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O divórcio após a Emenda Constitucional n° 66/2010

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4. O DIVÓRCIO APÓS A EMENDA CONSTITUCIONAL N° 66/2010

A luta pelo divórcio no Brasil foi longa e tenaz. As alterações sociais modificaram a visão do que se tinha por família tradicional. As pessoas já não queriam insistir em conservar relações falidas e às vezes, só queriam ir atrás da felicidade, o que originava as chamadas famílias recombinadas.

Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald (2012, p. 401) aduzem que

todo projeto afetivo, inclusive o casamento, tende, naturalmente, à permanência. Não há casamento que seja celebrado pensando em sua dissolução. É preciso observar, de qualquer maneira, que muito mais relevante do que a manutenção de um casamento com o sacrifício da felicidade dos cônjuges é o respeito às liberdades e garantias individuais.

Fachin (2003, p. 194) sustenta que “uma história a quatro mãos tende ao sentido da permanência. Todavia, a liberdade de casar convive com o espelho investido da mesma liberdade, a de não permanecer casado”.

Nesse sentido, resta claro que ao se casarem as pessoas buscam eternizar o relacionamento, mas por diversas razões a relação adquire contornos que impedem que esse plano seja preservado e não há como nem porquê fazê-los manter uma relação a dois se a vida em comum não é mais prazerosa ou simplesmente acabou o amor.

Essa mudança de cenário clamava por um instituto que rompesse o casamento e todos os deveres dele decorrentes, permitindo que o indivíduo convolasse novas núpcias.

Nessa conjuntura, adveio o divórcio que para ser instituído esbarrava principalmente nos adversários convictos, congressistas antidivorcistas, apoiados fortemente pela Igreja Católica que perfilha que o matrimônio é um sacramento que une os cônjuges indissoluvelmente.

No começo, ao ser implantado, provocou uma certa onda de procedimentos judiciais, apesar de ter trazido uma série de requisitos temporais, além de análise do porquê do divórcio.

Mas as pessoas que o buscaram foram as pessoas que por ele esperavam há algum tempo, que buscavam legalizar suas situações, tanto que ainda é pouco expressivo o volume de rupturas de vínculos.

A despeito de antidivorcistas afirmarem que o implemento desse instituto despertaria o interesse de pessoas que não consideravam a hipótese, o que se vê é que "a ele recorrem aqueles que não encontraram no matrimônio a harmonia que é o clima da vida conjugal" (PEREIRA, C., 2013, p. 279).

Vale registrar que não é a existência do divórcio que desfaz casamentos, nem a exigência de prazos ou separações intermediárias que obstará sua feitura pelos que por ele desejarem (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 54).

Nos dizeres de Bittencourt (2002, p. 69) “as separações de casais não se operam apenas porque a lei as permite, o que é facilmente verificado pelo número de casais separados, sem processo judicial, em várias camadas sociais”.

O divórcio funciona, muito bem categoriza Bittar (1994, p. 1102), como “mecanismo formal de solução de conflitos irremediáveis ou de separações definitivas entre os interessados, ou seja, de remédio extremo para os casos de cessação total da affectio maritalis”.

O que se percebe é que "detectado o fim do afeto que unia o casal, não havia e não há qualquer sentido em se tentar forçar uma relação que não se sustentaria mais" (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2013, p. 540).

Pelo contrário, o Estado deve garantir "meios diretos, eficazes e não burocráticos para que, diante da derrocada emocional do matrimônio, os seus partícipes possam se libertar do vínculo falido, partindo para outros projetos pessoais de felicidade e de vida". (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2013, p. 540).

O Direito de Família, no caráter atual, em perspectiva constitucional, deve primar pela intervenção mínima do Estado na vida dos cidadãos, atuando de forma a facilitar e desburocratizar os instrumentos que os indivíduos necessitam ao longo da vida. Nesse sentido, Gagliano e Pamplona Filho (2010, p. 48):

O Direito de Família, em sua nova perspectiva, deve ser regido pelo princípio da intervenção mínima, desapegando-se de amarras anacrônicas do passado, para cunhar um sistema aberto e inclusivo, facilitador do reconhecimento de outras formas de arranjo familiar, incluindo-se as famílias recombinadas (de segundas, terceiras núpcias etc).

