RESUMO: O presente trabalho tem o condão de fazer uma análise dos crimes contra dignidade sexual, levando em conta os diversos princípios penais e constitucionais aplicáveis aos mesmos. A pesquisa em tela buscou demonstrar como a tipificação dos crimes contra a dignidade sexual, bem como a aplicação da sanção frente à sua violação está consubstanciada aos princípios jurídicos, elencando, em especial, o crime de estupro como exemplo para fomentar as discussões pertinentes ao tema. Ao discorrer do artigo analisaremos a total discrepância do sistema, de acordo com o postulado normativo que rege a constituição federal e se apresenta como desdobramento de todos os outros princípios específicos penais e extrapenais. O trabalho visou perquirir algumas etapas na aplicação da sanção ao delito de estupro, desde a exposição de motivos do legislador para criar o referido tipo penal, até sua aplicação no caso em concreto, abordando a ação penal utilizada para deflagrar a persecução penal. Colocaremos em pauta uma discussão acerca do nível de proteção que o Estado/Legislador oferece ao cidadão ao asseverar qual o modelo de ação penal atinente a preservar a dignidade sexual.Quanto à metodologia, buscou-se fazer uma análise do tema proposto através do texto legal, discorrendo de forma pormenorizada os anacronismos trazidos pelo legislador, traçando uma linha tênue entre a norma positivada e aquilo consignado pelos doutrinadores pátrios, sem deixar de considerar a jurisprudência pertinente ao tema.
Palavras-chave: Dignidade sexual. Estupro. Ação penal pública condicionada à Representação. Dignidade da pessoa humana. Ação Pública Incondicionada.
INTRODUÇÃO
Quando tratamos de crimes contra a dignidade sexual além de estarmos diante de uma violência física e psíquica, estamos diante de uma série de violações. Além da violação do tipo penal exposto no artigo 213 do Código Penal, há violação da dignidade sexual da vítima, que se apresenta como desdobramento da própria dignidade da pessoa humana, há violação de sua liberdade sexual, violação moral, e até espiritual em determinados casos.
Os princípios que norteiam o Estado democrático de direito e a própria vida humana são severamente violados quando falamos em crimes contra a dignidade sexual, mais ainda, quando falamos na aplicação efetiva dos referidos tipos penais.
Os princípios são extraídos do texto de lei, como por exemplo, o princípio da legalidade que têm o intuito de coibir arbitrariedades quanto à criação de direitos, deveres e impedimentos para que aquele direito seja tolhido, ou, aquele dever seja descumprido. A lei no seu dispositivo legal garante que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.
O Código Penal ainda traz codificado o crime de estupro no artigo 213 que dispõe: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. – Pena: Reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.”
Notamos que há um crime definido assim como a prévia cominação legal para a sua violação, ou seja, o princípio da legalidade que rege o Código Penal, está devidamente respeitado, uma vez que se não há lei definindo como crime, não há crime, a contrariu sensu, se o tipo penal está codificado, diante de sua violação deve ser aplicado, sem escusas, ao caso em concreto que ensejou tal violação.
A partir do princípio da legalidade vislumbramos o princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos que consubstancia a lesividade e ofensividade da conduta do agente, em alusão ao tipo penal estabelecido no código.
Partindo dessa premissa relacionamos aqueles princípios supramencionados ao princípio da intervenção mínima do Estado, haja vista que a lesividade e ofensividade da norma deve ser suficiente para intervenção, uma vez que o direito penal deve intervir na vida do cidadão como ultima ratio, pois estamos tratando de um direito fundamental que é a liberdade deste.
Nesse diapasão, o direito penal só deve intervir na relação dos particulares, ou do particular com o Estado em especial, quando houver grave lesão à bem jurídico relevante.
Contudo, nos parece que apesar do que nos direciona os princípios e a própria norma no artigo 213 do Código Penal há um dissenso quando o mesmo código normatiza que os crimes contra a dignidade sexual se darão mediante ação penal pública condicionada à representação. Conforme, dispõe o artigo 225 do Código Penal: “Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública condicionada à representação.” (Redação dada pela Lei n° 12.015, de 2009).
