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Juizados Especiais Criminais:

considerações gerais

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Agenda 18/04/2004 às 00:00

Os Juizados Especiais Criminais têm competência para a conciliação, o processo, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo e poderá ser composto por juízes togados e leigos.

Os arts. 1º. e 60 da Lei nº. 9.099/95 [1], regulamentando o art. 98 da Constituição Federal, previram a criação pelos Estados e pela União (no Distrito Federal) dos Juizados Especiais Criminais, no âmbito da Justiça Ordinária (Justiça Comum Estadual e Justiça Comum do Distrito Federal). Com a Emenda Constitucional n.º 22/99, acrescentou-se um parágrafo ao referido art. 98, determinando que lei federal disporá sobre a criação de juizados especiais no âmbito da Justiça Federal, o que veio a se efetivar com o surgimento da Lei nº. 10.259/2001 [2], que no seu art. 27 estabeleceu que a sua vigência seria de seis meses após a data de sua publicação; como esta formalidade ocorreu em 13 de julho de 2001, considerando-se, ademais, o disposto no art. 8º., § 1º. da Lei Complementar nº. 95/98 [3], a lei nova passou a ter vigência no dia 14 de janeiro do ano de 2002.

Os Juizados Especiais Criminais têm competência para a conciliação, o processo, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo e poderá ser composto por juízes togados e leigos.

A Lei nº. 9.099/95 possui normas de caráter processual e outras que traduzem também princípios de Direito Material; estas últimas aplicam-se em qualquer Juízo, mesmo nos procedimentos da competência originária dos Tribunais. Neste sentido é a posição tranqüila adotada pelo Supremo Tribunal Federal, em consonância, aliás, com a boa doutrina, senão vejamos:

"Inq 1055 QO / AM – AMAZONAS·QUESTÃO DE ORDEM NO INQUÉRITO·Relator (a): Min. CELSO DE MELLO ·Publicação: DJ DATA-24-05-96 PP-17412 EMENT VOL-01829-01 PP-00028·Julgamento: 24/04/1996 - TRIBUNAL PLENO".

E M E N T A: INQUERITO - QUESTAO DE ORDEM - CRIME DE LESÃO CORPORAL LEVE IMPUTADO A DEPUTADO FEDERAL - EXIGENCIA SUPERVENIENTE DE REPRESENTACAO DA OFENDIDA ESTABELECIDA PELA LEI N. 9.099/95 (ARTS. 88 E 91), QUE INSTITUIU OS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS - ACÃO PENAL PÚBLICA CONDICIONADA - NORMA PENAL BENÉFICA - APLICABILIDADE IMEDIATA DO ART. 91 DA LEI N. 9.099/95 AOS PROCEDIMENTOS PENAIS ORIGINARIOS INSTAURADOS PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. CRIME DE LESOES CORPORAIS LEVES - NECESSIDADE DE REPRESENTACAO DO OFENDIDO - ACAO PENAL PUBLICA CONDICIONADA. - A Lei n. 9.099/95, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, subordinou a perseguibilidade estatal dos delitos de lesões corporais leves (e dos crimes de lesões culposas, também) ao oferecimento de representação pelo ofendido ou por seu representante legal (art. 88), condicionando, desse modo, a iniciativa oficial do Ministério Publico à delação postulatória da vitima, mesmo naqueles procedimentos penais instaurados em momento anterior ao da vigência do diploma legislativo em questão (art. 91). - A lei nova, que transforma a ação publica incondicionada em ação penal condicionada à representação do ofendido, gera situação de inquestionável beneficio em favor do réu, pois impede, quando ausente a delação postulatória da vitima, tanto a instauração da persecutio criminis in judicio quanto o prosseguimento da ação penal anteriormente ajuizada. Doutrina. LEI N. 9.099/95 - CONSAGRACAO DE MEDIDAS DESPENALIZADORAS - NORMAS BENEFICAS - RETROATIVIDADE VIRTUAL. - Os processos técnicos de despenalizacao abrangem, no plano do direito positivo, tanto as medidas que permitem afastar a própria incidência da sanção penal quanto aquelas que, inspiradas no postulado da mínima intervenção penal, tem por objetivo evitar que a pena seja aplicada, como ocorre na hipótese de conversão da ação publica incondicionada em ação penal dependente de representação do ofendido (Lei n. 9.099/95, artes. 88 e 91). - A Lei n. 9.099/95, que constitui o estatuto disciplinador dos Juizados Especiais, mais do que a regulamentação normativa desses órgãos judiciários de primeira instância, importou em expressiva transformação do panorama penal vigente no Brasil, criando instrumentos destinados a viabilizar, juridicamente, processos de despenalização, com a inequívoca finalidade de forjar um novo modelo de Justiça criminal, que privilegie a ampliação do espaço de consenso, valorizando, desse modo, na definição das controvérsias oriundas do ilícito criminal, a adoção de soluções fundadas na própria vontade dos sujeitos que integram a relação processual penal. Esse novíssimo estatuto normativo, ao conferir expressão formal e positiva às premissas ideológicas que dão suporte às medidas despenalizadoras previstas na Lei n. 9.099/95, atribui, de modo conseqüente, especial primazia aos institutos (a) da composição civil (art. 74, parágrafo único), (b) da transação penal (art. 76), (c) da representação nos delitos de lesões culposas ou dolosas de natureza leve (artes. 88 e 91) e (d) da suspensão condicional do processo (art. 89). As prescrições que consagram as medidas despenalizadoras em causa qualificam-se como normas penais benéficas, necessariamente impulsionadas, quanto à sua aplicabilidade, pelo principio constitucional que impõe a lis meteoro uma insuprimivel carga de retroatividade virtual e, também, de incidência imediata. PROCEDIMENTOS PENAIS ORIGINÁRIOS (INQUÉRITOS E AÇÕES PENAIS) INSTAURADOS PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - CRIME DE LESÕES CORPORAIS LEVES E DE LESÕES CULPOSAS - APLICABILIDADE DA LEI N. 9.099/95 (ARTS. 88 E 91). - A exigência legal de representação do ofendido nas hipóteses de crimes de lesões corporais leves e de lesões culposas reveste-se de caráter penalmente benéfico e tornam conseqüentemente extensíveis aos procedimentos penais originários instaurados perante o Supremo Tribunal Federal os preceitos inscritos nos artes. 88 e 91 da Lei n. 9.099/95. O âmbito de incidência das normas legais em referencia - que consagram inequívoco programa estatal de despenalização, compatível com os fundamentos ético-juridicos que informam os postulados do Direito penal mínimo, subjacentes à Lei n. 9.099/95 - ultrapassa os limites formais e orgânicos dos Juizados Especiais Criminais, projetando-se sobre procedimentos penais instaurados perante outros órgãos judiciários ou tribunais, eis que a ausência de representação do ofendido qualifica-se como causa extintiva da punibilidade, com conseqüente reflexo sobre a pretensão punitiva do Estado." (Observação: VOTACAO Unânime).

"Penal. Processual penal. Habeas-corpus. Crime de lesões corporais. Denúncia. Promotor de Justiça processado perante o Tribunal de Justiça. Recusa do Tribunal em possibilitar a composição civil e a transação. Alegação de inaplicabilidade em procedimento especial. Lei nº 9.099/95. I - Os preceitos de caráter penalmente benéficos da Lei nº 9.099/95 aplicam-se a qualquer processo penal, inclusive nos Tribunais. Precedentes do STF: Inquérito nº. 1.055-AM (Questão de Ordem), C. de Mello, RTJ 162/483; HC nº 76.262-SP, O. Gallotti, DJ 29.05.98. II - HC deferido." (Habeas Corpus nº. 77.303-8/PB, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 15.09.98, v.u., DJU 30.10.98).

Neste aspecto, ressalva-se apenas a Justiça Militar, por força da Lei nº. 9.839/99 que acrescentou à lei ora comentada o art. 90-A. Mesmo nas Comarcas onde não haja Juizado Especial criado, deve o Juiz da Vara Criminal aplicar a lei especial porque, além de conter normas de caráter material, é mais benéfica para o réu.

São princípios orientadores dos Juizados Especiais a oralidade, a simplicidade, a informalidade, a economia processual e a celeridade. Como seus objetivos primordiais temos a conciliação, a transação, a reparação dos danos e a aplicação de pena não privativa de liberdade (arts. 2º. e 62).

O art. 61 da Lei nº. 9.099/95 conceituava infração penal de menor potencial ofensivo como sendo todos os crimes cuja pena máxima não excedesse a um ano, excetuados aqueles que obedecessem a um procedimento especial, além de todas as contravenções penais.

A Lei nº. 10.259/01, que criou os Juizados Especiais Federais Criminais, no entanto, no parágrafo único do art. 2º. passou a considerar infração de menor potencial ofensivo os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, retirando a ressalva quanto ao procedimento especial, não se referindo, evidentemente às contravenções penais, pois, como se sabe, estão excluídas da competência da Justiça Federal, por força do art. 109, IV da Constituição.

Assim, a nova lei conceituou de modo diferente crime de menor potencial ofensivo, derrogando, deste modo, o art. 61 da Lei nº. 9.099/95, que se aproveita apenas quando trata das contravenções penais.

É bem verdade que aquele mesmo dispositivo, ao conceituar crime de menor potencial ofensivo adverte que o faz "para os efeitos desta lei". Esta ressalva, no entanto, ao ser confrontada com a Constituição Federal não pode e não deve prevalecer, por força do disposto no art. 5º., caput da Constituição Federal que consagra o princípio da igualdade. Com efeito, seria absurdo admitir-se que uma mesma conduta fosse considerada um delito de menor potencial ofensivo (com todas as vantagens advindas) e, em outro momento (tendo em vista, por exemplo, o seu sujeito passivo ou o local onde foi cometida) não o fosse. Evidentemente que uma mesma ação e um resultado igual devem gerar uma mesma conseqüência jurídica. Se desacato um Delegado da Polícia Civil devo ter o mesmo tratamento jurídico-penal dado a quem desacata um delegado da Polícia Federal; se furto uma televisão, devo ser tratado penal e processualmente da mesma forma de quem furta uma televisão a bordo de um navio ou de uma aeronave. É óbvio! Por outro lado, ao vedar a aplicação da nova lei no juízo estadual, o seu art. 20, não somente se dirige às causas cíveis [4] (tanto que faz referência expressa ao art. 4º. da Lei nº. 9.099/95, que diz respeito ao Juizado Especial Cível), como também tenciona impedir que se aplique o disposto no art. 109, §§ 3º. e 4º. da Constituição Federal [5].

Como lembra Cezar Roberto Bitencourt o que identifica a essência ou lesividade de um delito não é a condição das partes (autor do fato ou vítima), a espécie procedimental ou a natureza da jurisdição (federal ou estadual), mas exatamente a respectiva potencialidade lesiva. Afirma textualmente o autor citado: "Na verdade, critérios de competência que delimitam a jurisdição penal em federal e estadual não têm legitimidade – científica, jurídica ou política – para estabelecer distinções conceituais sobre a potencialidade lesiva de uma conduta. Com efeito, a ilicitude típica não ganha contornos distintos de acordo com a espécie de jurisdição a que esteja sujeita, de forma a alterar a ofensividade ao bem jurídico." [6]

Assim, parece-nos tranqüilo o entendimento de que a definição de crime de menor potencial ofensivo foi elastecida. [7]

Neste sentido já houve várias decisões no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, por sua 5ª. Câmara Criminal, no julgamento do Recurso em Sentido Estrito nº. 70003736428, tendo como relator o Des. Amilton Bueno de Carvalho (v.u., j. 20/02/02). Aliás, neste Estado o assunto praticamente pacificou-se, como se vê nos seguintes julgados: 1- Conflito de Competência N.º 70004091211 (4ª Câm. Criminal), Rel. Des. Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, julgado em 25/04/02; 2- Conflito de Competência N.º 70004086971 (4ª Câm. Criminal), Rel. Des. Vladimir Giacomuzzi, julgado em 25/04/02; 3- Apelação Crime n.º 70003611621 (3ª Câm. Criminal), Rel. Desª. Elba Aparecida Nicolli Bastos, julgado em 18/04/02; 4- Conflito de Competência n.º 70004084935 (4ª Câm. Criminal), Rel. Des. Constantino L. de Azevedo, julgado em 11/04/02; 5- Conflito de Competência n.º 70004091161 (4ª. Câmara Criminal), Rel. Des. Constantino L. de Azevedo, julgado em 11/04/02; 6- Conflito de Competência N.º 70003975208 (1ª. Câmara Criminal), Rel. Des. Silvestre J. A. Torres, julgado em 03/04/02; 7- Conflito de Competência N.º 70003976396 (1ª Câm. Criminal), Rel. Des. Ranolfo Vieira, julgado em 03/04/02; 8- Conflito de Competência N.º 70003927092 (1ª Câm. Criminal), Rel. Des. Silvestre J. A. Torres, julgado em 03/04/02; 9- Apelação Crime nº 70003321627 (3ª Câm. Criminal), Rel. Desa. Elba Aparecida Nicolli Bastos, julgado em 14/03/02.

O Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo já decidiu:

"Juizado Especial Criminal. Extensão do conceito de menor potencial ofensivo, dado pela Lei n°. 10.259/01, ao âmbito estadual. Necessidade: o conceito de menor potencial ofensivo, dado pela nova lei, deve ser aplicado aos juizados especiais criminais no âmbito da Justiça Estadual, pois não se pode, tomando-se como critério a competência material, criar dois conceitos para essas infrações, visto que haveria violação dos princípios da isonomia, proporcionalidade e razoabilidade, criando tratamento diferenciado para crimes da mesma natureza." (Acórdão unânime da 10ª. Câmara do TACrimSP – HC nº. 414840/0 – Rel. Juiz Ary Casagrande – j. 07/08/02 – DJ SP I 30.08.02, p. 187 – ementa TACrim). Este mesmo Tribunal de Alçada voltou a julgar no mesmo sentido no HC nº. 419052/0, tendo como Relator o Juiz Guilherme G. Strenger.

Outra não foi a conclusão da 5ª. Turma do Superior Tribunal de Justiça ao julgar o habeas corpus nº. 22.881, inclusive em relação aos crimes de abuso de autoridade:

"A Lei 10.259/2001, que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais na Justiça Federal, ampliou o rol de delitos de menor potencial ofensivo. Dessa forma, os processos envolvendo crimes com previsão de penas não superiores a dois anos ou multa, como no caso de abuso de autoridade, podem, mediante análise da Justiça, ter aplicados institutos «despenalizadores», como a transação e a suspensão do processo."

Mais recentemente, o STJ voltou a julgar no mesmo sentido:

"STJ - CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 36.545 - RS (2002/0119661-3) (DJU 02.06.03, SEÇÃO 1, P. 183, J. 26.03.03)

RELATOR: MINISTRO GILSON DIPP

EMENTA: CRIMINAL. CC. CONFLITO ENTRE TRIBUNAL DE JUSTIÇA E TURMA RECURSAL DO JUIZADO ESPECIAL. DECISÕES DA TURMA RECURSAL NÃO VINCULADAS AOS TRIBUNAIS ESTADUAIS. CONFLITO ENVOLVENDO "TRIBUNAL E JUÍZES A ELE NÃO VINCULADOS". COMPETÊNCIA DO STJ. JULGAMENTO DE APELAÇÃO CRIMINAL. LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS. APLICABILIDADE AOS CRIMES SUJEITOS A PROCEDIMENTOS ESPECIAIS. LEI 10.259/01. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. ALTERAÇÃO DO LIMITE DE PENA MÁXIMA PARA A TRANSAÇÃO PENAL. NATUREZA PROCESSUAL, INCIDÊNCIA IMEDIATA. COMPETÊNCIA ABSOLUTA E IMPRORROGÁVEL. COMPETÊNCIA DA TURMA RECURSAL.

