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Usucapião e posse precária

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Agenda 02/08/2016 às 22:38

Por meio de uma abordagem histórico-civilística da relação entre a posse precária e a possibilidade de usucapião, as divergências doutrinárias surgidas no século XIX são sistematizadas com vistas ao avanço do estado da arte em matéria possessória.

Resumo: Este trabalho analisa a utilidade da posse própria resultante do abuso de confiança para fins de usucapião sob a ótica estrita do direito civil. Para tanto, investiga-se a interversão unilateral da posse, enfatizando-se o critério (objetivo-factual) de identificação da superveniência do animus domini. Após, examina-se a polissemia da expressão posse precária no contexto da interversio possessionis. Em seguida, aborda-se a relação entre a posse injusta e o usucapião. Ao final, associando-se a tese da inversão do título possessório por atos de oposição e a corrente que defende a utilidade da posse injusta para fins de usucapião, conclui-se pela possibilidade de a posse precária em sentido elíptico servir de fundamento à prescrição aquisitiva.

Palavras-chave:Posse injusta. Animus domini. Convalescimento. Interversão da posse (interversio possessionis). Mudança do caráter originário.

Sumário:1.Introdução - 2. Posse, detenção e efeitos possessórios – 3. Poder de fato pleno (com animus domini) x poder de fato limitado (sem animus domini) – 4. Possibilidade de modificação do caráter originário do poder de fato - 5. Mutação da causa possessionis em razão da superveniência de animus domini por atos de oposição (interversão unilateral da posse) - 6. A polissemia do vocábulo precariedade no contexto da interversão unilateral da posse (interversio possessionis) - 7. Relação entre a posse injusta (sentido estrito) e a possibilidade de usucapião - 8. Considerações finais - 9.Bibliografia

 

1.Introdução

O presente estudo se propõe a investigar a seguinte questão: o possuidor direto que a partir de certo momento deixa arbitrariamente de reconhecer o domínio alheio e passa a se comportar como efetivo proprietário da coisa pode vir a adquiri-la por meio de usucapião? Em outras palavras, a posse própria obtida com abuso de confiança (referida como posse precária pelo art. 1.200 do Código Civil, que a tem por injusta) é uma posse ad usucapionem?

Subjacente a esse questionamento está a transformação unilateral da posse não própria (sem animus domini) em posse própria (com animus domini), doutrinariamente chamada de interversio possesionis por atos de oposição, mediante a qual o até então possuidor direto abusa da confiança nele depositada pelo proprietário (possuidor indireto) e comete um esbulho ao apropriar-se indevidamente da coisa mantida sob seu poder, desrespeitando a obrigação anteriormente assumida de restituí-la após o término do contrato ou quando instado a tanto, na ausência de prazo determinado.

Trata-se de fenômeno socioeconômico passível de verificação no bojo de relações jurídicas bastante comuns no dia a dia, entre as quais se incluem, exemplificativamente, o comodato, a locação, a promessa de compra e venda, a alienação fiduciária, o arrendamento mercantil (leasing), o usufruto, o arrendamento rural, a parceria agrícola, o depósito, o condomínio etc.

De acordo com posição hermenêutica por muito tempo predominante no sistema jurídico nacional, a posse de terceiro sobre coisa alheia iniciada sem animus domini não poderia jamais transmutar-se unilateralmente em posse com força ad usucapionem, dado o caráter indelével do vício da precariedade, defeito possessório insuscetível de convalidação.

O que dizer, contudo, se em momento ulterior ao início do controle fático do bem a subordinação (ausência de animus domini) daquele que exercia a posse em nome alheio se descaracterizasse em virtude do abuso de confiança perpetrado contra o dono?Nesse caso, a prática de atos exteriores inequívocos que denotem a total independência na utilização da coisa não teria o condão de configurar o animus domini superveniente? Embora injusta (posse precária) e de inequívoca má-fé, não teria o possuidor adquirido uma posse autônoma, desvinculada da causa possessionis primitiva, e já agora útil para fins de usucapião extraordinário, na medida em constitui uma violação ao direito do proprietário?

Enquanto a mudança bilateral do caráter da posse não desperta maiores questionamentos, vez que decorrente da convergência de vontades - a título exemplificativo, imagine-se o locatário que compra do dono o imóvel locado -, os efeitos provocados pela mudança unilateral da causa possessionis por atos de oposição têm sido alvo de calorosas discussões.

Em razão de seu largo espectro de incidência na vida civil, tal fenômeno está a reclamar melhor equacionamento por parte da ciência jurídica brasileira, notadamente sob a ótica estrita do direito privado, em que coexistem dois modelos argumentativos estanques e aparentemente incomunicáveis[1], tendo como agravante um pano de fundo de extrema imprecisão semântico-terminológica[2], deficiências essas para as quais o presente trabalho oferece à comunidade acadêmica algumas propostas de superação.

Com efeito, há hoje no direito civil brasileiro verdadeiro emaranhado de opiniões sobre questões como:“O que é posse precária?”, “A precariedade é um vício? Se é um vício, obsta a produção de qual efeito possessório”, “O que é interversão unilateral da posse, e de que maneira ela se relaciona com a posse precária?”, “O que é animus domini, e como identificar sua superveniência no contexto da interversio possessionis?”, “O que significa comportar-se como proprietário?”, “O que é posse injusta?”, “A que situação fática se referem as expressões posse violenta, posse clandestina e posse precária?” “Existe convalescimento da posse injusta?”, “A posse injusta pode gerar usucapião?”.

É bem verdade que, com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e a consequente constitucionalização de todo arcabouço normativo infraconstitucional, o debate ganhou novos contornos, transpondo os estreitos lindes do direito privado para sujeitar-se aos influxos de diversos princípios consagrados no texto magno, em especial os da função social da propriedade e da posse, da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da segurança jurídica e do direito à moradia.[3].

Entretanto, em que pese a pertinência desse prisma constitucional, o fato é que ainda subsistem inúmeras dúvidas quanto às indagações acima formuladas, razão pela qual a ciência jurídica não pode simplesmente ignorá-las ou tratá-las sem a profundidade necessária, considerando-se suficiente e completa a fundamentação que decorre da abordagem principiológica.

Daí por que o presente trabalho, por opção metodológica, analisa o problema em foco a partir de uma perspectiva estritamente civilista, trazendo à tona a evolução histórica sistematizada (do século XIX ao século XXI) das mais relevantes divergências, com o que se torna viável traçar um delineamento conceitual mais rigoroso dos institutos envolvidos na discussão e apontar as falhas e acertos das diferentes concepções em torno do tema.

Esse enfoque mais restrito avulta em importância na medida em que tem se verificado no próprio âmbito do direito privado, mais precisamente na interpretação conjunta dos art. 1.200, 1.203 e 1.208 do Código Civil de 2002, um crescente resgate do que se denominou, neste estudo, de “teoria da utilidade da posse injusta para fins de usucapião”–categoria na qual que se inclui a posse precária. Paralelamente,observar-se também um recrudescimento das críticas à “teoria da inutilidade da posse injusta para fins de usucapião”, o que tem colocado em xeque a supremacia secular desta última corrente, e reforçado em termos de robustez teórica o resultado prático apregoado pela aludida visão constitucionalista.

Assim é que, no presente artigo,com base em pesquisa histórica de caráter doutrinário e jurisprudencial,examinam-se os três eixos centrais do problema investigado nesse estudo: em primeiro lugar, a alteração do caráter originário do poder de fato, o conceito de interversão unilateral da posse, sua admissibilidade no direito brasileiro, os requisitos para a superveniência de animus domini, bem como os pressupostos da posse ad usucapionem na hipótese de interversio possessionis; em segundo lugar, a polissemia da expressão posse precária no contexto da interversão unilateral da posse; em terceiro lugar, o conceito de posse injusta em sentido estrito (art. 1.200 do CC-02) e a relação entre esse vício possessório e a possibilidade de usucapião.

2 - Posse, detenção e efeitos possessórios principais

O fenômeno socioeconômico de exteriorização fática das faculdades dominiais sobre determinado bem corpóreo com vistas ao aproveitamento das utilidades por ele proporcionadas constitui o substrato material da disciplina possessória. 

Observa Caio Mário da Silva Pereira, contudo, que “nem todo estado de fato, relativamente à coisa ou à sua utilização, é juridicamente posse”, já que às vezes “não passa de mera detenção”.[4]

Nesse particular, é de se registrar que, tendo nosso sistema jurídico adotado a teoria objetiva de Ihering, a princípio todo poder de fato sobre a coisa caracteriza uma situação possessória (causa possessionis[5]), só sendo viável falar-se em detenção diante das hipóteses legais de rebaixamento ou degradação da posse (causa detentionis).

A finalidade da distinção entre posse e detenção nos é dada por Sílvio Rodrigues, quando este autor leciona que da detenção “não defluem consequências de ordem jurídica”, enquanto “a posse é relação de fato que gera efeitos no campo do direito”, sendo os principais o usucapião e o direito de invocar os interditos judiciais.[6]

O usucapião, em sua concepção mais elementar, pode ser conceituado como uma forma aquisitiva originária da propriedade ou de outros direitos reais mediante o exercício prolongado, ininterrupto e não contestado (sem oposição) de posse autônoma (com animus domini) sobre coisa alheia.