Portanto, a discussão que já foi objeto da doutrina será acatada nesse trabalho com a finalidade de encontrarmos o que seria mais justo quando se tratar da punição quando estivermos diante de crimes contra a dignidade sexual, em especial o estupro, até como meio de evitar a impunidade, ou cifra negra, como veementemente denominado na doutrina pátria.
Preliminarmente, se faz necessário percorrer alguns dos princípios relevantes na aplicação das normas penais, sejam eles penais, processuais penais ou constitucionais.
O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana: Gênero no Qual a Dignidade Sexual é Espécie.
A dignidade sexual da pessoa humana é um princípio de maior abrangência, princípio esse consagrado na nossa constituição federal, integrando o rol de direitos fundamentais, direito este com valor moral, espiritual elevado à sua magnitude máxima tanto que não se admite discussão acerca deles, uma vez, que é cláusula pétrea e inerente a pessoa humana.
Não obstante a tamanha amplitude a Jurisprudência pátria considera o princípio da dignidade da pessoa humana como postulado normativo.
Uma vez, considerando o princípio da dignidade da pessoa humana como postulado normativo é válido destacar a sua distinção dentro do nosso sistema, visto que a violação dos postulados se dá no momento em que as regras normativas, assim como seus princípios são violados, pois à rigor o que são violados são as regras e princípios no momento em que deixam de ser aplicados, o postulado, por sua vez, de forma inexorável sofre sua violação de acordo com a não interpretação dada aos princípios e normas quando estes são violados. Nota-se o reflexo sofrido pelos postulados quando uma norma ou princípio não são devidamente respeitados.
Dessa forma, bem assinala Humberto Ávila:
“Com efeito, os princípios são definidos como normas imediatamente finalísticas, isto é, normas que impõem a promoção de um estado ideal de coisas por meio da prescrição indireta de comportamentos cujos efeitos são havidos como necessários àquela promoção. Diversamente, os postulados, de um lado, não impõem a promoção de um fim, mas, em vez disso, estruturam a aplicação do dever de promover um fim; de outro, não prescrevem indiretamente comportamentos, mas modos de raciocínio e de argumentação relativamente a normas que indiretamente prescrevem comportamentos. Rigorosamente, portanto, não se põem confundir princípios com postulados.”
A Constituição Federa de 1988, traz o referido princípio codificado no artigo 1°, Inciso III, que dispõe:
A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...)
III – A dignidade da pessoa humana;
Podemos considerar que a dignidade da pessoa humana se adequa aos moldes da sociedade ao passo de sua evolução, atendendo as próprias necessidades do ser humano.
Ao conceituar a dignidade da pessoa humana Ingo Wolfgang Sarlet, (2007, p. 62) preceitua:
[...] temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.
Desse postulado nascem desdobramentos e princípios constitucionais que tutelam valores específicos, como espécie do gênero tratado. No entanto, até esse princípio maior não é absoluto pode ser limitado, pois ele encontra sua limitação na medida em que a dignidade de outrem começa a ser assegurada, em outras palavras, a dignidade da pessoa humana é absoluta até o momento que os meios para preservá-la não confronte com a dignidade de outrem.
Rizzatto Nunes trata da dignidade da pessoa humana como um supraprincípio constitucional, partindo da ótica que este está acima dos demais princípios, pois todos os princípios que se seguem e as normas editadas que integram nosso ordenamento jurídico respeitam a dignidade da pessoa humana como um princípio maior. (NUNES, 2009)
Acerca da subjetividade no que tange ao princípio, Pietro Alarcón de Jesús (2004, p. 244-256) diz ainda que trazer o princípio para os ensinamentos constitucionais é reconhecer e valorizar o ser humano como base e o topo do direito.
Por esse viés, é possível denotar que o princípio, ou melhor, postulado normativo da dignidade da pessoa humana possui uma importância ímpar e se apresenta como gênero no qual dignidade sexual é espécie. Nesse contexto, ao cometer qualquer delito contra a dignidade sexual, está ferindo não só a liberdade sexual e dignidade sexual da vítima, mas também a sua dignidade humana, e diante disso, cabe ao Estado oferecer proteção eficiente ao cidadão a tal ameaça de direito.
