder seja tudo isso. Talvez. Talvez ele (o poder) não seja nada disso. Talvez.

 

                            Poder é algo que parece sabermos de forma inata, porém é sempre tarefa árdua a sua conceituação. Exatamente as expressões mais simples e as mais corriqueiramente utilizáveis são as mais difíceis de definição. Definir comoriência é fácil para um bacharel; definir sistema imunológico é fácil para um médico; definir motor é fácil para um engenheiro mecânico; mas definir expressões como poder, justiça ou democracia, é tarefa dificílima para qualquer pessoa. Não iremos solucionar a questão. Não iremos definir poder. Iremos mostrar caminhos e, talvez, apontar algumas soluções.

 

                            Como bem explicita Tércio Sampaio, o conceito-chave na concepção de poder é a noção de poder originário. [4] O poder originário é aquele que está acima de todo poder, a fonte das fontes. Acerca do tema, leciona o autor:

 

       “Isto é uma exigência de racionalização do direito: ou o direito constitui um sistema unitário, ou temos o caos. Essa racionalização obriga o jurista, porém, a sublimar o poder, pois, de fato, ele não poder esconder a realidade de que nenhum ordenamento nasce num deserto. Por isso, a idéia de um poder originário é, necessariamente, metafórica. O poder originário nunca é um poder ilimitado, já pelo fato de se reconhecerem ordenamentos precedentes (fontes reconhecidas). Por isso, quando o jurista fala em poder originário, o caráter primeiro é jurídico e não histórico. Da mesma forma que a noção de estado de natureza para os jusnaturalistas era um conceito racional, uma exigência da razão justificadora, para o jurista moderno atua a noção de poder originário, o qual é, de fato, sempre limitado – limite externo do poder soberano.

       Por outro lado, o poder originário, uma vez constituído, cria, por si mesmo, para satisfazer a uma necessidade de normatização continuamente atualizada, nos centros produtores de normas, o que estabelece uma segunda limitação, interna:  autolimitação do poder soberano é outra exigência da racionalização do poder pelo justo.” [5]

 

                            Aqui já estamos relacionando Poder e Direito. Em tempo, Direito, conforme explicitação de Emmanuel Kant, se não for para mergulhar numa tautologia ou referir-se à legislação de determinado país ou tempo, em lugar de dar uma solução geral, é tão grave para o jurisconsulto como o é para o lógico a questão sobre o que é a verdade. Ensina o filósofo:

 

       “Seguramente pode-se dizer que é o direito (quid sit júris), isto é, que prescrevem ou prescreveram as leis de determinado lugar ou tempo. Porém a questão de saber se o que prescreveram essas leis é justo, a questão de dar por si o critério geral através do qual possam ser reconhecidos o justo e o injusto (justum et injustum) jamais poderá ser resolvida a menos que se deixe à parte esses princípios empíricos e se busque a origem desses juízos na razão somente (ainda que essas leis possam muito bem se dirigir a ela nessa investigação), para estabelecer os fundamentos de uma legislação positiva possível. A ciência puramente empírica do Direito é (como a cabeça das fábulas de Fedro) uma cabeça que poderá ser bela, mas possuindo um defeito – o de carecer de cérebro.” [6] 

 

                            E prossegue o filósofo:

 

       “A noção do direito, relativamente a uma obrigação correspondente (isto é, a noção moral dessa obrigação), em primeiro lugar concerne tão-somente à relação exterior e prática de uma pessoa com outra enquanto suas ações como fatos possam ter uma influência (mediata ou imediata) sobre outras ações. Porém, em segundo lugar, essa noção não indica a relação do arbítrio com o desejo (por conseguinte com a simples necessidade) de outro, como nos atos de beneficência ou de crueldade, mas, sim, simplesmente a relação do arbítrio do agente com o arbítrio de outro. Em terceiro lugar, nessa relação mútua do arbítrio, não se toma em consideração a matéria do arbítrio, isto é, o fim a que cada um se propõe. Não se discute, por exemplo, no contrato que outro celebre comigo para seu próprio comércio, se, mediante ele, poderá obter este ou o outro benefício; se discute tão-somente a forma na relação do arbítrio respectivo dos contratantes, considerada sob o ponto de vista da liberdade, isto é, que só faz falta saber se a ação de um deles é ou não um obstáculo à liberdade do outro segundo uma lei geral.” [7]

 

                            O poder é um fenômeno sócio-cultural; como bem explicita José Afonso da Silva, o poder é um fato da vida social. Ensina o jurista:

 

       “Pertencer a um grupo social é reconhecer que ele pode exigir certos atos, uma conduta conforme com os fins perseguidos; é admitir que pode nos impor certos esforços custosos, certos sacrifícios; que pode fixar, aos nossos desejos, certos limites e prescrever, às nossas atividades, certas formas. Tal é o poder inerente ao grupo, que se pode definir como uma energia capaz de coordenar e impor decisões visando  à realização de determinados fins.” (grifos nossos) [8]

 

                            Paulo Bonavides alega que o poder representa aquela energia básica que anima a existência de uma comunidade humana num determinado território, conservando-a unida, coesa e solidária. [9] Afonso Arinos, por sua vez, define poder como a faculdade de tomar decisões em nome da coletividade. [10]

 

                            Ainda embasado nas lições de Paulo Bonavides, temos que com o poder se entrelaçam a força e a competência (legitimidade oriunda do consentimento). O poder do Estado é o poder político, também conhecido como poder estatal. Em uma sociedade, onde são vários os grupos sociais e também os grupos políticos, o poder estatal impõe regras e limites, para que o Estado consiga atingir os fins a que se dispõe. Então temos algo simples: o poder político é superior a todos os outros poderes sociais, porém há um poder que com o decorrer dos anos torna-se inegável e cada vez mais forte, mais potente, mais presente e mais inafastável: o poder do mercado.

 

                            O mercado possui algo fundamental em uma sociedade onde vários valores como respeito, dignidade, amor, afeto, solidariedade, entre outros, estão cada vez mais distantes: o poder financeiro. Percebe-se que os poderes interagem: um poder sempre é composto por outro poder. Hoje não podemos mais falar em poder no singular, mas sim em poderes. Esta é uma triste realidade, mas é uma realidade, e caso não se mude esta realidade, as pessoas devem se proteger ao máximo, buscando as soluções que somente a ciência aliada a prática podem fornecer.

 

                            Segundo o dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, podemos entender como MERCADO qualquer situação em que compradores e vendedores em potencial entram em contato. É a relação estabelecida entre a oferta e a procura de bens e/ou serviços e/ou capitais; é o conjunto de pessoas e/ou empresas que, oferecendo ou procurando bens e/ou serviços e/ou capitais, determinam o surgimento e as condições dessa relação.