Já o direito de invocar os interditos judiciais consiste na possibilidade que o ordenamento jurídico franqueia ao possuidor de proteger judicialmente sua posse em face de terceiros que injustamente a pretendam, tendo por fundamento (causa de pedir da ação) unicamente o seu exercício, ou seja, o estado de fato já consolidado (ius possessionis), abstraindo-se qualquer questionamento acerca de sua legitimidade formal (ius possidendi).

3–Poder de fato pleno (com animus domini) x poder de fato limitado (sem animus domini)

Considerando-se somente as variáveis relevantes para os propósitos desse estudo, pode-se afirmar que todo aquele que exerce efetivo controle socioeconômico da coisa o faz ou em nome próprio (a título de proprietário, i.e., com animus domini), ou em nome alheio (a título precário, i.e,sem animus domini)[7], e, ao mesmo tempo, como ressaltado acima, ou na condição de detentor (causa detentionis), ou na de possuidor (causa possessionis).

Verifica-se a situação de precariedade (ausência de animus domini)[8] quando o possuidor direto ou o detentor dependente, tendo obtido provisoriamente o poder de fato em virtude de consentimento do proprietário, reconhece a supremacia do direito alheio de propriedade e, em razão disso, restringe sua atuação sobre a coisa, sujeitando-se à interveniência indireta e limitativa do dono no exercício do controle material[9].

Em outras palavras, o precarista é aquele que não tem a livre disposição fática do objeto[10], de modo que os atos precários se dizem subordinados ou limitados porque exercidos de acordo com a vontade expressa ou presumida do proprietário, isto é, em obediência ao por ele estipulado ou tolerado, não constituindo violação ao seu jus domini.[11]

Em síntese, no exercício do poder de fato a título precário, em que há reconhecimento do domínio alheio, o que ocorre é uma verdadeira convivência harmônica de vontades[12]na utilização fática do bem: a do proprietário, vontade superior e determinante, e a do possuidor direto ou do detentor dependente, vontade subordinada[13] e determinada. Daí falar-se que o poder de fato a título precário (sem animus domini) é sempre legítimo.[14]

São hipóteses de poder de fato precário/subordinado/dependente a posse direta (art. 1.197 do CC-02), também chamada de contratual por exteriorizar o conteúdo de um direito real ou pessoal, bem como os casos de detenção previstos no art. 1.198 (fâmulo da posse) e 1.208, primeira parte (atos de mera permissão ou tolerância), do Código Civil de 2002.

Por outro lado, há poder de fato pleno[15] (com animus domini) sobre coisa alheia quando a vontade ou atuação daquele que o exerce não se limita, não se condiciona e não se deixa influenciar pela vontade real ou presumida do dono. Dizendo de outro modo, aquele que não reconhece ou desrespeita o domínio de outrem explora o bem com exclusividade e ânimo de definitividade, apresentando-se em seu meio social como se verdadeiro proprietário fosse[16], a despeito de não o ser do ponto de vista jurídico-formal.

Em termos figurados, o possuidor ou detentor com animus domini ergue uma sólida barreira a toda e qualquer interferência externa proveniente do legítimo proprietário (v.g. restrições, imposições, vigilância)[17]. Dessa forma, com ampla autonomia e plena independência na prática dos atos possessórios, não age como quem tem em perspectiva a futura devolução da coisa, jamais pedindo autorização ou prestando conta dos atos praticados sobre a mesma.[18]

Como o poder de fato pleno não se funda no consentimento ou na tolerância do proprietário, mas apenas na prevalência fática unilateral da vontade ilícita do esbulhador, tem-se que o animus domini - ao contrário da situação precária - constitui uma inequívoca agressão ao direito alheio de propriedade,porquanto priva o legítimo proprietário da possibilidade de exercer concretamente as faculdades inerentes ao seu domínio, ainda que de forma indireta (conflito de vontades).[19]

Pode-se citar, para exemplificar o controle material pleno, a posse injusta do art. 1.200 do CC-02, em qualquer de suas três modalidades (adquirida por abuso de confiança, violência ou clandestinidade), as detenções independentes da parte final art. 1.208 doCC-02 (atos violentos ou clandestinos)[20], bem como a posse própria adquirida sem o emprego dos mencionados vícios objetivo elencados no art. 1.200 do CC-02.

Por fim, consigne-se que, por ser o caráter precário (ausência de animus domini) do poder de fato que o proprietário transfere voluntariamente a outrem, antes de qualquer coisa, o próprio exercício – embora indireto - do direito dominial, e não sua negação, a posse ad usucapionem não se caracteriza em favor do precarista na medida em que esta pressupõe o cometimento do ato ilícito (exteriorização do animus domini) seguida da inércia do dono.[21]

4 – Possibilidade de modificação do caráter originário do poder de fato

Tendo-se em vista a dinamicidade do controle material no decurso do tempo, um fenômeno social de exteriorização das faculdades dominiais sobre determinado bem corpóreo pode se enquadrar em diferentes categorias jurídicas enquanto perdurar concretamente, submetendo-se cada lapso temporal do poder fático a qualificativos doutrinários e consequências legais igualmente diversos.

Dessa maneira, sob uma perspectiva dinâmica, enfatiza-se a possibilidade de alteração do caráter do poder de fato ao longo do tempo, o que doutrinariamente se denomina de interversão do título (interversio possessionis / detentionis) ou de mutação da causa possessionis / detentionis[22].

No ordenamento jurídico pátrio, essas modificações da natureza do poder de fato por meio das inversões de título (mutatio causae) podem ser unilaterais (contra a vontade do proprietário) ou bilaterais (de acordo com a vontade do proprietário), achando-se disciplinadas no parágrafo único do artigo 1.198 e no caput do art. 1.203 do Código Civil.

À guisa de exemplo, imagine-se a seguinte situação: A adquire de B uma fazenda e inicia o exercício do poder de fato no ano de 2005, a título de proprietário (posse independente). Posteriormente, em 2006, A vende este imóvel a C, mas nele permanece na condição de caseiro até 2008 (detenção dependente). Depois, em 2009, A celebra contrato de arrendamento com C pelo prazo de três anos, tornando-se arrendatário dali em diante (posse dependente). Já em 2012, encerrado o prazo avençado contratualmente, A comete um esbulho (apropriação) ao recusar-se a restituir o imóvel a C, tornando-se possuidor próprio (posse independente) como decorrência do abuso de confiança perpetrado em face do proprietário.

Nesse caso hipotético, o exercício do controle material iniciou-se em 2005 e perdurou pelo menos até 2012. Dentro desse período houve algumas inversões do título, pois a atuação de A sobre bem oscilou à luz da classificação jurídica: em 2005, seu comportamento configurou uma causa possessionis com animus domini, o que corresponde à posse própria (proprietário); entre 2006 e 2008, uma causa detentionis sem animus domini, o que corresponde à detenção dependente (caseiro); entre 2009 e 2011, uma causa possessionis sem animus domini, o que corresponde à posse dependente (arrendatário); e, por fim, a partir de 2012, uma causa possessionis com animus domini, o que corresponde à posse própria (possuidor injusto em razão do abuso de confiança – “posse precária” nos termos do art. 1.200 do CC-02).

5 –Mutação da causa possessionis em razão da superveniência de animus domini por atos de oposição (interversão unilateral da posse)[23]

A interversão da posse (interversio possessionis) por ato próprio constitui modo aquisitivo originário da possessio ad usucapionem e consiste na transformação unilateral e arbitrária da posse não-própria (subordinada) em posse própria (insubordinada) mediante a exteriorização de atos materiais inequívocos de oposição ao domínio alheio por parte do até então possuidor direto, o qual, abusando da confiança que lhe fora depositada, rompe ilicitamente com a relação jurídica originária e recusa-se a restituir a coisa ao antigo possuidor indireto, o que acarreta o surgimento de uma nova causa possessionis (a título de proprietário) no plano fático, ontologicamente desvinculada da anterior (a título precário)[24].

 Logo, é fenômeno que pressupõe, invariavelmente, dois momentos distintos do poder de fato sobre a coisa, intercalados pelo abuso de confiança (esbulho): o antecedente, sem animus domini, e o subsequente, com animus domini.[25]

De acordo com Fábio Caldas Araújo[26], alguns sistemas jurídicos estrangeiros disciplinam o instituto da interversio possessionis por atos de oposição de forma expressa, como o português, o francês, o italiano e o argentino, ao passo que o direito brasileiro optou por prevê-lo de forma mais tímida, consagrando-o na ressalva à presunção contida no art. 1.203 do Código Civil de 2002, que assim dispõe: “Art. 1.203. Salvo prova em contrário, entende-se manter a posse o mesmo caráter com que foi adquirida”.

Como se observa, esse dispositivo legal, que reproduz o teor do art. 492 do Código Civil de 1916, a um só tempo consubstancia o princípio da continuidade do caráter da posse e o excepciona ao admitir a mutação da causa possessionis pela inteversão do título possessório.[27]

Nesse diapasão, em razão da presunção meramente relativa (juris tantum), entende-se que as características da posse presentes ao tempo de sua constituição fática perduram no tempo somente enquanto não sobrevier um acontecimento capaz de modificá-las. É dizer: o caráter inicial que a causa possessionis originária imprime à posse projeta-se no futuro até que esta seja substituída por uma causa possessionis diversa, o que se dá com a inversão do título possessório, fenômeno que instaura uma nova posse, com características próprias, e, ipso facto, inconfundível com a que lhe antecedeu.[28]

Assim, pelo princípio da permanência do caráter possessório, a posse iniciada a título precário (posse direta, sem animus domini) preserva esse caráter ainda que transcorra significativo lapso temporal e mesmo que o possuidor em nome alheio modifique seu estado anímico no âmbito interno de sua psique[29], haja vista que a inteversio possessionis (mudança do título possessório) por ato próprio reclama, para sua ocorrência, a efetiva exteriorização de uma conduta a título proprietário, não sendo suficiente para caracterizá-la a simples mudança subjetiva da intenção do possuidor, sem qualquer repercussão no mundo externo.

