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Polícia e o Sistema Democrático de Direito

Agenda 01/09/2016 às 09:11

Após a abertura de 1988 muitos questionam o papel das Polícias Militares nessa nova ordem democrática como promotora dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, garantindo o pleno exercício da cidadania.

Resumo

Este artigo se dispõe a verificar os vários conceitos ligados ao Estado Democrático de Direito, bem como estudar as instituições policiais ao longo da história, verificando a inserção das mesmas no Estado Democrático de Direito através da sua atuação, visando atender aos princípios norteadores de direitos humanos, legalidade e outros pressupostos democráticos. Para tanto utilizou-se a pesquisa bibliográfica ligada diretamente ao tema.

 Palavras-chaves: Polícia; Sociedade; Estado; Sistema e Democracia.

1 - Introdução

 

A associação é algo intrínseco ao ser humano desde o princípio da civilização. Os agrupamentos formados por seres humanos visavam garantir a defesa, bem como a satisfação das suas necessidades primordiais.

Com o surgimento dos agrupamentos humanos surgem os povos, que posteriormente dão origem aos Estados, que por sua vez podem ser considerados como a reunião de um povo, em determinado território geográfico, reunidos sobre a égide de um governo soberano.

Todavia os primeiros Estados eram totalitários, ou seja, o Estado fazia as regras, porém não se sujeitava a elas. Também não havia a participação popular nas decisões tomadas pelo soberano, tampouco havia a separação de poderes. Desse modo, a população dos Estados possuía direitos limitados e pouco definidos, sujeitando-se a constantes abusos do soberano. Somente com a Revolução Francesa é que houve a quebra desse paradigma, erigindo-se os pilares de um Estado limitado pela lei, baseado na liberdade, igualdade e fraternidade.

A partir dessa época surge o chamado Estado Democrático de Direito, que nada mais é do que o Estado que se submete ao império das leis, permitindo a participação popular nas decisões, e que tem como sistema de freios e contrapesos a tripartição dos poderes, impedindo assim a concentração do poder na mão de uma só pessoa.

Com relação às instituições policiais, estas surgem ao longo das civilizações com intuito de manter a ordem nas sociedades primitivas. Inicialmente tinham um papel de garantir a governabilidade do soberano, atendendo exclusivamente às suas vontades. A polícia moderna surge no século XIX, mais precisamente na Inglaterra através dos princípios de policiamento de Robert Peel. No Brasil a primeira instituição é criada no Rio de Janeiro, no início do século XIX, com a chegada da Família Real portuguesa. Inicialmente ela representava apenas os interesses da Coroa.

Ao longo dos anos a polícia muda seu enfoque, abandonando as características essencialmente militares, voltada para a defesa interna e externa, para o modelo baseado no Estado Democrático de Direito que visa garantir os direitos individuais e coletivos dos cidadãos.

Nesse contexto, o novo modelo de polícia que hoje se apresenta, é voltado para garantir o pleno exercício da cidadania. Baseia-se na premissa de uma instituição que está permanentemente junto da sociedade atendendo aos seus anseios de segurança e respeitando seus indivíduos. A filosofia de Polícia Comunitária é uma dessas vertentes onde a polícia é parceira da população e junto com ela tenta resolver os problemas, muitas vezes não criminais, mas que influenciam negativamente nas questões ordem pública em todos os seus aspectos.

Foi utilizado o método indutivo e a técnica é a pesquisa bibliográfica, por meio da consulta de livros, artigos, trabalhos acadêmicos e publicações eletrônicas.

2 - O Sistema Democrático de Direito

 

A sociabilidade é uma característica inerente ao homem, ou seja, é uma característica natural da espécie humana, que sempre procurou agrupar-se visando a autoproteção. Santo Tomás de Aquino afirma ainda que o isolamento é exceção à regra ocorrendo em alguns casos pontuais (DALARI. 1998, Pg. 8).

