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Ampliação da competência do Tribunal do Júri para julgamento dos crimes de corrupção

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Agenda 06/09/2016 às 17:59

Corrupção é obstáculo à democracia, cujo combate efetivo é necessário. Sensação de impunidade no Brasil gera crise jurídica. Reformas estruturais e legitimação popular são necessárias.

1. INTRODUÇÃO

A presente pesquisa almeja realizar um estudo das competências do Tribunal do Júri diante da sua evolução histórica no direito brasileiro, os efeitos da corrupção no desenvolvimento do Brasil, a viabilidade da ampliação da competência do Tribunal do Júri justificando essa inserção, bem como uma abordagem comparativa com o direito estrangeiro.

O Tribunal do Júri é uma das instituições mais antigas em quase todo o mundo. Além de ser, também, um dos temas mais discutidos no mundo jurídico, até mesmo por países que não utilizam tal instituto. É certo que existe bastante desarmonia em torno do Júri, encontra-se diversas críticas duras como amantes declarados.

No Brasil o Tribunal do Júri está arrolado dentre as garantias individuais da Carta Magna, é uma cláusula pétrea no ordenamento jurídico Brasileiro. Funciona como uma expressão da democracia e direito do cidadão atuar ativamente no poder judiciário.

Por ser meio de participação popular, estuda-se a possibilidade de ampliação de sua competência para se adaptar as necessidades contemporâneas e buscar uma adequada utilização do instituto visando colocar em prática seus legítimos objetivos, conforme demonstra Lênio Streck1:

“Por isso, também para que o Júri se transforme nesse instrumento de soberania popular, deve, à evidência, sofrer alterações, tanto no que tange a ritualística, como no que diz respeito a sua competência, que deve ser alargada. De nada adianta ser o júri soberano, se ficar adstrito ao julgamento de conflitos de cunho interindividuais.”

O intuito na criação do tribunal popular foi o de privilegiar a igualdade, soltar as amarras do julgador perante as técnicas e rigor as regras legais e, assim, permitir a inclusão dos sentimentos da coletividade e dos valores da sociedade no julgamento de causas criminais. De introduzir a participação da sociedade dentro do poder judiciário, para exercer a democracia de forma direta haja vista que, os demais membros do judiciário não são eleitos pelo povo.

Todavia, os juízes de direito são competentes para julgar a maioria dos crimes tipificados, porém, aqueles que afrontam o direito soberano, fonte dos demais direitos, a vida, são apreciados pelo povo, que compõe o Tribunal do Júri.

Assim, é o povo responsável por julgar seu semelhante acusado de prática de crimes dolosos contra a vida. Neste posto de juízes, os jurados exercem o poder sem mediadores, estão exercendo a cidadania e são eles que aplicam a justiça ao caso concreto.

Para isso, a decisão dos jurados é soberana, são eles que dão a última palavra, cabendo aos magistrados apenas a apreciação de possíveis ilegalidades. Todavia, o julgamento final cabe ao povo.

Nesse sentido, é necessário ressaltar os aspectos do crime de corrupção e seus efeitos perante a sociedade. Comparada a uma moléstia endêmica, a corrupção é um fato remoto que vem ganhando espaço tanto na conjuntura nacional como na internacional, principalmente por seus efeitos sociais, que ocorrem de forma negativa no desenvolvimento social e compromete diversos aspectos de uma população.

A corrupção é um obstáculo à democracia. Seus efeitos na sociedade são alarmantes, apesar de não ser específica dos países subdesenvolvidos, seus resultados são mais devastadores nos países em desenvolvimento. É imperioso um combate efetivo contra a corrupção, sendo certo que não existe corrupção zero mas, deve-se buscar um patamar mínimo de incidência.

No Brasil existe uma sensação geral de impunidade frente a esses crimes, o que provoca uma crise jurídica pois, promove a desmoralização do nosso sistema penal e gera a ausência de confiabilidade do povo para com a justiça.

Assim, iniciativas anticorrupção devem avançar através de reformas estruturais, que busquem a concepção e fortalecimento dos organismos de prevenção da corrupção em órgãos públicos e, a diminuição da sensação de impunidade.

Busca-se uma legitimação da atuação popular no julgamento da corrupção que afeta diretamente a sociedade. Sendo certo que, os agentes desse delito são representantes do povo na organização do Estado e seus atos interferem diretamente na sociedade, cabe aos diretamente afetados condenar ou não atos corruptos perante os efeitos sentidos.


2. TRIBUNAL DO JÚRI

2.1 Análise da Legitimidade da Competência do Júri

O que é o Estado senão uma ordem jurídica soberana que tem como finalidade o bem comum de uma sociedade, nas palavras de Marcos Amorim2, “Ao Estado, pois, cabe promover o bem comum, atendendo para tanto às peculiaridades do povo que o constitui”.

