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Ineficácia de medida socioeducativa.

Uma reflexão no direcionamento para prestação de serviço à comunidade

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3 CARACTERIZAÇÃO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE

No estudo de Gobbo e Muller (2009) destaca-se que entre as medidas socioeducativas voltadas para os adolescentes que cometem ato infracional, insere-se a prestação de serviço à comunidade, disposta no artigo 117 e parágrafo único, ambos do ECRIAD, nos seguintes termos:

A prestação de serviços comunitários constitui-se da realização de atividades gratuitas de interesse geral, por período que não exceda há um semestre, efetivadas em instituições assistenciais, hospitais, escolas e demais estabelecimentos similares, assim como em programas comunitários ou governamentais. Em seu parágrafo único evidencia que as tarefas deverão ser atribuídas de acordo com as aptidões do menor, cujo cumprimento deverá ser no decorrer de jornada máxima de oito horas semanais, aos sábados, domingos e feriados ou em dias úteis, de maneira que não cause prejuízo na frequência escolar ou à jornada laboral normal  (BRASIL, 1990).

A referida medida configura-se na execução de atividades sem remuneração às instituições que prestam serviços ou assistência a comunidade em geral, como por exemplo, ONG e entidades que desenvolvem filantropia. O menor infrator não é privado da liberdade e nem tampouco é excluído das suas atividades habituais, porém busca-se uma maior aproximação com a sociedade.

Segundo Martins, quando se trata de prestação de serviços à comunidade requer do menor infrator, a obrigatoriedade do cumprimento das atividades proposta em caráter coletivo, cuja finalidade volta-se para interesses e bens comuns, ou seja:

Trabalhar gratuitamente coloca o adolescente frente à possibilidade de adquirir valores sociais positivos através da vivência de relações de solidariedade e entre-ajuda, presentes na ética comunitária. É um atendimento personalizado que requer a participação efetiva da família, da comunidade e do poder público, garantindo a promoção social do adolescente através de orientação, manutenção dos vínculos familiares e comunitários, escolarização, inserção no mercado de trabalho e/ou cursos profissionalizantes e formativos (MARTINS, 2000, p. 7).

Atenta-se para certos cuidados levados em consideração pelos ditames do ECRIAD ao se aplicar a medida, de acordo com o que versa o § 2º do artigo 112, ressaltando que em hipótese nenhuma, seja qual for o pretexto será admissível a prestação de serviço forçado. E, ainda refere-se ao tempo de vigência da medida limitando-o em dois sentidos, isto é, não pode ultrapassar a seis meses e a jornada semanal máxima não deverá exceder a oito horas, sem prejudicar o horário escolar ou profissional, conforme expressa artigo 117 e parágrafo único do mesmo estatuto  (BRASIL, 1990).

O Estatuto em comento, ainda assevera o respeito à capacidade de o adolescente realizar a medida, às circunstâncias, à gravidade da  infração, bem como,  quanto às necessidades pedagógicas  do menor em optar pela medida, preferencialmente  aquelas que tem como finalidade fortalecer os vínculos da família e comunidades, de  acordo com o que expressam os artigos  100, 112, § 1º, e 112, § 3º, do ECRIAD (BRASIL, 1990).

Portanto, na aplicação da medida não se leva em conta somente o fato acontecido, a extensão de sua gravidade e circunstâncias, porém considera-se ainda todo o conjunto que envolve o contexto, ou seja, a pessoa do adolescente, suas características e especificidades, uma vez que, os serviços serão distribuídos em conformidade com as suas aptidões.

De acordo com Liberati (2009) a prestação de serviço configura-se em medida que atinge ao menor que comete ato infracional, impactando na mesma proporção à comunidade. Tal premissa corrobora com o pressuposto encontrado no discurso de Bitencourt (2001) quando se refere que a aplicação da medida de prestação de serviços à comunidade depende de modo significativo do apoio que a comunidade dispensar à autoridade jurídica. Atentando, para o fato de que o trabalho desenvolvido pelo menor infrator em benefício da comunidade deve  revestir-se como  características essenciais a gratuidade,  a aceitação por parte do menor que comete o ato infracional e demonstrar real utilidade social.

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Portanto, mediante tais premissas, bem como, o que já foi exposto nesse referencial, entende-se que, a medida de prestação de serviço prevê objetivamente o envolvimento da comunidade, em detrimento a realização de convênios entre juizados ou os agentes executantes das referidas medidas com as demais entidades governamentais ou comunitárias. Desse modo, as atividades devem ter como ênfase na promoção da cidadania, sendo imprescindível que as entidades se encontrem preparadas e comprometidas com as determinações, objetivos e finalidades da proposta socioeducativa a ser implementada.  

