1. Razoabilidade e alteridade
A temática da intolerância religiosa, no ordenamento brasileiro, abarca múltiplos aspectos, cuja análise requer, de início, o entendimento das concepções de razoabilidade e alteridade1.
Pelo ângulo da razoabilidade, o temário da intolerância religiosa deve ser enfrentado com bom senso, a partir de um exame frio, sem entrar no mérito de crenças ou descrenças. Aliás, ter, não ter ou deixar de ter uma religião não é, a priori, corolário para a prática, em si, do ato de intolerar. Estatísticas mostram que assassinatos, deteriorizações do patrimônio, execração pública de pessoas, ocorrem todos os dias, e são praticados por muitos que o fazem por antipatia, preconceito, ódio, raiva. No Rio de Janeiro, houve episódio que ilustra a necessidade de se ter bom senso. Uma autoridade jurisdicional concluiu que crenças afro-descendentes não constituem religião e, por isso, não poderiam ser alvo de intolerância religiosa. Refletindo melhor sobre o ponto, o magistrado reviu o seu veredito2.
Já pela concepção de alteridade, colocamo-nos, com empatia, no lugar daqueles que sofreram atos de intolerância religiosa.
Empatia, no jargão dos dicionaristas3, é a faculdade de projetarmos a personalidade de alguém num objeto, de forma que este pareça como que impregnado dela.
Para sabermos como a empatia aplica-se em tema de intolerância religiosa, façamos algumas perguntas, retiradas de casos reais4.
Afigura-se admissível alguém ser ameaçado de morte pelo modo de trajar-se? É aceitável se publicar notícia capciosa contra uma pessoa, tomando como ponto de partida o templo onde ela se reúne? E se fizerem chacotas com crianças na escola devido à diretriz religiosa que a família adotou? Que tal determinado indivíduo apresentar currículo profissional impecável e ter a oportunidade de trabalho negada por ser agnóstico? Suponhamos que alguém participe de um grupo de preces e leve um golpe no rosto em virtude disso? E uma pedrada na cabeça por portar uma Bíblia? Algum ser humano gostaria que isso fosse consigo?
A resposta a todos esses questionamentos nos fornecem a verdadeira amplitude de um problema, que, se num primeiro súbito de vista, não tem como ser eliminado por completo, não resta dúvida de que precisa de uma legislação rigorosa e contundente para, ao menos, ser enfrentado com galhardia.
2. Intolerância religiosa como conduta de ódio
Intolerância religiosa é a conduta de ódio, por meio da qual pessoas físicas ou jurídicas agem, violentamente, contra a crença alheia, praticando atos criminosos, brutais, terroristas, fanáticos e imorais, que podem levar ao extermínio da própria vida.
Intolerante é aquele que demonstra uma falta de habilidade em reconhecer opinião ou ponto de vista diferente do seu.
Daí a etimologia da palavra “intolerância”, que vem do latim intolerantia, computando ideia de impaciência ou incapacidade de alguém suportar outrem.
A intolerância ultrapassa as barreiras da simples discordância respeitosa, comum na vida social. Revela uma atitude hostil em relação ao modo de pensar alheio. Pode partir de um preconceito, de um comportamento discriminatório, terminando em briga, racismo, desentendimento, crime e morte. Nesse contexto, também pode surgir o terrorismo, que é a intolerância em sua milionésima potência5.
Perseguições, cabalmente provadas e comprovadas, prisões ilícitas, espancamentos, torturas, assassinatos, confisco de bens, bullings, destruição do patrimônio, incitamento ao ódio, divulgação de notícia maledicente, cerceamentos ao exercício de liberdades públicas, dentre outros atos de enorme crueldade, integram o fulcro daquilo que se convencionou chamar intolerância religiosa.
Incontáveis são os casos de intolerância religiosa ao longo da História Universal.
