INTRODUÇÃO
Artigo publicado na edição deste domingo do jornal Folha de São Paulo, assinado pela ministra Laurita Vaz, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), deve ter despertado a atenção do leitor afeito aos trâmites jurídicos. Tratou o texto da Proposta de Emenda Constitucional nº 209/2012, que pretende condicionar a admissão do recurso especial à relevância do tema federal - e sua consequente importância para desafogar a Corte, inundada anualmente com centenas de milhares de novos casos.
Desnecessário aludir quão indispensável e oportuna é a discussão. Mais interessante, contudo, é extrair do documento pequeno fragmento empregado a título de fundamentação dos argumentos da ministra.
Laurita Vaz citou a ampliação do acesso à Justiça como uma das justificativas plausíveis para entender o porquê “os tribunais tendem a se transformar em usinas de processamento de feitos, e os magistrados, em gerentes dessa linha de produção” (2016, setembro 04, Opinião, p. A3).
Seu raciocínio, ainda que correto, explicita problema de maior relevo já tratado em inúmeros artigos, mas que urge ser novamente considerado no contexto dos desafios impostos à Justiça brasileira.
Considerada pesquisa conduzida no município de Cachoeiro de Itapemirim/ES (sim, terra natal do ilustre cantor Roberto Carlos, bem como do nobre escritor Rubem Braga) em junho de 2015 tem-se uma percepção subestimada da temática. Ao contrário de outros indicadores publicados, que apontam aumento do acesso à Justiça por consequência do crescente volume de novos processos, análise quantitativa conduzida com público diverso da cidade capixaba, formado por gente das mais diferentes origens e com os mais variados graus de formação cultural, sinaliza que, ao menos no âmbito de atuação dos Juizados Especiais Cíveis (JEC), têm-se ainda considerável percentual de pessoas que os ignoram como meio de acesso à tutela do Estado.
Reproduzo abaixo informações pertinentes que ajudam a nortear a compreensão sobre a gravidade do exposto. Importante, entretanto, lembrar que a prestação jurisdicional fornecida pelos JECs, objeto do presente ensaio, trata-se de direito fundamental assegurado pela Constituição brasileira de 1988.
MATERIAL E MÉTODOS
A metodologia adotada nesta produção científica intermediária obedeceu alguns passos distintos: além do necessário levantamento bibliográfico, leitura e anotações preliminares, bem como discussão de ideias e sistematização dessas na forma de textos, buscou-se ainda fundamentá-la em cuidadosa pesquisa de campo. Trata-se de investigação criteriosa do tema proposto, caracterizada por exame essencialmente quantitativo realizado no âmbito do município de Cachoeiro de Itapemirim e, em particular, no campus do Centro Universitário São Camilo Espírito Santo. Destarte, durante uma semana foram entrevistados acadêmicos dos mais distintos cursos e níveis de graduação, excetuando-se apenas os de Direito em razão da natureza da pesquisa. Ouviu-se ainda, em momento posterior, público diverso ao do ambiente acadêmico, com realização de entrevistas na Praça Jerônimo Monteiro, em pleno centro da cidade.
DESENVOLVIMENTO
Se há uma questão recorrente entre acadêmicos e estudiosos do Direito brasileiro é a efetividade da jurisdição. Para compreender seu significado é necessário submetê-la primeiramente ao escrutínio semântico. Jurisdição, segundo o Dicionário Houaiss, é “poder de um Estado, decorrente de sua soberania, para editar leis e ministrar a justiça”. Em outras palavras trata-se da capacidade que o Estado detém para aplicar o direito a um determinado caso concreto, com o objetivo de solucionar conflitos de interesse e com isso resguardar a ordem jurídica e a autoridade da lei. Reale, por exemplo, afirma que jurisdição, como fonte do direito, corresponde ao Poder Judiciário (2001, p.131).
A temática, por óbvio, torna-se ainda mais pertinente considerada sob a perspectiva dos Juizados Especiais, órgãos do poder judiciário brasileiro, criados pela Constituição Federal de 1988, concebidos sob a inspiração dos antigos Juizados Especiais de Pequenas Causas e norteados pela premissa de democratizar o acesso à Justiça. Esta tendência democratizante encontra-se presente, por assim dizer, no segundo artigo das Disposições Gerais da Lei 9.099/95, norma que veio regulamentar o texto constitucional. Diz o citado artigo que: “O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando sempre que possível, a conciliação ou a transação” (BRASIL, 1995).