 

                            É inegável que vivemos em uma época moderna. É inegável que o mundo passa por muitas mudanças, e nem sempre boas. Hoje é inegável que vivemos em uma era digital, uma era de predomínio das máquinas, da informação rápida, dos meios de comunicação desenvolvidos, e nesse ínterim o instrumento de poder é a informação; como alega Patrícia Peck, esta informação não é somente a recebida, mas também a refletida. [11]

 

                            A liberdade individual e a soberania do Estado são medidas atualmente pela capacidade de acesso à informação, e como as mudanças são constantes, os avanços tecnológicos afetam as relações sociais frontalmente. Por tudo isso é que podemos alegar que a questão da inclusão digital é uma questão de direitos humanos fundamentais, e que também isto é uma modalidade de poder. A beleza é uma modalidade de poder. A inteligência, a capacidade de liderança, a noção política, o conhecimento jurídico, o conhecimento médico, enfim, em todas as áreas onde o homem possa influir há a questão do poder. E o Direito, no seu conjunto, está sempre dizendo sobre poder, seja protegendo, seja atacando, seja se omitindo.

 

                            Há uma passagem do livro “Caligvla”, de Allan Massie, que pedimos vênia para transcrever, grifando os trechos que entendemos esclarecedores para a questão do poder:

 

       “Será que Gaio estava brincando, fazendo graça? Era difícil saber. Já na época, ele ia de um extremo a outro, confundindo aqueles a quem se dirigia e os que o observavam. A decisão de conceder um cargo de cônsul a Cláudio irritou Marcos Emílio Lépido. Ele mal conseguiu se controlar até o final da reunião. Então, quando saímos, segurou meu braço e me puxou para um canto sossegado nos jardins do palácio.

       - Você tem que impedir isso. Se alguém tem influência sobre o imperador é você. E ficou lá, calado. Se ele insistir e Cláudio for cônsul, todos nós vamos virar motivo de pilhéria. E, pelo que estudei de história e pelo que conheço dos homens, um governo pode sobreviver sendo odiado, mas não ridicularizado.

       - Mas Gaio é popular com o povo. Nem Augusto e Tibério foram tanto – observei.

       - Concordo: é popular com o povo, com o fedorento povo. Mas todos nós sabemos como a plebe é volúvel. Um dia, aplaude um ator ou um gladiador, no dia seguinte, xinga e joga estrume nele. Com as pessoas que interessam, isto é, o Senado, os governadores de província e os generais, a popularidade dele não é garantida. Está, no máximo, sendo avaliada. Todos acham que é apenas um menino e estão de olho nele. Há uma coisa que nós, os romanos, exigimos de nossos líderes, e tal coisa é dignidade. [12]

 

                            A dignidade, esta sim, é a maior ferramenta de um poder. Se o Direito exprime poderes, então a dignidade jamais deve estar afastada, caso contrário, joguemos os códigos e compilações no lixo, pois de nada servem. O direito, enfim, regula o exercício da força, fundado no consentimento. E força está dentro do poder, sem ser seu núcleo.

 

2. O QUE É FORÇA?

 

                            Utilizando-nos novamente de Paulo Bonavides, vemos que se o poder repousa única e exclusivamente na força, e na sociedade onde ele se exerce exterioriza em primeiro lugar o aspecto coercitivo com a nota da dominação material e o emprego freqüente de meios violentos para impor a obediência, esse poder, não importando sua aparente solidez ou estabilidade, será sempre um poder de fato, nunca um poder de direito. Todavia, se o “poder” (entre aspas, pois não se trata propriamente do poder, mas sim de quem o detêm) busca sua base de apoio menos na força do que na competência, menos na coerção do que no consentimento dos governados, converter-se-á então num poder de direito.

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                            Na verdade, com a modernização dos Estados, temos uma despersonalização do poder. Não há como designar quem é o poderoso, mas sim o que é o poderoso. O poder passa de uma pessoa, de um líder, para uma instituição, de um poder imposto pela força a um poder fundado na aprovação do grupo, de um poder de fato para um poder de direito. Claro, com algumas exceções na América Latina, Estados Unidos da América, África, Ásia e Oriente Médio.

 

                            Força é nada mais do que impor algo, independentemente da vontade de outrem; aliás, a vontade de terceiros nada importa na realidade. Força é energia física ou mora, é a ação de obrigar alguém a fazer algo, é a violência. O detentor da força simplesmente aplica o que quer, e ponto final. Na invasão do Iraque, perpetrada pelos Estados Unidos da América houve exatamente isso: aplicação exclusiva de força, do mais forte em face do mais fraco; do mais rico em face do mais pobre.  

 

2.1. DIFERENÇAS ENTRE PODER E FORÇA

 

                            Para diferenciar estas duas expressões, nos utilizaremos de uma breve estória.

 

                            Um professor, chamado Araújo, ministra aulas em uma Universidade brasileira. Sob sua tutela, existem mais de 200 alunos, separados em 04 salas de aula. O professor Araújo é um “profissional” atípico; jamais entrega notas para seus alunos no prazo estipulado pela Coordenação da Universidade; corrige as provas de forma totalmente subjetiva, aplicando a famosa expressão popular “dois pesos, duas medidas”; costumeiramente convida alunas para conversas indiscretas fora do horário de labor; aplica sempre o princípio do amigo do rei: para os amigos tudo, para os inimigos o rigor da lei (da sua lei); ministra suas aulas de forma despótica; não aceita versões que não as suas; não aceita indicação bibliográfica que não seja as suas (não possui humildade bibliográfica, uma expressão cunhada pelo Professor Rizzatto Nunes) [13], enfim, é o exemplo invertido de professor.

 

                            Quando ele (o professor Araújo) pratica quaisquer dos atos acima listados, ele não atua com poder, mas sim com força. Quando aplica nota zero para um aluno, simplesmente porque não simpatiza com este, não o faz por razão de poder, mas sim por razão de força.

 

                            Quem tem poder, possui também força. Quem somente tem força, jamais terá poder. Quando um bom professor, alguém com sensibilidade, com perspicácia, inteligente, líder nato, colega de seus alunos, alguém que se considera sempre um igual, aplica nota zero para um aluno porque este não presta atenção às suas aulas, não estuda, leva seu curso adiante sem seriedade, faz uma péssima avaliação, este professor, que possui uma autoridade porque construiu uma autoridade, baseada na ética e no respeito ao próximo, este professor atua com poder, imbuído de força para praticar tal ato. Essa a diferença a nosso ver.

 

                            Paulo Bonavides entende pelo vocábulo força a capacidade material de comandar interna e externamente. Já o poder significa para o Professor Bonavides a organização ou disciplina jurídica da força. Autoridade seria a tradução do poder quando ele se explica pelo consentimento, tácito ou expresso, dos governados. O poder com autoridade é o poder em toda a sua plenitude, apto a dar soluções aos problemas sociais. [14] Como visto, nosso entendimento varia um pouco com o entendimento expressado pelo Professor Paulo, porém este é exatamente o objetivo de qualquer trabalho que se preze: mostrar as diferenças, buscando uma totalidade de informações para os leitores, já que em ciências nunca se tem certo ou errado, mas sim afirmação e refutação.