Farias (2007, p. 37) posiciona-se muito bem ao afirmar que “adentrar a vida privada do casal para discutir aspectos que lhe são íntimos viola, sem dúvida, as suas garantias fundamentais, expondo a parte mais íntima de suas vidas a uma indevida publicidade”.

À vista disso, no que concerne o rearranjo familiar, o Estado deve garantir que a vontade dos cônjuges seja respeitada, afinal apenas a eles cabe a decisão do término do vínculo conjugal, e só intervir diretamente para tratar questões afetadas pelo fim do casamento (guarda de filhos, uso do nome, alimentos, divisão patrimonial etc.)

Por isso, tanto para o divórcio, quanto para o outrora vigente instituto da separação, a tendência deve ser sempre a sua facilitação, e não o contrário. E como bem lembram Gagliano e Pamplona Filho (2010, p. 52) “o divórcio, diretamente concedido, atende com recomendável e pela eficiência aos anseios de quem pretende livrar-se de uma relação afetiva falida”.

Pereira (R., 2013, p. 43) lembra:

Em 1977, o argumento usado para se manter na lei o instituto da separação judicial como alternativa ao divórcio era puramente religioso. Tinha-se a esperança de que os católicos não se divorciariam, apenas se separariam judicialmente. A realidade, diferente do que se temia, foi outra: católicos se divorciam, não houve uma “avalancha” de divórcios, e as famílias não se desestruturaram por isso. Ao contrário, as pessoas passaram a ter mais liberdade e conquistaram o direito de não ficarem casadas. Ora, o verdadeiro sustento do laço conjugal não são as fórmulas jurídicas. O que garante a existência dos vínculos conjugais é o desejo.

Em 2007, a aprovação da Lei 11.441 representou um expressivo avanço nesse sentido, pois ao regular a separação e o divórcio administrativos (extrajudiciais) de fato simplificaram o processo. Essa lei permitiu que casais, sem filhos menores ou incapazes, pudessem, consensualmente, lavrar escritura pública de separação ou divórcio, em qualquer Tabelionato de Notas do País.

O outro passo relevante veio com a Emenda Constitucional n° 66/2010 (Projeto de Emenda Constitucional n. 28, de 2009), a chamada “PEC do Divórcio”, que modificou o parágrafo 6º do art. 226, da CF, assingelando o processo de dissolução do casamento e trazendo algumas discussões quanto a permanência de institutos anteriores.

4.1. Extinção da separação judicial

A Emenda Constitucional n° 66, em vigor a partir de 14 de julho de 2010, trouxe significativas mudanças no tocante à Separação e ao Divórcio. Mas não há unanimidade quanto a subsistência do sistema dual de dissolução da sociedade conjugal e do casamento, pois há entendimento de que referida emenda tenha revogado a separação.

Os que alegam a manutenção do instituto da separação se aferrolham no fato de a Constituição não ter a revogado expressamente, permanecendo, portanto, os institutos do Código Civil que sobre ela tratam.

Cahali (2011, p. 72), por exemplo, afirma que

A disposição constitucional, em sua nova versão, continua não tendo nenhuma pertinência com a separação legal, à qual agora nem ao menos faz referência, prevista aquela, como sempre esteve, a respectiva disciplina, de forma autônoma e exclusiva regulada na legislação ordinária.

Mas existem doutrinadores que defendem que ao estabelecer que o casamento pode ser dissolvido pelo divórcio, a Constituição exclui qualquer requisito prévio e, portanto, deixa de tutelar a separação judicial.

Nesse sentido, Rolf Madaleno (2013, p. 204) assevera a dificuldade de convivência dos institutos da separação e do divórcio após a reforma, pois antes os dois institutos recebiam tratamento constitucional explícito, o que não continuou com a mudança, caracterizando a extinção da separação por absoluta incompatibilidade com a Constituição, haja vista a nova redação do § 6° do artigo 226 da Carta Federal, com força normativa própria, haver apenas mantido a figura jurídica da dissolução do vínculo conjugal.