A associação entre os humanos surge da necessidade de eles satisfazerem seus desejos e assim poderem evoluir, desenvolvendo todo o seu potencial. Nesse sentido entende-se que a sociedade é o misto entre o impulso associativo do homem com a cooperação da sua vontade (DALARI. 1998, Pg. 8).

Todavia a corrente contratualista afirma que a vida em sociedade não está baseada apenas na característica natural inerente ao homem, mas também decorre de um contrato hipotético firmado entre eles. Esse conceito é apresentado por Platão na obra a República, onde é feita referência a uma organização social construída racionalmente (DALARI. 1998, Pg. 9).

Porém, o autor de maior expressividade ligado ao tema contratualismo foi Thomas Hobbes, que afirmou que o homem em estado natural é eminentemente mau. Assim, a razão humana leva-o a celebrar o contrato social, trocando liberdade por proteção estatal (DALARI. 1998, Pg. 9).

Posteriormente Rousseau retomou a linha de Hobbes, onde explica a organização social com base em um contrato social, apenas discordando quanto à natureza humana, onde afirmava que predominava a bondade no estado natural. Pode-se dizer que as ideias que constituem a base do pensamento de Rousseau são consideradas hoje os fundamentos da democracia.  (DALARI. 1998, Pg. 9 -11).

Portanto, pode-se dizer que o elemento sociedade resulta da necessidade natural do homem, mas também inclui a consciência e a vontade humana de buscar  auxílio de outras pessoas para os problemas que o homem não conseguia resolver individualmente.

Importante ainda fazer a diferenciação entre sociedade e comunidade. Conforme Toennies a sociedade é a ação conjunta e racional dos indivíduos dentro da ordem jurídica e econômica. Assim, apesar de toda a interação entre as pessoas elas permanecem separadas. Já na comunidade ocorre o fenômeno da organização social, onde predomina a solidariedade através do vínculo psíquico entre os componentes dos grupos. (TOENNIES apud BONAVIDES. 2000, Pg. 69).

O Estado como conhecemos está presente desde a antiguidade, porém com características distintas das dos dias atuais. Chamada de polis pelos gregos, civitas e república pelos romanos, eram a personificação do Estado através do vínculo entre seus cidadãos e aderência à ordem política e de cidadania. Ainda no império Romano os vocábulos Imperium e Regnum exprimiam a ideia de Estado, conceito de domínio e poder.  (BONAVIDES. 2000, Pg. 73).

Na Idade Média surge a expressão laender ou países, que tinha mais a ver com a noção de território. (BONAVIDES. 2000, Pg. 73).

Porém a concepção moderna de Estado surge com Maquiavel em sua obra mais célebre, onde segundo o autor: Todos os Estados, todos os domínios que têm tido ou têm império sobre os homens são Estados, e são repúblicas ou principados. (MAQUIAVEL. 1987, p.5).

Ainda com relação ao conceito de Estado, existem várias definições, sendo elas filosófica, jurídica e sociológica, porém o mais importante se refere aos elementos do Estado que podem ser de ordem formal e de ordem material. De ordem formal existe o poder político na sociedade. Já com relação aos elementos de ordem material tem-se o elemento humano e o elemento territorial. (BONAVIDES. 2000, Pg. 74-78).

Portanto, tem-se como elementos básicos do Estado o Povo que é a reunião de indivíduos em determinado local, o Território que é o espaço geográfico onde fica essa população, bem como a Soberania que é o poder de se autodeterminar tanto interna como externamente.

Quanto ao tema democracia, não é fácil definir um conceito que seja unanimidade pelos doutrinadores. Todavia, basicamente pode se entender esse termo como sendo a possibilidade da participação popular nas decisões tomadas dentro de um Estado pelo seu Governo, que visa principalmente a atender os anseios da população, ou seja, é o governo para povo exercido por ele diretamente, ou através de seus representantes. Nesse entendimento a democracia pode ser dividida formalmente em três modalidades: democracia direta, indireta ou semidireta, tendo cada uma sua peculiaridade no tocante à participação do povo nas decisões (BONAVIDES. 2000, Pg. 346).