 

                            Tércio Sampaio Ferraz Júnior identifica certas relações entre poder e força (física), como transcrevemos a seguir:

 

       “... se reconhece que os detentores do poder são aqueles que têm força necessária para fazer respeitar as normas que eles emanam. Admite-se, pois, que a força é instrumento necessário do poder, mas nega-se que seja seu fundamento. Sutilmente, vai dizer o jurista que a força é necessária para exercitar o poder, mas não para justificá-lo. O que justifica é o consenso.” [15]

 

                            O poder é na sociedade uma qualidade imanente aos indivíduos (força e capacidade) que é limitada à medida que se exige seu agrupamento (consenso). Esta é a lição extraída de Tércio Sampaio. [16] Poder é fazer com que outrem faça o que você quer ser que este sequer perceba isso. Força não: a força não pode ser mascarada; o poder pode.

 

                            Um outro caso simples que identifica facilmente a diferença entre força e poder é a ditadura militar adotada no Brasil no Século XX: nela somente havia força, nunca poder. Nela havia violência, total imoralidade, ilegalidade. Nunca houve revolução neste país; houve, somente, golpe. 

 

                            Já o mercado, por sua vez, possui poder, e não força. A diferença é sutil, e somente com muita sensibilidade (o que falta para a maioria dos atuais operadores do Direito – e sim, o caso é gravíssimo) todas as questões que forem sendo colocadas ao julgo do Judiciário poderão ser decididas com base não tão sonhada e almejada, porém distante, Justiça.

 

                            Max Weber dizia que o Estado consiste em uma relação de dominação do homem pelo homem, com base no instrumento da violência legítima, sendo o poder político expressado na soberania do Estado equiparado à força (violência), sob o conceito de dominação. [17] Foi Hannah Arendt que demonstrou que nem sempre o poder político esteve sustentado nesta idéia de dominação, bastando recorrer à antiguidade, onde igualdade e liberdade eram as principais marcas do poder político, nascendo num espaço não necessariamente violento. Onde haveria violência jamais poderia haver poder político para Arendt. [18]

 

                            Há todo um contexto histórico que baseia a teoria de Weber do poder como dominação. É este contexto o mesmo que forma e modifica o Estado de Direito. Parte-se do indivíduo para as hordas (segundo Léon Duguit[19] na horda os homens vivem em comum, sem lar fixo, ligados uns aos outros pelas necessidades da defesa e da subsistência comuns), destas para as famílias (grupo mais integrado, pois a solidariedade nascida da defesa e da subsistência comuns se acrescentam os laços de sangue e a comunidade de religião), destas para a cidade (expressão utilizada por Duguit) ou povo (expressão utilizada por Gérard Lebrun[20]), que são agrupamentos de famílias com origem, tradições e crenças comuns, e destas para a nação (utilizada por Duguit) ou massas (utilizada por Lebrun), que são as formas por excelência das sociedades modernas, cuja constituição se deve a fatores diversos, tais como a comunidade de direito, a língua, a religião, as tradições, e outra série de fatores.  A questão é que a sociedade moderna é individualista e a pós-moderna (se é que já chegamos à pós-modernidade) é a exacerbação da individualidade.  

 

 

 

 

 

 

 

                            Acreditamos que, no Século XX, muitos acontecimentos mostraram ao mundo o que é força, mas nada comparado à Alemanha Nazista e, mais recentemente, ao Estados Unidos da América. Utilizando-nos do primeiro, vejamos o que disse certa vez o Oficial Graduado Himmler, em uma palestra para a Divisão de Negócios Exteriores da SS:

 

       “Política é a arma do terror: a crueldade gera respeito. Podem odiar-nos, se quiserem. Não queremos que nos amem. Queremos que nos temam.”[21]

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

3. TEORIAS ORGÂNICAS DO PODER: A POSIÇÃO DE TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR

 

 

                           

                            Com o passar dos anos, a sociedade apresenta cada vez mais mudanças. Seja pelos novos modelos de pensamento que vão sendo instalados, seja pelo avanço da tecnologia, pelo encurtamento das distancias, seja pelas barbáries que são cometidas diariamente, e que apesar dos apelos não cessam.

 

                            Após a Revolução Francesa, a mudança é mais radical. Lógico que esta mudança não se dá em razão exclusiva da Revolução Francesa, mas se deve também ao passado desta, pois é este passado que molda os acontecimentos futuros. Tércio Ferraz leciona que se antes da Revolução Francesa os homens se uniam em torno do rei, depois eles passam a se unir na Nação, como membros de um todo. [22] Isso tudo é muito importante para a discussão a ser travada nos capítulos posteriores deste trabalho, em especial nos capítulos 05 e 08.

 

                            Vejamos: em um mundo onde todos vivem agrupados, formando uma nação, vivendo em torno dela, a possibilidade do controle exercido pelo poder aumenta. O que dizer então de um mercado de consumo em massa, que pode atingir grandes conglomerados, grandes, imensos contingentes populacionais. Isso é fato nítido.

 

                            Na era moderna (após o Renascimento), os conceitos centrais para a descrição do corpo social e suas vinculações, que antes eram de alcance menor, como mostra-nos Tércio Ferraz, passam a ser dominados pela visão econômica (Tércio utiliza a expressão “burguesa”) das relações. A “societas civilis” torna-se “sociedade burguesa”, criando um problema desconhecido até então: a compatibilização da sociedade, de um lado, com a política, de outro, seguindo-se a problematização do poder político como algo que deve ser controlado para que a vida social se realize e aperfeiçoe. Tércio diz que, de qualquer modo, a “civitas economica” era um conceito mais amplo e abstrato. [23]

                            Utilizando-nos mais uma vez do citado autor, mesmo porque o capítulo presente tem toda sua base calcada no pensamento “terciano”, no Século XIX, com o liberalismo, cresce a complexidade social, com diferenciação entre os diversos subsistemas “político, ético, econômico e cultural” (conforme citação do autor). Calcado em Niklas Luhmann, Tércio Ferraz leciona que a sociedade exige conceitos cada vez mais abstratos, exatamente para ser concebida, conceitos ditos operacionais. Não é mais o império do amor, da amizade, da obediência, que são critérios individualizados. Os conceitos abstratos que imperam são os da função, valores, ação social, processo, sistema e estrutura. Parafraseando o autor, a concepção destes conceitos abstratos implica certa abstração no conceito de poder, que começa a designar algo que determina dentro de uma estrutura a obediência. [24]

 

                            Hannah Arendt, citado pelo próprio Tércio, alega que tudo é relacionado a um contexto funcional, utilizando-se da violência como prova de que nenhuma sociedade pode existir exceto em um quadro de referência autoritário. [25] Seja na ditadura, seja nas sociedades ditas livres ou no totalitarismo, o poder é um instrumento funcionalmente idêntico na essência. [26]

 

                            Argumenta Arendt, ligando autoridade (poder – força) e sociedade de consumo (poder – força):

 

       “... se a violência preenche a mesma função que a autoridade – a saber, faz com que as pessoas obedeçam –, então violência é autoridade. Aqui novamente encontramos aqueles que aconselham um retorno à autoridade por pensarem que somente uma reintrodução da relação ordem-obediência pode controlar os problemas de uma sociedade de massas, e os que crêem que uma sociedade de massas pode regular a si mesma, como qualquer outro organismo social. Mais uma vez ambos os partidos concordam sobre o único ponto essencial: a autoridade é tudo aquilo que faz com que as pessoas obedeçam. Todos aqueles que chamam as modernas ditaduras de ‘autoritárias’, ou confundem o totalitarismo com uma estrutura autoritária, equacionam implicitamente violência com autoridade, e isso inclui os conservadores que explicam o ascenso das ditaduras em nosso século pela necessidade de encontrar um sucedâneo para a autoridade”. [27]

 

                            Na verdade, o totalitarismo somente mostrou uma única coisa, tanta para a sociedade passada, para a presente e para as futuras, sejam elas de massa, de consumo, política, econômica ou cultural: não existem limites para a deformação da natureza humana. O filistinismo da classe média em ascensão no Século XX, fez da cultura um instrumento de classe social, e com o surgimento da sociedade de massas contemporânea, este processo foi levado adiante ao consumir cultura na forma de diversão. Continua a desvalorização dos valores. A sociedade de massas aprendeu a consumir de forma voraz; dificilmente modificará esta tendência.

