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A punibilidade dos psicopatas no ordenamento jurídico brasileiro

A psicopatia é um distúrbio que afeta a área do cérebro responsável pelas emoções, levando a pessoa à ausência de sentimentos, sendo que o sistema penal mostra-se inadequado frente a essas pessoas.

INTRODUÇÃO:

Os psicopatas, também chamados de portadores de distúrbio de personalidade anti-social ou sociopatas, são pessoas que devido a anomalias no sistema límbico (a área do cérebro responsável por processar as emoções), não possuem a maioria dos atributos necessários ao convívio social, como empatia, afetividade e consciência. Entretanto o lado cognitivo funciona normalmente, sendo que inclusive muitos possuem uma inteligência acima da média.  Assim na verdade o que ocorre é que o cérebro do psicopata funciona de uma forma diferente das demais pessoas, pois trabalha apenas com a razão sem qualquer emotividade. Essas pessoas são incapazes de ver o outro como um ser humano, para eles os outros são como objetos, que podem ser usados para alcançar seus próprios objetivos. Devido a essas suas características tendem a levar uma vida repleta de delitos, desde furtos e pequenos golpes, inclusive aos mais brutais assassinatos, constituindo um problema a ser considerado pelos legisladores e operadores do direito. Este Trabalho visa compreender o conceito de psicopatia e analisar o atual tratamento dispensado a estes indivíduos a luz do ordenamento jurídico brasileiro, para então buscar possíveis tratamentos mais adequados, a fim de reduzir a criminalidade e dar a devida resposta penal para seus crimes.

I – Do Conceito de Psicopata

Embora as causas que levam alguém a ser psicopata ainda não sejam completamente compreendidas pela medicina, estudos recentes demonstram que essas pessoas possuem um funcionamento defeituoso do sistema límbico (área do cérebro responsável pelo processo das emoções) e conseqüentemente apresentam um comportamento egoísta, frio e dissimulado, conforme melhor explica Cláudia Silva (2012):

Estes indivíduos são caracterizados por sua capacidade de manipulação, ausência de culpa, medo, sofrimento e ansiedade, são exímios mentirosos, desinibidos, planejam seus atos metodicamente, se amoldam ao comportamento da sociedade conforme sua necessidade, têm encantamento exterior, normalmente sua inteligência é  acima da média, é incapaz de sentir amor ou de se relacionar afetivamente, salvo se houver conveniência, e utilizam-se de todas essas ferramentas como “instrumentos de trabalho”.

Nas palavras de Trindade, Beheregaray e Cuneo (2009, p. 97):

O psicopata oculta graves carências emocionais atrás de uma aparência de normalidade. Apresenta baixo nível de ansiedade, falta de remorso ou vergonha, narcisismo e incapacidade para amar, ausência de reações afetivas básicas, e comportamento irresponsável.

Conforme a descrição feita pela Organização Mundial de Saúde CID 10, a psicopatia, descrita como Transtorno de Personalidade Dissocial (Código: F60.2), consiste em:

Transtorno de personalidade caracterizado por um desprezo das obrigações sociais, falta de empatia para com os outros. Há um desvio considerável entre o comportamento e as normas sociais estabelecidas. O comportamento não é facilmente modificado pelas experiências adversas, inclusive pelas punições. Existe uma baixa tolerância à frustração e um baixo limiar de descarga da agressividade, inclusive da violência. Existe uma tendência a culpar os outros ou a fornecer racionalizações plausíveis para explicar um comportamento que leva o sujeito a entrar em conflito com a sociedade. (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE, 1997, p.352)

Entretanto, ao contrário do que o termo sugere a psicopatia na verdade não se trata de uma doença, conforme explica Ana Beatriz Silva (2008, p.32):

É importante ressaltar que o termo psicopata pode dar a falsa impressão de que se trata de indivíduos loucos ou doentes mentais. A palavra psicopata literalmente significa doença da mente (do grego, psyche = mente; e pathos = doença). No entanto, em termos médico-psiquiátricos, a psicopatia não se encaixa na visão tradicional das doenças mentais. Esses indivíduos não são considerados loucos, nem apresentam qualquer tipo de desorientação. Também não sofrem de delírios ou alucinações (como a esquizofrenia) e tampouco apresentam intenso sofrimento mental (como a depressão ou o pânico, por exemplo).