A democracia está além do ordenamento jurídico propriamente dito, essas seriam, apenas, as regras mínimas, todavia, não são elas que determinam a existência da democracia. É uma condição indispensável para o Estado Democrático de Direito, porém não é fator categórico e exclusivo para sua caracterização.

O Estado Democrático de Direito é a legitimação do princípio da soberania popular, assim, todo o poder emana do povo, a vontade popular é a alicerce da atuação estatal, cada indivíduo tem direito de participar da constituição e execução dos valores da sociedade. Por exercício democrático entendemos ser a “oportunidade dos membros da sociedade de participarem livremente das decisões em qualquer campo, individual ou coletivamente”.3

E, assim, encontra-se a legitimação da existência do Júri Popular, é decorrente do princípio democrático da soberania do povo, Ataliba Nogueira, apud Sahid Maluf4, comenta que:

“O tribunal do júri, das instituições humanas de todos os tempos, é a que mais tem resistido aos contratempos e contra-ataques, aquele que mais se entranhou no espírito democrático dos povos; é uma instituição necessária à democracia, como complemento do regime democrático. Mesmo na concepção moderna de democracia, não podemos afastar o cidadão da função de julgar, uma vez que colabora com o governo elegendo seus dirigentes, colabora na confecção da lei elegendo os parlamentares, colabora na distribuição da justiça, julgando seus semelhantes.”

Cretella Júnior, explicitando uma visão democrática do júri, elucida que o júri é um direito subjetivo público do cidadão de ser julgado por um conselho de jurados que emana do povo. Assim, já que o povo escolhe em eleições livres, seus mandatários para a leitura da lei e para a gestão dos serviços públicos, e escolhe o “administrador”, o Chefe do Executivo, nas várias esferas, ou seja, assim como o povo, de certo modo, legisla e administra, também, por seus representantes, julga, já que, nas democracias, a justiça emana do povo, sendo uma parcela do Judiciário, delegação da Nação, emanação da soberania nacional5.

A participação da sociedade nas atividades do Estado é regra básica da Democracia. Na Exposição de Motivos do Decreto-lei nº 167/38, Francisco Campos, então Ministro, atrelava o Tribunal do Júri à Democracia, “é inerente o princípio de que o povo além de cooperar na formação das leis, deve participar da sua aplicação”

Levar em consideração apenas a feição de regime político da Democracia é ir contra seu real objetivo que, diz respeito ao tipo de sociedade que está estabelecida dentro da ideia de Estado Democrático de Direito.

Assim, já afirmava Pimenta Bueno em 1857, “ a intervenção dos jurados na administração da Justiça é uma garantia muito importante para as liberdades, interesse e justiça sociais. Considerando em relação à liberdade política, o Júri é o mais firme baluarte dela, a mais sólida garantia da independência judiciária. ”6

A legitimidade do Tribunal Popular está no fato que, representa o exercício democrático ao admitir que o pronunciado seja julgado de acordo com os padrões morais, sociais, econômicos, da sociedade na qual ele pertence. É a possibilidade de ser julgado pelo seu semelhante, aquele que possui real consciência da reprovabilidade ou não da atitude perpetrada pelo réu.

Os jurados são os mais indicados para dispor sobre a possibilidade do pronunciado voltar a conviver em sociedade pois, são eles que serão efetivamente envolvidos nessa situação. São eles que, voltaram a conviver com o indivíduo, que sabem se essa convivência poderá lhes causar prejuízos ou não. “A questão essencial do júri é esta, e seu surgimento histórico está absolutamente vinculado ao princípio do julgamento pelos pares”7

De todas as instituições humanas, a do julgamento pelos iguais, está entre as mais remotas. O Tribunal do Júri nada mais é do que o próprio povo julgando seus semelhantes. É o direito do “povo” em participar das decisões judiciais e do réu de ser julgado pelos seus pares.

2.2 Possibilidade de Ampliação da Competência do Tribunal do Júri

É certo que, a CF não limitou a competência do Tribunal do Júri aos crimes dolosos contra a vida, não há qualquer objeção quanto a ampliação de sua competência para julgamento de outros crimes.

A atual competência é considerada como mínima, inexiste qualquer impedimento para ampliação do rol dos crimes a serem apreciados pelo Tribunal do Júri, pois a CF apenas assegurou a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

A Constituição Federal é um patamar mínimo de direitos, isso significa que, o legislador infraconstitucional jamais pode retirar do Júri a competência que já lhe foi assegurada pelo poder constituinte originário. Todavia, possui liberdade para ampliar tal competência introduzindo em seu rol de competência delitos diferentes dos já assegurados.