Por sua vez, D’Andrea (2005) compreende que a medida de prestação de serviço à comunidade precisa ser executada pessoalmente pelo menor infrator, não pode em nenhuma hipótese ser realizada pelos pais, como exemplo, evidencia, tal ocorrência, muitas vezes em que a medida passa a ser realizada com a entrega de certa quantidade de cestas básicas a entidades. Salienta ainda a impossibilidade de sua conversão em multa, para seja mantida a natureza da medida, que é a de executar plena e efetivamente alguma atividade, de prestação de serviço à coletividade.


4 POLÊMICAS E DIVERGÊNCIAS ACERCA DAS MEDIDAS DE PRESTAÇÃO DE SER­VIÇO À COMUNIDADE

São diversificadas e divergentes as opiniões e os discursos referentes a natureza da  medida de prestação de serviço à  comunidade, direcionadas a aplicação ao menor  em situações de conflito com a Lei.  Segundo Gobbo e Muller (2009) levantam-se fortes discussões sobre a presença ou não do caráter punitivo e/ou pedagógico no cenário das medidas socioeducativas. 

Para Meneses (2008), seguindo as premissas dispostas nas diretrizes do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE deve-se levar em conta que o menor infrator ao qual lhe é imputado executar a medida socioeducativa, é merecedor de sanção, assim como também possui o direito de obter educação.  Portanto, se faz necessário que o referido menor, ao ser sentenciado ao cumprimento da medida socioeducativa, seja levado a compreender que a referida medida compõe uma parcela de um processo que dirimi normas e regras de convivência e respeito, se essa conscientização não for trabalhada com o menor infrator, não surtirá efeito desejado, ao contrário o mesmo terá a referida medida apenas como um meio de punição pela prática de um delito, que o colocou em situação de conflito com lei.

O contexto é avaliado por Bitencourt como:

A prestação de serviços à comunidade é um ônus que se impõe ao condenado como consequência jurídico-penal da violação da norma jurídica. Não é um emprego. Tampouco um privilégio, apesar da existência de milhares de desempregados; aliás, por isto a recomendação de utilizar somente as entidades referidas e em atividades em que não se elimine a criação de empregos [...] usufruem seu período de descanso gera aborrecimentos, angústia e aflição.  Esses sentimentos são inerentes à sanção penal e integram seu sentido retributivo.  Ao mesmo tempo, o condenado, ao realizar essa atividade comunitária, sente-se útil ao perceber que empresta uma parcela de contribuição e recebe, muitas vezes, o reconhecimento da comunidade pelo trabalho realizado. Essa circunstância leva naturalmente o sentenciado à reflexão sobre o seu ato ilícito, a sanção sofrida, o trabalho realizado, a aceitação pela comunidade e a escala de valores comumente aceita pela mesma comunidade, reflexão que facilita o propósito pessoal de ressocializar-se, fator indispensável no aperfeiçoamento do ser humano. Essa sanção representa uma das grandes esperanças penológicas, ao manter o estado normal do sujeito e permitir, ao mesmo tempo, o tratamento ressocializador mínimo, sem prejuízo de suas atividades normais (BITENCOURT, 2001, p. 317).

Konzen (2005, p. 47) declara que: “a prestação de serviço à comunidade está encoberta de forte natureza punitiva”, tal assertiva denota a marca que demonstra resposta ao descumprimento de uma norma.

Logo, a medida tem como finalidade corrigir o autor do ato de infração, configurando-se dessa maneira a natureza retributiva da medida que é imposta, e, portanto cabe ao programa de execução da medida, onde o jovem será inserido, a competência de executar a tarefa desenvolvendo a ação sociopedagógica, que é o objetivo principal da medida.

Observa-se que tanto Ramidoff (2006) quanto Konzen (2005), também entendem que a medida socioeducativa em análise denota forte marca retributiva, embora o Estatuto tenha como preensão que estas sejam pedagógicas.

De acordo com Gobbo e Muller, debatendo a controversa entre o preconizado pelo ECRIAD e o que acontece de maneia efetiva quando o menor infrator realiza a prestação de serviço à comunidade, através de observação empírica, vislumbram  possibilidades e limitações da efetivação  do caráter sociopedagógico, ou seja:

Observou-se violação do recomendado pelo ECA, especificamente no parágrafo único do Artigo 117 do ECA, quanto à valorização das aptidões dos adolescentes no processo de aplicação da PSC. Verificou-se que os adolescentes não são chamados a serem sujeitos do seu processo educativo, já que, a maioria (88,9%); não possui escolha sobre a atividade que irá desenvolver,  nem ao menos é perguntada sobre os conhecimentos que já possui ou quer agregar (GOBBO; MULLER, 2009, p. 331).