Ao contrário disso, seus atos criminosos não provêm de mentes adoecidas, mas sim de um raciocínio frio e calculista combinado com uma total incapacidade de tratar as outras pessoas como seres humanos pensantes e com sentimentos.

Na verdade, a psicopatia é antes um transtorno de personalidade, pois, embora tenha origem em alterações neurológicas, o aspecto cognitivo permanece normal e saudável. O psicopata sabe perfeitamente o que faz e que isso é contrario a lei, mas tem seus próprios interesses como prioridade que se sobrepõem as normas jurídicas e sociais.

É importante ressaltar que, embora o termo o psicopata seja normalmente entendido pelos leigos como sinônimo de serial killer, estes representam a minoria dos psicopatas, visto que existe uma graduação de psicopatia, conforme explica Ana Beatriz Silva (2008, p. 13):

Os psicopatas possuem níveis variados de gravidade: leve, moderado e severo. Os primeiros se dedicam a trapacear, aplicar golpes e pequenos roubos, mas provavelmente não "sujarão as mãos de sangue" ou matarão suas vítimas. Já os últimos, botam verdadeiramente a "mão na massa", com métodos cruéis sofisticados, e sentem um enorme prazer com seus atos brutais.

Além de representarem a minoria, nem todos psicopatas assassinos têm a morte da vítima como a real motivação do seu ato (porque seu sofrimento lhe proporciona prazer); há os que matam por ver a vítima como um objeto que pode ser eliminado se isso lhe convém, como, por exemplo, uma testemunha que põe em risco sua impunidade. Isso ocorre porque se algo atrapalha seus planos não há qualquer freio moral ou emocional que os impeça de fazer mal a alguém ou tirar-lhe a vida.

Entretanto, conforme salienta Ana Beatriz Silva (2008, p 125) mesmo que nem todos venham a tornarem-se assassinos seriais, o assunto não deve ser negligenciado pelo direito, devido à relevância de suas conseqüências:

É importante ter em mente que todos os psicopatas são perigosos, uma vez que eles apresentam graus diversos de insensibilidade e desprezo pela vida humana. Porém, existe uma fração minoritária de psicopatas que mostra uma insensibilidade tamanha que suas condutas criminosas podem atingir perversidades inimagináveis. Por esse motivo eu costumo denominá-los de psicopatas severos ou perigosos demais. Eles são os criminosos que mais desafiam a nossa capacidade de entendimento, aceitação e adoção de ações preventivas contra as suas transgressões. Seus crimes não apresentam motivações aparentes e nem guardam relação direta com situações pessoais ou sociais adversas.

Acerca do comportamento dos psicopatas e sua tendência criminosa Trindade, Beheregaray e Cuneo, (2009, p.23 e 24) lembram que:

O comportamento de criminosos diagnosticados como psicopatas difere de maneira significativa da conduta dos outros criminosos ditos comuns. Os psicopatas iniciam vida criminosa em idade precoce, praticam diversas formas de crime, sendo os mais indisciplinados no sistema prisional, apresentam resposta insuficiente nos programas de reabilitação e os mais elevados índices de reincidência criminal

Estudos indicam que aproximadamente 4% da população apresenta algum grau de psicopatia, dentre os quais 1% são mulheres e 3% são homens. Essa diferença estatística não significa que necessariamente a incidência entre mulheres é menor, pois essa diferença pode ocorrer por elas serem mais dissimuladas e menos violentas, de modo que passem despercebidas na sociedade mais facilmente, o que aumentaria ainda mais a taxa de psicopatas.

Entre a população carcerária, este número sobe para cerca de 20%, sendo que esses detentos são responsáveis por mais de 50% dos crimes graves em relação aos demais presidiários. (SILVA, 2008, p. 126 apud HARE, 2008).

A taxa de reincidência dos psicopatas é três vezes maior em comparação aos outros criminosos e eles representam entre 33 a 80% dos delinqüentes criminais crônicos (TRINDADE; BEHERENGARAY; CUNEO, 2009, p.110,111).

II – Da Culpabilidade

A culpabilidade é o “juízo de reprovação dirigido ao autor por não haver obrado de acordo com o Direito, quando lhe era exigível uma conduta em tal sentido” (BITENCOURT, 2011, p.411). Assim a culpabilidade pode ser conceituada como a capacidade de reprovação e possibilidade de aplicação de uma pena para aquele sujeito que praticou um fato típico e ilícito.