A discussão sobre a ampliação da competência tem também acolhimento por parte dos juristas. “Acredito que esse tipo de julgamento deveria até abranger outros crimes. É democrático, conta com a participação popular e aumenta o sentido de cidadania”, diz o promotor Eduardo Rheingantz, do Primeiro Tribunal do Júri de São Paulo.

Assim, trata-se de um dos mais importantes mecanismos de participação popular que deve ser levado em apreço o seu real sentido. O Magistrado representa o povo, é a manifestação indireta da sociedade por meio de leis e regras. Todavia o conselho de sentença é a atuação direta da democracia, assim é o mais apto para atingir a justiça no caso concreto, independente da observância do fiel cumprimento da lei, os jurados são aqueles que vão conviver com os resultados da decisão judicial.

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Portanto, resta evidente a possibilidade de ampliação da competência do Tribunal do Júri para julgamento de outros delitos. Essa ampliação de competência encontra no mundo jurídico diversos defensores,

“Sendo o Tribunal do Júri a instituição máxima da democracia, o bom senso exige que sua competência seja a mais abrangente possível. O texto constitucional de 1988 fixou uma competência mínima para a apreciação dos crimes doloso contra a vida, nada obstando, porém, que a legislação infraconstitucional amplie a mesma com outras hipóteses, apontadas pelo estado de avanço democrático da sociedade. Nos atuais tempos, em que a democratização do Poder Judiciário torna-se uma das tônicas essenciais do Estado brasileiro, não restam dúvidas de que o campo de atuação do Tribunal do Júri deve ser expandido, permitindo uma atuação mais efetiva da população na distribuição de justiça”. 8

Cabe ressaltar que, excepcionalmente, o tribunal do júri julga outros delitos. São os casos em exista crimes que dispõe de conexão ou continência, com o crime de competência do Júri ou seja, quando há julgamento simultâneo de crimes. Isso se dá afim de evitar julgamentos contraditórios, basicamente por razões de ordem probatória.


3. CORRUPÇÃO

3.1 Corrupção e Desenvolvimento Humano

A corrupção não é apenas uma ação tipificada como crime no ordenamento jurídico, é uma das faltas mais graves que destroem a humanidade, seus efeitos ameaçam um regime democrático, Estado e por fim, o sistema internacional.

Os reflexos da corrupção são de duas ordens: a primeira, de âmbito interno, quando atinge a economia do país, desestabilizando o próprio governo; a segunda, no geral, são somas muitos elevadas que atingem o sistema internacional, o que decorre da lavagem de dinheiro ou desvio de dinheiro para outros países, que favorecem esta captação de dinheiro9.

A corrupção afeta diretamente o desenvolvimento humano em todos os aspectos, seus efeitos são alarmantes, desestabiliza a economia, contribui com a miséria e falta de infraestrutura, dentre inúmeros outros efeitos.

De acordo com Trevisan:10

“A corrupção corrói a dignidade do cidadão, contamina os indivíduos, deteriora o convívio social, arruína os serviços públicos e compromete a vida das gerações atuais e futuras. O desvio de recursos públicos não só prejudica os serviços urbanos, como leva ao abandono, obras indispensáveis às cidades e ao país. Ao mesmo tempo, atrai a ganância e estimula a formação de quadrilhas que evoluem para o crime organizado, o tráfico de drogas, e de armas, provocam a violência em todos os setores da sociedade. Um tipo de delito atrai o outro, que quase sempre estão associados. Além disso, investidores sérios afastam-se de cidades e regiões onde vigoram práticas de corrupção e descontrole administrativo”.

É certo que, a corrupção afeta os direitos humanos, o desenvolvimento do país, a Democracia. As consequências são maiores do que a percepção popular costuma observar, conforme nos diz Aristóteles11:

“A corrupção introduz-se imperceptivelmente; é que, como as pequenas despesas, repetidas, consomem o patrimônio de uma família. Só se sente o mal quando está consumado. Como ele não acontece de uma vez, seus progressos escapam ao entendimento e se parecem àquele sofisma que do fato de cada parte ser pequena infere que o todo seja pequeno”.