A Lei dos Juizados Especiais aplica-se aos crimes sujeitos a procedimentos especiais, desde que obedecidos os requisitos autorizadores, permitindo a transação e a suspensão condicional do processo inclusive nas ações penais de iniciativa exclusivamente privada.

Em função do Princípio Constitucional da Isonomia, com a Lei nº 10.259/01 – que instituiu os juizados especiais cíveis e criminais no âmbito da Justiça Federal, o limite de pena máxima, previsto para a incidência do instituto da transação penal, foi alterado para 02 anos. Tramitando a ação perante a Vara Criminal da Justiça Comum Estadual, e entrando em vigor a nova lei nº 10.259/01, a competência para apreciar a apelação criminal interposta é da Turma Recursal local, pois, tratando-se de disposição de natureza processual, a incidência é imediata, por força do Princípio do tempus regit actum.

Hipótese em que a competência é absoluta e improrrogável, sob pena de nulidade.

Conflito conhecido para declarar a competência da Turma Recursal Criminal de Porto Alegre/RS, a Suscitante."

"STJ - RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS Nº 14.141 - SP (2003/0026950-8) (DJU 09.06.03, SEÇÃO 1, P. 305, J. 13.05.03)

RELATOR: MINISTRO PAULO MEDINA

EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO. TRANSAÇÃO PENAL. ENTORPECENTE. USO PRÓPRIO (ART. 16 DA LEI Nº 6.368/76). INFRAÇÃO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO (ART. 2º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 10.259/01). TRANSAÇÃO PENAL. POSSIBILIDADE.

"A Lei nº 10.259/01, em seu art. 2º, parágrafo único, alterando a concepção de infração de menor potencial ofensivo, alcança o disposto no art. 61 da Lei nº 9.099/95" (EDRHC 12.033/MS).

Recurso provido."

Portanto, são infrações penais de menor potencial ofensivo todas as contravenções penais e todos os crimes "a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, ou multa", independentemente da previsão de procedimento especial.

A questão é saber como interpretar esta última parte do parágrafo único do art. 2º. da lei nova. Para nós a pena máxima de dois anos é o limite intransponível para o conceito, ou seja, qualquer delito cuja pena em abstrato seja superior a dois anos está fora do âmbito dos Juizados, tenha ou não pena de multa alternativamente cumulada (observa-se que o critério do legislador ao conceituar tais delitos foi sempre a pena máxima, não a mínima). Ainda que a pena de multa seja cumulada com a pena de detenção ou reclusão igual ou inferior a dois anos, a situação não muda, ou seja, continua sendo de menor potencial ofensivo [8].

Assim, podemos afirmar que agora são crimes de menor potencial ofensivo, dentre inúmeros outros, o abuso de autoridade (Lei nº. 4.898/65) [9], contra a honra (calúnia, difamação e injúria), porte ilegal de arma (art. 10, caput e seu § 1º. da Lei nº. 9.437/97), porte de drogas para uso próprio (art. 16 da Lei nº. 6.368/76) e, mesmo, o aborto provocado pela gestante ou com o seu consentimento, quando na sua forma tentada (arts. 124 c/c 14, II do Código Penal). Sobre este último crime, observa-se que em caso de tentativa incidirá sobre a pena máxima cominada (três anos) a causa de diminuição de pena (1/3), restando a pena máxima de dois anos. O fato de ser crime doloso contra a vida não é óbice a esta afirmativa, pois é a própria Constituição Federal que, no seu art. 98, I, excepciona o disposto no art. 5º., XXXVIII, "d". Lembremo-nos, ademais, que nos casos de competência determinada pela prerrogativa de função (em vista de dispositivo contido na Carta Magna), o julgamento também não será do Júri Popular, mas do respectivo Tribunal [10].

E os processos pendentes? Entendemos que as medidas despenalizadoras da Lei nº. 9.099/95 devem ser imediatamente aplicadas (art. 2º., Código Penal), por serem benéficas e, por conseguinte, retroativas (ver adiante). Os processos já ajuizados, no entanto, continuam no "juízo comum" (art. 2º., Código de Processo Penal: tempus regit actum e art. 25 da Lei nº. 10.259/01), mesmo porque o procedimento sumariíssimo é menos amplo do ponto de vista defensivo, não se podendo dizer que é uma norma processual penal material (ao final deste trabalho voltamos ao assunto). Assim, em suma, a ação penal continua em trâmite na vara comum, porém o Promotor de Justiça e o Juiz de Direito devem, se for cabível, oportunizar a composição civil dos danos e a transação penal. Os autos, portanto, devem permanecer no juízo de origem, pois a regra da competência obedece ao princípio acima referido do tempus regit actum. Só admitiríamos o contrário, caso o procedimento da lei especial permitisse ao réu uma maior amplitude de defesa, o que não é o caso (salvo a possibilidade da defesa preliminar que, nestas hipóteses, não mais teria possibilidade de ocorrer, pois a denúncia ou queixa já teria sido recebida).

A competência dos Juizados Especiais Criminais é ratione materiae, sendo, portanto, absoluta, até porque estabelecida constitucionalmente (art. 98, I). [11]

Para efeito de determinação da competência territorial, prevaleceu o local da ação ou da omissão (como no art. 147, § 1º. do Estatuto da Criança e do Adolescente) e não o do resultado (art. 63), como estabelece a regra geral insculpida no art. 70 do Código de Processo Penal. [12]

Na definição de infração de menor potencial ofensivo são levadas em conta as causas de aumento (no máximo) e de diminuição (no mínimo), inclusive a tentativa e o arrependimento posterior (art. 16 do Código Penal), excluídas as agravantes e as atenuantes genéricas. No caso de concurso material ou formal de crimes, ou em se tratando de crime continuado, entendemos que cada crime deve ser considerado isoladamente, aplicando-se, por analogia, o art. 119 do CP e a Súmula 497 do STF, posição que sofre restrições de boa parte da doutrina e da jurisprudência. Hoje, com a Súmula 243 do STJ, o entendimento de que nestes casos devem ser levados em conta os respectivos aumentos irá prevalecer. [13]

No caso de concurso de infrações penais ou de pessoas (e em sendo o caso de conexão ou de continência), entendemos que deve haver a separação de processos (como o permite o art. 80, CPP), tendo em vista que a competência para julgamento do crime de menor potencial ofensivo é ditada pela Constituição, afastando-se, portanto, a regra do art. 79, do CPP. Damásio de Jesus, contrariamente, entende que deve prevalecer o "Juízo Comum" [14]. Como já frisamos, a competência dos Juizados Especiais Criminais é ditada pela natureza da infração penal, estabelecida em razão da matéria e, portanto, de caráter absoluto, ainda mais porque tem base constitucional (art. 98, I da Constituição Federal); neste sentido, Mirabete e Ada, respectivamente:

"A competência do Juizado Especial Criminal restringe-se às infrações penais de menor potencial ofensivo, conforme a Carta Constitucional e a lei. Como tal competência é conferida em razão da matéria, é ela absoluta, de modo que não é possível sejam julgadas no Juizado Especial Criminal outras infrações, sob pena de declaração de nulidade absoluta." (15)

"A competência do Juizado, restrita às infrações de menor potencial ofensivo, é de natureza material e, por isso, absoluta. Não é possível, portanto, que nele sejam processadas outras infrações e, se isso suceder, haverá nulidade absoluta." (16)

Igualmente pensa Cezar Roberto Bitencourt, para quem "a competência ratione materiae, objeto de julgamento pelos Juizados Especiais Criminais, apresenta-se da seguinte forma: crimes com pena máxima cominada não superior a um ano e contravenções penais." [17]

O Professor Sidney Eloy Dalabrida também já escreveu:

"A competência do Juizado Especial Criminal foi firmada a nível constitucional (art. 98, I, CF), restringindo-se à conciliação (composição e transação), processo, julgamento e execução de infrações penais de menor potencial ofensivo. É competência que delimita o poder de julgar em razão da natureza do delito (ratione materiae), e, sendo assim, absoluta. Logo, na ausência de disposição legal permissiva, é inadmissível a submissão a processo pelo Juizado Especial Criminal de outras infrações penais, sob pena de nulidade absoluta." ( grifo nosso). (18)

Observa-se que a competência da qual ora falamos tem índole constitucional, posto ter sido prevista no art. 98 da Carta Magna.

Sequer lei estadual que estabelecer o sistema dos Juizados Especiais Criminais poderá ampliar a competência estabelecida pela lei federal.

A esse respeito, o já citado Cezar Roberto Bitencourt, afirma que "as infrações que não se caracterizarem como de menor potencial ofensivo, ainda que estejam dentro do limite previsto no artigo 89, não poderão receber a suspensão do processo através do Juizado Especial, posto que a competência será da Justiça Comum." [19] (grifo nosso).

Repita-se que a competência da qual falamos é ditada ratione materiae e, como tal, tem caráter absoluto (mesmo porque delimitada pela Constituição, secundada pela lei federal), sendo nulos todos os atos porventura praticados, não somente os decisórios, como também os probatórios, "pois o processo é como se não existisse." [20]

Ora, se assim o é, ou seja, se a própria Constituição estabeleceu a competência dos Juizados Especiais Criminais para o julgamento das infrações penais de menor potencial ofensivo, é induvidoso, ainda que estejamos à frente de uma conexão ou continência, não ser possível o simultaneus processus com a aplicação da regra contida no art. 78 do Código de Processo Penal, norma, aliás, infraconstitucional e anterior à Constituição de 1988. Ademais, ressalva-se que o próprio CPP, no art. 80, permite a separação de processos mesmo sendo o caso de conexão ou continência, quando, por exemplo, "o juiz reputar conveniente a separação por motivo relevante." Assim, ainda que a separação não fosse ditada pelo art. 98, I da Constituição, deveria sê-lo por força do art. 80 do Código, por ser conveniente a separação, pois o rito nos Juizados Especiais Criminais permite a composição civil dos danos e a transação penal, institutos despenalizadores e de aplicação obrigatória, pois são de Direito Material e benéficos.

Eis a lição da doutrina:

"Havendo conexão ou continência, deve haver separação de processos para julgamento da infração de competência dos Juizados Especiais Criminais e da infração de outra natureza. Não prevalece a regra do art. 79, caput, que determina a unidade de processo e julgamento de infrações conexas, porque, no caso, a competência dos Juizados Especiais é fixada na Constituição Federal (art. 98, I), não podendo ser alterada por lei ordinária."

Sidney Eloy Dalabrida assim entende:

"Havendo conexão ou continência entre infrações de menor potencial ofensivo e outras de natureza diversa, via de regra, impõe-se a disjunção de processos, devendo o promotor de justiça, portanto, oferecer denúncias em separado perante os respectivos juízos competentes, face à inaplicabilidade do art. 78, II do CPP, por importar sua incidência em afronta à Constituição Federal." (21)

Observe que devemos interpretar as leis ordinárias em conformidade com a Carta Magna, e não o contrário! Como magistralmente escreveu Frederico Marques, a Constituição Federal "não só submete o legislador ordinário a um regime de estrita legalidade, como ainda subordina todo o sistema normativo a uma causalidade constitucional, que é condição de legitimidade de todo o imperativo jurídico. A conformidade da lei com a Constituição é o lastro causal que a torna válida perante todos." [22]

É bem verdade que a própria Lei n. 9.099/95 prevê duas hipóteses em que é afastada a sua incidência (arts. 66, parágrafo único e 77, § 2º.), mas este fato não representa obstáculo ao que dissemos, pois se encontra dentro da faixa de disciplina possível para a Lei n. 9.099/95, permitida pelo art. 98 da Constituição. Em outras palavras: ao delimitar a competência dos Juizados poderia a respectiva lei, autorizada pela Lei Maior, estabelecer, ela própria, exceções à regra, como o fez. O que não se pode é se utilizar o Código de 1941 para afastar a competência dos Juizados, constitucionalmente ditada.

Este entendimento prevalece mesmo em se tratando de delito de menor potencial ofensivo conexo com um crime contra a vida, hipótese em que ao Tribunal do Júri caberá exclusivamente o julgamento do delito contra a vida, posição que não fere em absoluto o art. 5º., XXXVIII, d da Carta Magna, pois ali não há exigência do Júri em julgar também os crimes conexos àqueles.

Como já notamos, na lei ora comentada há duas causas modificadoras da competência: a complexidade ou circunstâncias da causa que dificultem a formulação da peça acusatória (art. 77, § 2º.) e o fato do réu não ser encontrado para a citação pessoal (art. 66, parágrafo único).

Em relação aos atos processuais, prevalecem os princípios da instrumentalidade ou finalidade da forma (art. 65 da Lei n. 9.099/95 e art. 572, II, CPP), do prejuízo (art. 65, § 1º. e art. 563, do CPP), da oralidade, da informalidade, da celeridade e da economia processual (art. 65, in fine), não havendo necessidade, por exemplo, da expedição de cartas precatórias, podendo ser utilizados o telefone e o fax (art. 65, §§ 2º. e 3º.) [23]. Ademais, só devem ser reduzidos a termo os atos havidos por essenciais como, por exemplo, as decisões judiciais, a denúncia, a queixa, a resposta do acusado, os depoimentos, os embargos de declaração opostos oralmente, etc. A audiência de instrução e julgamento pode ser gravada.

É de bom alvitre observar que a Lei nº. 9.099/95 não introduziu no processo penal brasileiro o princípio da identidade física do juiz (art. 132 do CPC), consagrando apenas o princípio da imediatidade e o da concentração dos atos processuais.

A citação será sempre pessoal (real), podendo se realizar de duas formas: diretamente (no próprio Juizado ou em audiência) ou por mandado (através de oficial de justiça - arts. 352 e 357, CPP ou por carta precatória), sendo absolutamente inadmissível a citação ficta (art. 66). No mandado citatório deverá estar a advertência para o acusado se fazer acompanhar de advogado, sob pena de nomeação de um dativo (art. 68), e das testemunhas, querendo (art. 78, § 1º.).

As intimações e as notificações poderão ser realizadas das seguintes formas:

a) por correspondência, se pessoa física, e com aviso de recebimento, se jurídica (art. 370, § 2º. do CPP).

b) por oficial de justiça (independentemente da expedição de mandado ou de carta precatória).

c) por qualquer meio idôneo de comunicação (telegrama, fax, telefone, na própria Secretária, pela imprensa [24]).

d) por ciência na própria audiência.

Observa-se que mais uma vez um texto legal não faz a diferença entre estes dois atos de comunicação processual, o que é lamentável. Doutrinariamente diferencia-se intimação de notificação, distinção não observada no Código de Processo Penal e, exatamente por isso, desconhecida pela maioria dos operadores do Direito. Assim, diz-se intimação a comunicação de ato processual já efetuado, ao passo que a notificação serve para comunicar ato ainda a ser realizado. Desta forma, intima-se de algo já produzido e se notifica para ato a ser cumprido. A intimação volta-se ao passado, enquanto a notificação tende ao futuro. Exemplificando, intima-se de uma decisão judicial, enquanto que se notifica uma testemunha ou um perito para comparecer em juízo.