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O Estado Democrático de Direito por sua vez é o Estado que se propõe a resguardar os direitos e garantias fundamentais dos seus cidadãos, através de instituições e ferramentas que concretizam essas garantias. Nele todos estão sujeitos às regras jurídicas estabelecidas, principalmente o Estado. Existe ainda no Estado Democrático de Direito a tripartição dos poderes, havendo um sistema de freios e contrapesos, que tem a função de limitador jurídico-político da atuação desses entes. Ademais todo ordenamento jurídico precede de uma constituição, considerada norma suprema, que irá guiar as demais leis dentro do sistema democrático de direito.

Finalmente, sistema é um conjunto de partes interligadas, porém interdependentes com um objetivo ou finalidade em comum. Nesse sentido, pode-se entender como Sistema Democrático de Direito o conjunto de órgãos, agentes e ferramentas, que visam garantir os direitos e garantias fundamentais, bem como coibir o abuso do Estado.

3 - O Surgimento das Instituições Policias e Seu papel Constitucional na CFRB88

 

Segundo os diversos autores que falam sobre o tema “polícia”, não existe uma data precisa quanto ao surgimento das instituições policiais. Todavia, ao longo da história das civilizações, sempre estiveram presentes pessoas incumbidas de manter a ordem dessas sociedades. (HIPOLITO. 2012, Pg. 33).

Na obra a república de Platão, existe menção a profissionais pertencentes à estrutura pública, incumbidos de preservar a ordem da cidade. Também em Roma, durante o reinado do Imperador Augusto, cabia ao prefeito manter a ordem na rua. (HIPOLITO. 2012, Pg.35).

Durante a Idade Média houve uma série de eventos que provocaram desordem no continente europeu, como guerras, pestes, pilhagens, havendo nessa época um grande controle social feito principalmente pela igreja. (HIPOLITO. 2012, Pg.36).

Com a emancipação da burguesia e o fim do feudalismo torna-se cada vez mais necessária a criação de uma força para controlar a nova sociedade que havia se formado. Agora com acesso aos bens de consumo as sociedades dividiam-se em classes e era necessário o controle social. Portanto, entre os séculos XVIII e XIX surgem as polícias ocidentais, inclusive no Brasil. (HIPOLITO. 2012, P.36-37).

A polícia moderna como a conhecemos surge na Inglaterra no ano de 1785, onde William Pitt apresentou ao parlamento inglês o projeto para criação de uma polícia profissional. Todavia, somente em 1829 com Sir. Robert Peel, surge a Polícia Metropolitana de Londres com intuito de combater os efeitos da industrialização e o consequente aumento da criminalidade. (HIPOLITO. 2012, P.37-39).

Para isso foram desenvolvidos por Peel nove princípios que norteiam o policiamento desde aquela época:

1 - A missão fundamental para a polícia existir é prevenir o crime e a desordem.

2 - A capacidade da polícia para exercer as suas funções está dependente da aprovação pública das ações policiais.

3 - A Polícia deve garantir a cooperação voluntária dos cidadãos, no cumprimento voluntário da lei, para ser capaz de garantir e manter o respeito do público.

4 - O grau de cooperação do público pode ser garantido se diminui proporcionalmente à necessidade do uso de força física.

5 - A Polícia não deve se manter (criar prestígio e autenticidade) apenas com prisões, não preservando assim o favor público e abastecendo a opinião pública, mas pela constante demonstração de absoluto serviço abnegado à lei.

6 - A Polícia usa a força física na medida necessária para garantir a observância da lei ou para restaurar a ordem apenas quando o exercício da resolução pacífica, persuasão e de aviso é considerado insuficiente.

7 - A Polícia, em todos os tempos, deve manter um relacionamento com o público que lhe dá força à tradição histórica de que a polícia é o público e o público é a polícia, a polícia é formada por membros da população que são pagos para dar atenção em tempo integral aos deveres que incumbem a cada cidadão, no interesse do bem-estar da comunidade e a sua existência.