A corrupção não deve ser vista como mera conduta de subtração de recursos públicos pois, é um elemento de fomento a injustiças sociais. Como bem ilustra o professor Roberto Livianu12:

“Os custos econômicos desta criminalidade são suportados pelos cidadãos, motivo pelo qual determinam a instabilidade política e deterioração dos poderes. Há ainda outra consequência desta criminalidade que, além de atentar contra os direitos humanos e a dignidade da pessoa, pode atingir os próprios fundamentos da democracia. ”

Atualmente, os efeitos da corrupção, principalmente no tocante aos direitos humanos tem sido estudado pela Organização das Nações Unidas – ONU, assim, se faz importante reproduzir a frase do seu secretário-geral, Ban Ki-moon:

“A corrupção solapa a democracia e o estado de direito. Leva a violação dos direitos humanos. Corrói a confiança pública no governo. Pode até matar – por exemplo, quando funcionários corruptos permitem que medicamentos sejam adulterados, ou quando recebem propinas para permitir que atos terroristas sejam praticados. ”

Diversos são os atos corruptos que ensejam impacto sobre os direitos humanos. O ato de desviar dinheiro público arrecadado do suor de cada cidadão e que, deveria ser aplicado para o desenvolvimento da nação, viaja nas malas da impunidade, e o resultado é incalculável, acarreta morte diária de milhares de contribuintes.

E a morte aqui demonstrada não é, somente, a do corpo físico. As mortes causadas pelos efeitos da corrupção são morais, sociais. Mata o espírito democrático, o desenvolvimento humano, a possibilidade da redução da miséria, entre outras infinitas “mortes”.

Nesse sentido, Edmundo Oliveira nos fala sobre o potencial ofensivo do crime de corrupção e seu alcance13:

“O ato de corrupção, que pode atingir em cheio ao particular que dela é vítima, alcança no resto da sociedade um efeito por vezes diluído. Acontece aqui o mesmo que no lançamento da pedra no lago. Vão se formando círculos progressivamente mais amplos e menos pronunciados em seus contornos”.

Recentemente, a corrupção tem sido um fenômeno explorado pela economia. A preocupação dos economistas é a capacidade da corrupção em gerar instabilidade institucional e resulta em custos de transação ascendentes, o que desestimula investidores e gera externalidades negativas, ou seja, a corrupção tem impactos econômicos que afetam a todos os cidadãos, de uma maneira indistinta14.

3.2 A Corrupção no Brasil

3.2.1 Origem Histórica

Desde os primórdios do descobrimento e colonização do Brasil destacam-se práticas desfavoráveis a formação da cidadania e construção de uma sociedade com valores e virtudes.

Diferente dos Estados Unidos, o Brasil não foi uma colônia de ocupação, o país era visto como fonte de exploração e enriquecimento, não havia qualquer interesse com o desenvolvimento local, conforme em ilustra Sérgio Buarque de Holanda15:

“O que o português vinha buscar era, sem dúvida, a riqueza, mas riqueza que custa ousadia, não riqueza que custa trabalho. A mesma, em suma, que se tinha acostumado a alcançar na Índia com as especiarias e os metais preciosos. Os lucros que proporcionou de início, o esforço de plantar a cana e fabricar o açúcar para mercados europeus, compensavam abundantemente esse esforço – efetuado, de resto, com as mãos e os pés dos negros -, mas era preciso que fosse muito simplificado, restringindo-se ao estrito necessários às diferentes operações”.

Para alguns historiadores, Pedro Vaz de Caminha, em carta encaminhada ao Rei Dom Manuel datada de 1 de maio de 1500, seria o primeiro ato corrupto documentado, que foi praticado no Brasil. Na carta, após relatar detalhadamente o que descobriu, aproveita para, se valer do seu cargo e pedir ao Rei a volta à Portugal de um genro, que havia sido degradado em São Tomé.

“E nesta maneira, Senhor, dou aqui a Vossa Alteza do que nesta vossa terra vi. E, se algum pouco me alonguei, Ela me perdoe, que o desejo que tinha, de Vos tudo dizer, mo fez assim pôr pelo miúdo. E pois que, Senhor, é certo que, assim neste cargo que levo, como em outra qualquer coisa que de vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro – o que d'Ela receberei em muita mercê”.16

Nesse contexto, o Brasil era visto como uma terra para se angariar lucros, os que aqui habitavam não se preocupavam com o desenvolvimento, achando que permaneceriam por pouco tempo buscavam enriquecer rapidamente à custa do Estado.

“O código moral da época da colonização era nenhum, não havia dignidades preestabelecidas nem valores de princípio […]. Implantava-se desde essa época a lei da vantagem, que passaria a fazer parte da cultura brasileira, e que, em vários momentos de nossa história, teria aplicação, conquanto condenável17”.

A composição populacional concebida no Brasil colônia, era fundamentada na definição dos papéis sociais, portanto permitia o controle e subordinação pela metrópole. Todavia, diante da distância do governo português e a ausência de entraves jurídicos e morais, desenvolveu um cenário propício para a corrupção, conforme bem destaca Roberto Livanu18:

“Os primeiros núcleos da colonização, os sistemas hereditários, como poder político, determinaram o surgimento de inúmeros pólos geradores de corrupção. O arbítrio do donatário, aliado à ambição e ao espirito de aventura alimentado pela distância da metrópole, não ligava os homens portugueses do Brasil colonial a habituais limitações jurídicas e morais. Nos governos gerais, embora se disciplinasse a administração da Justiça, continuaram os abusos e injustiças”.