Entre nós faziam a distinção juristas como Pontes de Miranda, Câmara Leal, Gabriel de Rezende Filho, Basileu Garcia, Galdino Siqueira e Frederico Marques. Hoje, Tourinho Filho e Mirabete também o fazem.

Frederico, por exemplo, escreveu que a "notificação projeta-se no futuro, visto que leva ao conhecimento do sujeito processual, ou de outra pessoa que intervenha no processo, pronunciamento jurisdicional que determine um facere ou um non facere. A intimação, ao revés, se relaciona com atos pretéritos". [25] Doutrinariamente diferencia-se intimação de notificação, distinção não observada no Código de Processo Penal e, exatamente por isso, desconhecida pela maioria dos operadores do Direito.

Assim, diz-se intimação a comunicação de ato processual já efetuado, ao passo que a notificação serve para comunicar ato ainda a ser realizado. Desta forma, intima-se de algo já produzido e se notifica para ato a ser cumprido. A intimação volta-se ao passado, enquanto a notificação tende ao futuro. Exemplificando, intima-se de uma decisão judicial, enquanto que se notifica uma testemunha ou um perito para comparecer em juízo.

Tourinho Filho também diferencia:

"A intimação é, pois, a ciência que se dá a alguém de um ato já praticado, já consumado, seja um despacho, seja uma sentença, ou, como diz Pontes de Miranda, é a comunicação de ato praticado. Assim, intima-se o réu de uma sentença (note-se que o réu está sendo cientificado de um ato já consumado, já praticado, isto é, a sentença).

"A notificação, por outro lado, é a cientificação que se faz a alguém (réu, partes, testemunhas, peritos etc) de um despacho ou decisão que ordena fazer ou deixar de fazer alguma coisa, sob certa cominação. Assim, a testemunha é notificada, porque se lhe dá ciência de um pronunciamento do Juiz, a fim de comparecer à sede do juízo em dia e hora designados, sob as cominações legais. Se não comparecer, estará ela sujeita àquelas sanções a que se referem os arts. 218 e 219 do CPP". (26)

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Como se disse, porém, esta diferenciação não foi observada pelo nosso Código de Processo Penal fazendo que a grande maioria da doutrina e da jurisprudência também assim procedesse. O nosso Código ora se refere a intimação, ora a notificação, sem levar em conta a diferenciação doutrinária existente.

Na fase preliminar (art. 69), a lei em estudo utilizou-se da expressão "autoridade policial" que, a nosso ver, restringe-se aos Delegados da Polícia Civil e da Polícia Federal (dentro de suas atribuições específicas insculpidas nos §§ 4º. e 5º., do art. 144, CF/88 [27]). Há quem entenda, porém, que a Polícia Militar e a própria Secretaria do Juizado poderão lavrar o Termo Circunstanciado e outros, ainda, que estendem este conceito aos organismos policiais referidos no art. 144 da CF/88. [28] Cezar Roberto Bitencourt, entendendo como nós, vai mais além, afirmando ser inconstitucional a permissão da lavratura do Termo Circunstanciado pela Polícia Militar, além de consistir abuso de autoridade e usurpação de função pública (ob. cit., p. 58).

A autoridade policial, após a lavratura do Termo Circunstanciado, deve encaminhar, sendo possível, o autor do fato e a vítima ao Juizado Especial Criminal competente, ou, não o sendo, lavrar o termo de compromisso de comparecimento (se houver prisão em flagrante) ou agendar uma data com a Secretaria; deve, outrossim, diligenciar a realização dos exames periciais necessários.

Se houver indícios de que o autor do fato é inimputável ou semi-responsável, deve ser instaurado Inquérito Policial e não Termo Circunstanciado, por analogia com o art. 77, § 2°.; nesta hipótese, o Inquérito Policial deverá ser remetido para o Juizado Especial e na impossibilidade evidente de realização da composição civil e da transação penal ser encaminhado a uma Vara Criminal Comum, também com fulcro no art. 77, § 2º. Sendo a autoria do crime ou da contravenção desconhecida, instaura-se Inquérito Policial e, após o seu encerramento, encaminha-se ao Juizado.

Apesar de raríssimo e de contra-indicado, pode ser cabível, no Juizado, a representação ou o pedido de prisão preventiva se, por exemplo, provar-se que o autor do fato está coagindo testemunhas. Neste aspecto devemos estar atentos para um dos elementos da prisão provisória, qual seja a homogeneidade: "las medidas cautelares son homogéneas, aunque no idênticas, con las medidas ejecutivas a las que tienden a preordenar." [29]

É possível, como fato jurídico, a prisão em flagrante em virtude da prática de uma infração penal de menor potencial ofensivo [30], apenas ela não será documentada (instrumentalizada) por via do Auto de Prisão em Flagrante se o autor do fato for imediatamente encaminhado ao Juizado ou, não o podendo, comprometer-se a fazê-lo.

Assim, se o autor do fato preso em flagrante não puder ser encaminhado ao Juizado Especial e não se comprometer a comparecer posteriormente, deverá ser lavrado o Auto de Prisão em Flagrante, iniciando-se, neste caso, o Inquérito Policial (arbitrando-se a fiança, se cabível), que deverá ser encaminhado ao Juizado Especial, pois o Inquérito Policial não tem o condão de modificar a competência.

Se o autor do fato não comparecer, não há falar-se mais em lavratura do Auto de Prisão em Flagrante, pois já estaria desconfigurado o estado de flagrância, ou mesmo em imposição de fiança, tendo em vista o seu caráter típico de providência de contracautela.

Em linhas gerais, o Termo Circunstanciado deverá conter, além de outros elementos que a autoridade policial entender pertinentes, a qualificação completa da vítima e do autor do fato, além, se for o caso, do responsável civil (quando o autor do fato, por exemplo, for preposto de uma empresa); sumário dos fatos, especificando data, local e hora, além das versões das partes e das testemunhas; indicação da prova material apreendida no momento do delito; a qualificação completa das testemunhas; a indicação dos exames periciais requisitados; a descrição dos objetos apreendidos; a assinatura das partes, da autoridade policial e das testemunhas presentes; a representação da vítima, para que se evite a decadência do direito; documentos, tais como cartas, antecedentes criminais, boletins de ocorrência anteriores, certidões policiais, etc.

A propósito, observa-se que o Projeto de Lei nº. 4.209/01 que trata de modificar o Código de Processo Penal no tocante à investigação criminal, cobrindo lacuna existente na Lei n. 9.099/95, no seu art. 5º, especifica o conteúdo do Termo Circunstanciado, nos seguintes termos:

"Se a infração for de menor potencial ofensivo, a autoridade lavrará, imediatamente, termo circunstanciado, de que deverão constar:

I- narração sucinta do fato e de suas circunstâncias, com a indicação do autor, do ofendido e das testemunhas;

II - nome, qualificação e endereço das testemunhas;

III - ordem de requisição de exames periciais, quando necessários;

IV - determinação da sua imediata remessa ao órgão do Ministério Público oficiante no juizado criminal competente, com as informações colhidas, comunicando-as ao juiz;

V - certificação da intimação do autuado e do ofendido, para comparecimento em juízo nos dia e hora designados."

Se o autor do fato, devidamente notificado, não comparecer à Delegacia de Polícia, a autoridade policial poderá determinar a sua condução coercitiva, nos termos do art. 260, CPP; se a vítima não comparecer e se tratar de ação penal pública incondicionada, também cabível será esta medida draconiana (art. 201, parágrafo único, CPP).

A juntada dos laudos periciais é dispensável nesta fase, pois a lei se contenta com um simples boletim médico ou prova equivalente. Ressalve-se a necessidade, porém, de tais exames (principalmente o de corpo de delito) para uma sentença condenatória, salvante, evidentemente, a possibilidade da prova indireta (art. 167, CPP).

Ainda nesta primeira etapa procedimental, temos a fase da composição civil dos danos que ocorrerá entre o autor do fato e a vítima e será homologada por sentença irrecorrível (com a possibilidade, porém, dos embargos de declaração, do Mandado de Segurança e da ação anulatória prevista no art. 486 do CPC), sendo título executivo judicial, nos termos do art. 584, III, CPC, podendo ser executada, inclusive, no Juizado Especial Cível (art. 3º. da Lei n. 9.099/95). Este acordo realizado na esfera penal tem efeito na esfera cível para se evitar o enriquecimento ilícito, tal como já se prevê na lei do meio ambiente (art. 12), no Código Penal (art. 45, § 1º., in fine) e no Código de Trânsito Brasileiro (art. 297, § 3º.).

A composição civil dos danos nas infrações penais de menor potencial ofensivo deverá sempre ser tentada, ainda que se trate de crime cuja ação penal seja pública incondicionada, ressalvando-se apenas a hipótese da inexistência de vítima determinada. Esta afirmação deflui da própria redação do art. 74, parágrafo único e do art. 76, ambos da Lei n.º 9.099/95.

Em que pese opiniões em contrário, o certo é que a esta conclusão chegou, salvo engano, a maioria dos doutrinadores que se debruçou sobre o referido texto legal.

Assim, por exemplo, afirma Ada Pellegrini Grinover:

"Frise-se, por oportuno, que, tanto para a ação pública condicionada como para a ação de iniciativa do ofendido, a homologação do acordo civil acarreta a renúncia tácita ao direito de representação ou queixa (...)

"No caso de ação de iniciativa pública (incondicionada), ao contrário, a homologação do acordo civil nenhum efeito terá sobre a ação penal." (31)

Por sua vez, Mirabete adverte que tal homologação, no caso de ação penal pública incondicionada, acarreta dois efeitos penais, senão vejamos:

"Evidentemente, homologada a composição, não ocorre a extinção da punibilidade quando se tratar de infração penal que se apura mediante ação penal pública incondicionada, prosseguindo-se na audiência preliminar com eventual proposta de transação ou, não sendo esta apresentada, com o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público. Entretanto, se a composição dos danos ocorrer, deve ser ela objeto de consideração do Ministério Público, quando da oportunidade de oferecer a transação, e do juiz, como causa de diminuição de pena ou circunstância atenuante (arts. 16 e 65, III, b, última parte, do Código Penal). Além disso, é evidente que a composição impedirá uma ação ordinária de indenização fundada no art. 159 do Código Civil, ou a execução, no cível, da eventual sentença condenatória (art. 91, I, do Código Penal)." [32] Neste ponto discordamos: a composição civil dos danos não impedirá a ação civil ex delicto, apenas obrigará a que se abata de posterior indenização concedida no cível o que foi pago no acordo homologado no Juizado Especial Criminal, à semelhança do que prescreve o art. 45, § 1º. in fine do Código Penal, o art. 12 da Lei n. 9.605/98 (Lei dos Crimes Ambientais) e o art. 297, § 3º. da Lei n. 9.503/97 (Lei de Trânsito).

Vê-se que impostergável será a tentativa de composição civil dos danos, ainda que se trate de contravenção ou de crime de ação penal pública incondicionada. Se assim não o fosse, ferido estaria o princípio constitucional da igualdade (art. 5º., caput, da Constituição Federal), pois a vítima de uma infração de menor potencial ofensivo cuja ação penal fosse pública incondicionada seria tratada diferentemente daquel’outra que sofrera também uma infração da mesma natureza, porém de ação penal pública condicionada à representação. Assim, por exemplo, a vítima de uma ameaça teria direito à composição civil dos danos, enquanto que o ofendido por um constrangimento ilegal não o teria, o que seria um absurdo.

Ademais, note-se que um dos objetivos da lei que criou os Juizados Especiais Criminais é exatamente a reparação dos danos sofridos pela vítima (art. 62). Como observam Ada, Scarance, Luiz Flávio e Gomes Filho "é a primeira vez, no nosso ordenamento, que a legislação abre tão amplo espaço à sua proteção jurisdicional, inserindo-se no generoso e atualíssimo filão que advoga a revisão dos esquemas processuais de modo a dar resposta concreta à maior preocupação com o ofendido." [33]

Esta atenção com a vítima no processo penal é tema atual e tem sido motivo de inúmeros trabalhos doutrinários, como observou o jurista argentino Alberto Bovino:

"Después de varios siglos de exclusión y olvido, la víctima reaparece, en la actualidad, en el escenario de la justicia penal, como una preocupación central de la política criminal. Prueba de este interés resultan la gran variedad de trabajos publicados recientemente, tanto en Argentina como en el extranjero;" (...) mesmo porque "se señala que com frecuencia el interés real de la víctima no consiste en la imposición de una pena sino, en cambio, en ‘una reparación por las lesiones o los daños causados por el delito’" [34] Neste sentido, veja-se obra bastante elucidativa de Antonio Scarance Fernandes. [35]

Dois juristas italianos, Michele Correra e Danilo Riponti, também notaram:

"Il recupero della dimensione umana della vittima, molto spesso reificata, vessata, dimenticata da giuristi e criminologi in quanto oscurata da quella cosí clamorosa ed eclatante del criminale, soddisfa l’intento di rendere giustizia a chi viene a trovarsi in una situazione umana tragica ed ingiusta, a chi ha subito e subisce e danni del crimine e l’indifferenza della società." (36)

Seria, portanto, até sob este ponto de vista, descabida qualquer exegese que impedisse a composição civil dos danos nestas hipóteses.

Assim, sempre que estivermos à frente de um delito de menor potencial ofensivo cuja ação penal seja incondicionada ou uma contravenção penal (cuja ação penal é sempre, como em toda contravenção – inclusive vias de fato, pública incondicionada), deve-se oportunizar a composição dos danos civis, observando-se, porém, que a sua homologação não acarreta os efeitos impeditivos da transação penal ou de posterior denúncia ou queixa.

Nestes casos, havendo e sendo homologada a composição civil, não estará o Ministério Público impedido de transacionar ou oferecer denúncia, muito pelo contrário, salvo se for caso típico de arquivamento (como, por exemplo, falta de suporte probatório mínimo, extinção da punibilidade, atipicidade da conduta, etc.). Adverte-se que a homologação da composição civil em casos que tais não é causa, em absoluto, de arquivamento, mas somente poderá acarretar aquelas conseqüências apontadas por Mirabete e acima transcritas.

Assim, ainda que tenha ocorrido a referida composição obrigatória é a continuidade da audiência preliminar, salvo se for caso de pedido de arquivamento, vigorando, in casu, o princípio da obrigatoriedade ou da legalidade da ação penal que, apesar de efetivamente mitigado pela lei em estudo, não foi excluído de nossa sistemática processual penal, que abraçou o sistema acusatório (ainda que com impurezas) e o da obrigatoriedade da ação penal, reforçados pelo art. 129 da Constituição Federal.

Observa-se que mesmo com o advento da lei especial sob comento, continua a viger em nossa sistemática processual penal o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública a impedir, v.g., o arquivamento do termo circunstanciado em caso de composição civil dos danos em infração de ação penal pública incondicionada, havendo justa causa para a denúncia [37].