8 - A polícia deve sempre dirigir a sua ação no sentido estritamente de suas funções e nunca parecer que está à usurpar os poderes do judiciário.

9 - O teste de eficiência da polícia é a ausência do crime e da desordem, não a evidência visível da ação da polícia em lidar com ele.

No Brasil a polícia profissional surge durante a monarquia, mais precisamente no Rio de Janeiro em 1808 com a chegada da família real, e posteriormente avança para a República no ano de 1889. Na ocasião as polícias foram criadas em nível de províncias ou estados. É nessa época que surge a dicotomia polícia militar e polícia civil, havendo ainda a figura da guarda civil. Nesse período as policiais eram voltadas para a proteção interna e externa, fazendo as vezes de exércitos estaduais. Posteriormente, devido ao seu poderio, foi considerada força auxiliar do exército, ficando subordinada a este. Durante o Regime Militar passou a ter o papel de controle e repressão política. (HIPOLITO. 2012, P.48-57).

Posteriormente, a constituição federal de 1988 também conhecida como carta cidadã, tratou por apresentar no seu artigo 144 o Sistema de Segurança Pública, ou seja, as instituições que tem como finalidade a preservação da ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio. Também prevê que a segurança pública é dever do Estado, mas também direito e responsabilidade de todos.

Nesse contexto é importante trazer o conceito de polícia apresentado por Lazzarini que a define como sendo (LAZZARINI. 1999, Pg. 12):

Em sentido estrito, polícia é vocábulo que designa o conjunto de instituições, fundadas pelo Estado, para que, segundo as prescrições, legais e regulamentares estabelecidas, exerçam vigilância para que se mantenham a Ordem Pública, a moralidade, a saúde pública e se assegure o bem estar coletivo, garantindo-se a propriedade e outros direitos individuais.

Portanto, hoje a definição de polícia é muito mais abrangente, avançando para além das questões criminais. A polícia atua em qualquer situação de conflito tendo hoje um papel predominantemente de conciliadora da sociedade. 

4 - A Atuação Policial dentro do Estado Democrático de Direito

 

A polícia está intimamente ligada a todos os aspectos da vida em comunidade, prezando pelo desenvolvimento pacífico, não desatentando das peculiaridades de cada região. A atuação policial, por isso mesmo, deve estar sempre balizada pelos princípios constitucionais, sendo impossível desvincular a atividade dos complexos e diversos interesses da coletividade. Para que os dispositivos constitucionais possam ser entendidos e aplicados, também se torna necessário o conhecimento do conceito legal de Ordem Pública, ainda em vigor e constante no art. 2º, item 21 do Decreto Federal n. 88.777, de 1983:

Conjunto de regras formais, que emanam do ordenamento jurídico da Nação, tendo por escopo regular as relações sociais de todos os níveis, do interesse público, estabelecendo um clima de convivência harmoniosa e pacífica, fiscalizado pelo poder de polícia, e constituindo uma situação ou condição que conduza ao bem comum.

Como se vê, a ordem pública é um pressuposto para o funcionamento do sistema de convivência pública, sendo indispensável à existência de um polissistema social, uma vez que viver em sociedade importa necessariamente em viver publicamente. Nessa convivência pública o homem deve poder gozar de sua liberdade, agindo sem ser perturbado e participar de quaisquer atividades sociais, sem impedimentos e restrições. Ordem pública, em última análise, é a concretização dos valores de convivência postulados pela ordem jurídica, a qual pode e deve balizar o emprego do poder de polícia. A definição de poder de polícia é fornecida pelo Código Tributário Nacional, que dispõe no artigo 78:

Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Assim, poder de polícia pode ser entendido como uma faculdade discricionária, da qual dispõe o Estado para a adequação da rivalidade existente entre o binômio público-privado.

De modo sintético, segurança pública pode ser considerada como a garantia da ordem pública, uma vez que esta é objeto daquela, sendo ambas mantidas ou restauradas pelo exercício do poder de polícia por parte das forças de segurança pública previstas na Constituição Federal.