Ao tratar sobre o assunto, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2012) fazem análise da disposição normativa e revelam que ao entrar em vigor, a Emenda Constitucional n° 66/2010 produziu efeitos imediatos e vinculou as normas infraconstitucionais e por isso, revogou todas as disposições contidas nestas que faziam referência a separação e suas causas.

Tartuce (2014, p. 457) também afirma que “a inovação tem aplicação imediata, como norma constitucional autoexecutável. Assim, não há a necessidade de qualquer ponte infraconstitucional para a sua eficácia, o que está de acordo com a doutrina que reconhece a força normativa da Constituição”.

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Caio Mário (2013, p. 285) ofereceu uma solução diferente. Não adentrou no cerne da questão, não confirmou a extinção do instituto da separação. Afirmou apenas que o direito brasileiro dispensou tais normas, permitindo que o legislador ordinário fique livre para conservá-los ou não, aplicá-los ou não conforme seu livre e amplo juízo de conveniência.

Os doutrinadores que acreditam na preservação do instituto da separação judicial no ordenamento jurídico apontam que embora dispensados os requisitos temporais, tanto para a modalidade consensual quanto para a litigiosa, é possível promover a separação a qualquer tempo e inclusive com qualquer tempo de casamento, sem precisar recorrer forçosamente ao divórcio (MADALENO, 2013, p. 204).

Washington de Barros e Regina Beatriz (2012, p. 235) alegam que a Constituição apenas silencia ou não faz referência à separação, pois não se mostra razoável “considerar justa e adequada a eliminação da espécie dissolutória culposa, isto é, daquela que se baseia no grave descumprimento de dever conjugal”.

Para eles, a supressão da espécie dissolutória culposa acarretaria a violação à dignidade da pessoa humana, vez que permitiria que o cônjuge que traiu tivesse direito a pensão alimentícia plena, por exemplo, mesmo tendo descumprido dever conjugal.

Defendem ainda que “se fosse suprimida a forma dissolutória culposa, os deveres conjugais passariam a ser meras recomendações, e não deveres propriamente ditos”.

Ao defender a permanência do sistema dual, Regina Beatriz (2012, p. 23) faz analogia ao período em que a Constituição não tratou do desquite, mas o instituto continuava em vigor. E acrescenta que a interpretação da lei deve ser feita independente da intenção de seu autor.

Outros estudiosos argumentam que “embora conste formalmente do texto constitucional, nem todas as normas são materialmente constitucionais” (EVANGELISTA; MADEIRA; GUERRA, 2010, p. 171). Mas as normas infraconstitucionais devem estar de acordo com a Constituição sob pena de incorrerem em inconstitucionalidade.

Há ainda argumentos religiosos para defender a permanência do instituto da separação. Washington de Barros e Regina Beatriz (2012, p. 330) preconizam

Se suprimido o instituto da separação, uma de duas hipóteses obrigatoriamente ocorreria. Numa, o cônjuge que professa religião que não admite o divórcio se divorciaria e ficaria irregular perante sua crença, privado, assim, do livre exercício religioso. Noutra, o cônjuge que professa essa religião manter-se-ia sempre em separação meramente de fato e estaria irregular perante o Estado, vivendo em situação híbrida, que nunca é recomendável.

No entanto, como muito bem adverte Pereira (R., 2013, p. 46):

Não podemos misturar Direito com valores morais particulares e religiosos. A história do Direito de Família já nos mostrou todas as injustiças provocadas por esses valores, tais como a exclusão de determinadas categorias do laço social, ilegitimando filhos, famílias, em nome de uma moral sexual civilizatória. Não podemos continuar repetindo essas injustiças. E é, principalmente por isso que os argumentos de ordem moral-religiosa não podem prescrever as regras jurídicas.

No mesmo sentido, Dom GERALDO LYRIO ROCHA, lembrado por Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2013, p. 544), pontuou:

se, no âmbito eminentemente católico, o casamento continua a ser indissolúvel, isso toca à crença de cada um, não se podendo, assim, pretender deslocar para o âmbito jurídico — de um Estado que admite a crença em Deus de diversas formas — uma discussão que é eminentemente religiosa, segundo o credo de cada um.