Observa-se, portanto, que mediante tal constatação, dificilmente será plenamente efetivada a construção de uma trajetória de reabilitação junto com o menor infrator, impulsionando esse a ser responsabilizado pelas suas ações, uma vez que esta deveria estar vinculada aos princípios e  garantias expressos pelo ECRIAD, pois a ação apenas será transformadora e efetiva se for  realizada através de uma experiência  pessoal, motivando o adolescente enquanto educando se tornar a base essencial de qualquer ação ou atividade pedagógica.

Entende-se que não se pode educar o menor infrator com imposição de medidas socioeducativas, para as quais o mesmo não se enquadre ou tenha capacidade de realizá-la, somente será possível implantar a referidas medidas de forma plena e efetiva se o próprio adolescente educar-se, isto é, transformar as suas reações inatas através da sua experiência.


5 CONCLUSÃO

O presente estudo possibilitou uma perspectiva sintetizada da realidade que denota as atuais condições sociais no que se reporta a violência vivenciada, praticada e sofrida pelos menores. Nesse contexto, propôs-se como Objetivo Geral evidenciar a ineficácia das medidas socioeducativas analisadas, voltadas à prestação de serviço à comunidade através de um olhar crítico reflexivo, enquanto promotora da inclusão e ressocialização do menor infrator, objetivando averiguar as limitações de sua efetivação como caráter sociopedagógico na prestação de serviço à comunidade.

Verificou-se que o contexto da medida socioeducativa na modalidade de prestação de serviço a comunidade, é permeada de dificuldade, essencialmente, no que se refere a desenvolver o pleno caráter pedagógico na sua efetivação.

Dentre as dificuldades apontadas em vários estudos encontra-se o fato de que prevalece um elevado índice de menores infratores que já passaram pelo programada de medida socioeducativa de prestação de serviço à comunidade em período anterior, e são reincidentes nos delitos, demonstrando assim a ineficácia do âmbito educativo  aplicado no decorrer da realização da medida socioeducativa, assim como da reflexão com relação ao comportamento e dos encaminhamentos para promover transformações e buscar novas opções, o que deveria ser o resultado surtido mediante a efetivação da atuação educativa.

Observou-se ainda em estudos empíricos visitados, que muitos programas que acolhem os menores infratores para realizarem a Prestação de Serviço à Comunidade não possuem programa específico de atendimento para a referida medida socioeducativa. Na verdade o que acontece na prática é o encaminhamento dos menores infratores para entidades públicas, como Batalhão da Polícia Militar, Bombeiros, ONG, setores de Prefeituras Municipais, setores de Obras e Urbanismo, Secretaria da Ação Social, ambientes em que os adolescente  são direcionados para atividades  carentes de mão-de-obra. As referidas entidades e instituições de modo geral, não demonstram, nem desenvolvem preocupação com relação à efetivação das atividades numa perspectiva educativa, sociopedagógica, ressocializadora ou inclusiva.

Nesse contexto os menores infratores passam a cumprir meras tarefas, por serem estabelecidas como medidas punitivas, uma vez que, não são pertinentes à sua função, nem tampouco se revestem de ação motivadora, conscientizadora ou ressocializadora. Na maioria, se referem a atividades que em si próprias não se enquadram como pedagógicas, até mesmo em acordo com o que estabelece os dispositivos do ECRIAD.

Cabe salientar que nenhuma dessas atividades é menos digna de que qualquer outra atividade laboral, porém, o que se discute é que se reveste unicamente de caráter punitivo, não apresentando nenhum requisito voltado para motivação da mudança, estímulo à inclusão e pertença a um meio social, tampouco sequer denota caráter sociopedagógico.

Portanto, observou-se que além da carência de programa específico, é nítida a  falta de capacitação e formação  de profissionais que atuam na área da  efetivação da medida socioeducativa,  tanto quanto orientação  e treinamento para as pessoas que  acompanham  o cumprimento das atividades da  PSC e suas especificações, como cronograma, horários, produtividade,  entre outros aspectos, dentro das  entidades, muitas vezes as pessoas que atuam nas entidades, ficam sem ação sem  saber como agir e interagir com  os menores infratores.  