 

                            Tércio, amparado em Hannah Arendt, alega que a concepção orgânica do poder tem por analogia a estrutura da cebola; no centro, uma espécie de espaço vazio, se acha o líder, ou melhor, a liderança. Dando continuidade à idéia, temos:

 

       “E o que quer que a liderança faça, quer se integre ao organismo político como em uma hierarquia autoritária, quer oprima seus súditos como um tirano, ela o faz de dentro, e ao de fora ou de cima.” [28]

 

                            O fenômeno do consumismo, o poder do consumo, do mercado, a nosso ver, é idêntico à estrutura da cebola: por tornar o sistema organizacional do poder à prova de choque contra a fatualidade do mundo real, o que quer que aconteça, ele é necessário. É totalmente idêntico – quando têm-se dinheiro (e mesmo quando não se tem, pois o fenômeno do crédito supre tal “problema”) e o indivíduo sai às compras, todos os problemas encontram cura. Aliás, comprar virou método terapêutico para tratar depressão.

4. LORD ACTON E A REJEIÇÃO AO PODER ABSOLUTO

 

                            A célebre frase: “O poder tende a corromper. E o poder absoluto corrompe absolutamente”, que utilizamos em citação inicial deste trabalho, tem autor: Lord Acton, mais precisamente John Elmerich Dalberg Acton, de linhagem aristocrática inglesa, napolitano de nascimento, com formação básica germânica e francesa, católico e um dos mais autênticos e profundos pensadores do liberalismo clássico, que viveu entre os anos de 1834 e 1902.

 

                            A profundeza desta frase é marcante. Ninguém, em tão poucas palavras, conseguiu expressar o maior mal da humanidade: o excesso de poder. Qualquer outro mal – qualquer um mesmo – advém sempre do excesso de poder. Mesmo quando aparentemente ocorrer um mal por falta de poder, tenham a mais absoluta certeza de que este mal somente ocorreu por que alguém tinha excesso de poder, reduzindo ou aniquilando o poder de quem poderia ou gostaria de ter agido para evitar o mal.

 

                            Mesmo católico, Lord Acton critica veemente a bula Quanta cura, do Papa Pio IX, que se anexou à Syllabus errorum, estabelecendo o dogma da infalibilidade papal. Dizia que com o dogma da infalibilidade papal, a Igreja dava um perigoso exemplo de restaurar o princípio de uma mono-arquia legitimadora do domínio do homem pelo homem, acima e além do alcance de qualquer princípio. [29]

 

                            Segundo Benedicto Ferri de Barros, o que, para Acton, significava uma regressão que, legitimando o poder pessoal absoluto, fora uma das maiores, se não a causa principal das mais nefastas degenerações das atividades políticas e eclesiásticas, em que o poder do Estado, apoiando-se no poder da Igreja, sustentara a intolerância e o crime, como o das perseguições e guerras religiosas e a Inquisição. [30]

 

                            Para Acton, o Poder era a mais ameaçadora força contra o processo de civilização humana. A frase: “O poder tende a corromper. E o poder absoluto corrompe absolutamente” foi dita por Acton, pela primeira vez, em carta dirigida ao Bispo Creighton, em 1887. Lord Acton tinha um direcionamento de vida claro: somente uma inflexível opção por princípios sólidos pode proporcionar um rumo seguro de desenvolvimento, tanto para os homens individualmente considerados, quanto para o grupo. [31]

 

                            Hans Kohn, citado por Ferri de Barros, alega que hoje experimentamos o que Acton anteviu e temeu no Século XIX, ou seja, o progresso não é automático, democracia não significa necessariamente liberdade, nacionalismo nem sempre é uma evolução natural e salutar e que o poder sempre corrompe. O poder, quer exercido por um príncipe, por um parlamento, por um demagogo, por um populista ou por um papa, conserva sempre suas características malignas fundamentais. [32] A semelhança do pensamento de Acton e Hans Kohn com o de Hannah Arendt é impressionante.

 

                            É de Lord Acton o seguinte trecho abaixo transcrito:

 

       “Quanto à democracia, é verdade que as massas de novos eleitores são profundamente ignorantes, que são facilmente iludidas por apelos a preconceitos e paixões, e são, consequentemente, instáveis... Um verdadeiro liberal se distingue de um democrata por ter sempre à vista esse perigo.” [33]

 

                            Não chegamos ao ponto de afirmar que as massas de consumidores são ignorantes, mas são facilmente iludidas por apelos a preconceitos e paixões, assim como os eleitores citado por Acton, e, consequentemente, tais consumidores são totalmente instáveis. Ao surgimento de um novo perfume, uma nova paixão. Sempre haverá alguma exceção, porém a grande massa sempre foi e, ao persistir o atual modelo cultural/econômico/político, continuará sendo facilmente influenciado por quem detêm poder. Força é transitória; o poder pode se prolongar muito no tempo, apesar de não ser jamais eterno.

 

                           

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

5. OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA E A RELAÇÃO COM O PODER

 

                            Pressupondo que já saibamos quais são os contornos do poder, supomos que a sociedade seja um todo dotado de relações próprias. O homem vive em sociedade e somente pode viver em sociedade. Léon Duguit alega que a sociedade subsiste apenas pela solidariedade que une os indivíduos que a compõe. [34] Em toda sociedade há comunicação entre seus membros, seja de forma mais rudimentar, seja de forma mais tecnológica. E, em toda sociedade, há quem detenha os meios de comunicações de massas, aqueles que, por sua grandeza, por seu alcance, por seu poderio financeiro e econômico, e, muitas vezes, poderio político, consegue atingir um número cada vez maior de seres humanos. Conforme avança a tecnologia, avançam os meios de comunicações; avançam os métodos de comunicações; evoluem, interagem e persuadem.