Em suma, os defensores da manutenção da separação no ordenamento acreditam que a Emenda Constitucional n° 66/2010 não excluiu a separação, tendo acarretado apenas a sua eliminação como requisito do divórcio, conservando-se, pois, as causas da separação judicial, aplicando-as ao divórcio.

Efetivamente inexistem razões para se manter no sistema jurídico a dualidade de procedimentos, primeiro passando pela dissolução da sociedade e depois pela dissolução do vínculo conjugal, senão o de forçar os cônjuges à duplicidade de procedimentos, requerendo por duas vezes a ruptura oficial do mesmo casamento. (MADALENO, 2012, p. 200)

A manutenção do instituto da separação judicial tinha razão de ser somente pelo improvável arrependimento e expectativa de eventual reconciliação dos casais, mas a prática revelou que a recomposição de pares legalmente separados são bastante reduzidas, não se revelando interessante conservar esse processo dual.

O volume de casais que retomavam o casamento era insignificante se comparado com o número de separações convertidas em divórcio. “Em regra, marido e mulher vão a juízo depois de definitivamente divorciados perante o foro de seus próprios corações” (BITTENCOURT, 2002, p. 70).

Orlando Gomes (1978, p. 258) assevera que “a reconciliação tanto é possível na separação consensual como na separação litigiosa”. Expõe ainda que é mais fácil de ocorrer na primeira, quando é realmente amigável que na segunda, e já em 1978 as estatísticas provavam que, tanto numa como na outra, sucede sem frequência.

Gagliano e Pamplona Filho (2010, p. 56) sustentam que alegar a reconciliação para defender a manutenção da separação não prospera em virtude das várias desvantagens desse instituto.

Ainda que nenhuma alteração tenha ocorrido diretamente nos artigos do Código Civil que ainda tratam da separação judicial consensual ou litigiosa, e tampouco na Lei n. 11.441/2007, que aborda a separação consensual extrajudicial, a separação perdeu o sentido de existir, pois não é mais possível buscá-la para depois convertê-la em divórcio, só seria viável em caso de discussão de culpa que também não mais opera, além de que uma norma constitucional tem preferência sobre norma ordinária.

Ademais “esse entendimento somente poderia prosperar se arrancasse apenas da interpretação literal, desprezando-se as exigências de interpretação histórica, sistemática e teleológica da norma” (LOBO, 2011, p. 151). No entanto, quando há mais de uma interpretação possível, prevalece a que confere mais efeitos à norma, segundos seus fins sociais, e não a que os reduzem ou suprimem.

Mister esclarecer que não mais se justifica defender o sistema dual de rompimento do casamento, pois a tendência observada nos ordenamentos jurídicos ocidentais é a de que o Estado deixe de interferir na vida privada e na intimidade dos cidadãos.

Gagliano e Pamplona Filho (2013, p. 536) classificam como uma completa mudança de paradigma, pois o Estado busca se afastar da intimidade do casal, reconhecendo a autonomia destes para extinguir, pela sua livre vontade, o vínculo conjugal, sem necessidade de requisitos temporais ou de motivação vinculante.

A intromissão judicial na vida privada dos cônjuges deve ser evitada ao máximo, principalmente numa época em que se procura preservar a intimidade a qualquer custo (VENOSA, 2013, p. 160).

Desta forma, defender a permanência da separação é querer dar sobrevida ao instituto esvaziado de funcionalidade que só serviria para prolongar sofrimentos evitáveis e “não há porque se advogar pela mantença no ordenamento jurídico de um instituto sem aplicação prática” (EVANGELISTA; MADEIRA; GUERRA, 2010, p. 201).

Como bem explicam Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald (2012, p. 405), “o fim do projeto de comunhão plena de vida (constituído por laços de afeto) tem no desamor seu único fundamento”.

O divórcio, a partir da alteração trazida com a Emenda Constitucional n° 66/2010 passou a ser a única forma de dissolução do casamento, independentemente de qualquer lapso temporal ou discussão de causa.