Sem a pretensão de esgotar tão vasta casuística, recordemos os crimes cometidos contra o modo de pensar dos Judeus, Pentecostais, Maçons, Protestantes, Católicos, Budistas, Xintoístas, Ecumênicos, Afro-descendentes, Esoteristas, Livre pensadores, Mórmons, Cabalistas, Hinduístas, Ateus, Adventistas, Testemunhas de Jeová, Espíritas etc. Nesse sentido, significativa foi a perseguição de Saulo de Tarso àqueles que invocavam o nome do Senhor (Atos dos Apóstolos, 9:21), culminando com o apedrejamento do Mártir Estevão, que clamava em alta voz a Deus para não imputar ao seu próprio algoz, Saulo, o ato de intolerância que estava sofrendo (Atos dos Apóstolos, 7: 60).
Decerto, a problemática da intolerância religiosa nos remete à Madame Roland, a célebre jacobina guilhotinada, quando, em 17 de março de 1794, nos umbrais da morte, verberou: “liberdade, liberdade, quantos crimes se cometem em teu nome!”. Então, diríamos: religiões, religiões, quanta intolerância e quantas vidas ceifadas em seu nome!
Que o diga a malfadada inquisição, que começou no Século XII, na França, cujo objetivo era combater a propagação do sectarismo religioso, em especial, em relação aos cátaros e valdenses.
Registre-se, ainda, as vítimas do Holocausto, a caça às bruxas dos Séculos XV ao XVIII, bem como situações individuais vividas por Jean Calas, Jean-François de La Barre, Dreyfus e Leopold Engleitner.
Em 25 de julho de 2016, colhemos a informação, em diversos sites de notícias, que a Arábia Saudita decretou pena de morte para quem andasse com Bíblia. Assim o fez por meio da “Lei Charia”, que, a despeito de regulamentar a veiculação de material literário, permitiu pena capital para quem levasse Bíblias para dentro da Arábia. O que antes era tido como contrabando, chegou ao extremo. Nesse País, andar com a Escritura Sagrada equivale a portar cocaína ou heroína, por exemplo6.
No Brasil, são incontáveis os casos de perseguições, preconceitos, discriminações que acabam se transformando em verdadeiros atentados.
É impossível enumerar o grande volume de atos de intolerância que atingem, mundialmente, o cotidiano de pessoas de todas as religiões, seitas, credos, crenças e descrenças. Uma pesquisa realizada no biênio 2009/2010, nos Estados Unidos da América, pelo Instituto Pew Research Center, mostrou que 5,2 bilhões de pessoas em todo o mundo vivem em lugares que tem forte intolerância religiosa. Entre os países com as maiores restrições foram apontados: Egito, Indonésia, Arábia Saudita, Afeganistão, China e Rússia. O Brasil apareceu junto com Austrália, Japão e Argentina.
A intolerância é obscenidade, porque solapa a paz, tão necessária ao soerguimento do mundo, que nos últimos milênios tem sido palco de tantos atos de violência, em suas diversas formas de manifestação.
Essa é a hora de recorrermos ao magistério de François-Marie Arouet, que adotou o nome Voltaire (Paris, 21-1-1694 a 30-5-1778).
Ele denunciou a intolerância religiosa, irmã gêmea do fanatismo, concebendo-a como algo pernicioso, maligno, que, já no seu tempo, levava milhares de pessoas à fogueira, aos garrotes, às forcas, às galés imundas.
Voltaire não se conformava. Para ele o intolerante é um assassino, que, no fundo, não passa de um grande fanático. No afã de impor a terceiros suas convicções, não hesita em condenar ao suplício quem pensa diferente dele7.
Não há crime mais revoltante do que disseminar a violência, o aviltamento moral, a raiva, a divisão, o conflito, a desarmonia, por meio do uso indevido da religião.
Indevido, porque não é a religião, em si, que enseja a intolerância, mas a mentalidade de alguns que a utilizam, como pano de fundo, para intolerarem-se mutuamente.