Assim, o cenário era de um governo absolutista português, escravidão e monocultura latifundiária, conforme ilustra Biason19, Portugal não se preocupava em aplicar a justiça e desenvolver uma civilização, seu objetivo era, apenas angariar os lucros da exploração territorial, e, assim, não punia atos corruptos praticados pelos seus agentes públicos:

“O caso mais frequente era de funcionários públicos, encarregados de fiscalizar o contrabando e outras transgressões contra a coroa portuguesa e ao invés de cumprirem suas funções, acabavam praticando o comércio ilegal de produtos brasileiros como pau-brasil, especiarias, tabaco, ouro e diamante. Cabe ressaltar que tais produtos somente poderiam ser comercializados com autorização especial do rei, mas acabavam nas mãos dos contrabandistas. Portugal por sua vez se furtava em resolver os assuntos ligados ao contrabando e a propina, pois estava mais interessado em manter os rendimentos significativos da camada aristocrática do que alimentar um sistema de empreendimentos produtivos através do controle dessas práticas”.

Os grandes proprietários eram os donos do poder dentro dos seus latifúndios, inexistia qualquer aplicação de lei, eles utilizavam do poder como forma de controle e aplicação da sua “justiça”.

Aos escravos não eram concedidos nenhum tipo de direito civil ou político e, mesmo depois da abolição da escravatura não houve qualquer política eficiente de inclusão na sociedade, ficando marginalizados.

Nesse sentido, o primeiro fator que constituiu como amplo obstáculo para o desenvolvimento da cidadania brasileira foi a escravidão. Importante destacar que, mesmo após a proclamação da Independência do Brasil em 1822, nem a escravidão e nem os latifúndios deixaram de existir.

A própria atitude de buscar a Independência Brasileira não partiu da população em geral, e sim, do um acordo entre as elites brasileiras, a coroa portuguesa e a Inglaterra, onde Portugal concordou com a independência Brasileira através de um pagamento, a título de indenização, de dois milhões de libras esterlinas.20

Após a proclamação da independência, o cenário no Brasil não mudou, cerca de 90% da população era analfabeta e foram liderados por um pequeno grupo, o tráfico negreiro era realidade constante, gerando uma renda para a elite, e que mesmo ilegal, foi mantida através de subornos.

E com o passar dos anos foi se desenvolvendo uma sociedade com pouca, ou nenhuma, educação, baseada em princípios morais de uma elite que só pensava no seu bem pessoal, sem qualquer distinção de coisa pública, onde a única preocupação era o enriquecimento pessoal. Nesse cenário que foi criado as raízes da corrupção na construção do Estado.

Assim, com a instauração da República no Brasil em 1889, a corrupção foi adotando outras formas, se expandindo e modificando através dos anos e das oportunidades, e, principalmente, pela impunidade foi se alastrando e tomando dimensões alarmantes como as atualmente vistas.

3.2.2 Atualidade

No estudo publicado no dia 27 de janeiro de 201621, pela ONG Transparência Internacional que indica a percepção da corrupção do setor público de 2015, o Brasil caiu sete posições em comparação ao ano anterior, ficando em 76º lugar na lista, esse índice avalia 168 países. Sendo está a sua pior colocação desde 2008, conforme os estudos anteriormente publicados. De acordo com a ONG22, “O Brasil foi quem teve a maior queda, perdendo 5 pontos e descendo 7 posições, para o 76º lugar. O escândalo da Petrobras, atualmente em curso, levou as pessoas às ruas em 2015 e o início do processo judicial poderá ajudar o Brasil a frear a corrupção”.

De acordo com o relatório, os países que estão no topo do ranking possuem uma maior liberdade de impressa, sistemas judiciários independentes e que não diferenciam seus acusados de acordo com as classes sociais e transparência na informação sobre o orçamento público.

Já os países que estão no fim do ranking, segundo a organização, são os que estão em meio a conflitos e guerras, a mídia não possui independência e as instituições públicas são frágeis.

Ademais, nos últimos quatro anos o Brasil foi um dos países que teve uma das maiores quedas no índice, ao lado da Líbia, da Austrália e da Turquia.