 

                            Tércio Ferraz alega que essa tendência à modernização da teoria dos sistemas de comunicação nos conduz a ver o poder como um meio (medium) de comunicação. Prossegue alegando que a vantagem de se partir de uma teoria da comunicação está em que ela permite a comparação do poder com outros meios de comunicação, citando como exemplos a verdade, o dinheiro e o direito, à medida que a comunicação é assumida como uma fato incontornável do relacionamento humano. Assim sendo, a teoria da comunicação permite uma visão panorâmica sobre as formas de influência social, não limitada ao próprio poder e não identificada com ele. [35]  

 

                            Atualmente, os meios de comunicação detêm de forma extraordinária o poder – não a força, mas sim algo muito mais forte que esta – o poder. E aqui tratamos do novo poder; não mais aquele poder visto em algumas instituições políticas, mas um super poder. Não é mais um poder sobre as riquezas de um homem, mas sim sobre seus corpos, suas almas. É um poder antevisto por Michel Foucault, é um poder que se exerce continuamente através da vigilância. [36] E isso é totalmente verídico. Vejamos o Big Brother Brasil, veiculado pela Rede Globo de Televisão. Neste programa, o abuso do merchandising é freqüente; e muitos, curiosos sobre o comportamento humano em grupo forçadamente enclausurado – não é a clausura de uma prisão, pois o conforto e a boa vida imperam neste tipo de programa – são atingidos sumariamente por diversos produtos, por diversas empresas, grupos multinacionais, enfim, pelo mercado. Publicidade realmente é a alma do negócio.

 

                            Zygmunt Bauman, citando Georg Orwell e Aldous Huxley, em suas obras 1984 e “Brave New World” (Admirável Mundo Novo), diz que:

 

          “É difícil lembrar, e ainda mais difícil compreender, que há não mais de 50 anos a disputa sobre a essência dos prognósticos populares, sobre o que se deveria temer e sobre os tipos de horrores que o futuro estava fadado a trazer se não fosse parado a tempo se tratava entre o Brave New World de Aldous Huxley e o 1984 de George Orwell.”

 

Prossegue o autor:

 

“O de Orwell era um mundo de miséria e destituição, de escassez e necessidade; o de Huxley era uma terra de opulência e devassidão, de abundância e saciedade. Como era de se esperar, os habitantes do mundo de Orwell eram tristes e assustados; os de Huxley, despreocupados e alegres. Havia muitas outras diferenças não menos notáveis: os dois mundos se opunham em quase todos os detalhes.”

 

“No entanto, havia alguma coisa que unia as duas visões. (Sem isso, as duas distopias não dialogariam, e muito menos se oporiam.) O que elas compartilhavam era o pressentimento de um mundo estritamente controlado; da liberdade individual não apenas reduzida a nada ou quase nada, mas agudamente rejeitada por pessoas treinadas a obedecer a ordens e seguir rotinas estabelecidas; de uma pequena elite que manejava todos os cordões – de tal modo que o resto da humanidade poderia passar toda sua vida movendo-se como marionetes; de um mundo dividido entre administradores e administrados...”

 

“Orwell e Huxley não discordavam quanto ao destino do mundo; eles apenas viam de modo diferente o caminho que nos levaria até lá se continuássemos suficientemente ignorantes, obtusos, plácidos ou indolentes para permitir que as coisas seguissem sua rota natural.”

 

Finaliza Zygmunt Bauman:

 

“... a tragédia do mundo era seu ostensivo e incontrolável progresso rumo à separação entre os cada vez mais poderosos e remotos controladores e o resto, cada vez mais destituído de poder e controlado. A visão de pesadelo que assombrava os dois escritores era a de homens e mulheres que não mais controlavam suas próprias vidas.”[37]

 

                            É esse poder disciplinar – que é o poder que o mercado, juntamente com o poder de desejo, beleza e glamour, mais se utiliza – que foi o propulsor do capitalismo industrial. Continua sendo esse poder, recente do ponto de vista histórico, que prevalece nas práticas de mercado, muitas vezes abusivas. Não basta hoje dominar; deve-se conquistar, continuamente. Este é o dogma do mercado, utilizando os meios de comunicação para tanto.

 

                            Sem o avanço dos meios de comunicação, sem internet, TV – inclusive a última modernização: TV digital – jornais, revistas, shows, espetáculos, festas, desfiles, quiosques, lojas em abundância, o mercado não conseguiria ter se expandido tanto. O poder que detêm os meios de comunicação é enorme. Nos arriscamos a dizer que o poder que possui uma grande grupo de comunicação é igual ou maior que o poder de um Chefe de Estado. Aliás, esses grandes grupos elegem facilmente um Chefe de Estado. Exemplos tupiniquins não faltam.

 

                            Quase tudo é passível de venda contemporaneamente. A violência vende – por isso que os meios de comunicação não param e não pararão de veicular violência em suas mídias – e o próprio sistema punitivo já faz parte do sistema de comunicação social. Vivemos na era da informação, vivemos em uma era veloz, de mudanças diárias. O tempo nos dá a impressão de que passa muito mais rápido do que antigamente; na verdade, as informações são lançadas com maior velocidade, o mundo é mais ágil, mais dinâmico. O tempo não mudou; os hábitos é que mudaram.

 

                            É inegável que os meios de comunicação estabelecem critérios de existência pelo consumo. O título deste capítulo não deveria ser a relação entre poder e meio de comunicação, mas sim o poder como meio de comunicação e este como poder. São irmãos gêmeos, siameses. Nunca um casamento foi tão bem sucedido. Os grandes conglomerados de comunicações são lucrativos, e, por conseguinte, a idéia que transmitem tem repercussão geral.

 

                            Tércio Ferraz ensina que meio (medium) de comunicação é uma espécie de construção paralinguística, isto é, um código de símbolos gerais que regula a transmissão de performances seletivas. Prossegue o autor:

 

       “Enquanto paralinguísticos, esses códigos pressupõem a intersubjetividade das línguas, tendo uma função de motivação (intencional ou não) que torna possível a aceitação de performances seletivas de outrem como algo esperável. Meios de comunicação podem, pois, ser construídos sempre que o modo de seleção de um parceiro serve, ao mesmo tempo, de estrutura de motivação de outro, conforme Luhmann.” [38]

 

                            Estes símbolos citados por Tércio, assumem a função de intermediação, tornando clara a conexão de ambos os lados, de tal forma que qualquer ato possa ser antecipado pelo outro lado. Tércio cita o exemplo de dois amantes que trocam flores e beijos, sendo flores e beijos seletividades de um a motivar o outro, aumentando a seletividade do primeiro, tornando intensa a relação amorosa. Os processos de comunicação regulados por media vinculam os parceiros, ambos realizando o próprio desempenho seletivo e sabendo-se um do outro.  A diferença entre as coisas não estará mais no conteúdo, mas sim no modo como atuam.

 

                            Max Weber ensinava que em uma relação social, que é o comportamento de vários indivíduos orientados uns para os outros, sendo a ação social o agir orientado para a expectativa do comportamento dos outros. [39] Assim sendo, percebemos que a afirmação de Foucault e verdadeira: em toda sociedade moderna, o poder não tende a diminuir, mas sim a aumentar. Só que ele, como explica Tércio, não mais se impõe como dominação, mas sim como regulação, fazendo com que a vontade seja dominada antes de exercer-se, sem impor-se contra essa mesma vontade, tornando a obediência em um ato futuro e não mais em um ato do passado. [40]

 

                            Desta forma, conforme Luhmann, o poder se compara a um catalisador. Catalisadores produzem ganha de tempo. Desta feita, o poder é também um meio de comunicação, que não depende da submissão concreta, nem de forma imediata do efeito obtido pelo detentor do poder. O poder é uma comunicação regulada por um código, sendo que a atribuição do poder a um parceiro é regulada por esse código. Essa teoria não vê o poder como algo do detentor, nem confunde o poder com seu detentor. Poder, como alega Tércio, não é força, mas “controle”. [41] O código do Poder nada mais é do que o Direito. Enquanto um sistema comunicacional, o poder é o produto da própria diferenciação social e dela depende.