O exercício do poder de polícia não é ilimitado, tampouco pode ser deixado ao talante do policial a estipulação de limites. A própria legislação é que define o alcance e a legitimidade do mesmo. O uso do poder é prerrogativa da autoridade. Mas o poder há de ser usado normalmente, sem abuso. Usar normalmente do poder é empregá-lo segundo as normas legais, a moral da instituição, a finalidade do ato e as exigências do interesse púbico. Abusar do poder é empregá-lo fora da lei, sem utilidade pública, afastando-se dos preceitos do estado democrático de direito.

A Polícia é uma das poucas instituições públicas que desenvolve tarefas que interessam diretamente a toda a população. A manutenção da ordem, a proteção de certos valores aceitos socialmente, a aplicação das leis, a prevenção e repressão ao crime e a defesa das condições necessárias para o exercício das liberdades fundamentais constituem-se nos elementos essenciais para a existência de uma sociedade democrática, cabendo à Polícia a ininterrupta missão de cumprir com essas atribuições (PRADO, 2008).

A noção de ordem pública já esteve no cerne dos discursos de legitimação das ditaduras. Para o pensamento autoritário, o fundamental é que tenha lugar uma decisão política capaz de estabelecer a ordem, de substituir o dissenso político pela adesão, ainda que imposta pela força, a um determinado conjunto de valores, subtraídos à esfera das divergências. Se a ordem está em confronto com a lei a opção dos autoritários é sempre pela ordem.

O fortalecimento da democracia abre espaço para a dicotomia liberdade e igualdade, onde a liberdade de um está limitada pela do outro, com aceitação da diversidade social, para que todos os grupos possam viver com respeito recíproco no espaço geográfico, embora existam diferenças. Assim, é indispensável reconhecer o espaço democrático como um espaço de tensões e negociações entre a Unidade do Estado e a pluralidade dos atores sociais.

A difusão dos conceitos de direitos humanos e o exercício da cidadania, por outro lado, trazem uma sociedade pluralista e cada vez mais exigente no respeito aos seus direitos, a partir de um movimento comunitário ativo e participativo. Desse modo, exige-se do profissional de polícia uma compreensão da diversidade social que possibilite uma conduta orientada por decisões imparciais, não influenciadas por preconceitos e estigmas. Por certo, isso possibilitará o tratamento mais adequado de uma das principais questões da ação do policial, qual seja, a clareza da diferenciação entre violência e uso legítimo da força.

A violência é amadora, desnecessária, ilegítima e ilegal. O uso da força é técnico, necessário, legítimo e legal. Os novos tempos trazem novas demandas, conforme Rolin (2012, p. 32):

A evolução está exigindo o abandono, pelas Instituições Policiais Militares, do modelo comportamentalista de formação e desenvolvimento, onde ao policial é ensinado o que fazer, como se fosse um ato mecânico, onde as atividades a serem desenvolvidas são previsíveis, possíveis de serem enumeradas em um manual que deve rigorosamente ser seguido, sem considerar as condições circunstanciais, produzindo uma prática robotizada, caracterizada pela ausência do espaço crítico e da decisão. Passando para um modelo que desenvolva profissionais com visão crítica do seu contexto social e uma qualificação que possibilite uma adequada capacidade de decisão e de mediação de conflitos. Assim, o policial começará a considerar outros princípios na prática e na rua, onde cada caso é um caso e a incerteza é a única verdade, quais sejam a realidade e a razoabilidade, além da já utilizada legalidade.

Outro desafio é a mudança da cultura do tratamento da segurança pública, onde a concepção jurídica deve abrir espaço a uma concepção social de se fazer polícia, uma vez que a criminalidade e a violência são resultantes das condições e relações em sociedade.