Em um estudo feito pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário – IBPT23, entre os 30 países que possuem as maiores cargas tributárias do planeta, o Brasil é o que proporciona o pior retorno à população pelos tributos arrecadados nas esferas federal, estadual e municipal. O presidente do IBPT, João Eloi Olenike, alerta que:

“Mesmo com os sucessivos recordes de arrecadação tributária, - marca que, em 2015, já chegou aos R$ 800 bilhões de tributos-, o Brasil continua oferecendo péssimo retorno aos contribuintes, no que se refere à qualidade do ensino, atendimento de saúde pública, segurança, saneamento básico, entre outros serviços. E o pior, fica atrás de outros países da América do Sul, como Uruguai e Argentina, que ocupam, respectivamente, a 11ª e 19ª colocações no ranking”.

Segundo o instituto DataFolha, desde junho de 1996, quando iniciou a pesquisa acerca dos problemas do país, a corrupção jamais havia figurado como líder do ranking. Esse cenário mudou em 2015, e pela primeira vez, a Corrupção foi listada de forma isolada, como o principal problema do país.24

Em outra pesquisa elaborada pelo instituto CNI25, a corrupção aparece, novamente, como o principal problema do país e figura entre as prioridades para o ano de 2016.Atualmente, o Brasil vive um dos maiores escândalos na seara da Corrupção, todos os dias os brasileiros são bombardeados com notícias cada dia mais alarmantes envolvendo o alto escalão da política brasileira. O escândalo da Petrobrás, conhecido publicamente como “Petrolão”, a cada dia torna-se mais graves diante de novas delações premiadas. O cenário está mudando, os Brasileiros estão despertando para a gravidade do crime de corrupção. O que antes era, de certa forma, tolerado, hoje é visto como algo a ser combatido.

Em meio à maior crise envolvendo corrupção publicamente enfrentada na história do Brasil, o país se divide em opiniões, onde uma parcela da população reage contra o judiciário, alegando excessos, abusos e violação da constituição. Enquanto outra parcela, que, de acordo com os estudos publicados, corresponde a maioria, se reúne expressando publicamente o apoio as figuras envolvidas na investigação definida como “operação lava-jato”.

No ano de 2016 a operação completou dois anos, de acordo com o Ministério Público Federal26, durante esse período já foram instaurados 1114 procedimentos, foram feitas 484 buscas e apreensões, realizados 117 mandados de condução coercitiva. Foram 133 mandados de prisão cumpridos, sendo 64 prisões preventivas, 70 prisões temporárias e 5 prisões em flagrante. Firmaram 49 acordos de colaboração premiada e 5 acordos de leniência. Foram distribuídas 37 acusações criminais, contra 179 pessoas diferentes, sendo que em 18 já houve sentença. Os crimes já denunciados envolvem pagamento de propina de cerca de R$ 6,4 bilhões de reais e R$ 2,9 bilhões já foram recuperados através de acordos de colaboração.

É certo que, a corrupção não é um problema atual, ela vem dos primórdios da sociedade e está presente, inclusive nos países de primeiro mundo, mesmo que em menor escala. E, de acordo com o Banco Mundial27,

“As causas da corrupção são complexas e podem ser traçadas de um colapso nas relações entre os setores público e privado. Corrupção é um sintoma da disfunção institucional, que prospera onde as medidas econômicas são ditadas inadequadamente, os níveis de educação são baixos, a sociedade civil é subdesenvolvida e a responsabilidade das instituições públicas é fraca. Enquanto a corrupção está presente em todos os países, condições favoráveis encontram-se na maioria do mundo subdesenvolvido, dela fazendo um pavoroso problema para muitos clientes do Banco”.

As consequências da corrupção não estão ligadas exclusivamente nas questões econômicas, ela coloca em risco uma democracia enfraquece valores culturais, morais e sociais.

3.3 Sistema Penal e sua Efetividade Diante Desses Crimes

Diante das mudanças globais e a criminalidade moderna, o processo penal vem sofrendo alterações com o passar dos anos. Existe uma necessidade de se adequar a situação atual e todas as diversidades que a evolução e modernização trazem para a sociedade.

Todavia, encontra-se diversas dificuldades para adequar o sistema penal com os princípios constitucionais e as necessidades de mudanças devido a evolução da criminalidade.

Quando se trata de corrupção essa dificuldade aumenta consideravelmente pois, trata-se de um crime geralmente praticado pela parcela detentora de poderes, principalmente de caráter econômico. Qualquer reforma que possa ser feita na legislação para combater tais crimes tem como obstáculo as garantias constitucionais do acusado, gerando maiores cautelas.

Ao direito penal cabe proteger bens jurídicos previamente tutelados, o que não se confunde com o objeto do crime. É certo que, o conceito de bem jurídico não pode ser fechado pois, impediria o próprio desenvolvimento do direito penal no tempo. Portanto, devem admitir uma apreciação crítica e aberta.