Socorremo-nos, a propósito e mais uma vez, de Mirabete:

"A Constituição atual ao permitir a criação dos Juizados Especiais, para a apuração de infrações penais de menor potencial ofensivo, permitindo a transação, não instituiu o princípio da oportunidade nas ações penais públicas, uma vez que tal instituto se refere somente à possibilidade de composição entre as partes, nos termos da lei, após a propositura do processo." (38)

No mesmo sentido, preleciona Maurício Antônio Ribeiro Lopes:

"O princípio da obrigatoriedade da ação penal, desse modo, não foi afastado pela Lei 9.099/95. Ao receber o termo de ocorrência da autoridade policial, o representante do Ministério Público obrigatoriamente deverá adotar uma das seguintes providências: verificar o cabimento de proposta da aplicação imediata da pena não privativa de liberdade (art. 76, caput); oferecer denúncia oral (art. 77, caput); oferecer prova escrita (art. 77, § 2º.), requerer arquivamento (CPP, art. 28); requerer diligências imprescindíveis ao oferecimento da denúncia (CPP, art. 16), ou propor a suspensão do processo." [39] (grifo nosso). Note-se que ao se referir à possibilidade do arquivamento, o autor acima citado coloca em parêntese o art. 28 do Código de Processo Penal como que para delimitar tal possibilidade.

Desta forma, tratando-se de ação penal pública incondicionada, o pedido de arquivamento só será possível, à vista do princípio da obrigatoriedade, se o fato não for infração penal, ou, em sendo, a autoria for desconhecida, ou se não houver justa causa (lastro probatório mínimo), além da hipótese de extinção da punibilidade.

Não nos parece possível, portanto, pedido de arquivamento de um termo circunstanciado em que se noticia uma infração penal de ação penal pública incondicionada pelo só fato de ter havido a composição civil dos danos, quando a lei penal já prevê, como efeito deste acerto, o arrependimento posterior e a circunstância atenuante.

A mitigação implantada pela lei ora comentada não pode ser interpretada a tal ponto que infira não ser possível o oferecimento da transação penal quando haja a composição civil no caso de ação penal pública incondicionada.

Como ensina Afrânio Silva Jardim, "todo o sistema do código está voltado para a propositura da ação penal pública. O exercício desta ação é a regra geral, sendo o arquivamento a exceção, tanto que o legislador não tratou expressamente das hipóteses de arquivamento, mas sim dos casos em que a ação não deve ser exercitada (art. 43)." [40]

É o mesmo autor quem adverte:

"É preciso interpretar a Lei n.º 9.099/95 dentro dos postulados dos princípios que informam o nosso sistema processual acusatório e não como desejaríamos que o legislador tivesse dito." (41)

Por outro lado, pelo princípio da indisponibilidade da ação penal que é corolário da regra da obrigatoriedade, veda-se qualquer manifestação de poder dispositivo no que concerne à promoção e à movimentação do processo penal, refletindo isto o interesse público na determinação do conteúdo da lide penal [42].

Com o advento da Lei n.º 9.099/95, é evidente que também restou mitigado este último princípio quando no seu art. 89 instituiu-se a suspensão condicional do processo para as infrações de pequeno e de médio potencial ofensivo, posto que, passou o Ministério Público, obedecidos determinados requisitos e pressupostos, a dispor da res deducta in judicio, possibilidade antes expressamente vedada (art. 42, Código de Processo Penal).

Tal aspecto, no entanto, não autoriza, a nosso ver, o arquivamento do termo circunstanciado nas condições colocadas, mesmo porque a suspensão condicional do processo pressupõe processo penal instaurado.

Em complemento à fundamentação acima exposta, veja-se mais uma vez o ensinamento de Afrânio:

"Na verdade, o legislador não deu ao Ministério Público a possibilidade de requerer o arquivamento do termo circunstanciado e das peças de informação que o instruírem, quando presentes todas as condições para o exercício da ação penal. Vale dizer, o sistema do arquivamento continua sendo regido pelo CPP, descabendo ao Ministério Público postular o arquivamento do termo circunstanciado por motivos de política criminal. Aqui também não tem o Parquet discricionariedade que lhe permita manifestar ou não em juízo a pretensão punitiva estatal." (43) (grifo nosso).

Esta composição civil poderá ser conduzida por conciliadores leigos, sendo que a homologação caberá sempre ao Juiz de Direito.

Questão que suscita certa controvérsia na disciplina dos Juizados Especiais Criminais diz respeito à obrigatoriedade ou não da presença de um Promotor de Justiça na audiência preliminar de tentativa de composição civil dos danos.

Autores há, como por exemplo, Marino Pazzaglini Filho e outros, que só vislumbram a necessidade da participação do Ministério Público nesta fase caso o ofendido seja incapaz, oportunidade em que o Promotor de Justiça atuaria especificamente para proteger interesse seu (do incapaz) que estivesse sendo prejudicado. [44]

Neste mesmo sentido foi editada a Súmula 7 da Procuradoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo sobre a Lei dos Juizados Especiais Criminais (São Paulo, 22 de novembro de 1995).

Nada obstante o posicionamento em contrário temos para nós que o entendimento mais acertado é exatamente o oposto, ou seja, aquele segundo o qual a necessidade do representante do Ministério Público na referida audiência é, em qualquer hipótese, impostergável.

A fim de que possamos exarar a nossa opinião a respeito do assunto, necessário se nos afigura a análise dos arts. 72, 73 e 74, da Lei n.º 9.099/95 que dizem respeito à matéria ventilada.

Com efeito, lê-se nos três dispositivos citados o seguinte (grifados por nós):

"Art. 72 - Na audiência preliminar, presente o representante do Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, o Juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade.

"Art. 73 – A conciliação será conduzida pelo Juiz ou por conciliador sob sua orientação.

"Parágrafo único – Os conciliadores são auxiliares da Justiça, recrutados na forma da lei local, preferentemente entre bacharéis em Direito, excluídos os que exerçam funções na administração da Justiça Criminal.

"Art. 74 – A composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo Juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo civil competente.

"Parágrafo único – Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação."

Diante dos dispositivos legais acima transcritos, necessariamente são extraídas, desde já, quatro conclusões:

1ª.) A presença do representante do Ministério Público na audiência preliminar é obrigatória;

2ª.) É nesta audiência preliminar que se dará a (primeira) tentativa de composição dos danos (poderá haver uma segunda oportunidade prevista no art. 79);

3ª.) Esta tentativa de conciliação para composição dos danos pode ser conduzida por um Conciliador, que agirá sob a orientação do Juiz de Direito.

4ª.) A homologação do acordo acaso efetivado só poderá ser feita pelo Juiz togado, vedado ao Conciliador esta ou qualquer outra tarefa de natureza jurisdicional.

A primeira de nossas assertivas provém mesmo da literalidade do texto transcrito (art. 72) que não dá margem à interpretação diversa. Neste sentido vejamos a doutrina (todos os grifos são nossos):

"Mas a audiência preliminar, conduzida por quem estiver imbuído da adequada mentalidade de mediador, deverá ser o mais informal possível, atendendo aos critérios do art. 62. O juiz (ou conciliador) conversará abertamente com os interessados, deixará que troquem idéias entre si e com ele, induzirá os advogados e o promotor ao mesmo comportamento." (45)

Nesta mesma obra, lê-se adiante:

"Os conciliadores funcionarão nos Juizados como multiplicadores da capacidade de trabalho do juiz. Sentarão junto aos protagonistas principais (MP, autuado, vítima, responsável civil e seus advogados) para conduzir o entendimento destes com vistas à auto-composicão." (p. 118).

Damásio de Jesus afirma que o "Promotor de Justiça participa da composição civil, ainda que o ofendido não seja menor ou incapaz" [46]

Mas não é só; para ilustrar vejamos outros doutrinadores:

"A audiência de conciliação é o momento mais importante do procedimento prévio. Presentes o órgão do Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, o juiz dará início à audiência preliminar (...).

"Sua participação, bem como a do Ministério Público, deve ser a mais informal possível, não apenas conduzindo, como está no art. 72, mas intervindo nos momentos apropriados, quando a conciliação das partes depender de uma palavra, de um conselho, de uma pequena mudança na proposta." [47]

A seguir esclarece este mesmo autor que como "estabelece o art. 73, a conciliação será conduzida pelo juiz ou conciliador sob sua orientação", que deverá "esclarecer o autor do fato e a vítima sobre as vantagens que a conciliação traz para ambos." (p. 314).

Mirabete assevera:

"Por essa razão, devem estar presentes, obrigatoriamente, para a tentativa de conciliação e transação, além do juiz, o representante do Ministério Público, o autor do fato, seu advogado constituído por instrumento próprio ou verbalmente na própria audiência." (48)

Para este autor, os conciliadores "terão a condição de auxiliares da Justiça e que tentarão, sob orientação do magistrado, promover o acordo entre a vítima, ou eventualmente o responsável civil, e o autor do fato", tendo "como função apenas presidir, sob a orientação do juiz, a tentativa de conciliação entre as partes, como auxiliares da Justiça que são, nos limites exatos da lei." (págs. 73/74).

Cézar Roberto Bitencourt afirma também que à audiência preliminar "devem comparecer o Ministério Público, as partes – autor e vítima – e, se possível, o responsável civil, todos acompanhados por seus advogados", asseverando, ademais, que "a conciliação será conduzida pelo Juiz ou por conciliador." [49]

Neste mesmo sentido pensam Fátima Nancy Andrighi e Sidnei Beneti, além de Liberato Póvoa e José Maria de Melo; estes dois últimos escreveram:

"Como a finalidade precípua da audiência preliminar é a conciliação do autuado com o Ministério Público (com vistas à transação penal) e com a vítima (levando à transação, renúncia ou submissão), a lei determina a imprescindibilidade da presença das partes e do Ministério Público." (50)

Vê-se, portanto, que a presença de um Promotor de Justiça na audiência preliminar é necessária e indeclinável até porque acaso não lograda êxito a composição civil (e tendo havido representação ou tratando-se de ação penal pública incondicionada) imediatamente deverá ser dada a palavra ao representante do Ministério Público (providência a ser tomada exclusivamente pelo Juiz de Direito) para que se pronuncie sobre a possibilidade de transação penal ou oferecimento de denúncia oral.

Ora, se ausente estiver o Promotor de Justiça (e sendo o caso de se oportunizar a transação penal) como se passará à segunda fase desta primeira audiência se não se encontrava no recinto o representante do Ministério Público?

Observa-se, a propósito, que a audiência preliminar não tem como fito apenas a tentativa de composição civil dos danos, mas, como bem advertem Marino Pazzaglini Filho e outros, "compõe-se de três fases: composição dos danos civis; transação penal; e oferecimento oral de denúncia." [51] Indaga-se: sem o Promotor de Justiça como haverá a transação penal ou o oferecimento de denúncia oral?

É sempre bom relembrar, por outro lado, que a participação do Conciliador se reduz à primeira fase da audiência preambular, visto que, à evidência, não detém qualquer poder jurisdicional.

Como adverte o mesmo Mirabete, "o conciliador tem como função apenas presidir, sob a orientação do juiz, a tentativa de conciliação entre as partes (...), portanto, função meramente administrativa (...)", nada impedindo "que o Juiz interfira nas negociações, devendo fazê-lo obrigatoriamente no caso de apurar alguma irregularidade no decorrer das negociações (...)", sem obstar, ademais, "que o juiz promova várias audiências concomitantes, a cargo cada uma de um auxiliar, supervisionando o andamento delas e interferindo apenas quando necessário ou aconselhável." [52]

Sobre esta importante função, assim se pronunciou a Confederação Nacional do Ministério Público em documento oficial:

"Conclusão 11 – A participação dos conciliadores na audiência prevista pelo art. 72 da lei cessa com o encerramento da fase de reparação civil dos danos entre ofensor e ofendido, qualquer que seja o seu resultado."

Aliás, na conclusão anterior a mesma Confederação deixou assentado:

"É indispensável a presença do Promotor de Justiça à audiência prevista pelo art. 72 da Lei 9.099/95."

Ressalte-se que mesmo havendo a composição civil entre as partes, ainda assim, termina a participação do Conciliador, pois a homologação do respectivo acordo (como ato tipicamente jurisdicional), só poderá ser feita pelo Juiz togado. [53]

É evidente que não há falar-se em submissão do Promotor de Justiça ao Conciliador. Absolutamente! Estar ao lado deste auxiliar da Justiça não significa estar a ele submetido, mesmo porque, como já se disse, não haverá nesta fase da conciliação civil nenhum ato que se revista de caráter jurisdicional, fato que redundaria, se assim não o fosse, em grosseira inconstitucionalidade, como advertiu Ribeiro Lopes, para quem "é preciso que se afaste por completo qualquer possibilidade de se conferir ao conciliador poderes superiores ao de mediar a composição dos danos civis", não sendo possível submeter-se o Ministério Público "na conciliação à disciplina do conciliador, mero auxiliar da Justiça (arts. 7º. e 73, parágrafo único desta lei), subvertendo a hierarquia constitucionalmente desenhada." [54]

Relembra-se, ademais, que a condução da composição civil pelo Conciliador está submetida à supervisão do Juiz togado, inclusive no prosseguimento da audiência seja homologando o acordo, colhendo a representação da vítima, ouvindo o Ministério Público para a transação penal ou para o oferecimento da denúncia oral ou mesmo interferindo na própria tentativa de conciliação civil. A atividade do Conciliador, repita-se, restringe-se à condução da conciliação entre o autor do fato e o ofendido, e só.

Diante deste quadro, é perfeitamente possível, como, aliás acima foi mostrado por Mirabete, a realização de mais de uma audiência simultaneamente, cada uma com o seu Conciliador, inclusive em horário noturno e em qualquer dia da semana (art. 64).

Diante do exposto, entendemos necessária a presença do representante do Ministério Público na audiência preliminar, inclusive na fase em que esta é conduzida pelo Conciliador; a audiência preliminar será presidida sempre por um Juiz de Direito, ficando a cargo do auxiliar apenas o encaminhamento da composição civil dos danos; a participação do parquet servirá também para fiscalizar os esclarecimentos prestados pelo Conciliador, funcionando neste primeiro momento da audiência, tipicamente, como fiscal da lei, pugnando ao Juiz togado pela correção de possíveis irregularidades.

O acordo entre a vítima e o autor do fato pode ser extrajudicial, contanto que seja devidamente homologado a posteriori no Juizado Especial Criminal.

A composição civil homologada em Juízo acarreta renúncia tácita ao direito de queixa (o que é uma inovação em relação ao art. 104, parágrafo único do Código Penal) ou de representação (inovando igualmente em relação ao nosso sistema, que só previa a sua irretratabilidade). Poderá, também, haver renúncia expressa à representação, usando-se analogicamente o art. 50, CPP.

Se não houver o acordo, à vítima será dada oportunidade para representar, se se tratar de crime de ação penal pública condicionada. O prazo para a representação não mudou, tampouco o dies a quo, continuando a valer o que está escrito no art. 38 do CPP (com a exceção prevista na Lei de Imprensa). Atente-se que o prazo de 30 dias previsto no art. 91 (cujo início é o da data da juntada aos autos do mandado de notificação) é uma norma feita para resolver as questões atinentes aos processos em curso quando do surgimento da referida lei, e tão-somente.