A culpabilidade, pela teoria tripartida do crime, é um dos elementos deste, ao lado da tipicidade e antijuridicidade, sem culpabilidade não há crime e, portanto, deve o agente ser absolvido. Já pela teoria bipartida, para que o crime exista basta que o ato seja típico e antijurídico, configurando a culpabilidade como fundamento da pena. De acordo com o entendimento de Mirabete e Fabbrini (2008, p. 194):

Existente a antijuridicidade do fato típico, ocorre crime. É necessário, porém, para se impor a pena, que se verifique se há culpabilidade, ou seja, se existem os elementos que compõem a reprovabilidade da conduta. Inexistente um deles, não há culpabilidade, condição indeclinável para a imposição da pena.

Qualquer que seja a teoria adotada, o importante é que sem que o sujeito seja considerado culpável não poderá ser condenado ao cumprimento de pena, mas poderá ter sua internação ou tratamento ambulatorial determinado, desde que presentes os requisitos para a aplicação dessas medidas.

A culpabilidade é formada por três elementos: potencial consciência da ilicitude do fato, exigibilidade de conduta diversa e imputabilidade.

III – Da Imputabilidade

Extrai-se do artigo 26 do Código Penal que a imputabilidade é a capacidade do sujeito de, no tempo do fato, entender o caráter ilícito do fato e determina-se de acordo com esse entendimento. Conforme já mencionado, trata-se de um dos pressupostos da culpabilidade.

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Na lição de SanzoBrodt:

"A imputabilidade é constituída por dois elementos: um intelectual (capacidade de entender o caráter ilícito do fato), outro volitivo (capacidade de determinar-se de acordo com esse entendimento). O primeiro é a capacidade (genérica) de compreender as proibições ou determinações jurídicas. Bettiol diz que o agente deve poder 'prever as repercussões que a própria ação poderá acarretar no mundo social', deve ter, pois, 'a percepção do significado ético-social do próprio agir'. O segundo, a 'capacidade de dirigir a conduta de acordo com o entendimento ético-jurídico. Conforme Bettiol, é preciso que o agente tenha condições de avaliar o valor do motivo que o impele à ação e, do outro lado, o valor inibitório da ameaça penal". (GRECO, p. 385 apud BRODT, p. 46).

Assim, inimputabilidade surge quando, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, falta ao agente de forma absoluta esse discernimento acerca da licitude do seu ato ou a capacidade de agir conforme esse entendimento. O código penal determina a isenção de pena nesses casos.

No parágrafo único do mencionado artigo o legislador traz o conceito se semi-imputabilidade, semirresponsabilidade ou responsabilidade diminuída, que é quando “o agente, em virtude de perturbação da saúde mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardada não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento” (art.26 parágrafo único do CP). Aqui o Código determina a redução da pena de um a dois terços.

A respeito da culpabilidade semi-imputável, Mirabete e Fabbrini (2011, p.140) Aduzem que:

A lei considera o agente imputável e, portanto, responsável por ter alguma consciência da ilicitude e por ter alguma capacidade de determinação. O agente é imputável, mas, para alcançar o grau de conhecimento e de autodeterminação, é-lhe necessário maior esforço e, por essa razão, é menor a reprovabilidade de sua conduta e, portanto, o grau de culpabilidade.

Conforme se observa, a incapacidade de entendimento ou determinação na semi-imputabilidade é apenas relativa, o que determina um juízo de reprovação reduzido se comparado com os imputáveis.

Quando o autor de um crime for considerado semi-imputável há duas possibilidades: condená-lo à pena com a redução do § único do art. 26 ou se aplicar a medida de segurança, nos moldes do art. 98 do Código Penal.

IV- Das Penas e Medida de Segurança

A pena e a medida de segurança são consequências jurídicas do delito que diferem entre si, pois, enquanto a pena é aplicável àquele que é considerado plenamente culpável e tem a tríplice função retributiva, preventiva e educativa; a medida de segurança, por seu turno, é aplicável ao inimputável, e tem função preventiva e terapêutica, na medida em que busca tratar o sujeito para devolve-lo ao convívio social sem que apresente ele um perigo para a sociedade.