 

                            A força física não constitui o poder, exatamente porque por meio da força uma ação necessariamente elimina a subseqüente, impedindo a transmissão das premissas decisórias de um para outro, que é o que constitui o poder como meio de comunicação, conforme ensinamento de Tércio Sampaio Ferraz Júnior. [42] Apesar disso, mesmo não sendo a força sinônimo de poder, ela constituirá este, no sentido de alternativa a evitar. É o sentido de força que introduz no sentido de poder os sentidos de forte e fraco. Mais importante que usar a força é mostrar como seria desastroso provocar o seu uso. [43]

 

                            O poder não pode exercer todos os seus efeitos se ele não se exerce em uma relação de comunicação, seja das mais simples até as mais complexas. Assim sendo, ele não se reduz a uma simples força. É a diferenciação social que faz com que o mercado compra e venda produtos e serviços, sonhos e desejos, amor e ódio, medo e euforia.

 

                            Esta é nossa afirmação: não há no mundo algo mais poderoso do que os meios de comunicação, assim como a dúvida é muito mais eficaz do que o medo. O próprio poder é um meio de comunicação e vice-versa.

 

5.1. O CONSUMIDOR FRENTE AO PODER

                            m um ato futuro e na vontade seja dominada antes de exercer-se, sem impor-se contra essa mesma vontade, tornando a obediencia ,

                            Como fica o consumidor frente ao poder exercido pelos meios de comunicação, pelo mercado? Como pode se defender ante o poderio de um mercado cada vez mais avassalador? Qual o papel do Estado nesta relação jurídica?

 

                            A defesa do consumidor, a sua proteção, é matéria de ordem pública e de relevante interesse social. É algo que diuturnamente deve ser analisado, buscando soluções para um mercado cada vez mais abrangente e consumidores cada vez mais desprotegidos. O Direito não evolui na velocidade em que evolui a sociedade; porém o Direito é produto da sociedade, é voltado para esta e somente pode existir nesta. É a sociedade que molda o Direito. Porém, as proporções são diferentes.

 

                            Conforme avança a tecnologia, avançam as práticas comerciais e o mundo se modifica. O Direito deve avançar de forma igual.

 

                            Com a produção em massa iniciada principalmente na Revolução Industrial houve inegável queda na qualidade dos produtos, deixando cada vez mais difícil a situação do consumidor, que não sabia mais para quem reclamar; houve diminuição na informação prestada ao consumidor; surgem novas técnicas de marketing, tudo visando enganar o consumidor; a fragilidade do consumidor decorre de fatores técnicos e de fatores econômicos. O poder que o mercado se utilizando dos meios de comunicação possui é algo estratosférico, e deixa o consumidor em situação de total vulnerabilidade e hipossuficiência.

 

                            Este é o preço pago pela modernidade. Não há como brecar este avanço de modernidade; o que deve ser feito é a vigilância – aparando arestas – e quem tem esta função, primordial em uma democracia, é o Estado. Quando da elaboração, aprovação e promulgação da Lei n. 8.078/1990, denominado Código de Defesa do Consumidor, vemos um novo princípio surgir no Direito brasileiro: o princípio da ação governamental. Impõe este princípio ao Estado que cumpra rigorosamente os objetivos estabelecidos pela Política Nacional de Relações de Consumo, esta determinando a intervenção do Estado na economia, para proteger o consumidor, impedindo o lucro a qualquer custo e de forma desmedida, buscando uma maior isonomia e cortando abusos por parte de quem se encontre na esfera mais poderosa da relação.

 

                            Instituem-se com isso órgãos públicos de defesa do consumidor, incentivam-se a criação de associações civis voltadas para a defesa do consumidor, inicia-se uma maior regulamentação do mercado, na busca de uma preservação mínima de qualidade, de segurança, de durabilidade, de desempenho e de felicidade dos consumidores. Não quer dizer que a proteção do consumidor deva frear o progresso; ela somente deve deixar iguais situações desiguais. Retirar poder de quem o possui em excesso, transferindo para aquele que não detém nenhuma parcela. Este é o papel, grosso modo, do Estado.

 

                            O consumidor deve ser educado e informado a respeito do consumo. E este papel incube aos fornecedores, ao mercado, ao Estado, às associações de defesa do consumidor, à mídia, aos sindicatos, enfim, a toda sociedade civil organizada. Não há noções de consumo ensinadas nas escolas, para crianças desde a mais tenra idade. Não prevalece o ensino de valores, mas sim um ensino cada vez mais tecnicista, cada vez mais rudimentar, cada vez mais tosco, cada vez mais incompleto, mais deficitário. O analfabetismo funcional não é mais uma novidade e já atingiu altos setores da sociedade brasileira. Ensinam a ler e a escrever – quando ensinam – mas não ensinam a interpretar. Quando a educação é esquecida, um Estado caminha para a falência múltipla de seus órgãos. O Brasil já está na UTI há tempos.

 

                            A publicidade é um instrumento de apresentação ou venda da produção de massa, e na sociedade globalizada de hoje não há mais como vender produtos sem recorrer-se desta arma. Uma massificação dos produtos acarretou consequentemente, uma massificação das técnicas de marketing, aproximando produtos e serviços do consumidor. O problema é que frequentemente nos deparamos com uma publicidade enganosa, que é aquela falsa por ação ou omissão, capaz de induzir em erro o consumidor, frustrando-lhe suas expectativas.

 

                            Mas também frequentemente nos deparamos com uma publicidade dita abusiva, que é aquela que atenta contra valores do ser humano. Ela incita o ódio racial, incita à violência, se aproveita dos idosos e crianças, enfim, atenta contra a própria dignidade da pessoa humana. A verdade é que toda publicidade, em menor ou maior grau, será sempre falsa, mas nem sempre enganosa.

 

                            Mas a questão do poder no Direito do Consumidor, mais especificamente do poder dos meios de comunicação e do mercado, não se refere tanto às práticas ditas ilícitas, mas sim às práticas lícitas. Estas são as absolutamente dá-se muita importância, uma vez que são regulares conforma as leis, mas são as que, efetivamente, mostram todo o poder do mercado.

 

                            As práticas comerciais, que na verdade são quase todas as medidas adotadas pelo mercado que visem à colocação de produtos e serviços à disposição dos consumidores, mostram todo o poder do mercado. O apelo à beleza, à saúde, à felicidade, ao sexo, ao prazer e ao próprio poder é que fazem o mercado girar. E não é porque o Direito não encontra incorreções que este sistema não seja imperfeito. O Direito não pode prever e regular tudo, exatamente porque ele não avança conforme a sociedade avança.