Acontece, porém, que o art.1º, caput, da Carta da República, afirma que o Estado brasileiro é democrático.
Democracia só com espírito de tolerância, do contrário não é democracia. Desrespeita a Constituição quem prega o ódio usando o nome de Deus. Isto é fraude constitucional, porque pontos de vista antagônicos não justificam quaisquer atos de intolerância.
Ninguém pode impor a quem quer que seja determinado credo, porque, em nosso País, a Lei Maior, a Lei Suprema, a Lex Mater, não fomentou o exclusivismo religioso. O Brasil é um Estado laico ou secular. Logo, não se justifica conduta intolerante por motivo de crença ou descrença. Aqui não há credo oficial. Cada qual acredita, não acredita ou deixa de acreditar, no que quiser. Não há óbice para alguém ter, não ter ou deixar de ter religião.
Mas Estado laico não é, necessariamente, Estado ateu ou agnóstico. Tanto que o Preâmbulo da Carta de 1988 afirma que ela foi elaborada sob a proteção de Deus, sem fazer acepção de pessoas, credos, ritos, seitas ou religiões.
E faz sentido, porque, em nossa Pátria, todos devem receber tratamento igualitário (CF, art. 5º, caput). Pouco importa aquilo que alguém professe, não professe, ou deixe de professar. O Estado brasileiro não é teocrático. Nas teocracias é que existem religiões oficiais. No Vaticano, por exemplo, é o Catolicismo e, no Irã, o Islamismo. Aqui não há religião única. Crer, descrer ou deixar de crer, é algo personalíssimo. Como dizia Mohandas Karamchand Gandhi, em seus pronunciamentos, “divergência de opinião não deve ser jamais motivo para hostilidade”8.
3. Intolerância religiosa subjetiva e objetiva
Mas estamos caminhando muito depressa em nossa lição.
Gizemos, a priori, qual o campo constitucional de onde viceja o cancro da intolerância religiosa.
Há dois tipos execráveis e distintos de intolerância: a subjetiva e a objetiva.
Do ponto de vista subjetivo, a intolerância religiosa deflui da própria condição humana. Suas causas são perdidas no tempo. Derivam de fatores imanentes ao psiquismo, responsáveis pelo ódio, raiva, desarmonia. Na vertente subjetiva, a intolerância religiosa não tem como ser sopesada, provada, sequer criminalizada pelo legislador, muito menos aquilatada em normas constitucionais que a repudiam, porque ela existe em estado latente, manifestando-se, de modo tácito, no mais profundo do ser. Ora, quem, de ordinário, penetrará os escaninhos do pensamento de homem algum? Ele é um mistério. Não há como medi-lo. É insondável. O intolerante guarda para si os seus conflitos, suas invejas, suas vaidades, os seus pontos de vista cristalizados, as suas mágoas, raivas e justificativas mais íntimas, que o levam a intolerar. Subjetivamente, pois, só o intolerante sabe o que ele mesmo pensa e mais ninguém. Não externa o seu sentimento, não havendo, pois, como se aferir a sua intolerância, afinal ninguém sabe o que se passa em sua mente. Portanto, em situações, notadamente subjetivas, preceitos da Constituição brasileira, não incidem, porque a intolerância religiosa não tem como ser aquilatada.
Já no campo objetivo, normas constitucionais incidem, sim, com inolvidável força, porque a situação fática que lhes subjazem pode ser mensurada, vinculando condutas e comportamentos ostensivos. A intolerância religiosa objetiva reveste-se de iniludível caráter doloso e, a depender da situação, até culposo. Nesse enquadramento, o agente, que exercita a sua intolerância, o faz de modo livre e espontâneo, ferindo bens materiais e imateriais dos componentes de seitas, credos e descredos dos mais variados matizes. Não raro, condutas eivadas de imprudência, negligência e imperícia, podem dar azo à patológica e abominável intolerância religiosa. Aqui, diferentemente do ângulo subjetivo, tudo é suscetível de ser provado e, por isso, pode ser combatido. Numa palavra, é da vertente objetiva que emerge a vedação constitucional à intolerância religiosa.