Nesse sentido, expõe Roberto Livanu28,

“Dessa forma, verifica-se que o bem jurídico, que tem na missão do direito penal sua proteção, garante e limita o jus puniendi, vinculando não só o legislador, como também o intérprete no momento da aplicação da lei penal”.

A corrupção atinge um bem jurídico difuso pois, atinge a estrutura do Estado, colocando em risco a Democracia. Atualmente, no Brasil, a sensação experimentada por grande parte da população é a da impunidade diante desse crime.

Cabe destacar que, desde instaurada a democracia no brasil, a primeira vez em que um político federal foi colocado na cadeia ocorreu apenas no ano de 2010, esse fato já demonstra o tamanho da impunidade enfrentada no Brasil.

Conforme a 130ª pesquisa CNT/MDA29, a maioria dos entrevistados não acreditam na punição dos envolvidos com corrupção, na mesma pesquisa, 62,1% dos entrevistados acreditam que o principal motivo da crise política atualmente enfrentada no Brasil seria culpa da corrupção.

O sistema penal no Brasil bem como a legislação criminal, são seletivos. Só punem com severidade aqueles que, como afirma o jurista argentino Zaffaroni, possuem o rótulo de “vulneráveis”. Juristas nacionais, como o prof. Sérgio Habib da Universidade Federal da Bahia, afirmam que30:

“Em nosso país, onde predominam as práticas burocráticas (a ponto de ser criada uma Pasta ministerial da Desburocratização), a corrupção vem a ser a tônica, exatamente para manter um pequeno grupo no poder, usufruindo, eles, de todas as benesses, vantagens e privilégios que o sistema lhe oferece, ainda que isso represente a fome e a miséria para a grande maioria da população”.

Esses crimes ficam impunes, porque como afirma Vera Andrade31, “existe uma divisão entre bem e mal, e só podem ser punidos aqueles que têm o estereótipo de maus, como os negros, pobres, enfim, os excluídos da sociedade, enquanto que os possuidores do poder permanecem imunes a esse sistema, apesar de cometerem crimes muito nocivos. Pode-se falar até em prática indireta de outros crimes, por exemplo, o homicídio, pois o governo deixa de investir em na saúde pública”.

A impunidade do sistema penal brasileiro influencia diretamente na prática do crime de corrupção. A certeza da punição serve como um dos maiores instrumentos de repressão de crimes.

É certo que, a maioria dos criminosos não começam com atos de grande porte, vão evoluindo na medida que se sentem mais confiantes em praticar atos maiores e mais perversos. E, o maior motivo do aumento da confiança dos delinquentes advém da impunidade.

Quando, por exemplo, um agente pratica um furto pequeno e não é alcançado pela justiça criminal e nem pela social, ele, na maioria das vezes, se prepara para praticar um furto maior e, assim, obter uma vantagem mais significativa de acordo com o risco-benefício de ser pego.

E, provavelmente, desse furto maior que ficou impune e lhe garantiu uma vantagem maior que os meios legais podem lhe oferecer, surge a vontade de aumentar cada vez mais esses benefícios e assim vai constantemente evoluindo seus atos criminosos e enquanto não houver o efetivo risco de ser preso, julgado e condenado, o criminoso continuará acreditando que o lucro da prática criminosa é maior que o risco que ela oferece e permanecerá nos caminhos da ilegalidade.

Igualmente ocorre com os crimes de corrupção, a certeza da imunidade estimula a prática da corrupção, soma-se ao fato de a maior parte dos agentes desse delito pertence a camada social que detém o poder e, isso, diminui consideravelmente a probabilidade de serem punidos pelos seus atos pois, utilizam do poder que possuem para construir uma realidade favorável a eles.

Em um sistema penal que beneficia os ricos e detentores de poder, com diversas garantias e regalias, como o brasileiro, a propagação da corrupção chega a níveis alarmantes. Nesse sentido, Baratta 32 reitera esse posicionamento:

“Esta direção de pesquisa parte da consideração de que não se pode compreender a criminalidade se não se estuda a ação do sistema penal, que a define e reage contra ela, começando pelas normas abstratas até a ação das instâncias oficiais (polícia, juízes, promotores de justiça, instituições penitenciárias que as aplicam), e que, por isso, o status social de delinquente pressupõe, necessariamente, o efeito da atividade das instâncias sociais de controle social da delinquência, enquanto não adquire esse status aquele que, apesar de ter realizado o mesmo comportamento punível, não é alcançado, todavia, pela ação daquelas instâncias. Portanto, este não é considerado e tratado pela sociedade como “delinquente.” Dessa forma, sob esse ponto de vista, tem-se estudado o efeito estigmatizante da atividade da polícia, dos órgãos de acusação pública e dos juízes”.

