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Inquérito Policial faz hoje 145 anos, com predicados, sem comemorações

Agenda 21/09/2016 às 12:50

Em 20 de setembro de 1871 nascia o inquérito policial no Brasil. 145 anos depois, cheio de predicados, não há razões para comemoração. A construção da verdade real, produzida em cartório e inquisitorial, é a mesma do Brasil Imperial.

Em 20 de setembro de 1871 nascia o inquérito policial no Brasil. Surgiu de uma reforma do então Código de Processo Criminal, percorreu o Brasil Imperial, entrou na República e, apesar de todas as mudanças que o mundo passou, permanece o mesmo até hoje.

É, no mínimo, curioso um procedimento administrativo que atinge um dos bens mais importantes, a liberdade, nascer em pleno poder moderador, absolutista e, apenas aqui no Brasil, acompanhar o avanço da democracia na história do mundo, sem mudanças.

Foi na presença desse inquérito policial que o último enforcamento por crime comum no Brasil, um escravo, ocorreu em 1876, em Alagoas. Foi também com ele que o escravo Rufino Crioulo foi condenado a usar corrente de ferro nos pés e trabalhar acorrentado para o Governo por matar um “capitão do mato” [1].

A essência da construção da verdade real nos dias de hoje, produzida em cartório, inquisitorial e para iniciar uma “nova” ação penal, é a mesma do Brasil Imperial. E o maior índice de pessoas que se tornam réus através dele também são as mesmas: negros e pobres, só perderam o predicado escravocrata.

Talvez a forma pela qual foi negociado o surgimento do inquérito explique sua longevidade. Um acordo entre as elites liberais, conservadoras e radicais, para dividir o poder em um sistema de “duplo inquérito”. Segundo Kant de Lima [2], de um lado, um inquérito policial preliminar e, de outro, um inquérito judicial, também chamado “instrução judicial”.

Esse equilíbrio de forças é formado pela divisão do poder existe até hoje. O que mudou, mais uma vez, foi o predicado das elites. Há no Brasil uma luta para manter, ou aumentar, o poder dos responsáveis pela busca incansável da verdade real, que carrega enorme prestígio na sociedade brasileira, na qual impera a Civil Law.

De acordo com Oliveira:

“Talvez o mal maior causado pelo citado princípio da verdade real tenha sido a disseminação de uma cultura inquisitiva, que terminou por atingir praticamente todos os órgãos estatais responsáveis pela persecução penal. Com efeito, a crença inabalável segundo a qual a verdade estava efetivamente ao alcance do Estado foi a responsável pela implantação da ideia acerca da necessidade inadiável de sua perseguição, como meta principal do processo penal.”. [3]

Nesse contexto, os números produzidos pelo Inquérito Policial no Brasil mostram sua verdadeira face. Apenas para elencar um exemplo, entre tantos, já consagrado pela qualidade científica, tomando por base a cidade do Rio de Janeiro, segundo Michel Misse [4], apenas 1,8% das ocorrências policiais de roubos chegaram até o Ministério Público.

Assim como apenas 8%, dos 60 mil homicídios ocorridos no país, por ano, em média, são esclarecidos, segundo Julio Jacobo Waiselfisz, coordenador da pesquisa Mapas da Violência, divulgada pelo Ministério da Justiça.

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Além disso, dados divulgados pelo Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), em 2014, indicam que 61,6% da população carcerária do Brasil são negros (pretos e pardos). 

O inquérito policial é o instrumento comum entre esses números, responsável pela baixa elucidação dos crimes, além de instruir a ação penal para encarcerar autores de crimes, excetuando brancos e ricos.

Com a pobreza dos números produzidos pelo inquérito policial, aumentaram substancialmente, nas últimas décadas, a produção científica e projetos legislativos em busca de uma solução para este longevo procedimento administrativo. Porém, até agora, não conseguiram romper as forças e não houve avanço no campo prático.

Talvez, precisássemos de um novo acordo de forças para a solução procedimental da instrução penal no Brasil, desta vez, com a inserção de um novo predicado: o sofrimento do povo.

Enquanto isso, o inquérito policial faz, hoje, 145 anos, cheio de predicados, sem razões para comemorar seu aniversário.


Notas

[1] Apeb. Processo-crime de 03/06/1860, fl.6. Est. 13, Cx. 446, doc. 3, fl.5 – pena arbitrada em 1873.

[2] Kant de Lima, Roberto. A Polícia na Cidade do Rio de Janeiro: seus dilemas e paradoxos. Rio de Janeiro: Forense, 1995.

[3] OLIVEIRA, Eugênio Pacellide. Curso de Processo Penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009.

[4] MISSE, Michel (organizador). O inquérito policial no Brasil: uma pesquisa empírica. Rio de Janeiro: Booklink, 2010.

Sobre o autor
Marcio Bastos

Policial Civil do Rio de Janeiro. Ex-membro do CONSPERJ (Conselho de Segurança Pública do Rio de Janeiro). Vice-presidente do SINDPOL RJ (Sindicato dos Policiais Civis do Estado do Rio de Janeiro). Graduado em Ciências Econômicas pela UFRRJ. Pós-graduado em História do Brasil pela UFRJ. Graduando do curso de Tecnólogo em Segurança Pública e Social da UFF. Administrador do site Saga Policial.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BASTOS, Marcio. Inquérito Policial faz hoje 145 anos, com predicados, sem comemorações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4830, 21 set. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/52230. Acesso em: 19 dez. 2024.

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