4. Vedação constitucional à intolerância religiosa
Vedação constitucional à intolerância religiosa é o conjunto de normas proibitórias da conduta de pessoas físicas ou jurídicas, que ficam impedidas de agirem, objetivamente, contra crenças e descrenças alheias.
Frise-se que o Texto Maior não vedou o direito de crítica construtiva, de opinião, de discordância sadia. Isto não é intolerância.
Quando falamos em proibir atos de intolerância não estamos nos referindo ao exercício de uma pessoa exercitar o direito de criticar, de tecer comentários respeitosos, de escolher, de não escolher ou deixar de escolher dada religião.
O que o ordenamento constitucional proíbe são atos de ódio e violência física e moral, que atingem bens materiais e imateriais das pessoas.
Claro que criticar não é vilipendiar, ofender, magoar com palavras, gestos e afirmações. Criticar é dizer o que se pensa, mas com respeito, equilíbrio e, sobretudo, acatamento a opiniões divergentes. Ninguém, na ordem jurídica pátria, é obrigado a concordar com aquilo que os outros dizem e pensam. Em contrapartida, não é lícito se causar danos materiais, morais, estéticos e à imagem (CF, art. 5º, V e X).
Numa palavra, todos podem criticar, mas não malsinar a opção religiosa de terceiros, muito menos atentar-lhes contra o corpo físico, a honra, a moral, os sentimentos mais profundos, enfim.
Essa é, a nosso ver, a lógica que preside a exegese da Constituição Federal.
Uma mera opinião, uma assertiva qualquer, uma frase lançada no ar, uma palavra incompreendida, pronunciada, de passagem (obter dictum), no calor de um debate, ou até mesmo de um embate, não caracteriza intolerância.
Algumas vezes, por exemplo, numa entrevista ou roda de conversa, presencial ou virtual, alguém emite um pensamento antagônico ao raciocínio do interlocutor. Isto não é suficiente para que se propulsione todo um amparato formal a fim de combater-lhe, almejando indenização ou punição.
Todos têm o direito de se manifestar e falar sobre o que pensam, até porque o constituinte originário vedou o anonimato (CF, art. 5º, IV).
Na Carta de 1988, eis as normas que constituem, exemplificativamente, o cerne da vedação constitucional à intolerância religiosa:
art.1º, caput – o Brasil é um Estado Democrático. Por isso, a prática de intolerância religiosa constitui violação a esse princípio elementar de nossa ordem constitucional, que tem como objetivo construir uma sociedade livre, justa e solidária;
art.1º, III – a dignidade da pessoa humana é, por sua natureza mesma, incompatível com atos intolerantes, porque não se coaduna com a atitude de alguém submeter seu semelhante a impropérios de todo jaez, somente porque discorda de determinada orientação filosófica ou de pensamento. Como a dignidade é um dos pilares da República, o intolerante conspurca princípio comezinho no qual se assenta todo o arcabouço jurídico do Estado brasileiro;
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art. 4º, VIII – o princípio constitucional que apregoa o repúdio ao terrorismo e ao racismo, proveniente da Carta de 1988, aplica-se aos casos de intolerância religiosa. Sob o signo de que, do ponto vista étnico, todos são iguais, sem qualquer distinção (CF, art.5º, caput), a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão (art. 5º, XLII), enquanto o terrorismo é tido como crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia, por ele respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-lo, se omitirem (CF, art. 5º, XLIII);
art. 5º, VI e VIII – aqui reside o núcleo, o coração mesmo, de toda a estrutura normativa da proibição à intolerância religiosa, porque a Carta Magna considerou sacrossanto o exercício das liberdades de consciência, de religião (crença e culto) e de convicção político- filosófica;
art. 5º, IX – “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. Logo, não é lícito impor obstáculos à liberdade de crença e de culto dos outros, sob pena de cercear-se a manifestação do pensamento em todas as suas vertentes, inclusive a religiosa;
art. 5º, § 2º – como os direitos e garantias expressos na Constituição de 1988 não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República pátria participar, diplomas normativos internacionais podem, em nosso País, ser invocados, e aplicados, no combate à intolerância religiosa. Exemplo: aplicando-se o art. XVIII, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, é proibido impor obstáculos à liberdade de escolha religiosa; e
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art.19, I – é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”. Este enunciado normativo dirige-se às entidades federativas, que não podem, nem mesmo de modo indireto, escamoteado ou oblíquo, estimular determinados segmentos em detrimento dos demais. O inciso, I, do art.19, é, na realidade, desdobramento lógico do caráter laico do Estado brasileiro.