Em se tratando de crime de ação penal de iniciativa privada e havendo pluralidade de autores (querelados) e de vítimas (querelantes), poderá haver uma exceção à regra da indivisibilidade (art. 48, CPP), pois o procedimento só terá continuidade (com o oferecimento da queixa) em relação aos que não aceitaram compor-se civilmente, ou seja, existirá ação penal de iniciativa privada em relação a apenas um ou alguns querelados, mesmo tendo havido um terceiro ofensor (que se compôs civilmente).

Temos, outrossim, uma exceção à regra da irretratabilidade da representação (art. 25, CPP) quando se lê o art. 79 da Lei 9.099/95, pois mesmo já tendo sido ofertadas a representação e a denúncia na audiência preliminar, o acordo feito posteriormente na audiência de instrução e julgamento impedirá o prosseguimento do feito, isto é, mesmo após o oferecimento da denúncia, a representação já não terá o condão de legitimar o Ministério Público a continuar acusando.

Não tendo tido êxito a composição civil dos danos, ou, ainda que o tenha, trate-se de ação penal pública incondicionada, será aberta ao Ministério Público oportunidade para a transação penal (art. 76), que é uma proposta de aplicação de pena alternativa à prisão (multa ou restrição de direitos). Este instituto tem sido acoimado por alguns de inconstitucional, entendimento com o qual não concordamos, basicamente, por três motivos:

a) A própria Constituição Federal prevê a transação penal no art. 98, I. Adverte Cezar Bitencourt, após afirmar que a Constituição Federal instituiu a transação penal para as infrações penais de menor potencial ofensivo, que a Lei nº. 9.099/95, ao prever a transação penal, "está apenas cumprindo mandamento constitucional." (ob. cit. p. 55).

b) Não há ofensa ao devido processo legal nem ao princípio da presunção de inocência, pois na transação penal não se discute a culpabilidade do autor do fato, ou seja, ele não se declara em nenhum momento culpado, não havendo, tampouco, efeitos penais ou civis, reincidência, registro ou antecedentes criminais.

c) Não existe nenhuma possibilidade de se aplicar ao autor do fato, por força da transação penal, pena privativa de liberdade, pois é absolutamente impossível à luz do nosso direito positivo converter-se a pena restritiva de direitos ou a multa transacionada e não cumprida em pena de privação da liberdade (não haveria parâmetro para a conversão no primeiro caso – art. 44, § 4º., CP; e, no segundo caso, porque o art. 182 da Lei de Execuções Penais foi expressamente revogado pela Lei nº. 9.268/96). Aprofundamos mais esta questão adiante quando tratamos da execução.

O acordo feito na esfera penal (se for prestação pecuniária paga à vítima ou a seus dependentes - art. 45, § 1º., CP), terá efeito na esfera cível para se evitar o enriquecimento ilícito, tal como já se prevê na lei do meio ambiente (art. 12), no Código Penal (art. 45, § 1º., in fine) e no Código de Trânsito Brasileiro (art. 297, § 3º.).

É perfeitamente possível, em que pese a literalidade do art. 76, a transação penal no caso de contravenção penal, pois seria um verdadeiro absurdo jurídico permitir-se a transação penal para um crime e não para uma contravenção, infração penal ontologicamente de menor potencial ofensivo.

Não admitimos a transação penal nos delitos de ação penal de iniciativa privada (dano e exercício arbitrário das próprias razões, por exemplo), pois os arts. 76 e 77, caput e seu § 3º., referem-se apenas ao Ministério Público (o que seria um fundamento mais frágil, reconhecemos), além do que (e então está o mais robusto), em nossa sistemática a vítima não tem interesse na aplicação de uma pena ao autor do fato e sim na reparação civil dos danos. Ademais, caso o ofendido não deseje oferecer queixa poderá não fazê-lo, deixando escoar o prazo decadencial ou renunciando àquele direito. Por este motivo, afastamos também a hipótese da vítima impugnar a decisão homologatória da transação penal, por lhe faltar interesse de agir, visto que a sentença homologatória não gera efeitos civis (art. 76, § 6º.).

Se a pena de multa for a única aplicável, poderá haver sua redução à metade (art. 76, § 1º.).

A transação penal está condicionada ao preenchimento de determinados requisitos objetivos, consubstanciados nos incisos I e II do § 2º. do art. 76, ressalvando-se, quanto ao primeiro inciso, o qüinqüídio referido no art. 64, I do Código Penal; não impede a proposta, outrossim, se a condenação anterior foi substituída por pena restritiva de direitos, multa ou pelo sursis.

Tendo em vista o princípio da presunção de inocência, o ônus de provar as causas impeditivas é do Ministério Público.

Ao lado daqueles requisitos objetivos, exige o inciso III requisitos subjetivos que deverão ser observados antes do oferecimento da proposta.

Atente-se para o fato de que a transação penal só deve ser proposta se não for o caso de arquivamento (faltaria justa causa para a proposta); é o que indica expressamente o caput do art. 76. Aliás, pensamos inclusive que sequer a composição civil dos danos deve ser levada a efeito se o caso, em tese, não for passível, a posteriori, de ser alvo de uma peça acusatória; se o Termo Circunstanciado, por exemplo, narrar um fato atípico ou já atingido pela prescrição o caso é de arquivamento, não devendo sequer ser marcada a audiência preliminar, pois seria submeter o autor do fato a um constrangimento não autorizado por lei. Se, in casu, a vítima desejar a reparação civil que promova no Juízo cível a respectiva ação civil ex delicto. Neste aspecto, discordamos de Bitencourt que entende ser dispensável o exame da justa causa para a composição civil dos danos, sob o argumento de que "os danos, com ou sem responsabilidade penal, com ou sem responsabilidade objetiva, podem ser compostos, seja na esfera privada, seja, hoje, na esfera criminal" (ob. cit., p. 54). Para nós, caso o Termo Circunstanciado não tenha possibilidade potencial de respaldar uma peça acusatória futura, o pedido de arquivamento impõe-se, pois a máquina judiciária (penal) na pode ser, neste caso, movimentada, ainda mais para se resolver uma questão cível. Se é verdade que, hoje, os danos podem ser reparados na esfera criminal, não é menos certo que esta hipótese só deve ocorrer se houver crime a perseguir. Caso contrário, o fato deve ser levado ao Juiz Cível.

A natureza jurídica da sentença que acerta a transação penal é homologatória, não sendo sentença condenatória nem absolutória [55].

Por outro lado, a transação penal não representa um direito público subjetivo do autor do fato, mas um ato transacional: o Ministério Público transige quando deixa de oferecer denúncia e o autor do fato quando cede à perspectiva de uma absolvição. Assim, afigura-se-nos equivocada a proposta de transação penal realizada de ofício pelo Juiz que, ao contrário, deve remeter o Termo Circunstanciado ao Procurador-Geral de Justiça se houver recusa injustificada do Ministério Público em fazer a proposta, utilizando-se analogicamente o art. 28 do CPP, preservando-se, assim, os postulados do sistema acusatório.

Este instituto representa em nosso sistema jurídico uma mitigação ao princípio da obrigatoriedade, tendo em vista que permite ao Ministério Público, frente a uma infração penal provada, abrir mão da peça acusatória transacionando com o autor do fato (discricionariedade regrada).

Se houver pluralidade de agentes, é evidente que poderá haver a transação com apenas um deles, restando a denúncia para os outros (neste caso ocorre, também, uma certa mitigação ao princípio da indivisibilidade da ação penal pública incondicionada).

O cumprimento da pena acordada não gera reincidência, tampouco será indicada em registros criminais ou gerará efeitos civis (§§ 4º. e 6º. do art. 76), sendo registrada apenas para impedir nova transação nos cinco anos subseqüentes.

Se houver dissenso entre o autor do fato e o seu defensor prevalecerá a vontade do agente, até por analogia ao disposto no art. 89, § 7º.

É possível à luz do arts. 43, I e 45, §§ 1º. e 2º. do Código Penal, modificados pela Lei n.º 9.714/98, a proposta de transação penal consistente na doação de cestas básicas.

Admissível, outrossim, que a proposta seja feita por Carta Precatória; neste caso, porém, a homologação será no Juízo deprecante, podendo a execução e a fiscalização do cumprimento da sanção realizar-se no Juízo deprecado, obedecendo-se aos princípios do Promotor e do Juiz Natural.

Da decisão homologatória caberá recurso de apelação no prazo de 10 dias; se não homologar, em decisão interlocutória, caberá Mandado de Segurança ou Habeas Corpus, não nos afigurando possível, nesta segunda hipótese, a utilização do recurso de apelação; não possui a vítima legitimidade para recorrer.

Descumprido o acordo entendemos pela impossibilidade de oferecimento de denúncia, pois a sentença homologatória faz coisa julgada material, restando ao Ministério Público a alternativa de executar a sentença homologatória, seja nos termos da Lei de Execução Penal (arts. 147 e 164), seja em conformidade com o Código de Processo Civil, já que se está diante de um título executivo judicial (art. 584, III, CPC). O STF, no entanto, já decidiu contrariamente, entendendo que o não cumprimento da transação penal autoriza o oferecimento de denúncia, senão vejamos:

HC 79572 / GO – GOIÁS

HABEAS CORPUS

Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO

Publicação: DJ DATA-22-02-02 PP-00034 EMENT VOL-02058-01 PP-00204

Julgamento: 29/02/2000 - Segunda Turma

Ementa

HABEAS CORPUS - LEGITIMIDADE - MINISTÉRIO PÚBLICO. A legitimidade para a impetração do habeas corpus é abrangente, estando habilitado qualquer cidadão. Legitimidade de integrante do Ministério Público, presentes o múnus do qual investido, a busca da prevalência da ordem jurídico-constitucional e, alfim, da verdade. TRANSAÇÃO - JUIZADOS ESPECIAIS - PENA RESTRITIVA DE DIREITOS - CONVERSÃO - PENA PRIVATIVA DO EXERCÍCIO DA LIBERDADE - DESCABIMENTO. A transformação automática da pena restritiva de direitos, decorrente de transação, em privativa do exercício da liberdade discrepa da garantia constitucional do devido processo legal. Impõe-se, uma vez descumprido o termo de transação, a declaração de insubsistência deste último, retornando-se ao estado anterior, dando-se oportunidade ao Ministério Público de vir a requerer a instauração de inquérito ou propor a ação penal, ofertando denúncia.

Tal decisão nos parece um absurdo jurídico, pois se desconstitui uma decisão homologatória de uma forma absolutamente estranha ao nosso ordenamento. A respeito da transação no processo, veja o que ensina Maria Helena Diniz:

"A natureza declaratória da transação, dando certeza a um direito precedentemente litigioso ou duvidoso, decorre de sua equiparação aos efeitos da coisa julgada (art. 1.030, CC).

(...)

"Se a decisão de homologação é válida e se a transação judicial é vinculante e irrevogável, só pode haver distrato da transação antes da homologação. (Vide: Pontes de Miranda, Tratado, cit. t. 25, p. 139).

"A sentença homologatória de transação válida é ato jurídico processual transparente; logo, não pode ficar à mercê de quaisquer ataques infundados por ter força de decisão irrevogável.

"Não há como desconstituir transação que não esteja eivada de vício de nulidade ou anulabilidade." (56)

Cezar Roberto Bitencourt, criticando duramente esta decisão, afirma que "títulos judiciais somente podem ser desconstituídos observadas as ações e os procedimentos próprios. A coisa julgada tem uma função político-institucional: assegurar a imutabilidade das decisões judiciais definitivas e garantir a não-eternização das contendas levadas ao Judiciário. (...) Afinal, desde quando um título judicial pode desconstituir-se pelo descumprimento da obrigação que incumbe a uma das partes? Não há nenhuma previsão legal excepcional autorizando esse efeito especial. (...) na verdade, títulos judiciais têm exatamente a função de permitir sua execução forçada, quando não forem cumpridos voluntariamente. E, conclui: "quando houver descumprimento de transação penal dever-se-á proceder à execução forçada, exatamente como se executam as obrigações de fazer." (ob. cit., pp. 17, 19 e 25).

Na esteira do entendimento do STF, assim decidiu o STJ:

"RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS Nº 11.398 – SP (2001/0056971-3) (DJU 12.11.01, SEÇÃO 1, P. 159, J. 02.10.01)

RELATOR : MINISTRO JOSÉ ARNALDO DA FONSECA

EMENTA: RHC. LEI 9.099/95. DESCUMPRIMENTO DE ACORDO FIRMADO EM TRANSAÇÃO PENAL. HOMOLOGAÇÃO CONDICIONADA AO EFETIVO PAGAMENTO DA MULTA AVENÇADA. INEXISTÊNCIA DE SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA. POSSIBILIDADE DE OFERECIMENTO DA DENÚNCIA ANTE A INEXISTÊNCIA DE TÍTULO JUDICIAL PARA EVENTUAL EXECUÇÃO.

É possível o oferecimento da denúncia por parte do órgão Ministerial, quando descumprido acordo de transação penal, cuja homologação estava condicionada ao efetivo pagamento do avençado. O simples acordo entre o Ministério Público e o réu não constitui sentença homologatória, sendo cabível ao Magistrado efetivar a homologação da transação somente quando cumpridas as determinações do acordo.

Recurso desprovido."

Não tendo sido o caso de transação penal, oportuniza-se ao acusador, oralmente, o oferecimento de denúncia ou de queixa (à semelhança do que ocorria na velha Lei de Tóxicos e atualmente no Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 182, § 1º.) se não houver necessidade de diligências imprescindíveis. Ressalva-se que a necessidade destas diligências não é causa de remessa imediata ao Juízo Comum.

A peça acusatória deve ser oferecida ainda na audiência preliminar, iniciando-se, então, o procedimento sumariíssimo. Se houver complexidade ou as circunstâncias do caso assim o indicarem, os autos serão remetidos ao "Juízo comum". Na peça acusatória poderão ser arroladas até cinco testemunhas (se se tratar de crime) ou até três se for o caso de contravenção penal (arts. 533 e 539, CPP).

Oferecida a denúncia ou a queixa serão as partes notificadas para a audiência de instrução e julgamento. No início desta segunda audiência é possível nova proposta de conciliação, seja a civil ou a penal, ainda que a primeira tenha ocorrido e tenha sido infrutuosa. Se a composição civil dos danos ocorrer nesta segunda fase, haverá claramente uma exceção ao princípio da irretratabilidade da representação (art. 25, CPP), como já se mostrou acima, e ao da indisponibilidade da ação penal (art. 42, CPP), pois mesmo depois de oferecida a denúncia o procedimento pára por força da composição civil (se se tratar de ação penal pública condicionada) ou da transação penal.

Não se permitirá, salvo motivo absolutamente justificado, o adiamento de ato processual, podendo haver a condução coercitiva da vítima (art. 201, parágrafo único do CPP) e da testemunha faltosa (art. 218, CPP).

No rito sumariíssimo, antes do recebimento da peça vestibular, abre-se para a defesa a possibilidade de oferecer por escrito alegações preliminares, podendo, inclusive, oferecer documentos (tal como hoje ocorre no art. 514, CPP; na Lei de Imprensa, arts. 43, § 1º., c/c 44, caput; na Lei n.º 8.038/90, art. 6º.; na nova lei de tóxicos, art. 38 e no Projeto de Lei nº. 4.201/01 de reforma do CPP, art. 395).