 

                            A verdade é que com a atual mentalidade de quem dirige os rumos desta nação, de quem tem o poder de modificar o status quo, de quem dita as regras e as leis, de quem escreve o Direito, de quem regula o mercado, ou seja, do próprio Estado e, em ultima ratio, do próprio ser humano, do próprio homem, este sim o verdadeiro detentor do poder, não há defesa concreta, efetiva e geral para as pessoas hipossuficientes de poder. Ninguém pára de comprar, de consumir, de assistir TV, de ouvir rádio, de ler revistas, de ir a shows. Não há como fugir do mercado. Há como moldá-lo e educar as gerações para um consumo responsável. Basta vontade política para tanto. 

 

                             Hoje o que assistimos é o Estado coibindo as graves práticas abusivas; as pequenas são relevadas. O merchandising efetuado nos programas de TV, por exemplo, não são coibidos, porque a mídia televisa é poderosa, porque isso leva dinheiro para muitos poderosos e porque o Estado é conivente. Mas o merchandising é, em essência, uma prática comercial abusiva, já que leva publicidade sobre produtos e serviços para um número indeterminado de pessoas sem que elas necessariamente queiram. Não é o consumidor que vai buscar a informação sobre o produto e/ou serviço; são estes que buscam o consumidor.

 

 

6. O PAPEL DO DIREITO NA EQUANIMIZAÇÃO DAS SITUAÇÕES CONSUMERISTAS E NA MUDANÇA DOS QUADROS SOCIAIS

 

 

                            Talvez o título deste capítulo devesse ter sido reescrito; deveríamos ter nos curvado à tentação e nomeá-lo da seguinte forma: “O papel do Ensino Jurídico na equanimização das situações consumeristas e na mudança dos quadros sociais”. Isso porque sem um ensino jurídico de qualidade e realmente eficiente não se tem Direito. Tem-se, no máximo, um emaranhado de leis, desconexas e que não se prestam ao papel a que se destinam. Esta é a diferença entre um Estado legal e um Estado de Direito; no Brasil temos, de fato, um Estado legal, ainda não de Direito.

 

                            José Eduardo Faria alega, com muita propriedade, que o ensino do Direito, pela sua própria natureza, jamais deve ser reduzido a um mero elenco de disciplinas de natureza exclusivamente técnica e profissionalizante. [44] A questão é que o Direito, a cada dia que passa, inclusive nas tradicionais Escolas de Direito do país, torna-se cada vez mais o que não deveria se tornar. Como ter leis mais bem redigidas, juízes, promotores, advogados e professores mais bem preparados e humanos, como ter um povo que saiba respeitar regras e limites, respeitar ao próximo, se o ensino no país em geral, e em especial o básico de formação e o Jurídico encontram-se na falência? Como controlar um poder de mercado se as pessoas sequer sabem o que é poder e mercado? 

 

                            O que se deveria pretender é, como afirma José Eduardo Faria, estimular os estudantes à discussão das questões determinantes das interpretações jurídicas e das decisões judiciais e de prepará-los à investigação, à reflexão, à pesquisa e à dúvida metodológica. [45]

 

                            O Direito já não é mais um simples instrumento de controle social; já se encontra em fase mais avançada, já é um instrumento de direção social. Mas há ainda aqueles que são relutantes ao Direito moderno. Como ainda enxergar o princípio do pacta sunt servanda como válido e eficaz? Este princípio de que os contratos devem ser cumpridos doa a quem doer já não tinha mais guarida com a promulgação da própria Constituição Federal de 1988; que dirá após a promulgação do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil de 2002. Hoje, o que é válido e eficaz é a função social do Direito, que abarca a função social dos contratos como princípio. Foram vários e sucessivos golpes contra o pacta sunt servanda, mas há quem queira ressuscitá-lo, e há quem ainda não quis enterrar o de cujus. São essas mentalidades eu atrasam o desenvolvimento dos seres humanos, do Direito e não conseguem efetivamente igualar mercado, mídia e consumidor. Estamos diante da maior prova de que neutralidade científica, supostamente sem ideologia, como argumenta Rizzatto Nunes, “é uma fantasia, que, infelizmente, serve de instrumento de manipulação”. [46]

 

                            Como já dissemos no capítulo anterior, o direito nasce da sociedade. André Franco Montoro ensina que a cada momento ele (o direito) é o resultado de um complexo de fatores sociais. Como aduz Michel Virally, citado por Franco Montoro, o fenômeno jurídico é apenas uma face de um fenômeno global, infinitamente mais complexo, que é a realidade social. [47]

 

                            Recasens Siches ensina que a vigência do Direito deriva do poder social que o apóia, e que este poder social não se confunde com força física. Transcrevemos o trecho, por sua importância:

 

       “Poder social não é sinônimo de força bruta. Pelo contrário, todo poder social é, na realidade, em última instância, um poder psicológico, de influência sobre as pessoas. Seria grave erro interpretar o fenômeno do poder social predominante como mera relação de violência material. O poder social é coisa muito diferente da força física. Mesmo quando seja dada essencialmente ao poder jurídico a faculdade de se socorrer de meios de força material para impor o cumprimento de uma norma ao rebelde individual, o poder jurídico não é força física. A força corporal e mecânica são apenas instrumentos que maneja o poder jurídico, precisamente por ser poder jurídico. Normalmente, tem-se o poder político, governa-se o Estado, porque se tem um efetivo poder social. Não se manda porque se disponha das armas mas dispõe-se das armas porque efetivamente se manda, isto é, porque efetivamente se possui um poder social máximo. A raiz do poder social está constituída pelos fatores psicológicos. Todo poder social, normalmente exercido, se fundamenta sobre o reconhecimento que lhe dão os que a ele se submetem... o poder social é poder espiritual, predomínio de um sistema de opiniões, pensamentos, preferências, aspirações e propósitos.” [48]               

 

                            Toda ordem jurídica positiva, conforme ensinamento de Franco Montoro, está calcada em valores sociais. Procura-se assegurar respeito efetivo àqueles valores devidamente protegidos, tais como a justiça, a segurança, o interesse público[49] e nós acrescentamos a dignidade da pessoa humana. Este é o papel do Direito primordialmente.

 

                            Direito e economia são ciências irmãs. Atuam em conjunto sobre a sociedade exatamente porque a sociedade atua sobre elas. Mas não podemos esquecer que ambas são ciências humanas, e do real significado da expressão ciências humanas: ela quer dizer exatamente o que diz sem necessidade de teorizações tecnicistas.

 

                            Somente o Direito, porque possui parcela do monopólio do poder estatal, poderá atuar de forma a equanimizar as relações consumeristas, protegendo os fracos dos poderosos, os hipossuficientes dos hiperssuficientes, transformando miséria em riqueza, ensino em educação e relacionamento humano em relacionamento realmente humano. O poder não deve ser excluído, posto que necessário, mas deve ser controlado e sopesado.

 

 

 

7. A BELEZA E O “STATUS” COMO PODER PARA O CONSUMIDOR

 

                            Afinal, o que leva o consumidor a consumir tanto?

