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O Pilatos do Norte:

obstrução de CPI pela não indicação de representantes partidários

Agenda 11/04/2004 às 00:00

Vejo o Senador José Sarney, do alto de seu cargo de Presidente do Congresso Nacional, militando contra a vontade do cidadão brasileiro que lhe paga os vencimentos. Esquecendo-se de que não é mais um Senador do Maranhão (ou seria do Amapá?) e sim um Senador da República.

Não posso interpretar de outra forma o gesto de descaso para com a sua função pública daquela alta Casa, dizendo, com grande equívoco, que "não pode ultrapassar a vontade dos líderes partidários" que se recusam a indicar membros para composição de uma CPI regularmente requerida.

É evidente que o Dr. Sarney sabe muito bem do que estou falando, antigo parlamentar que é. Sua justificativa, que soa canhestra, para al não dizer, imita a atitude de Pilatos, com uma enorme diferença. Pilatos representava o Império Romano e bem poderia lavar as mãos diante de uma reivindicação da plebe. Sarney representa – ou deveria! – o povo e não o imperador assentado no Planalto.

Não tem razão o velho Senador. Requerida uma CPI, com mais do que o número regulamentar necessário para sua aprovação, faz-se a vontade popular e nenhum acordo de mal-intencionadas e servis lideranças pode se sobrepor ao intento do supremo mandante que é o eleitor.

A função inderrogável do Congresso Nacional é "fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta" (art. 49, X, Constituição). A Comissão Parlamentar de Inquérito é tão-somente um instrumento de satisfação desse preceito constitucional e, uma vez empunhado, deve ser usado para bem do país.

Não pode o Presidente do Senado lançar mão de um artifício jurídico – absolutamente frágil – para furtar-se ao seu dever, ainda mais que a representação partidária nas comissões deve ser assegurada "tanto quanto possível" e não obrigatoriamente, não como se fosse uma camisa de força (art. 58, § 1º, da Constituição e 78, do Regimento do Senado).

Se o espírito da lei fosse no sentido de obstruir a vontade popular consagrada no mandato, nunca se instalaria uma CPI no Congresso, pois bastaria a um determinado grupo "não indicar" membros e tudo iria para o arquivo.

Há três verdades supremas na representação parlamentar:

A primeira, que o deputado ou senador, desde a posse, não representa mais um partido e sim todos os brasileiros; não será mais um parlamentar do PT ou do PTB, mas um senador ou deputado da República.

A segunda, que o mandatário (deputado, senador, etc.) não pode se insurgir contra a vontade do mandante (o eleitor), sob pena de crime de responsabilidade, omissão no cumprimento do dever.

A terceira, que se revogue qualquer disposição contrária às duas primeiras.

Não está, portanto, ao arbítrio da vontade do Senador Sarney nomear membros de uma comissão ou não. Deve, quando muito, aguardar a indicação de membros na forma regimental, para assegurar, "tanto quanto possível", a representação partidária. Depois, cumpre-lhe decidir, cumprir sua função, não se omitir.

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Omissos os líderes partidários nessa indicação ou, o que é pior, deliberadamente voltados ao descumprimento do mandato que assumiram perante o povo, compete ao Presidente do Senado "velar pelo respeito às prerrogativas do Senado" (art. 48, II, do RI da Casa).

Se o Presidente da Mesa tem medo, está indeciso quanto ao seu papel ou se comprometeu com a omissão em favor do Executivo, não há problema porque "os casos omissos serão decididos em plenário" (mesmo artigo, mesmo regimento, inciso XXXIII).

Nem o Sr. Sarney nem qualquer dos deputados ou senadores da República pode obstruir a CPI aprovada e lida em plenário, sob pena de incorrer em crime de responsabilidade.

Se o vetusto Senador insistir na omissão para com o seu dever e no reiterado descumprimento das normas da Casa, recomendo aos demais parlamentares que ainda se lembram de quem os levou para o Congresso a atenta leitura e prática do art. 413, do seu regimento, e do seu parágrafo único, que dizem:

"A transgressão a qualquer desses princípios poderá ser denunciada, mediante questão de ordem, nos termos do disposto no art. 404".

"Parágrafo único. Levantada a questão de ordem referida neste artigo, a Presidência determinará a apuração imediata da denúncia, verificando os fatos pertinentes, mediante consulta aos registros da Casa, notas taquigráficas, fitas magnéticas ou outros meios cabíveis".

Sei que muitos eleitores dirão que "o Congresso é um órgão com o qual e sem o qual tudo continuará tal e qual" e que são normais essas firulas "regimentais" quando não se quer cumprir a vontade do povo.

Mas... se não não há como reclamar, por que votar?

Sobre o autor
João de Campos Corrêa

advogado no Mato Grosso do Sul, membro do Colegio de Abogados del Mercosur (COADEM), ex-presidente da Comissão Especial para el Mercosur

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORRÊA, João Campos. O Pilatos do Norte:: obstrução de CPI pela não indicação de representantes partidários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 278, 11 abr. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5072. Acesso em: 27 dez. 2024.

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Título original: "O Pilatos do Norte".

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