Nesse contexto, entende-se que o aprendizado fica relegado ao acaso, ou a pura sorte, dependendo para onde são encaminhados. Caso se depare com uma entidade que desenvolva alguma atividade interessante ou tenha o mínimo de preocupação para com a ressocialização desses adolescentes, podem aprender algo, do contrário cumprem meros horários de trabalho.

Notou-se, ainda, que sem considerar a característica da atividade desenvolvida, existe a percepção de receio e sensação de exclusão em alguns menores infratores em detrimento do tratamento que recebem e da visão do próprio ambiente onde estão inseridos.

A concepção de muitos estudiosos e doutrinadores tendem a considerar que a exposição do adolescente a condição humilhante perante amigos e a comunidade, assim como a participação da família intervindo na seleção de amizades e o acompanhamento mais rígido na escola poderão influenciar no processo  de ressocialização e conscientização do menor contribuindo para que o mesmo não se envolva  novamente na prática de atos infracionais,  impactando de maneira mais efetiva, do que propriamente o processo pedagógico em prática no decorrer da realização da media socioeducativa da Prestação de Serviço à Comunidade. 

Portanto, compreendeu-se que para haver um resultado efetivo é necessário promover um bom acompanhamento, disponibilizando pessoas orientadas, dedicadas, capacitadas e treinadas especificamente para o desempenho dessa função, em quantitativo e qualitativo adequado, para acompanhar a PSC, de modo que se possa realizar um trabalho diferenciado, uma vez que, o alcance da finalidade e objetivos da referida medida socioeducativa dependerão imprescindível e significativamente da qualidade das  interações e vínculos estabelecidos  entre as partes, essencialmente nas relações de educadores e os adolescentes infratores.

Considera-se ainda, que em detrimento da realidade atual a sociedade procura imputar a periculosidade criminal como base para justificar o comprometimento da liberdade do indivíduo, na tentativa de garantir a segurança para a sociedade. Contudo, é necessário avaliar as finalidades de punição, bem como, a capacidade de reabilitação e adaptabilidade à vida em sociedade, do menor que será punido.

Conclui-se que as medidas socioeducativas, bem como as penas, apresentam como características fundamentais o castigo, a prevenção e a regeneração, no entanto a regeneração dificilmente é atingida de maneira plena ou satisfatória, em detrimento da ineficácia dos métodos utilizados  no âmbito das instituições. Há uma carência de tratamento digno de respeito e realmente educativo e socializador para o menor infrator em cumprimento de medidas privativas de liberdade e socioeducativas independente de qual for o ato infracional ou crime cometido.

Sabe-se que o menor infrator sofre discriminação, uma vez que, quem comete delitos, atos infracionais e crime, automaticamente é rotulado pela sociedade como delinquentes, marginais, entre tanto outros adjetivos pejorativos, uma vez posto em liberdade a mesma sociedade o recrimina e discrimina, minando as chances de m recomeço diferente. Em virtude, desses entre outros fatores é comum que o menor se especialize no crime, por não ter perspectiva de oportunidade para buscar através de meios lícitos a sua sobrevivência, as medidas que deveriam corrigir acabam estimulando.

Desse modo, resta conclusiva a urgente necessidade de levantar maiores  debates, ampliar  discussões e estudos sobre o tema,  com investigação empírica, em detrimento de haver ainda pacificação entre doutrina, legislação, normas e prática quando se  trata de medidas socioeducativas,  bem como a falta de consenso no  que se refere à eficácia e real necessidade de melhorias e qualificação em programas para ressocializar os adolescentes infratores, e essencialmente a necessidade de se evitar medidas punitivas que geram constrangimento e impulsionam os menores ao retorno de atos infracionais e muitas vezes para crimes mais violentos, sendo passível de encarceramento.  É necessário o desenvolvimento de estratégias e programas para evitar consequências mais graves, tanto para os menores infratores quanto para a sociedade.

Sobre os autores
Vera Gomes Ribeiro Ramos

Possui graduação em direito pela Faculdade Presidente Antônio Carlos de Aimorés (2014), graduação em Nutrição pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (2004) , especialização em Nutrição Humana E Saúde Pública pela Universidade Federal de Lavras (2005) e especialização em Gestão da Política da Assistência Social pela Universidade Veiga de Almeida (2012). Sócia da Ramos, Palacio e Fernandes Sociedade de Advogados, inscrita na OAB/MG 4749.

Alexandre Jacob

Orientador de Trabalho de Conclusão de Curso da Faculdade Presidente Antônio Carlos de Aimorés

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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