Darcy Bessone expõe esse raciocínio com maestria:

“Pode a interversão verificar-se independentemente de relação com a outra parte, operando-se por uma atitude ostensiva e inequívoca. Assim, se o depositário se recusa a restituir a coisa ao depositante e invoca outro título para possuir, como, por exemplo, quando alega que se tornou dono dela, o título da posse se modifica por ato unilateral. Ihering considera que a vontade não tem, por si mesma, força para modificar o título. Não poderia o ato volitivo unilateral modificá-lo. A esse ponto de vista, que de um modo geral é acolhido, abre-se exceção no caso em que a modificação não decorra apenas de ato de vontade, mas, sim, de ato material exterior e inequívoco. Verifica-se, nessa hipótese, a interversão do título não apenas por efeito da vontade, mas por efeito da exteriorização dela, através de atos concretos e materializados.”[30]

 Trata-se, aqui, da aplicação da máxima latina Nemo sibi ipse causam possessionis mutare potest (ninguém pode mudar por si mesmo a causa da posse), princípio firmado desde o direito romano, cuja interpretação moderna, consagrada por Ihering, é de que a mera modificação interna da vontade desacompanhada da prática de atos materiais enérgicos e categóricos de contradição à pretensão dominial alheia não atinge a causa possessionis já consolidada, a qual permanece intacta pela não configuração da inversão unilateral do título possessório[31]

Atendendo à inviabilidade de se adentrar a esfera íntima de uma pessoa para perscrutar sua verdadeira intenção, a doutrina teve de se socorrer de parâmetros objetivos para constatar a presença ou ausência do animus domini quando se põe em discussão a inversão por ato próprio do título da posse. A não ser assim, instalada a controvérsia quanto ao preenchimento fático do requisito legal “possuir como seu”, ter-se-ia como única prova possível do animus domini a própria declaração em juízo daquele que se pretende possuidor pleno[32], o que, a toda evidência, é extremamente frágil e inseguro.

Por tal razão, reforçando o entendimento de que a intenção de dono deve ser aferida a partir de um ato de vontade perceptível exteriormente, diversos juristas brasileiros, reunidos na III Jornada de Direito Civil realizada pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, aprovaram o seguinte enunciado doutrinário:

“Enunciado nº 237 – Art. 1.203 do Código Civil: É cabível a modificação do título da posse – interversio possessionis – na hipótese em que o até então possuidor direto demonstrar ato exterior e inequívoco de oposição ao antigo possuidor indireto, tendo por efeito a caracterização do animus domini.”[33]

No que tange aos atos materiais de oposição aptos à inversão do título possessório, Tito Fulgêncio fala em “contradição violenta aos direitos do proprietário”[34], Astolpho Resende em “facto externo constitutivo de uma apropriação unilateral”[35], Lenine Nequete em “atos judiciais, extrajudiciais ou simplesmente materiais, contanto que formais e positivos, de sorte a deixarem bem claro que o direito do proprietário foi contraditado, e que a este não lhe era impossível desconhecê-los”[36], Orlando Gomes em “prática de atos materiais, jurídicos ou judiciários, que atestem, inequivocamente a vontade do possuidor de opor-se ao proprietário”[37], Fábio Caldas Araújo em “ato enérgico como o esbulho”[38], Benedito Silvério Ribeiro em “se mostrar como proprietário e fazer-se respeitar como tal”[39], Dilvanir José Costa em possuidor que “rompe o pacto e desafia o dono”[40], Sílvio Venosa em “ato material exteriorizado em outra relação de fato com a coisa”[41].

Como já se deixou entrever, conquanto a interversão unilateral “revele um tipo de natureza aberta”[42], vale ressaltar que não é qualquer ato material contrário à vontade do proprietário que enseja a modificação do caráter originário da posse.

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Para que se configure a superveniência do animus domini, deve existir, isto sim, um conflito direto sobre a questão da propriedade, ou seja, uma verdadeira apropriação da coisa que ponha em disputa de forma inequívoca o domínio alheio, não havendo dúvida alguma quanto à intenção do possuidor em se fazer dono, de tal sorte que meros descumprimentos contratuais que não contraponham o direito de propriedade em sua essência não têm o condão de provocar a transmutação da causa possessionis.[43]

De nada adianta o exercício de um ou mais atos de dono se, de forma concomitante ou logo em seguida, pratica o possuidor uma conduta que implique o reconhecimento do domínio alheio[44].  Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal (STF) já julgou um caso concreto[45]em que, não obstante o longo período de exercício possessório, a construção de acessões e benfeitorias, e ainda o fato de o imóvel ter sido alugado a terceiros sem a autorização do proprietário formal, restou afastada a caracterização do animus domini na espécie porque a possuidora remetera uma carta ao dono reconhecendo a subordinação de sua posse ao consentimento deste, com o que acabou admitindo a supremacia do direito alheio (precariedade), fato que inviabilizou a ocorrência da interversio possessionis.

Assim, exemplificativamente, não se pode afirmar a priori que a recusa de restituição da coisa, a interrupção no pagamento de aluguéis ou de qualquer outra prestação convencionada, a quitação espontânea de impostos a cargo do dono (IPTU, ITR, IPVA) e a construção de acessões ou benfeitorias conduzam inexoravelmente à configuração do animus domini, uma vez que, muito embora tais atos representem inegáveis indícios do comportamento a título de proprietário, todos eles podem ser praticados, a depender do contexto, com o consentimento expresso ou tácito do dono, ou, ainda, com a ignorância deste.

Não há, pois, uma fórmula precisa de atos concretos predefinidos[46] ou uma lista de sintomas que definam previamente a existência do ânimo de senhor, como debalde pretendeu elaborar a jurisprudência alemã, já que todos eles, conforme as circunstâncias do caso, podem ser praticados pelo possuidor a título precário[47].

Lembra Gustavo Tepedino[48] que a inversão por atos de contradição tem um caráter excepcional e que suas circunstâncias fáticas são apreciadas no campo probatório. Nessa linha, Fábio Caldas Araújo[49]adverte que a interversão unilateral da posse “deve ser valorada com muita cautela pelo julgador”, consoante ocorre em países como França, Portugal[50] e Itália, onde se exigem sinais certos e inequívocos de negação da pretensão dominial alheia, sendo insuficiente a transformação ocasional e superficial quanto ao animus.

Nas palavras de Ribeiro, “é ponto fundamental que o proprietário, de qualquer forma, tenha tido ciência dessa inversão”.[51] A prevalecer entendimento diverso, poderia o dono enganar-se facilmente quanto à efetiva violação de sua posição jurídica de proprietário e, por isso mesmo, correr o risco de ser considerado inerte e vir a perder sua propriedade por não haver repelido a tempo a suposta agressão (animus domini), quando, na verdade, consentia, tolerava ou mesmo ignorava o comportamento do possuidor[52], sendo certo, ainda, que reagiria caso devidamente cientificado da interversio possessionis

Com efeito, tal rigor comprobatório justifica-se na medida em que a razão de ser do instituto da interversão unilateral da posse consiste em penalizar, por assim dizer, proprietários desidiosos que se quedam inertes mesmo cientes da agressão ao seu domínio (superveniência de animus domini pela interversio possessionis), e não em surpreender com a perda da propriedade aqueles donos que, por mera liberalidade, e sem que abram mão de seu direito de propriedade, optam por conceder função social ao seu bem permitindo que terceiros dele se valham gratuitamente, ainda que por longo lapso de tempo e mesmo que com relativa autonomia no exercício dos atos possessórios, mas sempre com respeito ao domínio alheio, circunstâncias essas que, na verdade, apenas evidenciam a maior solidariedade e o caráter altruístico de que se reveste a concessão precária[53].

Como decorrência da presunção relativa de continuidade do caráter da posse (art. 1.203, CC-02), que, no caso da interversão unilateral, milita em desfavor do prescribente, por maior que seja o lapso temporal já decorrido, adverte Gustavo Tepedino[54]que aquele que de início exerceu o poder de fato a título precário (sem animus domini) é que terá o ônus de provar a transformação da sua posse não-própria (ad interdicta) em posse própria (ad usucapionem).

Por outro lado, embora até aqui se tenha mencionado por diversas vezes a necessidade de conhecimento efetivo por parte do dono quanto à ocorrência do esbulho (natureza receptícia da interversio possessionis), essa exigência só se justifica naqueles casos em que ao possuidor é possível cientificar o proprietário acerca da interversão unilateral operada no título da posse, seja porque dono e possuidor mantêm relações sociais frequentes, seja porque este pode contatar aquele em seu endereço residencial, comercial ou profissional, via telefone ou mesmo pela rede mundial de computadores (internet), levando ao seu conhecimento a prática do esbulho possessório.