Para fins de vedação constitucional à intolerância religiosa, todas essas normas aí exemplificadas convêm ser interpretadas em harmonia umas com as outras, porque elas se postam na ordem jurídica pátria como verdadeiros fractais.
Fractal, do latim fractus, computa ideia de algo quebrado ou fracionado. Tal palavra foi proposta, em 1975, por Benoît Mandelbrot9.
Então se imprimirmos sentido harmônico e unitário aos fractais, dispostos nos arts.1º, caput, e inciso III; art. 4º, VIII; 5º, VI, VIII, IX e § 2º; e art.19, I, da Constituição Federal, veremos que, em nosso País, a prática da intolerância religiosa é, terminantemente, proibida.
Ora, se a exegese isolada, fragmentada, quebrada, de cada um desses preceptivos pode deixar dúvidas quanto à existência, no Brasil, de normas constitucionais proibitórias da intolerância religiosa, a exegese sistemática desses fractais demonstra, justamente, o contrário. Resultado: a Carta Política não admite, nem aceita, atos dolosos ou culposos, que venham a prejudicar o exercício legítimo da liberdade de crença religiosa.
Aliás, é mundial a praxe de os textos constitucionais consagrarem normas vedatórias à intolerância religiosa.
Mencionemos, a título ilustrativo, as Constituições dos Estados Unidos da América (Primeira Emenda Constitucional, art. 4), da Alemanha (Lei Fundamental, art. 4), da Irlanda (art. 44.2.1), da Estônia (art. 40), da Turquia (art. 24), de Portugal (art. 13, inciso 2), da França (art. 1), do Canadá (art. 15) e do Egito (art.40), que consagram, em maior ou menor extensão, normas vedatórias da intolerância.
Evidente que os Diplomas Constitucionais aí colacionados não ensejaram o término da problemática em seus respectivos endereços de origem. Representaram, todavia, o estabelecimento daquilo que poderíamos rubricar de estatuto constitucional proibitório da intolerância religiosa, restando ao legislador ordinário o encargo de tipificar os crimes oriundos desse contexto.
Observemos que a Constituição de 1988 trouxe proibições materiais à intolerância. Mas o procedimento, o rito, o enquadramento das condutas criminosas, o quantum sancionatório, o estabelecimento de punições e penas, enfim, é tarefa do Parlamento, a quem compete tipificar e destrinchar a matéria.
Enquanto o constituinte originário estabeleceu normas constitucionais que vedam a intolerância, assim o fazendo por meio da previsão de juízos de dever ser genéricos, amplos, de conteúdo aberto, resta ao legislador comum consagrar disposições legais específicas, detalhadas, minuciosas, de sorte que não se pairem dúvidas de que o intolerante comente crime, e, por isso, convém ser punido, e não apenas pagar multas, prestar serviços à comunidade (Lei n. 7.716/1989, art.4º, § 2º) ou sofrer pena de um a três anos de reclusão (Código Penal, art.140, § 3º).