Esta resposta preliminar consiste na defesa prévia propriamente dita, bem como na argüição de exceções, podendo o denunciado argüir preliminares e invocar todas as razões de defesa, oferecer documentos e especificar as provas que pretende produzir. Como ensina José Frederico Marques, nesta hipótese "estabelece-se um contraditório prévio, para que o Juiz profira, com o despacho liminar, decisão semelhante ao judicium accusationis." [57] O denunciado poderá argüir em sua defesa qualquer matéria, seja de natureza estritamente processual (ausência de pressupostos processuais ou de condições da ação, por exemplo), como adentrar o próprio mérito da acusação.

Esta resposta é obrigatória e deverá ser necessariamente subscrita por um advogado, ainda que dativo.

Entendemos, inclusive, tratar-se de uma nulidade absoluta, ainda que não haja processo instaurado. Observa-se que em relação ao art. 514 do Código de Processo Penal (que contém disposição idêntica), a jurisprudência, apesar de vacilante, já decidiu, inclusive o Supremo Tribunal Federal:

"Art. 514 do CPP. Formalidade da resposta por escrito em crime afiançável. Nulidade alegada oportunamente e, como tal, irrecusável, causando a recusa prejuízo à parte e ferindo o princípio fundamental da ampla defesa." (RT 601/409).

"Art. 514 do CPP. Falta de notificação do acusado para responder, por escrito, em caso de crime afiançável, apresentada a denúncia. Relevância da falta, importando nulidade d processo, porque atinge o princípio fundamental da ampla defesa. Evidência do prejuízo." (RT 572/412).

O Superior Tribunal de Justiça da mesma forma:

"Recurso de habeas corpus. Crime de responsabilidade de funcionário público. Sua notificação para apresentar defesa preliminar (art. 514, CPP). Omissão. Causa de nulidade absoluta e insanável do processo. Ofensa à Constituição Federal (art. 5º., LV). (...) Nos presentes autos, conheceu-se do recurso e deu-se-lhe provimento, para se anular o processo criminal a que respondeu o paciente, pelo crime do art. 317 do CP, a partir do recebimento da denúncia (inclusive), a fim de que se cumpra o estabelecido no art. 514 do CPP." (RSTJ 34/64-5).

Não sendo apresentada a defesa preliminar pelo profissional contratado (e, possivelmente desidioso), urge que se nomeie um defensor dativo para o mister. Neste ponto, discordamos de Renato de Oliveira Furtado que entende, nesta hipótese, nada possa ser feito, pois "por força do ´foro de eleição´ do réu, que é uma das mais vigorosas colunas do instituto da ampla defesa, a nomeação de outro defensor que não o escolhido do réu feriria tal princípio." Pergunta-se: qual o prejuízo que poderia advir desta resposta elaborada pelo defensor nomeado. Por mais singelo que seja o trabalho, não representará prejuízo maior que a falta absoluta e material da defesa escrita. Preferimos, data venia, privilegiar a defesa em sua acepção mais ampla, até porque não teríamos como distinguir uma (estranha) opção defensiva de uma desídia profissional.

Convencendo-se da viabilidade da acusação (presentes os pressupostos processuais e as condições da ação) o Juiz receberá a peça acusatória, ouvindo-se, em seguida, a vítima, as testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, seguindo-se o interrogatório. Em seguida será proferida a sentença com dispensa do relatório. Observa-se que o Juiz, com extrema cautela, poderá limitar ou excluir meios de prova que considere excessivos, impertinentes ou protelatórios. Da audiência serão registrados apenas os fatos relevantes. Os erros materiais poderão ser corrigidos de ofício.

A Lei n. 9.099/95 prevê a utilização de dois recursos, devendo, no entanto, ser aplicado subsidiariamente o Código de Processo Penal, cujo julgamento poderá recair nas Turmas Recursais previstas na própria Constituição Federal (art. 98, I) e na lei ordinária:

a) Apelação para a sentença homologatória da transação penal, para a sentença final condenatória ou absolutória e para a decisão de rejeição da denúncia [58]; este recurso será interposto por escrito e no prazo de 10 dias (para interpor a petição e para arrazoá-la, ao contrário do art. 578, CPP), podendo ser transcrita a gravação da fita magnética que captou o ocorrido na audiência;

b) Embargos de declaração, que serão opostos contra a sentença (caso em que se suspende o prazo para interposição de outros recursos) e contra acórdão (interrompendo-se aquele prazo – art. 538 do CPC). Nestes embargos, substituiu-se "ambigüidade" por "dúvida", sendo o seu prazo de cinco dias, unificando-se o cabimento para sentenças e acórdãos; serão opostos oralmente e devem ser transcritos.

E se houver um conflito de competência entre um Juiz de Direito do Juizado Especial Criminal e um outro de uma Vara Criminal Comum, na mesma Comarca (autoridades judiciárias sujeitas ao mesmo Tribunal de Justiça), quem o dirime?

Evidentemente que não cabe à Turma Recursal resolver este conflito de competência, pois, como se sabe, trata-se de órgão jurisdicional a quem cabe, apenas e tão-somente, apreciar recursos, como se extrai da redação dada ao art. 98, I da Constituição Federal (segundo o qual caberá o julgamento dos recursos oriundos dos Juizados Especiais Criminais às "turmas de juízes de primeiro grau") e ao art. 82 da Lei nº. 9.099/95.

Ademais, embora Juízes jurisdicionalmente vinculados ao mesmo Tribunal [59], estão, do ponto de vista do duplo grau de jurisdição, sujeitos a diferentes órgãos de segundo grau, é dizer: um vincula-se à Turma Recursal e outro ao Tribunal de Justiça. Assim, não é possível à Turma Recursal, também por isso, decidir qual o Juízo prevalente, pois não lhe caberia, por exemplo, impor ao Magistrado da Vara Crime Comum a sua competência.

Por tais motivos, o órgão jurisdicional competente para dirimir um conflito negativo (ou positivo) entre um Magistrado do Juizado Especial Criminal e outro de uma Vara Crime é o Tribunal de Justiça.

É possível a impetração de Habeas Corpus e do Mandado de Segurança. Nestes casos, se a autoridade coatora for o Juiz Federal singular o julgamento não será pelas Turmas Recursais e sim do respectivo Tribunal; se o ato violador for imputado à Turma Recursal, o julgamento será pelo STF [60].

Com efeito, o julgamento do habeas corpus impetrado contra decisão de Juiz do Juizado Especial Federal Criminal não compete à Turma Recursal, tendo em vista o mesmo primeiro motivo acima indicado, ou seja, pelo fato da Turma Recursal, por força da Constituição Federal e da Lei nº. 9.099/95, julgar apenas recurso [61].

Ademais, atente-se para o disposto no art. 650, § 1º. do Código de Processo Penal, segundo o qual "a competência do juiz cessará sempre que a violência ou coação provier de autoridade judiciária de igual ou superior jurisdição." Ora, o Juiz apontado como coator está no exercício da judicatura de primeiro grau, tanto quanto os Juízes componentes da Turma Julgadora, o que os impede de deliberar a respeito de ato àquele atribuído, salvo, evidentemente, quando se tratar de competência recursal, o que não é o caso.

É de Tourinho Filho a seguinte lição:

"Não nos parece, à primeira vista, possa a Turma de Recursos, constituída de três Juízes de primeira instância, ter competência para julgar habeas corpus quando a autoridade coatora for Juiz do Sistema dos Juizados Especiais, na dicção do § 1º. do art. 650 do CPP, que, na hierarquia das leis, está em plano superior às leis estaduais, ainda que complementares. Não bastasse isso, a Lei nº. 9.099/95 não lhe conferiu poderes para conhecer de habeas corpus nem de mandado de segurança." (62)

Mirabete, entendendo desta mesma forma, aduz que se assim não o fosse poderia a "Turma recursal julgar que houve abuso de autoridade do Juiz, o que só pode ser definido pelo Tribunal de Justiça ou de Alçada, e não por decisão de juízes de primeiro grau, ainda que investidos na competência para apreciar recursos de seus pares." [63]

Roberto Podval já escreveu: "Tendo em vista o nosso ordenamento jurídico, a não ser que se modifique toda a legislação, não vemos como possível justificar a possibilidade das Turmas Recursais decidirem os habeas corpus." [64]

Esta foi, aliás, a décima segunda conclusão da Comissão Nacional da Escola Superior da Magistratura:

"Os tribunais estaduais têm a competência originária para os habeas corpus e mandados de segurança quando coator Juiz especial, bem como para a revisão criminal de decisões condenatórias do Juizado Especial Criminal."

No Estado da Bahia, a Lei Estadual nº. 7.033/97 que dispõe sobre o Sistema Estadual de Juizados Especiais Cíveis e Criminais expressamente prevê que "será do Tribunal de Justiça a competência para o habeas corpus e os Mandados de Segurança quando coator for o Juiz, bem como para a revisão criminal de decisões condenatórias do Juizado Especial Criminal." (art. 14).

Utilizável, outrossim, a Revisão (art. 624, II, CPP), sendo a competência para o julgamento do Tribunal de Justiça.

Admite-se a interposição do Recurso em Sentido Estrito, por aplicação subsidiária do CPP (art. 3º.), bem como o Recurso Extraordinário (cabível contra ato da Turma Recursal ou do Tribunal, contanto que seja em única ou última instância) e do Especial (cabível apenas contra atos de tribunais). Veja-se a Súmula 203 do STJ. Cabíveis serão também a Carta Testemunhável e a Correição Parcial (que não é recurso).

Salientamos não haver dúvidas quanto ao cabimento, em sede de Juizados Especiais, de outros recursos que não a apelação e os embargos de declaração.

A respeito da matéria, especialmente no que concerne ao recurso em sentido estrito, ouçamos a doutrina, iniciando-se por Tourinho Filho:

"Pode a Turma conhecer de outros recursos? Embora a lei se refira somente à apelação e aos embargos declaratórios, obviamente outros recursos se inserem na competência das Turmas. (...) Assim, e considerando que a Lei nº. 9.099/95 não veda o uso do recurso em sentido estrito, sua interposição não se torna com ela incompatível (art. 92). A nosso juízo, possível será a interposição, atuando como órgão de segundo grau a própria Turma de Recursos. (...) Evidente que a parte só poderá fazer uso da apelação nos casos previstos no art. 82 e no § 5º. do art. 76. Se for interposto outro recurso em lugar do apelo, não havendo má-fé ou erro grosseiro, aplica-se o princípio da fungibilidade, isto é, o Juiz recebe o recurso interposto como se apelação fosse." (65)

Vejamos como pensa Mirabete:

"A referência na Lei nº. 9.099/95 apenas à apelação e aos embargos declaratórios não exclui a possibilidade de interposição de outros recursos e dos pedidos de habeas corpus e de mandado de segurança, não só diante dos princípios da ampla defesa e da obrigatoriedade do duplo grau de jurisdição, este adotado implicitamente na Carta Magna ao atribuir aos tribunais a função básica de apreciar recursos, mas em decorrência do art. 92, que manda aplicar subsidiariamente à Lei nº. 9.099/95 as disposições do CPP no que não forem incompatíveis com o diploma legal. Assim, é evidente a possibilidade de serem interpostos os recursos previstos na legislação processual penal comum quando presentes a sucumbência e os pressupostos legais (previsão legal, forma prescrita em lei, tempestividade). (...) No que tange aos processos de competência do Juizado Especial Criminal, caberá recurso em sentido estrito, nos termos do art. 581 do CPP, das decisões que: (...) decretar a prescrição ou julgar, por outro modo, extinta a punibilidade." (66)

Ada, Scarance, Gomes Filho e Luiz Flávio, após referir-se expressamente à decisão que decreta a extinção da punibilidade no Juizado Especial Criminal, indicando, inclusive, o art. 581, VIII do CPP, pergunta se uma tal decisão seria irrecorrível por falta de previsão expressa na lei especial. E respondem:

"Não temos dúvidas em afirmar que nessas situações o referido recurso (em sentido estrito) continua a ser cabível e deve ser julgado pelas mesmas turmas recursais. Essa conclusão decorre do próprio sistema, pois o art. 98, I, da Constituição Federal permite o julgamento de recursos (sem limitação) pelas mencionadas turmas, ao passo que a própria Lei nº. 9.099/95 prevê a aplicação subsidiária do CPP, quando as respectivas disposições não forem incompatíveis." (67)

A jurisprudência não discrepa:

"Muito embora a Lei nº. 9.099/95 não preveja a interposição do recurso em sentido estrito contra decisões proferidas nos procedimentos que regula, referindo-se apenas ao recurso de apelação e aos embargos declaratórios, deve-se do presente conhecer. Com efeito, o art. 92 da mesma lei determina a aplicação subsidiária das disposições do CPP e CP em não havendo incompatibilidade com esses diplomas normativos." (TACrimSP, SER 1.036.133/9, 4ª. Câmara, Rel. Canellas de Godoy).

"A Lei nº. 9.099/95 não afastou o sistema recursal até então vigente no CPP. Com isso, nas hipóteses previstas no art. 581 do CPP, é cabível o recurso em sentido estrito." (4ª. TRSC, RJTRTJSC 5/179).

"A Lei nº. 9.099/95, ao estabelecer o recurso de apelação para as hipóteses que menciona no art. 82, não excluiu outros recursos previstos no CPP, nem pretendeu tornar irrecorríveis outras decisões que podem ser adotadas pelos Juizados Especiais Criminais. Tais recursos evidentemente devem ser apreciados pelas Turmas Recursais. O entendimento decorre do próprio sistema processual, uma vez que a Constituição (art. 98, I) permite, sem limitação, o julgamento de recursos pelas mencionadas Turmas, e a própria legislação citada prevê a aplicação subsidiária do CPP, se as respectivas disposições não forem incompatíveis." (JTAERGS 101/74).

Os recursos poderão ser julgados por Turmas Recursais formadas por três juízes do primeiro grau de jurisdição, sendo indispensável a presença de um representante do Ministério Público

É bem verdade que a lei não previu expressamente a presença de órgão do Ministério Público junto às Turmas Recursais competentes para julgar os recursos interpostos contra as decisões proferidas naquele Juízo, o que não impede que lei estadual o faça, mesmo porque o art. 93 daquela lei determina que o legislador estadual "disporá sobre o Sistema de Juizados Especiais Cíveis e Criminais, sua organização, composição e competência."

Note-se que esta omissão da legislação federal específica tem sido ressaltada por diversos juristas que se debruçaram sobre a matéria, todos entendendo ser indispensável o pronunciamento do Ministério Público antes das decisões proferidas pelas Turmas Recursais, como veremos a seguir (os grifos são nossos).