Conforme lição Damásio de Jesus (2010, p. 113):

As penas e as medidas de segurança constituem as duas formas de sanção penal. Enquanto a pena é retributivo-preventiva, tendendo atualmente a readaptar socialmente o delinquente, a medida de segurança possui natureza essencialmente preventiva, no sentido de evitar que um sujeito que praticou um crime e se mostra perigoso venha a cometer novas infrações penais.

Delmanto (2002, p.67,68) em sua obra, ensina acerca das funções da pena:

Pena é a imposição da perda ou diminuição de um bem jurídico, prevista em lei e aplicada pelo órgão judiciário, a quem praticou um ilícito penal. Ela tem finalidade retributiva, preventiva e ressocializadora. Retributiva,pois impõe um mal (privação de bem jurídico) ao violador da norma penal. preventiva, porque visa a evitar a prática de crimes, seja intimidando a todos, em geral, com exemplo de sua aplicação, seja, em especial,privando de um bem jurídico o autor do crime e visando obstar que ele volte a delinquir. E ressocializadora, porque objetiva a sua readaptação social.

Em relação à medida de segurança, Nucci (2011, p.576).explica que:

Trata-se de uma forma de sanção penal, com caráter preventivo e curativo, visando a evitar que o autor de um fato havido como infração penal, inimputável ou semi-imputável, mostrando periculosidade, torne a cometer outro injusto e receba tratamento adequado.

Assim, quando resta demonstrada a ausência de culpabilidade plena do agente deve ser perquirido acerca de sua periculosidade e possibilidade de tratamento, que, se presentes, deverá aplicada medida de segurança, a ser cumprida em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado. Quando a internação não for necessária o juiz deve submeter o inimputável ao tratamento ambulatorial.

Acerca da periculosidade como pressuposto da aplicação da medida de segurança, Mirabete (2011, p. 510, 511) ensina que:

Embora de forma implícita, permanecem os pressupostos para aplicação da medida de segurança: a prática de fato definido como crime, e a periculosidade do agente, que é presumida no caso de inimputabilidade, e aferível pelo juiz ao condenado semi-imputável.

Outra diferença entre a pena e a medida de segurança é a sua duração. A pena deve ser aplicada sempre por prazo determinado e não superior a trinta anos, já a medida de segurança poderá ser fixada de um a três anos, mas ao final desse prazo o internado deverá passar por novo exame pericial para averiguar se houve a cessação da sua periculosidade, caso seja considerado que ele ainda representa um risco para sociedade a medida de segurança será ser mantida e assim deverá ser feito sucessivamente. O código não prevê prazo máximo, portanto, em tese, poderá ser prorrogada enquanto o sujeito viver. Esse é o entendimento de Mirabete (2011, p. 515):

É indeterminado o tempo de duração da medida de segurança, perdurando sua execução enquanto não cessada a periculosidade do agente. Deve o Juiz, porém fixar prazo mínimo de sua duração, entre um e três anos, (...), afim de providenciar, em eu término, o exame de cessação de periculosidade.

Entretanto, em recente julgado a Suprema Corte decidiu pela inconstitucionalidade do cumprimento da medida de segurança por prazo superior a trinta anos:

MEDIDA DE SEGURANÇA – ULTRAPASSAGEM DO PRAZO MÁXIMO DE CUSTÓDIA DE TRINTA ANOS – PRECEDENTE – RECURSO EXTRAORDINÁRIO – NEGATIVA DE SEGUIMENTO. 1. No Habeas Corpus nº 84.219/SP – da minha relatoria, fiz ver: Observe-se a garantia constitucional que afasta a possibilidade de ter-se prisão perpétua. A tanto equivale a indeterminação da custódia, ainda que implda sob o ângulo da medida de segurança. O que cumpre assinalar, na espécie, é que a paciente está sob a custódia do Estado, pouco importando o objetivo, há mais de trinta anos, valendo notar que o pano de fundo é a execução de título judiciário penal condenatório. O artigo 75 do Código Penal há de merecer o empréstimo da maior eficácia possível, ao preceituar que o tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a trinta anos. Frise-se, por oportuno, que o artigo 183 da Lei de Execução Penal delimita o período da medida de segurança, fazendo-o no que prevê que esta ocorre em substituição da pena, não podendo, considerada a ordem natural das coisas, mostrar-se, relativamente à liberdade de ir e vir, mais gravosa do que a própria apenação. É certo que o § 1º do artigo 97 do Código Penal dispõe sobre prazo da imposição da medida de segurança para inimputável, revelando-o indeterminado. Todavia, há de se conferir ao preceito interpretação teleológica, sistemática, atentando-se para o limite máximo de trinta anos fixado pelo legislador ordinário, tendo em conta a regra primária vedadora da prisão perpétua. A não ser assim, há de concluir-se pela inconstitucionalidade do preceito. 2. Ante o exposto, tendo prevalecido tal óptica, nego seguimento ao extraordinário. 3. Publiquem.Brasília, 26 de dezembro de 2012. Relator Ministro MARCO AURÉLIO