4.2. Separados no curso da Emenda Constitucional n° 66/2010

Regina Beatriz (2012, p. 28) afirma que “com a supressão do divórcio conversivo [...], não se pode aceitar um vazio legislativo decorrente de falta de recriação do direito posto”.

Mas não há que se falar em vazio legislativo, pois as pessoas separadas ao tempo da promulgação da emenda em epígrafe que não tenham buscado o divórcio não podem ser consideradas divorciadas. Tais pessoas permanecem com status de separadas. “Os casais separados judicialmente continuarão nessa situação até que lei ordinária defina diferentemente” (VENOSA, 2013, p. 175).

A alteração constitucional não teria o condão de modificar uma situação jurídica perfeitamente consolidada segundo as regras vigentes ao tempo de sua constituição, sob pena de gerar perigosa e indesejável insegurança jurídica como alertam Gagliano e Pamplona Filho (2010, p. 139).

Evangelista, Madeira e Guerra (2011, p. 169) afirmam que as pessoas separadas judicialmente ou de fato podem, de pronto, requerer a conversão da separação em divórcio, não havendo mais a necessidade da observância de tempo, mas se não há necessidade de observar lapso temporal trata-se de pedido de divórcio direto e não divórcio conversão.

Imperioso avultar que as declarações prestadas para comprovar o lapso temporal exigido muitas vezes eram enganosas e serviam apenas para engambelar o julgador e dar por cumprida uma “exigência legal e descabida, porque em total descompasso com o progresso das relações pessoais e sociais, que restaram rediscutidas com a consagração do princípio da dignidade humana” (EVANGELISTA; MADEIRA; GUERRA, 2011, p.169).

Até que promovam o divórcio direto, por iniciativa de um ou de ambos, continuam na condição de separadas. Mas ao buscarem o divórcio, não têm que observar qualquer prazo.

Vale assegurar que quando do pedido de divórcio, os efeitos do instituto da separação judicial podem ser revistos, “uma vez que a nova norma constitucional dele não mais trata, especialmente quando condicionados à restrição de direitos em decorrência de culpa pela separação, prevista na legislação anterior” (LOBO, 2011, p. 164).

Como estas pessoas mantêm o estado de separadas, conservam alguns efeitos e institutos dela decorrentes. Desta feita, é possível que possam restabelecer a sociedade conjugal, por ato regular em juízo ou mediante escritura pública, como autoriza a Lei 11.441/2007 (GONÇALVES, 2012, p. 155).

Assim, as normas referentes a separação permanecem em vigor como transitórias, aplicadas enquanto houver pessoas no estado civil de separados que não se divorciaram. Fábio Ulhoa Coelho (2012, p. 89) também assevera que a norma que permite a reconciliação dos separados que não se divorciaram é exemplo de preceito que permanece em vigor apenas como norma de transição.

Gonçalves (2012, p. 156) aduz que a expressão “separação judicial” deverá ser desconsiderada, exceto quando estejam envolvidos casais que já detinham esse estado civil antes da Emenda Constitucional n° 66/2010, mantidos os seus efeitos para os demais aspectos.

Na verdade, a faculdade para requerer a dissolução do vínculo matrimonial, seja por separação, seja por divórcio, insere-se no rol dos direitos facultativos ou potestativos, cuja possibilidade de promover a ação persiste enquanto for mantida determinada situação jurídica. Dessa forma, os cônjuges podem manter-se separados judicialmente por tempo indeterminado (VENOSA, 2013, p. 212).

Mas após a emenda em epígrafe não há que se falar em divórcio conversão, pois os separados que queiram se divorciar buscarão o divórcio direto.

Quanto às ações em curso de separação judicial, sejam consensuais ou litigiosas, Tartuce (2014, p. 474) aduz que estas, “em regra, devem ser extintas sem julgamento do mérito, por impossibilidade jurídica superveniente do pedido, salvo se já houver sentença prolatada”.