O Estado carece de uma efetiva prática da tutela jurisdicional nesse aspecto. É bem verdade que, diante do atual cenário nacional pode ser considerado que a história da impunidade da elite está mudando com o julgamento do Mensalão, e com a atual operação lava-jato. Todavia, ainda está longe do ideal.

No caso do Mensalão, vários meios de comunicação apontaram o fato de que os operadores do mensalão receberam penas consideravelmente maiores que os idealizadores e principais beneficiários do esquema.

Isso, contribui para o aumento da sensação de que os mais poderosos, mesmo quando acabam presos, ainda recebem certos privilégios. Assim, o sistema penal brasileiro necessita de uma mudança para que possam ser punidos de forma tal que iniba ou ao menos diminua a prática do ilícito.

Ademais, a morosidade do sistema penal aumenta a impunidade. Os processos levam anos para chegarem ao fim, os advogados vão até as últimas instâncias do judiciário, enchendo o STF de recursos infundados apenas para protelar o cumprimento da pena.

Com essa demora muitos crimes acabam prescritos, mesmo quando o Réu confessou o crime processado o cumprimento da pena pode demorar até mais de 10 anos, como foi o caso histórico do assassinato da jornalista Sandra Gomide pelo também jornalista Pimenta Neves. O assassinato ocorreu em agosto do ano de 2000, e o julgamento final pelo Supremo Tribunal Federal ocorreu em 2011.

Outro caso emblemático foi a operação criada em 2003 chamada “Banestado”, que investigou um esquema de corrupção e evasão de divisas, com uma estimativa de remessas ilegais para o exterior de aproximadamente 134 bilhões de dólares. Muitos dos envolvidos se beneficiaram com a prescrição dos crimes e, assim como no mensalão, apenas os agentes que não integram a elite chegaram a cumprir pena.

Nesse caso foi levantado o nome de diversos políticos e pessoas da elite brasileira, estima-se que os valores desviados ultrapassam significativamente os hoje apurados pela operação lava-jato. Porém, poucos brasileiros se lembram dessa operação, o escândalo não foi divulgado em massa pela mídia diferente do que é visto nos dias atuais.

Cabe destacar que, muitas das figuras envolvidas no atual escândalo da Petrobrás figuraram no caso Banestado, entre elas o juiz Sérgio Moro que na época foi o juiz de 1ª Instância dos casos decorrentes das investigações da Polícia Federal e, entre outras figuras, cabe evidenciar o doleiro Alberto Youssef.

Alberto Youssef foi condenado pela justiça federal pelo envolvimento no caso do Banestado em 2004, porém realizou um acordo de delação premiada junto ao MPF e como parte do acordo, foi condenado apenas ao semiaberto em um processo por sonegação de impostos e ficou livre das acusações referentes ao uso das contas CC5.33

Atualmente, seu nome está mais uma vez envolvido em um escândalo de corrupção e, novamente, realizou um novo acordo de delação premiada. As mesmas construtoras acusadas de participar do esquema na Petrobras investigado pela Lava Jato apareceram nas investigações da Banestado. A Odebrecht movimentou 658 milhões de reais. A Andrade Gutierrez, 108 milhões. A OAS, 51,7 milhões. Pelas contas da Queiroz Galvão passaram 27 milhões. Camargo Corrêa, outros 161 milhões.

Esse cenário demonstra a realidade do sistema penal brasileiro, que é a total impunidade. Como o exemplo do doleiro citado, a mais de 10 anos atrás teve envolvimento com corrupção, ganhando lucros astronômicos com a pratica ilícita, mesmo depois de descoberto pela primeira vez não foi efetivamente condenado e assim, voltou a delinquir.

Aliado a impunidade, morosidade do sistema penal brasileiro, outro fator que contribui para o alastramento da corrupção é a ganância, conforme bem demonstra Edmundo Oliveira34:

“Contribui, também, para isso outro fator: o corrupto vai se adaptando a um padrão de vida cada vez mais alto. Para mantê-lo ele não hesita em arrestar os inconvenientes de ações sempre mais ousadas e mais danosas. E o corruptor, por seu turno, faz-se mais atrevido à medida que recebe os frutos da corrupção alheia”.

Nesse sentido, é necessária uma política criminal adequada, com foco nas classes sociais mais abastadas, e que, em grande maioria, cometem ilícitos que afetam em maior escala a sociedade do que um indivíduo etiquetado como perigoso por um sistema penal seletivo.

Sobre a autora
Thays Maciel

Advogada formada pelo UNICEUB/DF, inscrita na OAB/DF desde 2013, especialista pela FESMPDFT em Ordem Jurídica e Ministério Público.

Informações sobre o texto

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