Esse entendimento sobrepõe o interesse individual ao da coletividade, pois defende que o sujeito seja solto que mesmo que o laudo não demonstre que ele não apresenta mais um risco para a sociedade.

V- Do Procedimento de Decretação da Medida De Segurança

Caso haja duvidas sobre a sanidade mental do acusado, o juiz deve ordenar de ofício ou a requerimento dos legitimados no art. 149 do Código de Processo Penal, a instauração do incidente de sanidade mental, que consiste em um exame pericial feito por um médico para a apuração da inimputabilidade ou semi-imputabilidade do réu na data prática da infração penal. Do resultado desse exame podem resultar três situações:

Se o exame demonstrar que não havia qualquer problema mental que influa na culpabilidade, deverá ser aplicada a pena; se demonstrar que o sujeito era inimputável, deverá este ser absolvido e aplicado medida de segurança; por ultimo, demonstrada a semi-imputabilidade há dois caminhos que podem ser seguidos: aplicar a medida de segurança ou a pena com a redução de um a dois terços.

Assim, quando restar demonstrada a semi-imputabilidade do agente deve ser perquirido acerca de sua periculosidade e a possibilidade de tratamento curativo que, se forem constatados, é recomendável que o juiz substitua a pena por medida de segurança. Caso contrário deverá ser aplicada a pena com a redução de um a dois terços.

Acerca do tema Greco, ensina que:

O semi-imputável foi condenado; foi-lhe aplicada uma pena; agora, em virtude da necessidade de especial tratamento curativo, pois sua saúde mental encontra-se perturbada, a pena privativa de liberdade a ele aplicada poderá ser substituída pela internação ou pelo tratamento ambulatorial. (2011, p.222, 223)

Importante ressaltar que tanto a doutrina como a jurisprudência majoritária entendem que, caso se opte pela aplicação da pena, a redução é medida que se impõe, cabendo ao juiz a apenas a faculdade de determinar o quantum, segundo o grau de discernimento e capacidade de determinação do agente.

VI- Tratamento Atual

A doutrina dominante entende que os psicopatas se encaixam na hipótese de culpabilidade diminuída da semi-imputabilidade. Conforme ensinamento de Damásio de Jesus:

Entre a imputabilidade e a inimputabilidade existe um estado intermediário com reflexos na culpabilidade e, por consequência, na responsabilidade do agente. Situam-se nessa faixa os denominados demi-fous ou demi-responsables, compreendendo os casos benignos ou fugidios de certas doenças mentais, as formas menos graves de debilidade mental, os estados incipientes, estacionários ou residuais de certas psicoses, os estados interparoxísticos dos epiléticos e histéricos, certos intervalos lúcidos ou períodos de remissão, certos estados psíquicos decorrentes de especiais estados fisiológicos (gravidez, puerpério, crimatério etc.) e as chamadas personalidades psicopaticas. Atendendo à circunstância de o agente, em face dessas causas, não possuir a plena capacidade intelectiva ou volitiva, o Direito Penal atenua sua severidade, diminuindo a pena ou somente impondo medida de segurança. (JESUS, 2010, P. 143).

No mesmo sentido, Mirabete e Fabbrini (2011, p. 140) consideram os psicopatas como semi-imputáveis, incluindo-os na mesma categoria dos portadores de neurose profunda, conforme se vê a seguir:

Os psicopatas, as personalidades psicopáticas, os portadores de neuroses profundas etc. em geral têm capacidade de entendimento e determinação, embora não plena. [...] Em todas as hipóteses, comprovada por exame pericial, o agente será condenado, mas, tendo em vista a menor reprovabilidade de sua conduta, terá sua pena reduzida entre um e dois terços, conforme art. 26, parágrafo único. A percentagem de redução deve levar em conta a maior ou menor intensidade de perturbação mental, ou quando for o caso, pela graduação do desenvolvimento mental, e não pelas circunstâncias do crime, já consideradas na fixação da pena antes da redução. Entretanto, tendo o Código adotado o sistema unitário ou vicariante, em substituição ao sistema duplo binário de aplicação cumulativa da pena e medida de segurança, necessitando o condenado de especial tratamento curativo, a pena pode ser substituída pela internação ou tratamento ambulatorial.