De toda sorte, diante dos princípios da economia e da fungibilidade, pode o juiz da causa dar oportunidade para que as partes envolvidas adaptem o seu pedido, da separação judicial para o divórcio. Se houver medida cautelar de separação de corpos em que houve concessão de liminar, permite-se a aplicação do princípio da fungibilidade, podendo tais ações ser convertidas, no sentido de transformadas, em ações de divórcio, uma vez que sua simples extinção pode trazer prejuízos irremediáveis às partes (TARTUCE, 2014, p. 474).

4.3. Extinção das causas subjetivas e objetivas da dissolução do casamento

A Emenda Constitucional n° 66/2010 trouxe o sepultamento não só da separação judicial como também das causas subjetivas (culpa) e objetivas (lapso temporal).

A averiguação da culpa de um dos cônjuges ou ambos servia para: a) extinguir o direito do cônjuge culpado de pleitear alimentos, exceto se inapto ao trabalho ou caso necessitasse e não houvesse nenhum outro parente capaz de provê-lo — hipótese em que os alimentos serão os indispensáveis à subsistência (CC, art. 1.704); b) impedir que o cônjuge culpado continuasse utilizando o sobrenome do outro, exceto se a alteração acarretasse prejuízo evidente para a sua identificação, ou manifesta distinção entre o seu nome e dos filhos da união dissolvida, ou, ainda, dano grave reconhecido na decisão judicial (CC, art. 1.578); c) excluir da sucessão o cônjuge culpado se separado de fato há mais de dois anos.

A discussão da culpa é inviável no curso da ação de divórcio além de que a separação (instituto que possibilitava sua discussão) ter sido extinta.

Admitir a desunião dos cônjuges com base na culpa seria o mesmo que igualar os laços afetivos a deveres obrigacionais, e, portanto, equiparar a dissolução do casamento à ação em que se discute descumprimento de obrigações estabelecidas em negócios jurídicos. Avaliar o porquê do rompimento “importaria a subversão do elemento ético das relações familiares, patrimonializando relações afetivas, coisificando a pessoa humana” (FARIAS, 2007, p.37).

O afastamento da discussão sobre a culpa resulta num inegável avanço ao tornar o processo de separação mais célere e menos traumático por não permitir que elementos como vingança, mágoa e dor sejam enaltecidos ao passo que todo o processo de extinção do vínculo conjugal passa a ser pautado no simples desejo de não perpetuar o casamento.

Ademais, atribuir responsabilidade aos cônjuges pelo desfazimento da vida em comum não traz efeitos práticos porque as questões atreladas ao divórcio como alimentos, guarda de filhos, partilha de bens etc possuem disciplina própria que independe da culpa para serem fixadas (FARIAS, 2007, p. 39).

Perquirir os motivos que levaram ao fracasso conjugal é imiscuir-se no seio familiar, violando a intimidade e por conseguinte afetando a dignidade da pessoa humana. Eis o sumo fundamento para se filiar a inadmissibilidade da discussão da culpa nas dissoluções conjugais, pois atentaria peculiar elemento constitucional, a dignidade da pessoa humana.

Fábio Ulhoa Coelho (2012, p. 81) acredita que não é necessário que o autor impute ao réu, na ação de divórcio, o descumprimento de qualquer dever matrimonial; basta que manifeste sua vontade de se divorciar. Mas adverte que no caso de descumprimento dos deveres conjugais, e o autor da ação de divórcio queira a condenação do outro cônjuge, pode fundamentar o pedido neste fato, mas é dispensável alegar ou provar qualquer fato além da mera vontade de pôr fim ao vínculo matrimonial.

Se um dos cônjuges pratica ato que viola deveres do casamento e torna insuportável a vida em comum, o outro cônjuge basicamente terá dois caminhos a seguir: reformular a relação e com ela seguir ou partir para a dissolução do casamento.

No instante em que decide pôr fim ao vínculo matrimonial deve considerar apenas que o casamento faliu e não há mais como com ele prosseguir, livrando-se da possibilidade de discutir qualquer causa, o que pode levar a um rompimento menos traumático.

Fábio Ulhoa Coelho (2012, p. 91) retrata bem que não há vítimas no casamento, salvo nas situações de agressão física. “A responsabilidade pela deterioração do relacionamento conjugal é, em geral, dos dois, marido e mulher. Mas isso a lei pretendia que fosse ignorado na separação litigiosa”.