Ada Pellegrini Grinover, por exemplo, escreveu:

"Ainda que a lei comentada seja omissa nesse particular, é obrigatória a manifestação da Procuradoria-Geral de Justiça sobre a apelação (art. 610, caput, CPP). Nos Estados em que forem instaladas as turmas recursais será conveniente que junto às mesmas funcione um Procurador de Justiça, ou seja especialmente designado promotor em exercício no Juizado, com essa atribuição, evitando-se com isso maior demora na tramitação do recurso." (68)

Mirabete tem a mesma opinião:

"Não se refere a lei ao parecer do Ministério Público em segunda instância, argumentando-se que o princípio da celeridade prevalece, sendo ele dispensável. Entretanto, diante do art. 610 do CPP, subsidiário na espécie, o parecer é obrigatório, mas nada impede que a manifestação do parquet seja apresentada por Promotores de Justiça designados pelo Procurador-Geral. Também nada impede a sustentação oral por parte do Ministério Público ou da defesa." (69)

Com o mesmo entendimento, Marino Pazzaglini Filho (e outros) asseveram:

"Juntamente às Turmas Recursais, criadas por lei estadual, atuará órgão do Ministério Público, também de primeira instância, como custos legis." (70)

Diante da omissão da lei federal pergunta Maurício Antonio Ribeiro Lopes:

"Questão é saber se, ao optar pelos moldes estimulados pela Lei 9.099/95, a lei estadual pode deixar de contemplar a intervenção do Ministério Público como custos legis nos recursos do Juizado Especial. Penso que a legislação local, mesmo em nome da celeridade, da economia processual e da informalidade não pode dispensar a intervenção do Ministério Público na instância recursal, cabendo sempre ao seu representante a prerrogativa de se manifestar quanto ao apelo e ao recurso em sentido estrito." Complementa este mesmo autor que "poderá ser o Procurador de Justiça substituído por Promotor de Justiça de primeiro grau diverso do que tiver atuado no processo", finalizando no sentido de que "simplesmente impedir a atuação como fiscal da lei por medida de economia processual e celeridade é que não vejo ser possível." [71]

Por fim, vejamos o que nos diz Luiz Cláudio Silva:

"O órgão do Ministério Público deve funcionar em todos os recursos de apelação, inclusive nos interpostos na ação penal privada, o que exige, portanto, a designação de um promotor de Justiça para funcionar exclusivamente na Turma Recursal, manifestando-se nos recursos." (72)

Mas não é somente a doutrina que assim pensa, pois o Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Justiça, reunido em Brasília, nos dias 06 e 07 de março de 1996, em sua 11ª. Conclusão firmou entendimento no seguinte sentido:

"Em que pese a omissão da lei, deve o Ministério Público atuar perante a Turma Recursal (art. 82), por aplicação subsidiária do CPP. Por equalização funcional, deve um Promotor de Justiça atuar perante tal órgão recursal."

Vê-se, portanto, a indispensabilidade da presença de um representante do Ministério Público junto à Turma Recursal.

Como foi acima exposto esta necessidade extrai-se da aplicação subsidiária do art. 610 do Código de Processo Penal, permitida pela Lei n.º 9.099/95, no seu art. 92.

Ademais, não se olvide que a Constituição Federal (art. 127) erigiu o Ministério Público à condição de Instituição essencial à função jurisdicional do Estado, o que vem em reforço ao nosso entendimento.

É evidente que a informalidade, a economia processual e a celeridade (critérios orientadores dos Juizados Especiais) não podem ser justificativas para que não se colha o parecer ministerial em um processo criminal em grau de recurso.

Pensamos, então, que devem ser designados Promotores de Justiça para atuar junto às Turmas Recursais, ressalvando que o Promotor de Justiça a funcionar no recurso não pode ser o mesmo que atuou no julgamento da causa no juízo a quo (art. 258, c/c art. 252, III do Código de Processo Penal).

Assevere-se, outrossim, que o Juiz que participou do primeiro julgamento está impedido de compor a Turma Recursal por força do art. 252, III do Código de Processo Penal.

A execução nos Juizados Especiais Criminais está disciplinada nos arts. 84 a 86 da respectiva lei.

Neste tocante fazemos algumas observações quanto à pena acordada na transação penal:

a)A multa deve ser paga na Secretaria do Juizado (FUNPEN – Lei Complementar n.º 79/94 e Decreto n.º 1.093/94); se não for paga, não se transforma em dívida de valor, pois o art. 51 do Código Penal é regra geral que não se aplica às leis especiais por força do art. 12, CP, devendo, neste caso, ser executada no próprio Juizado Especial, utilizando-se a Lei de Execução Penal (art. 164); não pode, porém, ser convertida em privativa de liberdade, pois o art. 182 da Lei de Execução Penal foi expressamente revogado pela Lei n. 9.268/96, nem em restritiva de direitos por não haver em nosso ordenamento jurídico regra disciplinadora desta conversão, o que a torna impossível de ser concretizada.

b) A pena restritiva de direitos deve ser executada pelo Juízo das Execuções Penais (arts. 147 a 163, LEP), não podendo ser convertida em privativa de liberdade, por não haver parâmetro para a conversão, pois, como se sabe, converte-se a pena restritiva em privativa pelo tempo da pena aplicada na sentença condenatória, o que não ocorre neste caso da transação penal (art. 44, § 4º., CP e 181, LEP).

Quanto à pena aplicada na sentença condenatória temos:

a) A multa também deve ser paga no próprio Juizado Especial, utilizando-se a LEP (art. 164), não se transformando em dívida de valor pelos motivos já expostos; igualmente não pode ser convertida em privativa de liberdade, nem em restritiva de direitos, como já explicado; a multa paga não constará dos registros criminais;

b) A pena restritiva de direitos deve ser executada pelo Juízo das Execuções Penais (arts. 147 a 163, LEP), podendo ser convertida em privativa de liberdade (art. 45, CP e 181, LEP) se foi aplicada em substituição à pena privativa de liberdade cominada na sentença condenatória (art. 44, CP);

c) A pena privativa de liberdade também será executada no Juízo das Execuções Penais em conformidade com a LEP (arts. 105 a 146), podendo ser substituída por restritiva de direitos (art. 180, LEP) ou multa (art. 60, § 2º., CP); neste caso, esta pena alternativa pode ser convertida novamente em privativa de liberdade, se descumprida (art. 45, CP).

O art. 88 da lei em estudo passou a considerar como de ação penal pública condicionada à representação as lesões corporais leves e as culposas. Esta disposição se aplica a toda e qualquer "Justiça", seja a comum, seja a especial, inclusive nos feitos originários dos Tribunais, com exceção apenas da Justiça Militar, por força do art. 90-A, acrescentado pela Lei n. 9.839/99.

O prazo para o oferecimento da representação, bem como o dies a quo continua sendo o de seis meses (art. 38, CPP); o prazo de trinta dias estabelecido no art. 91 refere-se aos casos de processos pendentes na data da entrada em vigor da lei, tão-somente. É perfeitamente válida a representação feita perante a autoridade policial, pois assim o permite o art. 39 do CPP.

Observa-se, ademais, que esta representação não carece de maiores formalidades, sendo suficiente a manifestação inequívoca da vítima; neste sentido, as seguintes decisões do STJ:

STJ - RECURSO ESPECIAL Nº 188.878 – RONDÔNIA (98/0068821-8) (DJU 29.10.01, SEÇÃO 1, P. 275, J. 09.05.01)

RELATOR : MINISTRO FERNANDO GONÇALVES

RECTE : G.H.

ADVOGADO: JOSIMAR OLIVEIRA MUNIZ

RECDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE RONDÔNIA

EMENTA

PENAL. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. REPRESENTAÇÃO DO OFENDIDO. SUPRIMENTO PELA NOMEAÇÃO DE ASSISTENTE DA ACUSAÇÃO PELO OFENDIDO.

1. No cálculo da pena mínima para fins de suspensão do processo (art. 89; da Lei nº 9.099/95) leva-se em conta a causa de aumento decorrente do concurso formal. Precedentes.

2. A representação exigida pela Lei nº 9.099/95 não tem forma sacramental. É suficiente que o ofendido demonstre o animus e movimentar a ação penal, como, por exemplo, nomear assistente a acusação para participar de todos os atos do processo.

3. Recurso não conhecido

"STJ – HABEAS CORPUS Nº 20.401 – RJ (2002/0004648-6) (DJU 05.08.02, SEÇÃO 1, P. 414, J. 17.06.02)

RELATOR: MINISTRO FERNANDO GONÇALVES
IMPETRANTE: THAÍS CAMPOS VIEITAS ALVES – DEFENSOR PÚBLICO E OUTRO
IMPETRADO: SEÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
PACIENTE: O.F. (PRESO)

EMENTA: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PERDA DO OBJETO. CRIME CONTRA OS COSTUMES. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. REPRESENTAÇÃO. FORMA SACRAMENTAL. INEXIGIBILIDADE. Resta prejudicado o habeas corpus, por falta de objeto, quando o motivo do constrangimento não mais existe. Nos crimes de ação pública, condicionada à representação, esta independe de forma sacramental, bastando que fique demonstrada, como na espécie, a inequívoca intenção da vítima e/ou seu representante legal, nesta extensão, em processar o ofensor. Decadência afastada.
3 - Ordem conhecida em parte e, nesta extensão, denegada."

Aliás, este é o entendimento pacífico do Supremo Tribunal Federal (neste sentido conferir RT 731/522; JSTF 233/390; RT 680/429, etc).

Se houver desclassificação de lesão grave ou gravíssima para leve, a vítima deve ser notificada para representar, sob pena do feito não ter prosseguimento por faltar já agora uma condição de prosseguibilidade (ou de procedibilidade superveniente), salvo se já houver nos autos prova inequívoca de que o ofendido demonstrou interesse em dar início à persecutio criminis. Se assim não o for, e o prazo tiver se escoado, não há outra solução que não o reconhecimento da extinção da punibilidade pela decadência. Se a desclassificação ocorreu por força de decisão dos jurados, o Juiz-Presidente deve reconhecer, em decisão interlocutória, a desclassificação, remetendo os autos para os Juizados Especiais Criminais, sem prejuízo da apelação cabível (art. 593, III do CPP).

No art. 89 prevê-se a quarta medida despenalizadora: a suspensão condicional do processo para os crimes apenados com pena mínima igual ou inferior a um ano, cuja natureza jurídica não é de direito subjetivo público do acusado, mas a de ato transacional (ambas as partes cedem para se chegar a um acordo). Neste sentido, já decidiu o Supremo Tribunal Federal:

"HABEAS CORPUS Nº. 75343 / MINAS GERAIS
Relator: Ministro OCTAVIO GALLOTTI – Relator do acórdão: Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE - Julgamento: 12/11/1997- Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação:Diário da Justiça 18-06-01. P. 003.
EMENTA: Suspensão condicional do processo (Lei nº. 9.099/95, art. 89): natureza consensual: recusa do Promotor: aplicação, mutatis mutandis, do art. 28 do Código de Processo Penal. A natureza consensual da suspensão condicional do processo - ainda quando se dispense que a proposta surja espontaneamente do Ministério Público - não prescinde do seu assentimento, embora não deva este sujeitar-se ao critério individual do órgão da instituição em cada caso. Por isso, a fórmula capaz de compatibilizar, na suspensão condicional do processo, o papel insubstituível do Ministério Público, a independência funcional dos seus membros e a unidade da instituição é aquela que - uma vez reunidos os requisitos objetivos da admissibilidade do sursis processual (art. 89 caput) ad instar do art. 28 do Código de Processo Penal - impõe ao Juiz submeter à Procuradoria-Geral a recusa de assentimento do Promotor à sua pactuação, que há de ser motivada."

Esta medida representa induvidosamente uma exceção ao princípio da indisponibilidade da ação penal (art. 42, CPP), pois o Ministério Público ao invés de (após o oferecimento da denúncia) ser obrigado a continuar no feito (salvo ocorrência de alguma nulidade absoluta que macule todo o processo ou o seu trancamento por força de Habeas Corpus), pode abrir mão da continuidade do processo propondo ao acusado uma suspensão do iter processual.

A suspensão não sofre mácula de inconstitucionalidade, não ferindo o princípio da presunção de inocência, mesmo porque o réu não é considerado culpado, nem cumpre uma sanção de natureza penal.

Em que pese a literalidade do caput do art. 89, o certo é que em relação às contravenções penais também é cabível a medida despenalizadora, pois seria um absurdo admiti-la em relação aos crimes e não para as contravenções.

Para a viabilidade da proposta, deverão estar presentes determinados requisitos objetivos e subjetivos. Quanto ao primeiro dos requisitos objetivos, observa-se que se o acusado estiver sendo processado por uma contravenção (e não por crime) é possível, em tese, a proposta. Ademais, ainda neste aspecto, deve-se observar, por analogia, o art. 64, I do Código Penal (neste sentido, conferir TACrim/SP, Ap. nº. 1.332.339/8, 16ª. C. Crim., Rel. Juiz Mesquita de Paula, j. 07/01/03).

Aplica-se a suspensão a todas as "Justiças", inclusive no próprio Juizado Especial Criminal, contanto que se trate de crime com pena mínima não superior a um ano e presentes estejam os demais requisitos.

Quanto ao requisito objetivo da sanção penal, atente-se que devem ser levadas em conta as causas de aumento (no mínimo) e de diminuição da pena (no máximo), inclusive a tentativa e o arrependimento posterior, excluídas as agravantes e atenuantes; no caso de concurso de crimes, crime continuado e concurso formal, entendemos que não deve haver a soma das penas, nem os aumentos respectivos, adotando-se o critério bifásico - individual/global [73], utilizando-se analogicamente o art. 119 do CP e a Súmula 497 do STF. O certo (?), porém, é que o STJ estabeleceu exatamente o contrário com a edição da Súmula 243: "O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de (01) ano".

Este requisito objetivo (pena mínima de um ano) não foi alterado pela nova lei dos Juizados Especiais Federais. O Superior Tribunal de Justiça até havia decidido contrariamente, mas, a tempo, em sede de embargos declaratórios, voltou atrás, senão vejamos:

Eis a primeira decisão, que causou surpresa em todos nós:

"RHC 12033 / MS ; RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS

2001/0129618-4

Fonte

DJ DATA:09/09/2002 PG:00234

RJTAMG VOL.:00087 PG:00379

Relator

Min. FELIX FISCHER (1109)

Ementa

PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO DE HABEAS CORPUS. LEI Nº

9.099/95. LIMITE DE 01 (UM) ANO. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO.

MAJORANTE (CRIME CONTINUADO). LEI Nº 10.259/01. LIMITE DE 02 (DOIS)

ANOS. SÚMULA 243/STJ. I – Para verificação dos requisitos da suspensão condicional do processo (art. 89), a majorante do crime continuado deve ser computada. II – "O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (01) ano." Súmula 243/STJ. III – A Lei nº 10.259/01, ao definir as infrações penais de menor potencial ofensivo, estabeleceu o limite de dois (2) anos para a pena mínima cominada. Daí que o artigo 61 da Lei nº 9.099/95 foi derrogado, sendo o limite de um (01) ano alterado para dois (dois) anos, o que não escapa do espírito da Súmula 243 desta Corte. Recurso provido para afastar o limite de um (01) ano, e estabelecer

o de dois (02) anos, para a concessão do benefício da suspensão

condicional do processo.

Data da Decisão

13/08/2002

Orgão Julgador

T5 - QUINTA TURMA"

Veja-se agora a correção proferida nos embargos declaratórios:

"EDRHC 12033 / MS ; EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EM HABEAS CORPUS

2001/0129618-4

Fonte

DJ DATA:10/03/2003 PG:00243

Relator

Min. FELIX FISCHER (1109)

Ementa

PENAL. PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ORDINÁRIO. INFRAÇÃO DE MENOR POTENCIAL LESIVO. SURSIS. PROCESSUAL PENAL. LEI Nº. 10.259/01 E LEI Nº 9.099/95. EFEITOS INFRINGENTES. A Lei nº 10.259/01, em seu art. 2º, parágrafo único, alterando a concepção de infração de menor potencial ofensivo, alcança o disposto no art. 61 da Lei nº 9.099/95. II - Entretanto, tal alteração não afetou o patamar para o sursis processual (Aplicação da Súmula nº 243-STJ). Contradição reconhecida com efeito infringente. Embargos acolhidos, ensejando o desprovimento do recurso ordinário.