Na jurisprudência também predomina o entendimento de que a psicopatia se trata de causa de semi-imputabilidade, com a consequente aplicação do benefício da redução da pena, conforme se vê nos seguintes julgados:

A personalidade psicopática não se inclui na categoria das moléstias mentais acarretadoras de irresponsabilidade do agente. Inscreve-se no elenco da perturbações de saúde mental, em sentido estrito, determinantes da redução da pena. (TJMT – AP. Crim – Relator Des. Costa Lima – RT 462/409

A sociopatia, doença diagnosticada nos autos, é um transtorno de personalidade caracterizado pelo comportamento impulsivo do indivíduo afetado, desprezo por normas sociais, e indiferença aos direitos e sentimentos dos outros, ou seja, não é uma doença mental, mas um transtorno de personalidade o que o torna semi-imputável e não inimputável, estando, dessa forma, a diminuição penal imposta pelo magistrado bem dosada.(TJ-RN – Ap. Crim. - Relatora Dês. Judite Nunes - ACR 99087 RN 2008.009908-7)

A personalidade psicopática não se inclui na categoria das moléstias mentais acarretadoras de irresponsabilidade do agente. Inscreve-se no elenco da perturbações de saúde mental, em sentido estrito, determinantes da redução da pena. (TJMT – AP. Crim – Relator Des. Costa Lima – RT 462/409)

Em que pese ser esse o entendimento majoritário existem casos mais consentâneos com a realidade dessas pessoas, conforme entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo (apud Mirabette, 2008, p. 748):

Se o laudo pericial reconhece a semi-imputabilidade e recomenda isolamento definitivo por ser o réu portador de personalidade psicopática (louco moral) incorrigível pelos métodos terapêuticos psiquiátricos, justifica a opção de magistrado pela medida de segurança detentiva (art.98 do CP) a necessidade de longa permanência em segregação, objetivo que poderia ser frustrado com aplicação;de reprimenda corporal, a possibilitar em tese rápida e injustificável passagem a regime penitenciário favorável (RT 669/282).

No mesmo sentido:

Personalidade psicopática não significa, necessariamente, que o agente sofre de moléstia mental, embora o coloque na região fronteiriça de transição entre o psiquismo normal e as psicoses funcionais. (TJSP – Ap. Crim – Relator Des. Adriano Marrey – TR 495/304)

Compartilhando desse entendimento, Nucci diz que:

Doenças da vontade e personalidades antissociais são anomalias de personalidade que não excluem a culpabilidade, pois não afetam a inteligência, a razão, nem a alteram a vontade.[...] Por isso, é preciso muita cautela, tanto do perito, quanto do juiz, para averiguar as situações consideradas limítrofes,que não chegam a constituir normalidade, pois trata-se de personalidade antissocial, mas que não caracteriza a anormalidade a que faz referência o art. 26.  (2010, p. 282)

Trindade, Beheregaray e Cuneo entendem que a psicopatia não é fundamento suficiente para aplicar a medida de segurança, pois segundo estes autores, no psicopata:

Sua capacidade cognitiva encontra-se preservada, o que os torna “sadios” perante o direito penal, razão pela qual a eles não deve ser aplicada medida de segurança, mas pena. Doença mental não é sinônimo de inimputabilidade, salvo quando houver prejuízos de ordem cognitiva e/ou volitiva. (TRINDADE, BEHEREGARAY E CUNEO, 2009, p. 23)

Ilana Casoy (2004, p.21) também defende que os psicopatas devem ser considerados imputáveis, pois:

O fato de controlar seu comportamento para que isso não aconteça (ser preso) mostra que o criminoso sabe que seu comportamento não é aceito pela sociedade, e que seu verniz social é deliberado e planejado com premeditação. É por esse motivo que a maioria deles é considerada sã e capaz de discernir entre o certo e o errado.

Considerando que os psicopatas conhecem as normas e sabem o que estão fazendo, na verdade não há razão para que sejam considerados semi-imputaveis e beneficiados com uma pena reduzida.