Passados, no entanto, 20 anos da aprovação da lei, um problema não imaginado tem se imposto como obstáculo à realização dos princípios norteadores dos Juizados Especiais. Por ignorância e/ou ausência de campanhas regulares que informem o cidadão, é relativamente restrito o universo de pessoas que sabem, de fato, o que são os JEC. Menor ainda é o contingente dos que conhecem seus mecanismos ou como dar entrada em uma ação sem o uso, por exemplo, dos serviços advocatícios. Sem a pretensão de esgotar o assunto, mas antes de fomentar o debate, imperioso se faz aprofundar-se na análise de dados que ajudam a endossar o ponto de vista exposto.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Como ilustrado pelo gráfico abaixo no universo de 313 pessoas entrevistadas pela pesquisa apenas 70 informaram conhecer os JEC. Outras 72 confirmaram já ter ouvido falar, mas a maioria, 171, sequer sabia o que eram.
Gráfico 1: Você sabe para que serve o Juizado Especial Cível?
Fonte: O autor, 2015.
Outro dado que chama a atenção na pesquisa refere-se ao conhecimento sobre quem, de fato, pode utilizar os serviços oferecidos por meio dos Juizados Especiais Cíveis. Sobre essa questão em particular os números são ainda mais surpreendentes. Considerada a totalidade de entrevistados, 79,87% (250 pessoas) informaram desconhecer totalmente o público atendido pelos JEC. Apenas 63, ou 20,13%, afirmaram ter ciência.
Gráfico 2: Você sabe quais pessoas podem utilizar os serviços oferecidos pelo JEC?
Fonte: O autor, 2015.
Com base nos dados informados, o primeiro problema a ser destacado diz respeito ao considerável número de pessoas que confirmam desconhecer a existência dos JEC. Passadas quase duas décadas da promulgação da norma jurídica que regulamentou a criação dos Juizados Especiais na estrutura do Poder Judiciário parece estranho haver percentual tão significativo de pessoas que sequer tenham ouvido falar dos Juizados.
Outro ponto digno de atenção é a substancial inversão existente em relação ao público que afirma conhecer os JEC e o que, concretamente, sabe dizer quem de fato pode utilizar os serviços oferecidos. Não parece racional, tampouco lógico, que ao afirmar conhecer os Juizados Especiais Cíveis o indivíduo não saiba quais são as pessoas assistidas pelos mesmos. É mais fácil deduzir, portanto, que o número dos que desconhecem, de fato, os Juizados seja maior - o que, sem dúvida, acentua o mérito do presente levantamento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerado o público entrevistado e a relevância do tema, ao final da pesquisa e estudo relacionados para a feitura deste ensaio pode-se deduzir que, mesmo sendo realmente mais descomplicada e célere, a prestação jurisdicional oferecida pelos Juizados Especiais ainda alcança um público menor do que poderia. Inegável, a bem da verdade, que, por meio dos JEC, muito já tenha sido feito para ampliar o acesso do cidadão à justiça. Falta aprimorar, contudo, os meios de informação que permitam que mais pessoas utilizem-se dos Juizados para pacificar demandas.
Necessário ressaltar ainda que, sob tal perspectiva, impõe-se como premente outra questão. Esta, como provavelmente já intuído pelo leitor, remete à problemática inicial: se os tribunais, como abstraído do texto da ministra Laurita Vaz, padecem com o que intitulam de ampliação do acesso à Justiça, como lidarão com o hipotético (e desejável) crescimento do número de brasileiros com conhecimento sobre os JEC? O direito de resposta à pergunta está franqueado à ministra ou ao próprio STJ.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em 07 jun. 2015.
__________. Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm>. Acesso em 07 jun. 2015.
CACEMIRO, Wellington et al. Juizados especiais cíveis e a efetividade da jurisdição. Disponível em: < https://jus.com.br/artigos/45416/juizados-especiais-civeis-e-a-efetividade-da-jurisdicao>. Acesso em: 05 set. 2016
HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Ed. Objetiva, 2009.
MONTEIRO, Rita Borges Leão. Juizados Especiais Cíveis e Criminais. 2 ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2010.
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 25 ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
SANTOS, Marisa Ferreira dos; CHIMENTI, Ricardo Cunha. Juizados especiais cíveis e criminais: federais e estaduais. 9 ed. V. 15, tomo II. São Paulo: Saraiva, 2011.
VAZ, Laurita. O paradoxo do STJ. Jornal Folha de São Paulo, n. 31.931, Opinião, p. A3, 2016.
[1]Graduando do Curso de Direito da Multivix Cachoeiro de Itapemirim, wellington.cacemiro@gmail.com;