Data da Decisão

03/12/2002

Orgão Julgador

T5 - QUINTA TURMA"

Em caso de co-autoria deverá haver a separação de processos (art. 80, CPP) se em relação a apenas um dos denunciados couber a suspensão.

Não nos parece possível a suspensão condicional do processo quando se tratar de ação penal de iniciativa privada, pois para estes casos já é possível dispor da ação penal com o perdão e a perempção, além de que o caput do art. 89 se refere apenas ao Ministério Público.

Se houver a desclassificação para um crime que admita a suspensão (furto qualificado para furto simples, por exemplo) deverá, antes da sentença final, ser dado vista ao Ministério Público para a análise da proposta. Se a desclassificação vier no veredicto, deve o Juiz-Presidente, antes de julgar, ouvir a respeito o Promotor de Justiça; se este fizer a proposta, ouve-se o réu e o seu defensor, homologando-se ou não o acordo; se não o fizer, determina-se a remessa do feito ao Procurador-Geral de Justiça, em uma decisão interlocutória, sem prejuízo do recurso de apelo (art. 593, III do CPP).

A suspensão poderá ser feita via Carta Precatória; nesta hipótese, a proposta será do Promotor de Justiça atuante junto ao Juízo deprecante, que também deverá homologar o acordo, restando para o Juízo deprecado apenas a fiscalização das condições impostas.

O recebimento da denúncia é pressuposto da suspensão, que se concretiza em uma decisão interlocutória simples.

Se houver a homologação da proposta entendemos ser incabível a Apelação e o Recurso em Sentido Estrito, podendo ser o caso de impetração de Mandado de Segurança ou Correição Parcial; se não homologar, caberá Habeas Corpus.

A medida poderá ser revogada obrigatória ou facultativamente (art. 89, §§ 3º. e 4º.); se após a concessão vier a se descobrir que ela era incabível, será o caso de cassação e não de revogação.

Durante a suspensão, também estará suspenso o curso do prazo prescricional.

A suspensão deverá ser proposta (se cabível), ainda que se trate de crime doloso contra a vida (arts. 124 e 126), não ferindo o princípio constitucional da competência do Júri; lembremos que é possível a absolvição sumária e a impronúncia, sem que se fale em mácula alguma.

O membro do Ministério Público deve fundamentar a estipulação do prazo do período de prova.

Se houver divergência entre o acusado e o seu defensor, prevalece a vontade daquele (art. 89, § 7º.).

Suscitou-se à época da vigência da Lei n. 9.099/95 matéria controvertida, qual seja se determinadas normas presentes na referida lei retroagiriam ou, ao contrário, só alcançariam processos cuja instrução não estivesse sido iniciada. A controvérsia ocorreu em razão do disposto no art. 90 da lei que, expressamente, reza:

"Art. 90 - As disposições desta Lei não se aplicam aos processos penais cuja instrução já estiver iniciada."

Lendo-se este dispositivo, extrai-se a princípio que a Lei nº. 9.099/95 deveria ser aplicada, tão-somente, aos processos cuja fase instrutória não tivesse começado; esta não é, porém, a sua exegese mais acertada como procuraremos mostrar a seguir.

Como se sabe há dois princípios basilares que regem o direito intertemporal das leis em matéria criminal: o primeiro segundo o qual a lei penal não retroage salvo para beneficiar o réu (art. 2°., parágrafo único do Código Penal e art. 5°., XL da Constituição Federal).

Se é certo que a regra é a da irretroatividade da lei penal, e isto ocorre por uma questão de segurança jurídico-social, não há de se olvidar a exceção de que se a lei penal for de qualquer modo mais benéfica para o seu destinatário, forçosamente deverá ser aplicada aos casos pretéritos, retroagindo.

Este princípio se insere no Título dos Direitos e Garantias Fundamentais da nossa Carta Magna e tem aplicação imediata (§ 1°. do mesmo art. 5°.), além do que, como garantia e direito fundamentais, tem força vinculante, "no sólo a los poderes públicos, sino también a todos los ciudadanos", como afirma Perez Luño [74], tendo também uma conotação imperativa, "porque dotada de caráter jurídico-positivo". [75]

O segundo princípio é o da aplicação imediata da lei processual penal, preconizado pelo art. 2°. do Código de Processo Penal e que proclama a regra da aplicação imediata (tempus regit actum).

Desta forma, à vista desses dois princípios jurídicos, haveremos de analisar o disposto no referido art. 90 da Lei n. 9.099/95.

Como é sabido a lex nova trouxe no seu bojo quatro medidas despenalizadoras, assim denominadas porque procuraram, através de alternativas penais, evitar a pena de prisão em vários casos [76]; são elas: a composição civil (art. 74, parágrafo único); a transação penal (art. 76); a necessidade de representação do ofendido nas lesões corporais culposas e leves (art. 88) e a suspensão condicional do processo (art. 89).

Toda a dúvida residia em se admitir que estas quatro disposições deveriam atingir todo e qualquer processo penal (independentemente da fase em que se encontrasse) ou, à vista do multicitado art. 90, deveriam recair apenas nos processos cujas instruções não tivessem ainda se iniciado.

Para que se manifeste um entendimento correto, urge que procuremos definir a natureza jurídica das referidas normas, ditas despenalizadoras: seriam elas de natureza processual, penal ou híbrida (penal e processual)? Se se admitir a natureza puramente processual, não há que se falar em retroatividade; porém, se aceitarmos que são normas penais (ou híbridas), a retroatividade se impõe, pois, indiscutivelmente, sendo disposições penais mais benéficas devem excepcionar o princípio da irretroatividade da lei penal.

Esta matéria relativa a normas híbridas ou mistas, apesar de combatida por alguns, se mostra, a nosso ver, de fácil compreensão.

Com efeito, o jurista lusitano e Professor da Faculdade de Direito do Porto, Taipa de Carvalho, após afirmar que "está em crescendo uma corrente que acolhe uma criteriosa perspectiva material - que distingue, dentro do direito processual penal, as normas processuais penais materiais das normas processuais formais", adverte que dentro de uma visão de "hermenêutica teleológico-material determine-se que à sucessão de leis processuais penais materiais sejam aplicados o princípio da irretroactividade da lei desfavorável e o da retroactividade da lei favorável." [77]

Taipa de Carvalho explica que tais normas de natureza mista (designação também usada por ele), "embora processuais, elas são-no também plenamente materiais ou substantivas." [78]

Informa, ainda, o mestre português que o alemão Klaus Tiedemann "destaca a exigência metodológica e a importância prática da distinção das normas processuais em normas processuais meramente formais ou técnicas e normas processuais substancialmente materiais", o mesmo ocorrendo com o francês Georges Levasseur. [79]

Feitas tais considerações, lembra-se que por lei penal mais benéfica não se deve entender apenas aquela que comine pena menor, pois "en principio, la retroactividad es de la ley penal e debe extenderse a toda disposición penal que desincrimine, que convierta un delito en contravención, que introduzca una nueva causa de justificación, una nueva causa de inculpabilidad o una causa que impida la operatividad de la punibilidad, es dicer, al todo el contenido que hace recaer sobre la conduta, sendo necessário que se tenha em conta uma série de outras circunstâncias, o que implica em admitir que "la individualización de la ley penal más benigna deba hacerse en cada caso concreto, tal como ensina Eugenio Raul Zaffaroni. (grifo nosso) [80].

Assim, comecemos por analisar a primeira dessas medidas: a composição civil dos danos.

Com efeito, tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou pública condicionada à representação (e sendo infração penal de menor potencial ofensivo [81]), a homologação do acordo civil acarreta a extinção da punibilidade, tendo, portanto, natureza preponderantemente penal (além do aspecto civil) e, como tal, obedece ao princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, posto que, sendo disposição despenalizadora é menos severa para o acusado, devendo obrigatoriamente atingir todo e qualquer processo penal, ainda que em grau de recurso.

Desta forma, tendo havido o acerto civil entre o autor do fato e o ofendido (e sendo o caso de ação penal de iniciativa privada ou pública condicionada) extinta estará a punibilidade, por força do art. 74, parágrafo único, c/c o art. 107 do Código Penal. Assim, estando a composição civil intrinsecamente vinculada ao direito estatal de punir, ela se insere no âmbito das normas penais (sem se afastar do seu caráter civil).

Advirta-se que normas penais não são apenas as incriminadoras, aquelas que definem fatos puníveis e cominam sanções (normas penais em sentido estrito), mas "também aquelas que completam o sistema penal com os seus princípios gerais e dispõem sobre a aplicação e os limites das normas incriminadoras", como bem esclarece Aníbal Bruno. [82]

Aliás, as disposições quanto à extinção da punibilidade se encontram, via de regra, na Parte Geral do Código Penal, tal como se vê, a título de ilustração, nos diplomas brasileiro, espanhol (art. 130), cubano (art. 59), italiano (art. 150 e segs.), português (118 e segs.), etc.

A segunda medida despenalizadora foi a transação penal, prevista no art. 76 e que permite ao Ministério Público propor a aplicação imediata de pena restritiva de direito ou multa.

A transação penal possui uma face dúplice, ou seja, há uma aparência de direito material (penal) e um caráter também adjetivo (processual): é de direito processual porque diz respeito indiscutivelmente a uma fase preliminar do procedimento, mas também o é de direito material, considerando-se que a aceitação da proposta penal por parte do autor do fato, acarreta o afastamento irrestrito da pretensão punitiva estatal original.

Por sua vez, a exigência da representação para os casos de lesões corporais leves e culposas tem um aspecto também híbrido, visto que, o não oferecimento da representação ocasionará a renúncia ou a decadência deste direito, com a conseqüente extinção da punibilidade, fato este abrangido, como visto, pelo direito material; é também instituto processual, pois representa uma condição de procedibilidade e de prosseguibilidade da ação penal (ou condição superveniente da ação penal, como prefere Chiovenda), exigindo que também retroaja, posto que, benéfica a sua resultante.

Por fim, a suspensão condicional do processo (art. 89), norma pela qual, após o oferecimento da denúncia, pode o Ministério Público (poder-dever, ressalte-se), atendidos os requisitos objetivos e subjetivos previstos no artigo, propor ao Juiz a suspensão condicional do processo por dois a quatro anos. Ora, referindo-se diretamente a um incidente do processo penal, é inafastável que o dispositivo tem um caráter processual, pois, aceita a proposta do parquet, o réu não continuará se submetendo aos percalços da persecutio criminis, nem às chamadas cerimônias degradantes (status-degradation ceremony), no conceito de Garfinkel, ficando o processo penal paralisado pelo tempo determinado pelo Juiz.

Nada obstante, também induvidoso que este instituto tem natureza penal; tal assertiva se mostra clara ao lermos no § 5°. do art. 89 que se extinguirá a punibilidade quando expirado o prazo da suspensão sem revogação: a extinção da punibilidade alcança o direito de punir do Estado, sendo, portanto, eminentemente de direito penal.

Destarte, a regra da suspensão condicional do processo deveria retroagir e atingir todo processo em curso, ainda que estivesse na superior instância.

Veja-se a lição de Carlos Maximiliano:

"Quanto aos institutos jurídicos de caráter misto, observam-se as regras atinentes ao critério indicado em espécie determinada. Sirva de exemplo a querela: direito de queixa é substantivo; processo da queixa é adjetivo; segundo uma e outra hipótese orienta-se a aplicação do Direito Intertemporal.

"O preceito sobre observância imediata refere-se a normas processuais no sentido próprio; não abrange casos de diplomas que, embora tenham feição formal, apresentam, entretanto, prevalentes os caracteres do Direito Penal Substantivo; nesta hipótese, predominam os postulados do Direito Transitório Material." (83)

Diante do exposto, chega-se a uma dessas duas conclusões:

a) Ou o art. 90 é inconstitucional, pois as quatro normas acima citadas retroagem por força do disposto no art, 5°., XL e seu § 1°. da Constituição Federal, por serem dispositivos de natureza penal e mais benéficos, não podendo uma lei infra-constitucional mitigar um princípio Maior;

b) Ou este artigo diz respeito, apenas e tão-somente, às disposições de caráter exclusivamente processual, posição que preferimos, utilizando-se a interpretação conforme a Constituição.

Comentando a respeito das normas de caráter misto, assim já se pronunciou Rogério Lauria Tucci:

"Daí porque deverão ser aplicadas, a propósito, consoante várias vezes também frisamos, e em face da conotação prevalecente de direito penal material das respectivas normas, as disposições legais mais favoráveis ao réu, ressalvando-se sempre, como em todos os sucessos ventilados, a possibilidade de temperança pelas regras de direito transitório, - estas excepcionais por natureza." (84)

Ressalva-se, apenas, a coisa julgada como limite lógico e natural de tudo quanto foi dito, pois todas as medidas citadas exigem que haja processo em curso ou na iminência de ser iniciado. Se já houve o trânsito em julgado, não pode se cogitar de retroatividade para o seu desfazimento, pois neste caso já há um processo findo, além do que, contendo a norma caráter também processual, só poderia atingir processo não encerrado, ao contrário do que ocorreria se se tratasse de lei puramente penal (lex nova que, por exemplo, diminuísse a pena ou deixasse de considerar determinado fato como criminoso), hipóteses em que seria atingido, inclusive, o trânsito em julgado, por força do art. 2º., parágrafo único do Código Penal.

Enfrentando esta questão, o Supremo Tribunal Federal decidiu (grifo nosso):

"ADI 1719 MC/DF - MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

Relator: Ministro MOREIRA ALVES

Julgamento: 03/12/1997

ÓrgãoJulgador: Tribunal Pleno

Publicação: DJ DATA-27-02-98 PP-00001 EMENT VOL-01900-01 PP-00001

EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. Argüição de inconstitucionalidade do artigo 90 da Lei 9.099, de 26.09.95, em face do princípio constitucional da retroatividade da lei penal mais benigna (art. 5º, XL, da Carta Magna). Pedido de liminar. - Ocorrência dos requisitos da relevância da fundamentação jurídica do pedido e da conveniência da suspensão parcial da norma impugnada. Pedido de liminar que se defere, em parte, para, dando ao artigo 90 da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, interpretação conforme à Constituição suspender "ex tunc", sua eficácia com relação ao sentido de ser ele aplicável às normas de conteúdo penal mais favorável contidas nessa Lei."

Sobre o autor
Rômulo de Andrade Moreira

Procurador-Geral de Justiça Adjunto para Assuntos Jurídicos do Ministério Público do Estado da Bahia. Foi Assessor Especial da Procuradoria Geral de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais. Ex- Procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador - UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador - UNIFACS (Curso então coordenado pelo Jurista J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais, do Instituto Brasileiro de Direito Processual e Membro fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (atualmente exercendo a função de Secretário). Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Integrante, por quatro vezes, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação dos Cursos JusPodivm (BA), Praetorium (MG) e IELF (SP). Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados no Brasil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOREIRA, Rômulo Andrade. Juizados Especiais Criminais:: considerações gerais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 285, 18 abr. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5078. Acesso em: 25 nov. 2024.

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