Os melhores resultados nessa área se têm conseguido através do envolvimento de todos os segmentos da sociedade na discussão e implementação das soluções, de forma a serem atingidos diagnósticos mais precisos; informações qualificadas; fortalecimento dos institutos sociais como a família, escola, igreja e vizinhança; diminuição da crise moral e ética, estimulando comportamentos solidários e coletivos; fortalecimento do capital social e da organização do espaço urbano de convivência; produção de orientações de comportamentos seguros e inibidores de condutas antissociais; e formação de grupos de pressão em busca de políticas públicas apropriadas (ROLIN, 2012).

Orientar a formação do policial militar na lógica dos direitos humanos tem sido o referencial de diversos países. Entretanto, quanto mais fragmentado é o sistema policial, mais complexo se torna a unificação da formação, e no Brasil o modelo militarista ainda resiste em diversos programas estaduais. O resgate humano na formação do policial militar é essencial para que ele possa refletir sobre a sua condição de cidadão e compreenda seu relevante papel.

A sistematização do ensino e da instrução deve ser fundamentada nos princípios democráticos de liberdade e dos ideais de solidariedade humana, visando ao desenvolvimento das qualidades e das aptidões intelectuais, psicológicas, físicas, éticas e morais inerentes às atribuições funcionais do profissional de segurança pública. Dessa forma, seu devido preparo para fazer cumprir a lei e garantir o exercício da cidadania deve ter como base a comunicação interativa com feedback de mão dupla, o que provaria mudanças na cultura institucional.

Nesse contexto é preciso repensar e reordenar as forças de segurança pública, direcionando-as à promoção da cidadania e afastando-as do juízo de autoproteção constante de seus regulamentos.

As Polícias Militares foram criadas sobre bases doutrinárias das Forças Armadas e não têm sofrido as reformas necessárias para atender as demandas cada vez mais complexas. Ainda persiste, mesmo que em menor intensidade, um modelo de gestão que as colocam em rota de colisão com a realidade contemporânea. Paulatinamente a lógica do combate tem cedido espaço à aproximação. Este parece ser o caminho mais viável.

De acordo com Bulos (2012), a partir da Constituição Federal de 1988 a segurança pública passa a ter um novo significado, uma vez que o estado democrático de direito trouxe um novo sentimento de cidadania.

Embora a pressão social recaia principalmente sobre a polícia, Rodrigues (2010), pondera que a missão não cabe unicamente a ela. A correção das desigualdades históricas da sociedade brasileira deve envolver o Estado como um todo, pois segurança não é apenas “coisa de polícia”. Aliás, a própria Carta Política de 1988 preconiza no artigo 144 caput, que a segurança pública além de ser um direito, é também responsabilidade de todos.

Relacionado ao tema democracia, é importante compreender o significado de direitos fundamentais, que não se confunde com garantias fundamentais. Com peculiar acurácia, Uadi Lammêgo Bulos afirma que (2012, p. 522):

Direitos fundamentais são o conjunto de normas, princípios, prerrogativas, deveres e institutos, inerentes à soberania popular, que garantem a convivência pacífica, digna, livre e igualitária, independentemente de credo, raça, origem, cor, condição econômica ou status social. Sem os direitos fundamentais o homem não vive, não convive, e, em alguns casos, não sobrevive. Os direitos fundamentais são conhecidos sob os mais diferentes rótulos, tais como direitos humanos fundamentais, direitos humanos, direitos do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos, direitos naturais, liberdades fundamentais, liberdades públicas etc.

Ainda de acordo com Bulos (2012, p. 528) garantias fundamentais são as ferramentas jurídicas por meio das quais tais direitos se exercem, limitando o poder do Estado. Cite-se, como exemplo, as ações de habeas-corpus e habeas-data, ou ainda a garantia de que nenhuma lesão ou ameaça a direito será excluída da apreciação do Poder Judiciário (artigo 5º, incisos XXXV e LXXVII, da Constituição Federal), respectivamente. Deste modo, os direitos fundamentais cumprem dupla finalidade: de defesa e de instrumentalização; a primeira permite o ingresso em juízo para proteger bens lesados, proibindo os poderes públicos de invadirem a esfera privada dos indivíduos. A segunda (instrumentalização) permite ao particular reivindicar do Estado o cumprimento de prestações sociais, proteção contra atos de terceiros e a tutela contra discriminações.