Portanto, nessas hipóteses em que é viável a comunicação entre possuidor e proprietário, pelas razões já expendidas, o marco inicial da contagem do prazo para usucapião de fato há de ser a data da inequívoca ciência do proprietário quanto à inversão unilateral da causa possessionis (superveniência do animus domini). E, naturalmente, considerando a contundência e a robustez das provas exigidas, melhor sorte terá em juízo o possuidor que maior ênfase empregar na prática dos atos de contradição ao domínio alheio.

Situação bastante diversa, contudo, ocorre quando o dono injustificadamente se ausenta para local ignorado pelo possuidor, durante extenso lapso temporal, e sem deixar qualquer responsável pela administração do bem, o que configura uma conduta omissiva que muito se aproxima de um verdadeiro abandono. Desconhecendo o possuidor o paradeiro do proprietário e não havendo qualquer forma de contatá-lo, é de todo razoável dispensar-se a prova de que o dono estava efetivamente ciente a respeito da inversão unilateral do animus, sendo suficiente que o possuidor comprove a exteriorização de atos materiais perante a sociedade que revelem sua inequívoca intenção de querer agir na condição de proprietário (atos esses já exemplificados acima), de tal sorte que ao dono seria plenamente possível perceber a violação de seu direito caso não houvesse se ausentado por tanto tempo de maneira injustificada[55].

Portanto, para essa situação peculiar de aparente abandono, o início da contagem da prescrição aquisitiva deve ocorrer a partir do instante em que se constatar que o proprietário já teria condições de tomar conhecimento (mera cognoscibilidade) da oposição ao seu direito de propriedade em virtude da inequívoca exteriorização material do animus domini por parte do possuidor.

Não se pode olvidar que, para fins de mutação unilateral do título da posse, em qualquer das duas hipóteses aludidas (possibilidade e impossibilidade de levar o esbulho ao conhecimento do proprietário), o que deve o possuidor demonstrar em juízo, em primeiro lugar, é a induvidosa superveniência de seu animus domini pela prática de atos enérgicos de oposição, e não um suposto abandono por parte do proprietário.

 Isso porque a interversio possessionis por atos de contradição, como o próprio nome indica, não resulta automaticamente do comportamento omissivo do proprietário, mas sim da exteriorização de uma conduta inconteste de não reconhecimento do domínio alheio por parte do possuidor[56]. A só comprovação de um suposto abandono pelo proprietário não acompanhada da prática de atos de insubordinação pelo possuidor indica, na verdade, que este realizou apenas “uma mera gestão de negócio alheio”[57], sem qualquer prejuízo ao direito do dono.

Além de preencher os demais requisitos genéricos da prescrição aquisitiva, a posse própria adquirida por abuso de confiança somente será útil para efeito de usucapião extraordinário (que dispensa a boa-fé e o justo título) se no curso de todo o lapso usucapional o possuidor não vier a praticar qualquer ato de reconhecimento do domínio alheio– como já ressaltado - e tampouco se cercar de precauções tendentes a inviabilizar a reação por parte do proprietário, como se daria no caso de ocultação ardilosa da coisa móvel mantida sob seu poder.[58]

 Tome-se o exemplo do possuidor direto de um veículo gravado com a cláusula de alienação fiduciária em garantia: se o devedor fiduciante pratica atos eficazes de contradição ao domínio do credor fiduciário, notificando a instituição financeira quanto à transformação unilateral da posse subordinada em posse insubordinada (mutatio causae possessionis), a nova posse exercida a título de proprietário somente conduzirá ao usucapião se ao longo de todo seu exercício o possuidor não houver criado obstáculos a que o proprietário pudesse afastar judicialmente a agressão ao seu patrimônio, pois, na hipótese contrária, não é correto reputar inerte o proprietário que não defendeu seu direito unicamente porque lhe era impossível fazê-lo em tais circunstâncias. É o que deflui, aliás, do vetusto brocardo contra non valente magere non currit praescriptio. (não corre prescrição contra aquele que não pode agir).

Nessa linha, analisando um caso semelhante a esse mencionado com propósitos ilustrativos, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu, no julgamento do Recurso Especial Nº 881.270 – RS, que “a transferência a terceiro de veículo gravado como propriedade fiduciária, à revelia do proprietário (credor), constitui ato de clandestinidade, incapaz de induzir posse (art. 1208 do Código Civil de 202), sendo por isso mesmo impossível a aquisição do bem por usucapião”.[59]

Por fim, não é ocioso destacar ainda a prevalência da realidade fática no exame da posse e de suas características. Em matéria possessória, o mundo dos fatos deve sempre sobrepor-se à abstração e aos formalismos dos títulos jurídicos, os quais nem sempre refletem o que se passa efetivamente no plano concreto.[60]

Logo, o mais adequado é que o animus domini do possuidor seja examinado levando-se em conta somente a exteriorização de sua conduta de plena autonomia e insubordinação frente ao proprietário (critério objetivo-factual - primazia da realidade sobre a forma), sendo irrelevantes para esse fim a simples intenção de dono não materializada no mundo externo (critério subjetivo-psíquico), bem como as meras declarações de vontade expressas abstratamente em um contrato (critério objetivo-contratual), sem qualquer correspondência fática[61].

6 – A polissemia do vocábulo precariedade no contexto da interversão unilateral da posse (interversio possessionis)

No Brasil, questão central e bastante tormentosa no estudo da interversão unilateral da posse diz respeito à ambiguidade do termo precariedade, que tem se prestado há mais de século a significações diametralmente opostas, ora designando o momento antecedente (anterior ao abuso de confiança, em que não há intenção de dono), ora o momento subsequente (posterior ao abuso de confiança, em que há intenção de dono) da interversio possessionis.[62].

Esse cenário pode ser atribuído em grande parte ao laconismo do legislador civilista, que, ao tratar do assunto, restringiu-se a fixar que a posse precária é uma posse injusta (consoante interpretação a contrario sensu dos artigos 489 do Código Civil de 1916 e 1.200 do Código Civil de 2002), sem especificar em que consiste a precariedade ou mesmo estabelecer a finalidade da classificação da posse em justa ou injusta, tarefas de que se incumbiram a doutrina e a jurisprudência nacionais, não sem profundos e intricados embates teóricos.

Em sua obra Prelecções de Direito Civil (direito das cousas), publicada em 1937, Alvino Ferreira Lima já chamava a atenção para existência dessa polêmica no direito pátrio[63]. E, entre os estudiosos contemporâneos, Marcus Vinícius Rios Gonçalves e Francisco Eduardo Loureiro repercutem essa controvérsia, o que demonstra a atualidade da discussão[64].

Atentos para esse problema terminológico, que dá margem a que uma única expressão (posse precária) designe tanto o poder de fato com animus domini como o sem animus domini, em diferentes épocas juristas de escol propuseram parâmetros para contorná-lo.

Clóvis Beviláqua, Carvalho Santos, Pontes de Miranda, Serpa Lopes, Gustavo Tepedino, de uma forma geral, asseveram que o título, a concessão ou o caráter precário do poder de fato nos casos de mera permissão, tolerância e de posse direta - hipóteses marcadas pela transitoriedade e pela licitude em razão do reconhecimento do domínio alheio - não pode ser confundido com a noção de posse precária entendida como posse própria e injusta decorrente do abuso de confiança.[65] Nelson Rosenvald e Cristiano Farias vão além e recomendam, para se evitar confusões, que a expressão posse precária seja reservada para designar apenas essa posse viciosa (injusta), denominando-se a direta (posse justa) de posse temporária.[66]

Nada obstante, provém de Lenine Nequete a mais acurada e esclarecedora percepção sobre o tema.[67] Da obra desse autor, é possível extrair a chave para se compreender a origem dessa equivocidade conceitual, consistindo ela basicamente em separar os diferentes contextos em que a palavra precariedade (ou a expressão posse precária) é empregada pela comunidade jurídica.

Assim, em matéria de usucapião, quando se perquire acerca do elemento animus domini, a expressão posse precária designa a sua ausência, e, portanto, refere-se ao momento antecedente da interversio possessionis, em que há reconhecimento do domínio alheio (posse direta ou atos mera permissão ou tolerância); já em matéria de ação possessória, a expressão posse precária é utilizada para indicar a posse injusta adquirida por meio do abuso de confiança, conforme previsão contida no art. 1.200 do Código Civil de 2002, referindo-se, pois, ao momento subsequente da inversão unilateral do título possessório, ocasião em que o até então possuidor direto já deixou de reconhecer o domínio alheio a que anteriormente se subordinava, daí derivando a caracterização do seu animus domini.[68]

Avançando um pouco mais nesse debate, vale lembrar que a divisão da posse em justa e injusta para efeito de proteção via interditos possessórios (art. 1.200 do Código Civil) leva em conta somente o modo pelo qual a posse foi obtida, isto é, a situação fática existente no momento de sua aquisição[69]. Em outras palavras, a posse adquirida de um modo justo é, de acordo com Lafayette Pereira Rodrigues, aquela que não começou “ou por violência (vi), ou clandestinamente (clam), ou a título precário (precario)”.[70]

Portanto, é a origem, a circunstância fática inicial, as características presentes no princípio do controle material que determinarão ulteriormente seu caráter justo ou injusto, mesmo que – e isso é muito importante - venha a se verificar no plano dos fatos a cessação dessa situação originária. Exemplificativamente, caso os atos de violência ou de clandestinidade empregados na obtenção da posse plena tenham fim, ainda assim essa origem violenta ou clandestina terá o condão de inquinar de injusta a posse daí resultante. [71]

