Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Em nota sobre Lei de Repatriação, Receita induz contribuinte a pagar imposto isento

Agenda 26/08/2016 às 11:51

A Receita Federal entende que doador e donatário devem pagar o imposto de renda e a multa prevista na Lei de Repatriação para que ambos façam jus aos benefícios legais, porém entendemos que o fisco não pode exigir que o donatário pague o tributo e a multa

No dia 9 de agosto a Receita Federal divulgou em sua página eletrônica novas orientações a respeito da Lei de Repatriação, por meio do “Perguntas e Respostas”, canal que o fisco vem usando para esclarecer as dúvidas dos contribuintes e, porque não, antecipar sua interpretação a respeito de questões controvertidas da Lei nº 13.254/2016 e da IN RFB 1.627/2016, colocando mais lenha na fogueira com respostas para lá de polêmicas.

Chamou nossa atenção a resposta à pergunta de número “50”, que tem o seguinte teor:

“50) No caso de doação a descendente, em data anterior a 31 de dezembro de 2014, de bens adquiridos pelo doador com recursos objeto de evasão de divisas, a adesão ao RERCT deverá ser feita tanto pelo donatário como pelo doador?”

Em meio às incertezas que pairam sobre a Lei de Repatriação, deparamo-nos com situação semelhante e consultamos a Receita Federal para que esclarecesse dúvida parecida, também sobre caso de doação, mas a nossa ainda não foi respondida. A orientação ora divulgada de certa forma antecipou a resposta ao questionamento que formulamos.

A resposta “50” da Receita Federal, em resumo, foi que na hipótese em questão a regularização deverá ser feita pelo doador dos bens, que apresentará a Dercat e efetuará o recolhimento do imposto devido e da multa. Até aqui não vemos nada de errado, entendemos da mesma forma. O problema a nosso ver está na “nota 1” da resposta dada pela Receita Federal, que diz o seguinte:

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

 “Nota 1: Caso o donatário queira se beneficiar dos demais efeitos da lei – penais ou outros – não relacionados exclusivamente à questão tributária, em decorrência de sua conduta, ele deverá aderir ao RERCT.”

Segundo a interpretação da Receita Federal, se o donatário quiser se beneficiar da extinção da punibilidade dos crimes que porventura tenha cometido – como, por exemplo, omitir do fisco brasileiro o bem recebido e mantido no exterior – terá ele que fazer a adesão à Lei de Repatriação. Como se sabe, a adesão à Lei de Repatriação depende necessariamente do pagamento do imposto de renda sobre o valor do bem, a título de ganho de capital, à alíquota de 15%, mais multa de mesmo valor. Sem isso, a adesão não tem efeito.

Ou seja, segundo a resposta da Receita Federal, o donatário, assim como o doador, terá que pagar o imposto de renda e a multa, calculados sobre o valor do bem, para que seja beneficiado pela Lei de Repatriação. Vale dizer, doador e donatário terão que pagar o imposto e multa sobre o mesmo bem, para que os benefícios se estendam aos dois. Se apenas um deles pagar, o outro ficará exposto aos riscos penais, tributários e administrativos de sua conduta.

Não questionamos a obrigação do doador fazer o pagamento do imposto e da multa, já que se o bem originalmente era dele, e se foi ele quem cometeu o crime de evasão de divisas, ele deve regularizar a situação para se ver livre de problemas futuros. Não concordamos com a obrigação do donatário pagar o imposto de renda, e a razão é muito simples: como é cediço, a legislação tributária prevê como regra a isenção do imposto de renda na hipótese de doação, negócio sujeito ao pagamento do ITCMD – aliás, ao declarar a doação, o contribuinte corre o risco de ser autuado pelo fisco estadual.

A Receita Federal evidentemente sabe da isenção do imposto de renda na doação, mas por meio das “Perguntas e Respostas” induz o donatário a fazer a adesão à Lei de Repatriação – e consequentemente pagar o imposto de renda indevido –, usando o risco penal como pretexto para convencê-lo, sabedor de que este é o fator determinante para a adesão da maioria dos contribuintes que mantêm bens irregularmente no exterior.

O donatário deve sim pagar o imposto sobre os rendimentos porventura decorrentes do bem recebido em doação (alugueis, juros etc.), caso os tenha omitido da Receita Federal. Porém, se for o caso de aderir à Lei de Repatriação para se ver livre de algum crime que tenha em tese cometido, o donatário não deve pagar o imposto de renda a título de ganho de capital, que o fisco exige sobre o valor do bem recebido em doação como condição à adesão, devendo adotar medida judicial para fazer valer o seu direito à isenção.

Sobre o autor
Vinicius de Barros

Advogado especializado em Direito Tributário, sócio do escritório Teixeira Fortes Advogados Associados

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!