O novo cenário da segurança pública está exigindo um profissional com formação específica e com conhecimento próprio, não se identificando com nenhum dos cursos hoje existentes. O profissional de polícia deve resultar da simbiose do conhecimento de técnicas e práticas policiais, com conteúdos afins existentes nas áreas do direito, administração, sociologia, psicologia, pedagogia, filosofia, informática, comunicação social, relações públicas e outras. Desenvolvendo um policial com uma visão multidisciplinar da sua atividade no âmbito da segurança pública, capacitado a construir estratégias qualificadas, operações táticas apropriadas e técnicas apuradas e modernas; sobretudo, um policial que tenha uma formação de polícia (ROLIN, 2012).

Fazer polícia, ao contrário de que muitos apregoam, não consiste somente na colocação intuitiva de policiais e viaturas nas vias públicas. Há outra dimensão, tão ou mais importante que esta, fundamentada no pensamento estratégico, no planejamento das operações táticas e na otimização dos recursos humanos e materiais.

 

5 - Considerações Finais

 

Conclui-se que o estado de associação é inerente a natureza humana, todavia essa associação acaba por gerar diversos conflitos entres seus integrantes. Nessa senda, surge o Estado, como ente que irá regular essa condição associativa.

Todavia o Estado, ou Império das leis, criou instituições para o controle das pessoas que fazem parte desse Estado. Em um primeiro momento, Essas instituições policias serviam apenas para proteger os interesses do próprio Estado, condição essa que não mais deve prevalecer nos dias atuais.

As agencias polícias servem hodiernamente para proteger os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos garantindo o pleno exercício da cidadania. São parte importante do Sistema Democrático de Direito, que deve garantir, além de tudo, a dignidade da pessoa humana como bem maior a ser buscado.

 

                                                   REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BRASIL. Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5172.htm>. Acesso em 21 dez. 2015.

BRASIL. Decreto n. 88.777, de 30 de setembro de 1983. Aprova o regulamento para as Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares (R-200). Brasília. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D88777.htm>. Acesso em: 03 nov. 2015.

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012.

BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. Ed. Rev. e Atual. São Paulo: Malheiros, 2000.

DALARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 1998.

HIPÓLITO, Marcello Martinez. Superando o mito do espantalho – uma polícia orientada para a resolução dos problemas de segurança pública. Florianópolis: Insular, 2012.

LAZZARINI, Alvaro. Estudos de Direito Administrativo. 2. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999.

MAQUIAVEL, N. O príncipe e escritos políticos. Trad. Lívio Xavier. São Paulo: Nova Cultural, 1987. 

PRADO, Geraldo. Segurança Pública e Democracia: Aspectos constitucionais das políticas públicas de segurança. 2. Ed. São Paulo. Editora Lumen Juris. 2008.

RODRIGUES, Marcus Paulo Ruffeil. Gestão Da Polícia Militar: a cultura institucional lcomo agente limitador da construção de uma Policia Cidadã. 2010. 93 f. Dissertação(mestrado em Gestão Empresarial) - Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas, 2010.

ROLIM, Marcos. A crise do sistema penitenciário brasileiro. Disponível em: <http://www.sinpro-rs.org.br/textual/abr11/pdfs/sinpro_revista_textual_22_28.pdf>. Acesso em: 03 de novembro de 2015.

Sobre os autores
Carlos Eduardo Rosa

Bacharel em Direito pelo Instituto de Ensino Superior da Grande Florianópolis (IESGF), Bacharel em Ciências Policiais pela Academia de Polícia Militar da Trindade (APMT), Especialista em Gestão de Ecossistemas e Educação Ambiental (Dom bosco), Especialista em Gestão Pública e Educação Profissional e Tecnológica (IFSC) e Especialista em Estratégias para Conserrvação da Natureza (IFMS).

Junior Tatch

Bacharel em Direito e Bacharelando em Ciências Policiais.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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