O mesmo se diga quanto à posse injusta em razão da precariedade. Com efeito, no momento inicial do poder de fato sobre a coisa, antes da inversão unilateral do título possessório, há uma situação de precariedade (ausência de animus domini) que cessa no plano dos fatos no exato momento em que ocorre o abuso de confiança.[72] Note-se que a posse em nome próprio (com animus domini) resultante da mutatio causae possessionis por atos de contradição reputa-se injusta relativamente ao esbulhado exatamente porque o abuso de confiança coloca fim ao título precário lícito (ausência de animus domini) havido anteriormente[73]

Ora, se a circunstância determinante para a qualificação da posse como justa ou injusta é unicamente a situação fática havida inicialmente no controle material, mesmo que esta já tenha cessado no plano dos fatos, segue-se daí que, no contexto dos interditos possessórios, as expressões posse violenta, posse clandestina e posse precária – ao contrário do que à primeira vista poderia parecer - não se referem a uma situação de efetiva violência, clandestinidade ou precariedade (ausência de animus domini), e sim à situação imediatamente posterior à cessação material da violência, da clandestinidade ou da precariedade (ausência de animus domini).[74]

Por conseguinte, na interpretação do art. 1.200 do CC-02 (art. 489 do Código Beviláqua), posse violenta deve ser entendida como posse própria precedida ou adquirida por violência; posse clandestina deve ser entendida como posse própria precedida ou adquirida por clandestinidade; e posse precária deve ser entendida como posse própria precedida de precariedade ou adquirida por abuso de confiança.

Sendo assim, conclui-se que tais expressões possuem uma redação elíptica. A elipse é uma figura de linguagem assim definida pelo dicionário Houaiss[75]: “num enunciado, supressão de um termo que pode ser facilmente subentendido pelo contexto linguístico ou pela situação”. Pelos argumentos acima apresentados, conclui-se que é exatamente isso o que se verifica na redação do art. 1.200 do Código Civil, o que, contudo, não constitui a melhor técnica legislativa[76].

Uma breve incursão histórica revela essa constatação de forma clara.

 Especificamente no que toca à precariedade, verifica-se que antes mesmo da vigência do Código Civil de 1916 não era incomum o emprego da expressão posse precária (redação com elipse) para se referir à posse injusta e com animus domini que resulta do abuso de confiança[77], acontecimento este que põe fim ao título precário originário.[78]

 Porém, em dois dos principais trabalhos precursores de nossa codificação (Esboço de Teixeira de Freitas e Projeto de Código Civil Brasileiro de Clóvis Beviláqua), a melhor técnica legislativa prevaleceu na designação do momento subsequente da interversio possessionis (posse injusta/viciosa, com animus domini), haja vista a preferência dada por seus autores à redação expressa (posse adquirida/obtida por abuso de confiança) em detrimento da elíptica (posse precária).

 Nesse sentido, consta do Esboço[79]: “Art. 3.723 Dar-se-á posse adquirida por abuso de confiança quando quem recebeu a coisa com obrigação de restituí-la, qual o locatário, comodatário e qualquer possuidor a título precário, recusou depois a restituí-la”. Da mesma forma, preconiza o Projeto de Beviláqua[80]: “Art. 570 Quando a posse é obtida por violência, dolo ou abuso de confiança, reputa-se viciosa e o possuidor de má-fé”.

Ademais, em perfeita sintonia com o referido art. 3.723 do Esboço de Teixeira de Freitas (“e qualquer possuidor a título precário”), Clóvis Beviláqua complementa doutrinariamente que:

“O vício, naturalmente, não está na precariedade da posse. É perfeitamente lícita a concessão da posse de uma coisa, a título precário, isto é, para ser restituída, quando o proprietário a reclamar. O vício está na recusa da restituição, a que se obrigara o possuidor.”[81]

Como se nota, nessas passagens é bastante perceptível a distinção que deve ser feita entre as sucessivas etapas que integram a interversão unilateral da posse, quais sejam, a situação inicial de precariedade (ausência de animus domini), o abuso de confiança (esbulho consistente na inversão por ato próprio que substitui o primitivo título precário) e a posse insubordinada (com animus domini) viciosa/injusta resultante da apropriação indevida da coisa (posse precária, segundo o art. 1.200 do CC-02).

Ocorre que supracitado art. 570 do projeto elaborado por Clóvis Beviláqua sofreu uma alteração ao ser submetido a uma Comissão Revisora. Um de seus membros, Dr. Barradas, apresentou um substitutivo para que o dispositivo recebesse novo texto.[82]

Essa nova redação legal, que acabou consagrada no art. 489 do Código Civil de 1916 (“É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária”), inspirava-se nas lições de Lafayette Rodrigues Pereira sobre o tema, segundo relatou tempos depois o próprio mentor da codificação[83].

Assim, foi nesse momento que se deu a opção legislativa pela redação elíptica, omitindo-se deliberadamente palavras (precedida de, obtida por, adquirida por, havida por ou iniciada com) que, mesmo não ditas expressamente, estão aí subentendidas.

Como noticia João Luiz Alves[84], essa alteração aprovada para o art. 570 do Projeto de Clóvis, sendo apenas de forma, não afetou a substância normativa do preceito, que já vimos ser a de, para fins processuais, reputar viciosa (injusta) em relação ao esbulhado a posse própria que o agressor adquiriu por meio de violência, clandestinidade ou abuso de confiança, possibilitando, assim, sua proteção judicial.

Nessa esteira, pode-se concluir que a aludida imprecisão conceitual a que Lenine Nequete se refere ocorre porque quando se diz que a posse precária (momento subsequente da intervesio possessionis, com animus domini) é uma posse injusta para fins de proteção interdital, o adjetivo precária é aqui empregado tendo em conta a situação existente na origem do poder de fato, ou seja, fazendo-se referência à posse precária (momento antecedente da interversio possessionis, sem animus domini) que havia antes da ocorrência do abuso de confiança. Dizendo de outro modo, por mais que a posse precária (momento antecedente, sem animus domini) cesse em decorrência do abuso de confiança, a nova posse a que este dá origem (momento subsequente, com animus domini) continua a qualificar-se como precária porque este adjetivo cumpre a função de indicar não a situação atual do poder de fato (presença de animus domini), mas suas circunstâncias originárias (ausência de animus domini), anteriores ao abuso de confiança.

Urge, pois, em nome do desenvolvimento da ciência jurídica, dar um passo além na tentativa de se promover a sistematização dessa divergência conceitual. Nesse caminhar de ideias, e como corolário do raciocínio doutrinário até aqui apresentado, há que se separar o sentido literal do sentido elíptico da expressão posse precária.

Como demonstrado, o sentido literal tem lugar no contexto do usucapião e serve para indicar a ausência de animus domini.  Refere-se, pois, ao controle material exercido com reconhecimento do domínio alheio (momento antecedente da interversio possessionis). Daí por que o poder de fato precário, nessa acepção, configura uma situação legítima, já que se funda no consentimento do proprietário.

A posse precária em sentido literal (ausência de animus domini) ainda subdivide-se em precariedade estrita e precariedade ampla.[85]

Posse precária em sentido literal e estrito relaciona-se ao precarium dos romanos, consistente no pacto desprovido de formalidades mediante o qual o proprietário (rogatus) permitia que um terceiro (rogans) desfrutasse momentaneamente de seu bem, sem que disso resultasse aquisição ou perda de direitos para os envolvidos, pelo que a concessão provisória poderia ser retirada ao alvedrio do dono (revogabilidade ad nutum), titular que era do direito potestativo de desfazer a situação fática assim estabelecida quando bem lhe aprouvesse, não podendo o precarista opor qualquer tipo de resistência jurídica.[86]

Em nosso direito atual, posse precária (precariedade) em sentido literal e estrito corresponde aos atos de mera permissão ou tolerância previstos na primeira parte do art. 1.208 do Código Civil de 2002, reprodução do art. 497 do Código Civil de 1916, atos estes que, no rigor técnico-jurídico, constituem na verdade hipótese de mera detenção dependente (posse degradada). Na doutrina, diversos autores apontam a precariedade desses atos[87].

Por sua vez, a posse precária (precariedade ou título precário) em sentido literal e amplo corresponde à posse direta (posse não-própria, ad interdicta) resultante da relação de desdobramento possessório [88].

Enquanto a posse precária em sentido literal – estrito ou amplo - é utilizada no contexto do usucapião para assinalar a ausência de animus domini (posse direta ou detenção dependente), a posse precária em sentido elíptico é aquela que tem lugar no âmbito dos interditos possessórios (art. 1.200 do CC-02), sendo utilizada para indicar a posse injusta resultante do abuso de confiança (momento subsequente da interversio possessionis, já com animus domini, e, por isso mesmo, ilícito). Conforme salientado acima, o sentido elíptico da expressão posse precária deve ser entendido como posse plena (com animus domini) e injusta obtida por abuso de confiança ou, o que é equivalente, como posse própria e viciosa precedida de precariedade em sentido literal[89].

Como se vê, há na doutrina brasileira três acepções distintas para a expressão posse precária, duas delas referindo-se ao momento antecedente (sem animus domini) e a outra ao momento subsequente (com animus domini) da interversão unilateral da posse: 1) posse precária em sentido literal e estrito (referindo-se aos atos de mera permissão ou tolerância, sem animus domini); 2) posse precária em sentido literal e amplo (referindo-se à posse direta, sem animus domini); e 3) posse precária em sentido elíptico (referindo-se à posse injusta resultante do abuso de confiança, com animus domini).