VI – A inadequação do atual ordenamento jurídico

Acerca do comportamento dos psicopatas, Trindade, Beheregaray e Cuneo, (2009, p.23 e 24) lembram que:

O comportamento de criminosos diagnosticados como psicopatas difere de maneira significativa da conduta dos outros criminosos ditos comuns. Os psicopatas iniciam vida criminosa em idade precoce, praticam diversas formas de crime, sendo os mais indisciplinados no sistema prisional, apresentam resposta insuficiente nos programas de reabilitação e os mais elevados índices de reincidência criminal.

Em que pese haver todas as possibilidades demonstradas, ocorre que nenhuma das medidas previstas no atual ordenamento jurídico se mostra adequada frente aos psicopatas, pois, quando condenados ao cumprimento da pena esta não funcionará nem como uma punição, nem terá qualquer efeito educativo, pois:

Os psicopatas mostram uma total e impressionante ausência de culpa sobre os efeitos devastadores que suas atitudes provocam nas outras pessoas. Os mais graves chegam a ser sinceros sobre esse assunto: dizem que não possuem sentimento de culpa, que não lamentam pelo sofrimento que eles causaram em outras pessoas e que não conseguem ver nenhuma razão para se preocuparem com isso. Na cabeça dos psicopatas, o que está feito, está feito, e a culpa não passa de uma ilusão utilizada pelo sistema para controlar as pessoas. (SILVA, 2008, p. 68)

Além de não surtir nenhum efeito a eles próprios, quando são condenados à pena privativa de liberdade os psicopatas representam outro risco, que consiste em “contaminar” o ambiente penitenciário, pois utilizam seu poder de persuasão para incitar outros presos a rebeliões e criam organizações criminosas, assim, além de não aprenderem com a pena também impedem que esta surta seus efeitos esperados nos demais detentos. Acerca do tema Ana Beatriz Silva (2008, P.130) assevera que:

Não podemos esquecer que os psicopatas são manipuladores inatos e que, em função disso, costumam utilizar os outros presidiários para a obtenção de vantagens pessoais. Muitas vezes, assistindo aos noticiários da TV, pude observar como as rebeliões nos presídios têm a orquestração dos psicopatas. Eles fazem com que alguns prisioneiros se tornem reféns indefesos no processo de negociação com as autoridades.

Ademais, a pena permite ainda a progressão de regime e assim o agente pode voltar ao convívio social em um curto período de tempo, principalmente porque os psicopatas podem forjar um ótimo comportamento e são ótimos em fingir arrependimento.

A esse respeito Ana Beatriz Silva (2008, p 134) lembra que:

No sistema carcerário brasileiro não existe um procedimento de diagnóstico para a psicopatia quando há solicitação de benefícios, redução de penas ou para julgar se o preso está apto a cumprir sua pena em um regime semi-aberto. Se tais procedimentos fossem utilizados dentro dos presídios brasileiros, certamente os psicopatas ficariam presos por muito mais tempo e as taxas de reincidência de crimes violentos diminuiriam significativamente.

Da mesma forma, a medida de segurança não é apropriada, pois como já mencionado tem sua aplicação condicionada à existência de alguma doença ou retardo mental, o que não é o caso da psicopatia, portanto os tratamentos psiquiátricos conhecidos não surtirão os efeitos esperados afim de torná-los aptos ao convívio social. A esse respeito, o Dr. Hare, quando questionado em entrevista se a psicopatia é incurável respondeu:

Por meio das terapias tradicionais, sim. Pegue-se o modelo-padrão de atendimento psicológico nas prisões. Ele simplesmente não tem nenhum efeito sobre os psicopatas. Nesse modelo, tenta-se mudar a forma como os pacientes pensam e agem estimulando-os a colocar-se no lugar de suas vítimas. Para os psicopatas, isso é perda de tempo. Ele não leva em conta a dor da vítima, mas o prazer que sentiu com o crime. Outro tratamento que não funciona para criminosos psicopatas é o cognitivo – aquele em que psicólogo e paciente falam sobre o que deixa o criminoso com raiva, por exemplo, a fim de descobrir o ciclo que leva ao surgimento desse sentimento e, assim, evitá-lo. Esse procedimento não se aplica aos psicopatas porque eles não conseguem ver nada de errado em seu próprio comportamento. (VEJA, 2009)

No mesmo sentido Ana Beatriz Silva aduz que:

O psicopata sempre vai revelar ausência de consciência genuína frente às demais pessoas: são incapazes de amar e nutrir o sentimento de empatia. Eles jamais deixarão de apresentar comportamentos anti-sociais; o que pode mudar é a forma de exercer suas atividades ilegais durante a vida (roubos, golpes, desvio de verba, estupro, seqüestro, assassinato etc.). Em outras palavras, a maioria dos psicopatas não é expert numa atividade criminal específica, mas sim "passeia" pelas mais diversas categorias de crimes, o que Hare denomina versatilidade criminal. (2008, p. 86)

Outro problema é que, ao condená-los ao cumprimento de medida de segurança, o código determina internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado (art. 96, I), e a realidade brasileira demonstra que tais estabelecimentos são escassos e incapazes de suprir toda a demanda. O estabelecimento prisional não é adequado para o cumprimento da medida de segurança, e neste caso, predomina o entendimento de que o paciente deverá ser submetido ao tratamento ambulatorial conforme o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:

HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO DA PENA. ABSOLVIÇÃO IMPRÓPRIA. APLICAÇÃO DE MEDIDA DE SEGURANÇA. INTERNAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE VAGA EM HOSPITAL DE CUSTÓDIA E TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO. PACIENTE À ESPERA DE VAGA EM CENTRO DE DETENÇÃO PROVISÓRIO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. 1. O entendimento desta Corte é o de que configura constrangimento ilegal o recolhimento em presídio comum, por prazo desarrazoado, de sentenciado submetido à medida de segurança consistente em internação em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico ou equivalente, sob a justificativa de inexistência de vagas no estabelecimento adequado. 2. Ordem concedida de ofício, para determinar a imediata transferência do paciente para estabelecimento adequado ao cumprimento da medida de segurança, devendo, na falta de vaga, ser submetido a regime de tratamento ambulatorial, até que surja lugar em estabelecimento adequado. (STJ - HC: 267741 SP 2013/0096589-1, Relator: Ministro MOURA RIBEIRO, Data de Julgamento: 22/10/2013, T5 - QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/10/2013)

Além disso, como no nosso atual ordenamento, prevalece o entendimento de que a medida de segurança não pode ultrapassar o limite de trinta anos, sob pena de afronta à Constituição Federal, assim, eles acabam soltos mesmo que o laudo não demonstre a cessação de sua periculosidade.

CONCLUSÃO

Conforme restou demonstrado, a aplicação das medidas previstas no atual ordenamento jurídico são ineficazes e inadequadas, tendo em vista as grandes diferenças entre os psicopatas e os demais criminosos, bem como, pelas altas taxas de reincidência.

Assim o tratamento que vem sendo adotado frente a estas pessoas, além de inadequado, pode ser indevidamente benéfico ao permitir a redução da pena sob o argumento da semi-imputabilidade, bem como, franquear acesso a benefícios que os permite retornar ao convívio social em pouco tempo, onde tendem a voltar à atividade criminosa assim que postos em liberdade.

Além destes problemas, quando dentro das prisões, os psicopatas são um grande obstáculo a ressocialização dos demais detentos, pois graças a sua capacidade de persuasão e carisma, costumam influenciar negativamente os demais presos, incitar rebeliões e até mesmo criar organizações criminosas. Assim, é fundamental que haja normas específicas voltadas a eles, que versem sobre procedimentos desde o diagnóstico ao tratamento adequado, em estabelecimentos especiais, onde sejam acompanhados por profissionais qualificados.

Entretanto, enquanto não criadas leis que regulamentem esse tratamento específico para os psicopatas, a melhor alternativa no ordenamento vigente é a aplicação de medida de segurança, pois retiram esses indivíduos da sociedade e permite o acompanhamento de psiquiatras sem submetê-los à prisão e sem a possibilidade de libertá-los para o convívio em sociedade.

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Sobre os autores
Alessandro Dorigon

Mestre em direito pela UNIPAR. Especialista em direito e processo penal pela UEL. Especialista em docência e gestão do ensino superior pela UNIPAR. Especialista em direito militar pela Escola Mineira de Direito. Graduado em direito pela UNIPAR. Professor de direito e processo penal na UNIPAR. Advogado criminalista.

Gislaine Morales Pereira

Formada em direito pela Universidade Paranaense.

Informações sobre o texto

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