A busca pelo processo para findar o casamento só deve se dar em casos nos quais pontos realmente importantes como guarda dos filhos e alimentos, por exemplo, não tenham sido devidamente acordados pelos cônjuges, instante em que a decisão judicial servirá apenas como ponto de iluminação para essas questões em litígio.

“O uso da justiça para punir o outro cônjuge não atende aos fins sociais nem ao bem comum”. (GONÇALVES, 2012, p. 149).

A perquirição da culpa para castigar e punir o cônjuge tido como culpado deve ser afastada de modo definitivo. Venosa (2013, p. 160) acertadamente aduz que “a noção de culpa e de um culpado não se harmoniza com o desfazimento de uma sociedade conjugal”.

Apesar de a Emenda Constitucional n° 66/2010 excluir qualquer prazo para o divórcio, há ainda quem defenda que a exigência dos prazos está mantida porque o Código Civil é norma especial e por isso deve completar a Constituição (EVANGELISTA; MADEIRA; GUERRA, 2010, p. 195).

Caso o legislador não buscasse a supressão dos prazos não a criaria por meio de Emenda à Constituição, o que requer maior quórum e empenho. Outrossim, se o Código Civil estabelecer disposição contrária a Constituição há que ser declarado inconstitucional.

Em suma, “o legislador constitucional não expressa mais o prazo de um ano da separação judicial, ou de dois anos de separação de fato para o divórcio, estando revogado ou prejudicado o art. 1.580. do Código Civil, eis que a norma superior prevalece sobre inferior” (TARTUCE, 2014, p. 474).

Como bem adverte Paulo Lôbo (2011, p. 154), não há mais espaço no pedido de divórcio para qualquer explicitação de causa subjetiva ou objetiva; simplesmente, os cônjuges resolvem se divorciar, guardando para si suas razões. E podem fazê-lo logo após o casamento, sem aguardar qualquer prazo. “Assim, é possível o casamento em um dia e o divórcio no dia seguinte, ou no próprio dia do casamento” (TARTUCE, 2014, p. 474).

4.4. Questões atinentes

Extinta a separação judicial, desapareceu o divórcio conversão e a única forma de dissolução do vínculo matrimonial ficou sendo o divórcio direto em três modalidades: a) divórcio judicial litigioso; b) divórcio judicial consensual; e c) divórcio extrajudicial consensual.

O divórcio judicial litigioso se mostra adequado para os casais que não acordarem sobre a própria separação ou sobre questões correlatas como a guarda dos filhos, alimentos, divisão do patrimônio etc.

O divórcio judicial consensual poderá ser utilizado pelos casais que não desejarem ou não puderem se valer do divórcio extrajudicial consensual, por terem filhos menores, por exemplo.

Como é possível postergar a partilha de bens, o divórcio amigável pode se realizar mesmo sem acordo absoluto nesta questão, mas o consenso deve ser alcançado em relação aos demais pontos.

Os divorciados podem, a qualquer momento, contratar a partilha dos bens extrajudicialmente (por instrumento privado ou escritura pública, a depender da espécie de bem) e caso não cheguem a acordo, qualquer um deles pode propor a ação judicial de partilha. (COELHO, 2012, p. 80)

O divórcio extrajudicial consensual exige a inexistência de filhos menores e acordo sobre todas as questões essenciais, inclusive sobre a partilha dos bens. É realizado mediante escritura pública lavrada por notário e assistência de advogado ou defensor público.

Em nenhuma das formas de divórcio poderá haver contestação que verse sobre as causas da separação, mas somente em relação às causas atinentes a ela como alimentos, guarda dos filhos.

A dispensada análise da culpa quando do divórcio revela impactos bem acentuados. Dentre as consequências da perquirição da culpa estavam a perda do direito a alimentos e de utilização do nome do outro cônjuge, além da influência sobre a guarda dos filhos. O cônjuge culpado perdia o direito a pensão alimentícia plena, conservando o direito ao mínimo indispensável à sobrevivência.