 

                            A sociedade busca o consumo. O consumo é algo indissociável da sociedade. Há sonhos, desejos, felicidade, beleza por detrás do quadro consumidor. Mas definir o que venha a ser felicidade não é fácil, mesmo porque não há parâmetros para ser feliz. As pessoas passam momentos felizes, mas dificilmente – talvez jamais – se alcance a total felicidade. Beleza também é um conceito muito particular. Constrói-se para seduzir, fora da realidade.

 

                            O consumo desenfreado existe porque existe sedução. E a sedução não precisa ser verdadeira; aliás, em 99% dos casos ela é totalmente falsa. A beleza seduz; a busca por uma beleza, pela sua particular beleza, seduz. A busca da felicidade em um artigo de luxo, caro, ostensivo, dá “status” para muitos, e isso seduz. É a sedução que leva ao consumo.

 

                            É a busca do poder que modifica algo, que modifica uma pessoa; a busca do luxo é uma busca pelo poder; na verdade, isso somente existe porque os valores humanos foram esquecidos, deixados de lado. Ostentação é a palavra chave para o consumo, e não só o de artigos de luxo, mas o consumo como um todo.

 

                            Em “O Retrato de Dorian Gray” vemos com exatidão a busca desenfreada e desmedida pela beleza. Na verdade, a busca da beleza é uma parcela da busca pela eternidade. O que mais dói no ser humano e saber que ele é efêmero, assim como sua “beleza”. Os escritores Oscar Wilde, Machado de Assis e Gabriel García Márquez talvez sejam os escritores mundiais mais preocupados com o tema. A fraqueza do espírito humano em achar que a beleza é mais importante que os valores – elevar a beleza ao “status” de um valor – é uma enorme fraqueza humana, que leva a guerras, que leva à intolerância e ao desapego e falta de amor. Isso tudo é um veneno para o Direito e para a Sociedade.

 

                            A busca pela beleza e por um “status” que revele certo nível de poder é, para o consumidor, o combustível primeiro para um consumo desenfreado. Isso não quer dizer que buscando beleza e “status” não se possa fazer um consumo responsável, mas sim que o mercado, ciente de que possui todas as armas necessárias para liberar adrenalina no sangue dos consumidores, usa de todas as artimanhas para fazer transpirar o desejo humano de engrandecimento. Uma vez seduzido, é fácil tarefa tirar tudo de uma pessoa.

 

                            Buscar a beleza e o “status” somente dará uma falsa impressão de poder para as pessoas. Não há engano: o poder não pertence aos consumidores; o poder pertence ao mercado e à mídia. É claro que há pessoas por detrás, mas estas são poucas se comparadas com a grande massa consumidora mundial.

 

 

 

 

 

 

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

                            Quantas vezes a humanidade perdeu a alma para conquistar o universo?

 

                            Na verdade, o Estado não tem interesse algum em regular mais o mercado, seja porque ele (o Estado) é o maior publicitário, seja porque ele próprio compõe o mercado – exatamente por ser o maior publicitário. A mídia também não tem esse interesse, já que seus lucros estão, há anos, na casa dos milhões.

 

                            O consumismo é uma questão cultural. Exatamente por isso, as culturas ocidentais e orientais de consumo são diferentes, porque são culturas no geral diversas. China e Índia são países onde o consumo não é desenfreado em comparação com seu mercado humano, porque não é um hábito oriental o desperdício e o consumismo desenfreado. Isso no ocidente é diferente.

 

                            O que concluímos é que hoje não estamos em uma sociedade de consumo, mas sim em uma sociedade do consumo, voltada para consumir. É a busca do poder que modifica uma pessoa. e como já dissemos nos capítulos primeiro e segundo, poder é fazer com que os outros façam o que você quer sem que eles percebam, e o mercado possui poder e não força, exatamente porque manipula. A palavra-chave do poder é a manipulação.

 

                            O mercado de massas percebeu que o consumo era algo exclusivo da burguesia, mas também percebeu que a cada dia o povo fica mais pobre, e que se quiser ainda crescer, o mercado precisava ingressar no consumo de massa, no consumo popular. Isso já foi feito. Crédito é a prova mais contundente disso.

 

                            Hoje o que vemos são operações econômicas de massas, que se desenvolvem em larguíssima escala, e uma proteção que se diz cada vez maior, mas que na verdade não cresceu na proporção do ataque, da ofensa.

 

                            Enquanto não mudar as bases com que todo um sistema cresce e se multiplica, todas as ações serão ineficazes, serão inócuas. Não basta defender os direitos básicos de um consumidor através de um Código de Leis que mal são respeitados pelos próprios operadores do Direito, que muitas vezes sequer reconhecem sua vigência. Enquanto jogarmos uma toalha sobre o quadro social, nada será mudado. Enquanto investimentos pesados em educação, desde a mais tenra idade não forem efetuados, não há o que se fazer para modificar para melhor o mundo em que vivemos. E não falamos única e exclusivamente sobre consumismo, mas sim sobre vida. O Direito, assim como a vida, é uno, e não deve ser tratado separadamente.

 

                            Uma mudança nos rumos da nação somente será vista se mudar a educação do povo. O ensino jurídico também deve ser alcançado urgentemente por esta proposta. O Direito não é tecnicista, e devemos resistir a quem queira transformá-lo em um simples emaranhado de normas desconexas e inúteis. 

 

                            O poder é um fenômeno importante, que pode ser usado para o bem ou para o mal. Para que ele jamais corrompa, nunca deverá ser entregue na sua totalidade para alguém, senão corromperá a alma.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

 

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Sobre o autor
Thiago Pellegrini Valverde

Mestre em Direitos Difusos e Coletivos (subárea Direitos Humanos), com dissertação (publicada em 2011) na temática do Direito Internacional dos Direitos Humanos pela Universidade Metropolitana de Santos (UNIMES), com orientação do Prof. Dr. Wagner Balera (PUC/SP) e Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (FDSBC - Autarquia Municipal). Avaliador dos Cursos de Direito do Brasil junto ao MEC/SESu, nomeado por Portaria Ministerial. Professor Universitário em cursos de graduação e pós-graduação em Direito e em Relações Internacionais. Leciona disciplinas propedêuticas (Ciências Políticas e Teoria do Estado, Introdução ao Estudo do Direito, Teoria do Direito, Hermenêutica Jurídica e Filosofia e Sociologia do Direito) e disciplinas profissionalizantes (Direito Constitucional, Direito Internacional Público, Privado e do Comércio Internacional, Direito Administrativo, Direitos Políticos e Econômicos, Direito do Consumidor, Direito Ambiental, Processo Coletivo, Direitos Humanos, Direito Internacional dos Direitos Humanos, Direito Internacional dos Refugiados, Direito Internacional Humanitário e Política Internacional). Possui experiência em Gestão Acadêmica (coordenação de cursos de graduação e de pós-graduação, bem coo de projetos institucionais) e de Vestibulares, docência na área do Direito, Ciências Políticas e Relações Internacionais, bem como experiência em atividades de regulação acadêmica. Pesquisador Voluntário na Conectas Direitos Humanos durante o biênio 2011/2012, sobre o tema tortura sob a ótica dos Tribunais de Justiça Estaduais. Parecerista e consultor jurídico em Direito Público e Direitos Especiais e em Educação.<br>

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