Em parecer sobre o precário, publicado no ano de 1926, Miranda Jordão[90] atingiu o busílis da questão com muita perspicácia ao afirmar que “A posse precária pode assim ser justa ou injusta. É justa enquanto exercida com o consentimento de quem a outorga. Começa a ser injusta quando ha a recusa da restituição [sic]”.

Adaptando essa valiosa lição – verdadeiro achado teórico - à tipologia ora sugerida, tem-se que justa é a posse precária em sentido literal e amplo (posse direta sem animus domini), vez que lastreada na aquiescência do dono e exercida em harmonia com sua vontade, ao passo que injusta é a posse precária em sentido elíptico (posse própria resultante da interversão unilateral), porquanto fundada no abuso de confiança (esbulho) e exercida de forma contrária à vontade do proprietário.

Daí por que é possível falar-se em posse precária antes e após a ocorrência da interversio possessionis, mas sem se olvidar que em cada situação a precariedade possui um conteúdo diverso: no momento antecedente, significa ausência de animus domini; no momento subsequente, significa presença de animus domini como decorrência do abuso de confiança. Logo, sob essa ótica, a interversio possessionis pode ser conceituada como a transformação da posse precária (sentido literal) em posse precária (sentido elíptico).

Diga-se ainda que, posta a questão nestes termos, a aparente controvérsia mencionada no início deste capítulo sobre se a posse direta constitui ou não uma posse precária perde a sua razão de ser na medida em que essa discussão representa uma falsa contradição teórica, originada precisamente da falta de uma clara diferenciação entre posse precária em sentido literal e amplo (posse justa, sem animus domini) e posse precária em sentido elíptico (posse injusta, com animus domini).

Com isso quer se dizer que a posse direta é, sim, uma posse precária, mas apenas no sentido de que nela inexiste animus domini (posse precária em sentido literal), e não no de que a posse direta realmente seja uma posse injusta (posse precária em sentido elíptico), o que, de fato, constituiria evidente equívoco. 

Por fim, cabe analisar como a posse precária em sentido literal e amplo (posse direta) e a posse precária em sentido elíptico (posse injusta decorrente do abuso de confiança) se relacionam com o usucapião e com a possibilidade de defesa judicial, dois dos principais efeitos possessórios.

Assim é que, consoante pacífico entendimento doutrinário e jurisprudencial, a inexistência de animus domini no caso de posse direta (posse precária em sentido literal e amplo, referindo-se ao momento antecedente da interversio possessionis) configura vício somente para efeito de usucapião[91], e não para efeito de proteção judicial da posse[92], a qual, por ser ainda justa, é oponível – isto é, produz efeitos – em face de terceiros e até mesmo do proprietário (possuidor indireto). [93]

Já no momento subsequente da interversão unilateral posse, também não pairam dúvidas de que a posse com animus domini resultante do abuso de confiança (posse precária em sentido elíptico, referindo-se ao momento subsequente da interversio possessionis), embora seja justa com relação a terceiros, é considerada injusta em face do proprietário esbulhado, não podendo, por tal razão, a este ser oposta judicialmente.

 A questão crucial que se põe aqui é saber se essa posse injusta (posse precária em sentido elíptico, exercida com intenção de dono) pode, ou não, ensejar a aquisição da coisa por meio de usucapião. Viu-se anteriormente o posicionamento segundo o qual a posse resultante da alteração do caráter originário do poder de fato (superveniência de animus domini) pode, sim, fundamentar a prescrição aquisitiva. Contudo, há quem entenda que essa posse precária, por ser injusta (art. 1.200 do CC-02), não tem qualquer utilidade para fins de usucapião.

 Afinal, a possessio ad usucapionem deve ser uma posse justa? Eis o ponto nevrálgico da discórdia, que será explorado no tópico seguinte.

7 – Relação entre a posse injusta (sentido estrito) e a possibilidade de usucapião

A origem desse debate remonta ao nosso direito civil pré-codificado. No século XIX, o regramento da posse era praticamente inexistente, restringindo-se a algumas disposições referentes aos interditos possessórios nas ordenações Filipinas e na legislação extravagante, motivo por que o Direito Romano continuava a regular a matéria, embora com algumas adaptações.[94]

Em obra dessa época, seguindo a milenar tradição romana, Antônio Joaquim Ribas[95] conceitua posse justa como aquela “que é isenta de vícios, isto é, a que não é adquirida com violência, clandestinamente, ou com abuso de confiança — vi, clam, aut precario.” Mais adiante, ainda discorrendo sobre essa classificação, acrescenta o referido autor (p. 200) que os interditos possessórios (“interdictos recuperandae possessionis”) foram criados para possibilitar a recuperação judicial da posse tirada contra a vontade do possuidor por “acto violento, ou clandestino, ou por abuso de confiança no precário (sic)”.[96]

Interessante notar que, segundo Sílvio Rodrigues, com apoio na opinião de Lafayette Pereira e Corrêa Telles, a posse obtida por modo vicioso permanecia com a mácula da injustiça mesmo após a cessação material dos atos iniciais de violência e de clandestinidade e ainda que decorrido prazo superior a ano e dia contado do esbulho (aquisição violenta, clandestina ou por abuso de confiança), dado que poderia a vítima do desapossamento recorrer ao juízo possessório para reaver sua posse por meio da ação de força velha espoliativa.[97]

Nessa senda, quando se diziam injustas a posse violenta, a posse clandestina ou a posse precária, essas expressões não faziam alusão a atos concretos e atuais de violência, de clandestinidade ou de precariedade (reconhecimento do domínio alheio), pois apenas indicavam que esses atos foram praticados no início da posse como forma de obtenção do controle material sobre a coisa[98]

Eram tais expressões, conforme demonstrado no tópico precedente, utilizadas em seu sentido elíptico (i.e., com omissão deliberada de palavras subentendidas), e não no sentido literal, porquanto compreendidas como posse própria precedida de uma situação fática de violência originária, posse própria precedida de uma situação fática de clandestinidade originária e posse própria precedida de uma situação fática de precariedade originária.

Relativamente à prescrição aquisitiva, a Consolidação das Leis Civis, elaborada por Teixeira de Freitas[99], traz as seguintes disposições normativas: “Art. 1319. Posse, justo titulo, e boa fe, são os requisitos necessários para a prescrição aquisitiva.”;  “Art. 1321. O possuidor de má fé em tempo nenhum poderá prescrever” (sic).

Como se vê, também em consonância com a tradição herdada do direito romano, a boa-fé era considerada um requisito indispensável para o usucapião.[100]

Por representar a convicção de que a posse exercida tem fundamento jurídico, a boa-fé subjetiva não era reconhecida nos casos de posse injusta em razão de seu fato aquisitivo viciado, com o que ficava impedido o possuidor violento, clandestino ou precário (sentido elíptico) de vir a usucapir a coisa mantida sob seu poder fático.

Clóvis Beviláqua chegou, inclusive, a consignar essa presunção de má-fé do possuidor injusto em seu Projeto de Código Civil Brasileiro, cujo art. 570 prevê que “Quando a posse é obtida por violência, dolo ou abuso de confiança, reputa-se viciosa e o possuidor de má-fé“.[101]

Nesse contexto, importa ressaltar que a injustiça da posse constituía causa impeditiva do usucapião unicamente porque o possuidor injusto era tido de má-fé.[102] Em outros termos, a má-fé é que inviabilizava a prescrição aquisitiva, e não a natureza injusta da posse considerada em si mesma, que apenas fazia presumir a presença daquele vício subjetivo e tinha como finalidade primordial, como já salientado, fixar um parâmetro para a resolução de disputas judiciais envolvendo a tutela possessória (ius possessionis).

Destarte, nessa fase histórica do direito brasileiro, enquanto o critério posse justa ou injusta interferia necessária e diretamente na possibilidade de defesa judicial da posse por meio dos interditos, a relação entre a posse injusta e a inviabilidade de usucapião era meramente indireta, reflexa e circunstancial (não-necessária), haja vista que, reitere-se, o elemento determinante para o impedimento da prescrição aquisitiva era somente a presunção de má-fé que recaía sobre o possuidor injusto. 

Eis, em breves linhas, o cenário normativo anterior à codificação do direito civil brasileiro. Antes de prosseguir com a sequência histórica, faz-se necessária uma pequena observação, a saber: o regramento que passou a constar do Código Civil de 1916 (artigos 489, 492, 497 e 550) foi reproduzido pelo Código Civil de 2002 (artigos 1.200, 1.203, 1.208 e 1.238), de maneira que o debate doutrinário e jurisprudencial havido sob a égide daquele diploma não restou prejudicado com a vigência deste último.

Com a vigência do Código Beviláqua, duas modificações de grande impacto foram introduzidas na disciplina do tema ora investigado. A primeira, de interpretação relativamente fácil, consistiu na dispensa da boa-fé subjetiva para a espécie extraordinária de usucapião (art. 550, CC-1916 / art. 1238, CC-02), o que representou um rompimento com a tradição romana predominante na legislação anterior. A segunda, bastante controvertida, foi a previsão na última parte do art. 497 (art. 1.208, CC-02) de que os atos violentos ou clandestinos não autorizam a aquisição da posse senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade, o que acabou dando origem a duas novas concepções de posse violenta e posse clandestina.[103]

Diante desse novo cenário normativo, surgiu entre os estudiosos do assunto uma variedade de posições, na maior parte das vezes conflitantes e desconexas. Assim, com o objetivo de organizar o debate travado em nosso país desde então, fez-se necessário agrupar os diferentes argumentos e concepções – levando-se em conta a afinidade e proximidade lógica havida entre eles - em dois grandes blocos teóricos distintos, quais sejam: a teoria da utilidade da posse injusta para fins de usucapião e a teoria da inutilidade da posse injusta para fins de usucapião, cada qual com implicações diversas no tocante à viabilidade de usucapião no caso de posse precária.