Assim, o cônjuge culpado só teria o direito aos alimentos mínimos caso não tivesse parentes em condições de prestar-lhe a pensão alimentícia e não tivesse aptidão para o trabalho. Regina Beatriz (2012, p. 54) lembra que “falta de aptidão não equivale à ausência de condição real e concreta de prover o próprio sustento, mas sim à inexistência de condição hipotética ou curricular de autossustento”.

Ocorre que a fixação de alimentos para o cônjuge foge a análise de culpa, pois para estabelecê-la o juiz deve observar o binômio possibilidade/necessidade e independentemente de culpa, a fixação dos alimentos será devida caso os cônjuges atendam aos requisitos.

A instituição dos alimentos deve ter toda uma análise do caso concreto, devendo o provedor trazer à baila todas as circunstâncias do caso para que o juiz aplique-os da forma mais justa possível.

Regina Beatriz (2012) insiste na manutenção da sanção ocasionada pela culpa mesmo frente a Emenda Constitucional n° 66/2010. Sustenta que sua eliminação acarretaria situações esdrúxulas, dentre elas “uma mulher violentada em casa pelo marido continuar a sustentá-lo caso seja ela a provedora da família, ou de um homem ter de alimentar plenamente a mulher que o traiu, em benefício até mesmo de seu amante”.

Mas com toda razoabilidade que é própria e brilhante discernimento, Rodrigo da Cunha Pereira (2013, p. 65) percebe que

A pensão alimentícia não pode estar vinculada à culpa, sob pena de se condenar alguém a passar fome ou extrema necessidade. Por exemplo, uma mulher que passou 30 anos dedicando-se inteiramente aos filhos e ao marido, e quando o casamento já estava ruim, teve um relacionamento extraconjugal eventual e não tem como se sustentar, não pode deixar de ter pensionamento se o fato da relação extraconjugal for invocado pelo marido para atribuir a ela a culpa pelo fim do casamento. Se este casamento acabou, não foi por culpa desta relação extraconjugal.

Portanto, vê-se que uma vez essas situações sendo colocadas em evidência, a fixação dos alimentos será de acordo com a necessidade do cônjuge credor na justa medida da capacidade econômica do seu consorte devedor, isso quando estabelecida.

No que diz respeito a utilização do nome, o culpado pela separação judicial perderia o direito a utilizar o sobrenome do outro cônjuge, conservando-o somente em situações excepcionais de evidente prejuízo para sua identificação, de manifesta distinção entre seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida e de dano grave reconhecido em decisão judicial.

Vale registrar que o dispositivo que previa a perda do nome (artigo 17 da Lei do Divórcio) dirigia-se somente a mulher. Mas atualmente o Código Civil de 2002, em seu artigo 1.565, §1°, facultou a qualquer dos cônjuges adotar o sobrenome do outro.

Pois bem, se não cabe discussão de culpa, também não cabe discussão sobre institutos que esta governava. A manutenção do nome é escolha que cabe àquele que alterou seu nome e somente a ele. A pessoa tem a liberdade de voltar ao nome anterior, sendo de solteiro ou viúvo, ou mesmo permanecer com o nome do outro cônjuge.

O indivíduo não será obrigado a desfazer-se do nome. “A cada qual compete sopesar e identificar, livremente e segundo seus próprios e exclusivos critérios, as vantagens e desvantagens das opções que tem à frente” (COELHO, p. 89).

Tepedino (2008, p. 455) adverte que “com o casamento, o nome de família integra- se à personalidade da mulher, não mais podendo ser considerado como nome apenas do marido”.

Quanto à guarda dos filhos, aqui também a culpa não deve gerar efeitos. O estabelecimento da guarda deve atender sobremaneira aos interesses das crianças, sendo, assim, o juiz deve atribuí-la àquele que revelar ter melhores condições para o seu exercício, caso o compartilhamento não seja a melhor opção.

No que diz respeito à partilha dos bens, deverá ser feita de conforme o regime de bens adotado, mais uma vez, pouco importando a averiguação de responsabilidade pelo fim do casamento.

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