Para os adeptos da teoria da utilidade da posse injusta para fins de usucapião, se no direito anterior era somente a presumida má-fé do possuidor injusto que impedia a consumação da prescrição aquisitiva, com a mudança legislativa operada no usucapião extraordinário, deixou de subsistir em nosso ordenamento jurídico qualquer óbice a que a posse violenta (sentido elíptico), a posse clandestina (sentido elíptico) ou a posse precária (sentido elíptico) se prestem a tal finalidade[104].

Essa corrente reafirma o entendimento predominante no século XIX de que o caráter justo ou injusto da posse somente tem relevância para fins de proteção judicial da posse, não interferindo direta e necessariamente na possibilidade de usucapião[105].

Reiteram também os partidários dessa tese que a posse injusta permanece viciada em face do esbulhado mesmo que cessados os atos iniciais de violência e de clandestinidade, e ainda que decorrido prazo superior a ano e dia contado da aquisição violenta ou clandestina, dada a previsão em nosso sistema jurídico da ação possessória de força velha[106].

Logo, só se pode falar em transformação da posse injusta em posse justa (convalescimento possessório[107]) se sobrevier uma nova causa possessionis apta a legitimar a situação fática (usucapião, compra e venda, comodato etc.).[108]Sobre esse ponto, Caio Mário da Silva Pereira[109] observa que a simples vontade ou ação do possuidor, bem como o mero decurso de tempo, não são hábeis a ensejar a conversão da posse injusta em posse justa, o que somente ocorre, nos seus dizeres, “mediante a interferência de uma causa diversa, como seria o caso de quem tomou pela violência comprar do esbulhado, ou de quem possui clandestinamente herdar do desapossado”.  

Relativamente ao prazo da prescrição aquisitiva, os defensores dessa teoria entendem que ele só começa a correr em favor do usucapiente após o fim dos atos violentos ou clandestinos, os quais constituem hipótese de mera detenção (art. 497 do CC-1916/art. 1.208 do CC-02)[110], ou após a ocorrência do abuso de confiança (interversio possessionis)[111], que faz cessar a posse precária em sentido literal (ausência de animus domini) e enseja o surgimento da posse precária em sentido elíptico (posse injusta), acarretando, portanto, a transformação do caráter originário do poder de fato em razão da superveniência unilateral da intenção de dono (interversão da posse por ato próprio), conforme autoriza o art. 1.203 do CC-02 (art. 489 do CC-1916).

Vale rememorar que, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), verifica-se atualmente certa tendência (posição majoritária)[112]em se acolher o resultado prático preconizado por essa teoria, admitindo-se viabilidade de a posse precária em sentido elíptico (posse própria e injusta resultante do abuso de confiança, isto é, da interversão unilateral do título) dar ensejo à prescrição aquisitiva.[113]

Já para os partidários da teoria da inutilidade da posse injusta para fins de usucapião, essa posse injusta (posse violenta, clandestina ou precária) não se reveste de juridicidade, isto é, não teria aptidão para produzir efeitos na órbita do Direito[114], razão pela qual não é hábil aamparar a prescrição aquisitiva.[115]

Nessa linha, só se pode cogitar de possessio ad usucapionem após a ocorrência do convalescimento possessório (transformação da posse injusta em posse justa), fenômeno que, na visão desses autores, estádisciplinado na segunda parte do art. 1.208 do CC-02 (art. 497 do CC-1916), verbis: “Art. 1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade”.

Além disso, para os defensores dessa tese, como o legislador nada dispôs acerca do fim da precariedade no dispositivo em comento (silêncio eloquente), a convalidação da posse injusta somente pode ocorrer nas hipóteses de posse violenta e posse clandestina, permanecendo a posse precária (sentido elíptico) viciada ad aeternum[116]

Quanto ao momento da convalidação, há divergências: para uns[117], a posse injusta se transforma em posse justa imediatamente após a cessação dos atos violentos ou clandestinos (posição essa que denominamos de convalescimento material); para outros[118], os atos de violência ou clandestinidade, enquanto materialmente existentes,configuraram mera detenção, surgindo a posse injusta apenas após sua cessação (note-se que, nesse aspecto específico, há uma coincidência com os argumentos da teoria da utilidade da posse injusta), porém tal posse injusta converter-se em posse justa após o decurso do prazo de ano e dia contado do fim dos atos violentos ou clandestinos (posição essa que denominamos de convalescimento temporal).

Vale lembrar que a teoria da inutilidade da posse injusta para fins de usucapião teve seu período áureo no Brasil durante o século XX, e ainda hoje exerce grande influência no meio jurídico, a ponto ser referida por diversos doutrinadores como o posicionamento clássico do direito pátrio[119].

Em razão disso, não é incomum se encontrar na doutrina e nos tribunais a assertiva de que o vício da precariedade não cessa jamais, permanecendo a posse precária sempre injusta, de tal sorte que o possuidor precário jamais venha a usucapir a coisa mantida sob seu poder, ainda que transcorra significativo lapso temporal após a inversão unilateral do título possessório (mutatio causae possessionis) como decorrência do abuso de confiança (esbulho).

Entretanto, importa frisar que nos últimos tempos tem aumentado de forma vertiginosa o número de autores que se opõem às premissas e consequências da teoria da inutilidade da posse injusta, colocando em evidência sua frágil consistência teórica.

Nessa trilha, para efeito de ilustração, trazemos à colação as claras e precisas lições de Hugo Nigro Mazzili e Wander Garcia[120], sem prejuízo das críticas de semelhante teor formuladas por outros estudiosos do tema:

“É importante que fique claro que é um erro dizer que a posse adquirida de modo vicioso (a posse injusta) se convalesce pela cessação da violência ou da clandestinidade e com o decurso do prazo de ano e dia. O que ocorre é que, enquanto não cessadas a violência ou a clandestinidade, está-se diante de mera detenção. Com a cessação destas, está-se diante de posse, mas injusta, posse essa que não perde seu caráter pelo decurso do prazo de ano e dia, ficando o possuidor injusto sujeito a sofrer uma ação possessória. O decurso desse lapso temporal apenas tem o condão de impedir que se utilize o rito especial da reintegração de posse, que traz a possiblidade da concessão de liminar.”

De fato, com a devida vênia, à luz de uma interpretação lógico-sistemática de maior rigor, a teoria da inutilidade da posse injusta para fins de usucapião não pode mais prosperar em nosso sistema jurídico.

Quanto à vertente do convalescimento material, é de se observar que, se o art. 1.208 do CC-02 é peremptório ao prever que atos violentos ou clandestinos não autorizam a aquisição da posse, não é correto falar-se em posse nessas situações, e, muito menos, acrescentar-lhe a adjetivação injusta. A nosso ver, é inarredável e elementar a noção lógica de que a existência de um sujeito é o pressuposto para a atribuição de um predicado, de tal maneira que, inexistindo sequer a posse (sujeito) nas circunstâncias consideradas, desarrazoado é imputar-lhe uma qualidade (injusta).[121]

Esse rebaixamento legal de uma situação que a princípio constituiria posse (causa possessionis) para mera detenção (causa detentionis) tem por objetivo obstar, relativamente ao esbulhado, a produção dos efeitos possessórios enquanto perdurar a prática dos atos de violência ou clandestinidade,impedindo-se, com isso, o curso da prescrição aquisitiva em favor do esbulhador, haja vista a impossibilidade de o titular do direito lesado reagir a tais agressões enquanto materialmente existentes.[122]

Por tal razão, não representa mero capricho do legislador ou orientação político-legislativa injustificável[123], mas sim a consagração do vetusto brocardo contra non valente magere non currit praescriptio (não ocorre prescrição contra aquele que não pode agir), atuando, portanto, como uma causa impeditiva do lapso usucapional (art. 1.244 do CC-02).

Com relação à vertente do convalescimento temporal, o próprio Sílvio Rodrigues, talvez o maior expoente na defesa da convalidação possessória após o período de ano e dia, atesta em nota de rodapé de sua obra – e isso tem passado despercebido à doutrina majoritária - que seu entendimento atualmente somente se sustenta de lege ferenda, e não de lege lata, haja vista que o art. 974 do Código de Processo Civil proclamou, de forma categórica, que as ações de tutela judicial da posse não perdem o caráter possessório mesmo que intentadas após o intervalo de ano e dia, o que, a seu ver, constitui “solução antiquada, inconveniente, resultante tão-só do amor à tradição”, mas que deve prevalecer por resultar da iniludível vontade do legislador.[124]

Nessa ordem de ideias, forçoso é concluir que a teoria da utilidade da posse injusta para fins de usucapião é a que guarda maior coerência, logicidade e compatibilidade com o sistema jurídico brasileiro.

A uma, porque representa o desdobramento natural da evolução histórica do pensamento jurídico sobre o tema, vez que no século XIX era apenas a má-fé que impedia o usucapião na hipótese de posse injusta; a duas, porque evidencia que a classificação da posse em justa ou injusta (sentido estrito) serve unicamente como critério para resolução judicial de conflitos de natureza possessória (ius possessionis), não tendo nenhuma ligação com o instituto do usucapião; a três, porque se coaduna com a literalidade da parte final do art. 1.208 do CC-02  (atos violentos e atos clandestinos como hipótese de detenção, que precede o surgimento da posse injusta); a quatro, porque se harmoniza com a previsão da ação possessória de força velha, visto que a posse adquirida com violência, clandestinidade ou abuso de confiança permanece injusta ainda que decorrido prazo de ano e dia (art. 974, CPC); a cinco,porque reconhece a existência elipse (figura de linguagem) na redação do art. 1.200 do CC-02, o que, no caso da precariedade, permite solucionar a secular divergência doutrinária atinente à polissemia desse vocábulo; a seis, porque demonstra que a posse injusta (no que se inclui a posse precária do art. 1200 do CC-02) pode gerar usucapião, posição consentânea com o entendimento jurisprudencial predominante no âmbito do Superior Tribunal de Justiça quanto à admissibilidade da interversão unilateral da posse (interversio possessionis); a sete, porque conduz à uma interpretação conforme à constituição, na medida em que prestigia os princípios constitucionais da função social da propriedade e da posse, da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da segurança jurídica e do direito à moradia.

8 - Considerações finais

A interversão unilateral da posse consiste na transformação da posse não-própria (posse ad interdicta) em posse própria (posse ad usucapionem) mediante a exteriorização de atos materiais inequívocos de oposição ao proprietário. Consequentemente, é fenômeno que implica dois momentos distintos do poder de fato sobre a coisa, intercalados pelo abuso de confiança (esbulho): o antecedente, sem animus domini, e o subsequente, com animus domini.

Conquanto o legislador pátrio não tenha disciplinado tal instituto de forma expressa no ordenamento jurídico brasileiro (Código Beviláqua e Código Reale), à maneira do que ocorre em países como França, Portugal e Itália, entende-se que o art. 1.203 do Código Civil de 2002 admite essa forma aquisitiva originária da posse na medida em que estabelece uma presunção meramente relativa (juris tantum) de continuidade do caráter possessório impresso pelo causa possessionis primitiva.

Além disso, o brocardo latino nemo sibi ipse causam possessionis mutare potest (ninguém pode mudar por si mesmo a causa da posse) é interpretado apenas no sentido de que a simples mudança subjetiva da vontade, sem qualquer repercussão no mundo exterior, é incapaz de provocar a mutação do título possessório. De tal sorte, a superveniência do animus domini na hipótese de interversio possessionis por iniciativa exclusiva do possuidor pressupõe a exteriorização de atos materiais inequívocos de oposição ao domínio alheio, os quais deverão ser demonstrados em juízo de maneira clara e bastante enfática, sob pena de não restar caracterizada a alteração da natureza inicial do poder de fato (i.e., a transição entre o exercício a título precário e o exercício a título de proprietário).

Quanto à aferição do animus domini, considerando-se a predominância da realidade fática em matéria possessória, há que prevalecer o critério objetivo-factual (conduta concreta do possuidor) sobre os critérios subjetivo-psíquico (vontade não materializada) e objetivo-contratual (título formal).

No tocante à precariedade, constatou-se um quadro de imprecisão terminológica na doutrina e jurisprudência nacionais, o que tem impedido o avanço da ciência jurídica nesse ponto específico e provocado extrema insegurança jurídica para proprietários e possuidores.

Demonstrou-se que essa divergência conceitual ocorre basicamente porque quando se diz que a posse precária (momento subsequente da intervesio possessionis, com animus domini) é uma posse injusta para fins de proteção interdital, o adjetivo precária é aqui empregado tendo em conta a situação existente na origem do poder de fato, ou seja, fazendo-se referência à posse precária (momento antecedente da interversio possessionis, sem animus domini) que havia antes da ocorrência do abuso de confiança. Dizendo de outro modo, por mais que a posse precária (momento antecedente, sem animus domini) cesse em decorrência do abuso de confiança, a nova posse a que este dá origem (momento subsequente, com animus domini) continua a qualificar-se como precária porque este adjetivo cumpre a função de indicar não a situação atual do poder de fato (presença de animus domini), mas suas circunstâncias originárias (ausência de animus domini), anteriores ao abuso de confiança.

 Como forma de sistematização, foi apresentada a seguinte tipologia acerca das três acepções da expressão posse precária, duas delas ligadas ao momento antecedente (sem animus domini) e a outra ao momento subsequente (com animus domini) da interversão unilateral da posse: 1) posse precária em sentido literal e estrito (referindo-se aos atos de mera permissão ou tolerância, sem animus domini); 2) posse precária em sentido literal e amplo (referindo-se à posse direta, sem animus domini); e 3) posse precária em sentido elíptico (referindo-se à posse injusta resultante do abuso de confiança, com animus domini).   

Sob essa ótica, a interversão unilateral da posse pode ser conceituada como a transformação da posse precária em sentido literal e amplo (posse direta) em posse precária em sentido elíptico (posse adquirida por abuso de confiança), sendo a primeira justa e a segunda injusta.

Analisando-se o período anterior à codificação do direito civil (século XIX e início do século XX), constatou-se que a boa-fé era um requisito indispensável para a prescrição aquisitiva. Nesse contexto, a posse injusta (posse própria precedida de violência, clandestinidade ou de precariedade) não poderia gerar usucapião não pelo fato da injustiça da posse em si mesma considerada, mas, sim, pela presumida má-fé do possuidor injusto. A relação entre a posse injusta e a impossibilidade de usucapião era, portanto, meramente acidental e indireta.

Com a entrada em vigor do Código Beviláqua, que dispensou a boa-fé na hipótese de usucapião extraordinário e passou a prever que os atos violentos e clandestinos não autorizam a aquisição da posse senão depois de cessada a violência ou a clandestinidade, surgiram no Brasil duas posições doutrinárias antagônicas, a saber: teoria da utilidade da posse injusta para fins de usucapião e a teoria da inutilidade da posse injusta para fins de usucapião.

De acordo com a teoria da utilidade posse injusta, que tem ganhado cada vez mais adeptos nos últimos anos, a superveniência unilateral de animus domini, consubstanciada na exteriorização inequívoca de atos materiais de insubordinação frente ao proprietário injustamente desapossado, provoca a alteração do caráter originário da posse e, com isso, viabiliza a contagem de prazo para fins de usucapião a partir do abuso de confiança (inversão do título possessório), sem embargo da má-fé do possuidor e a despeito da natureza injusta da posse assim adquirida (posse precária, segundo o art. 1.200 do Código Civil), já que tal critério classificatório somente repercute no âmbito das ações possessórias, em nada interferindo na possibilidade de se consumar a prescrição aquisitiva.

De outra banda, para a teoria da inutilidade da posse injusta, construção que predominou no século XX, mas que vem sofrendo sérios reveses nos últimos tempos, a posse justa é um requisito indispensável para a ocorrência de usucapião, enquanto a precariedade, entendida como vício representativo do estado de inadimplência da obrigação de restituir a coisa, constitui defeito não passível de convalidação, razão pela qual ao possuidor precário não é dado jamais usucapir bem algum, ainda que transcorra significativo lapso temporal após a ocorrência do esbulho (abuso de confiança) seguida da inércia do proprietário, diversamente do que ocorre nos casos de posse violenta ou clandestina, aptas ao usucapião depois do convalescimento desses vícios (art. 1.208 do CC-02).

Associando-se a teoria da interversão unilateral da posse (interversio possessionis) – hoje majoritária no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ) - à teoria da utilidade da posse injusta para fins de usucapião, tem-se que a posse precária em sentido elíptico (posse injusta resultante do abuso de confiança) pode conduzir à prescrição aquisitiva, desde que reunidos os demais requisitos genéricos do usucapião. 

Nesse cenário, pode-se afirmar que a posse precária em sentido literal e amplo (posse direta) constitui um vício apenas para fins de usucapião (ausência de animus domini), e não para efeito de proteção judicial da posse via interditos (posse justa), ao passo que a posse precária em sentido elíptico (posse injusta decorrente do abuso de confiança) representa um defeito apenas para fins de defesa possessória relativamente ao esbulhado, mas não para efeito de usucapião. No primeiro caso, o convalescimento do vício (cessação da precariedade em sentido literal) ocorre com a interversio possesisonis (superveniência de animus domini), que faz surgir a posse precária em sentido elíptico (posse própria, exercida com intenção de dono), útil para fins de usucapião, embora injusta. No segundo caso, a convalidação do defeito (cessação precariedade em sentido elíptico) se dá, ou com a consumação da prescrição aquisitiva em favor do possuidor injusto, ou com a ulterior interversão bilateral do título possessório (v.g., compra e venda, comodato, doação, herança etc.), o que enseja a transformação da posse injusta (causa possessionis anterior) em posse justa (causa possessionis posterior).

 

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Sobre o autor
Delvito Neto

Servidor do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT).

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Mais informações

Este artigo constitui uma adaptação da monografia apresentada à Faculdade Almeida Rodrigues - GO como requisito para conclusão do curso de Direito. O texto traz uma contribuição para o estado da arte em matéria possessória, sistematizando uma controvérsia secular e oferecendo alternativas para sua superação.

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