Princípio da Exclusiva Proteção de Bens Jurídicos
O princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos visa estudar as funções do direito penal no Estado Social de direito. Segundo a doutrina majoritária a dogmática do direito penal contemporânea cumpre uma função de tutela e proteção dos bens e valores fundamentais indisponíveis para o desenvolvimento da vida em sociedade, ou seja, cada direito tutelado se torna objeto material de uma norma tipificada pelo direito penal.
Olhando por esse prisma, todos aqueles bens jurídicos elencados pelo legislador merecem ser preservados, e, no âmbito do direito penal, isso se dá mediante a criação e aplicação efetiva de tipos penais, que coíbem a conduta lesiva dos indivíduos. O direito penal se mostra como um regulador da sociedade, um individuo só respeita um mandamus jurídico quando tem sua liberdade ameaçada, ou ao menos o patrimônio, como se dá no âmbito cível.
Em desdobramento a esse princípio nasce para reforçá-lo o princípio da lesividade ou ofensividade, que pela interdisciplinaridade das normas e do direito já nos remete ao princípio da intervenção mínima do Estado.
Princípio da Lesividade ou Ofensividade sob a Ótica do Delito de Estupro.
De acordo com o princípio da lesividade ou ofensividade só haverá crime e consequentemente aplicável a punição que lhe cabe quando o direito tutelado for lesionado, quando de fato houver consumação do crime contra o bem jurídico tutelado.
Vale ressaltar, que essa lesão ou ofensa deve ser em relação ao direito de outrem, uma vez que o próprio indivíduo ofendendo ou lesionando seu próprio direito tutelado não há que se falar em punição, haja vista que nosso sistema não pune a autolesão.
Como assevera Luis Flávio Gomes:
Por força do princípio da ofensividade não se pode conceber a existência de qualquer crime sem ofensa ao bem jurídico (nullum crimen sine iniuria). Desse princípio decorre a eleição de um modelo de Direito penal com característica predominantemente objetiva, fundado em pelo menos dois pilares aproteção de bens jurídicose a correspondente e necessáriaofensividade (GOMES, 2007, pg. 464)
Levando-se em conta o princípio da lesividade, ou ainda, ofensividade, no que tange ao delito de estupro, alocado no capítulo dos crimes contra a dignidade sexual, como o mesmo nome pressupõe, a dignidade sexual da pessoa está sendo severamente lesada ao ser vítima de tal infração, nesse diapasão, como já salientado anteriormente, devido a se tratar de um desdobramento da dignidade da pessoa humana, a dignidade sexual merece especial proteção e respaldo efetivo no que se refere à proteção.
Não me parece razoável que o Estado deixe de oferecer proteção à um bem jurídico tão relevante como a dignidade sexual, portanto, figura como sua obrigação criar medidas de política criminal para coibir os atentados a esse bem juridicamente relevante, o que não vem fazendo como será demonstrado em momento oportuno do trabalho.
Princípio da Legalidade sob o Prisma do Estupro.
O princípio da legalidade confere ao cidadão uma garantia lícita para se basear nos alicerces do direito penal.
Diz respeito à obediência das leis, através dele, ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude da lei. O artigo 5°, Inciso II, da Constituição dispõe:
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:” (...).
II –“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;”.
Em resumo, o código estabelece que ninguém será punido sem que haja uma lei prévia, escrita e certa.
Em alusão ao bem jurídico da dignidade sexual, se a norma merece obediência como vimos anteriormente, em especial à penal, que prevê severas penas a quem infringe um tipo normativo a problemática se instala no tocante à aplicação do tipo penal que a lei estabelece, uma vez que em consonância com o processo penal, é possível vislumbrar uma proteção deveras deficiente por parte do Estado, embora o tipo penal traga uma pena proporcional a lesão que ocorre ao bem jurídico tutelado.
Parafraseando, temos uma pena proporcional e protetiva em abstrato, qual seja, pena mínima de 6 (seis) anos para o estupro (caput), mas uma ação penal que possibilita, em alguns casos, a impunidade do indivíduo em concreto, assim como a pena prevista no §2° do artigo 213 do CP, que prevê a pena mínima em abstrato de 12 (doze) anos se da conduta resulta morte, no entanto, mesmo com o resultado mais grave a ação continua sendo condicionada à representação, e nesse caso se a vítima não tiver, cônjuge, ascendentes, descendentes ou irmãos que possam representar junto ao Ministério Público a impunidade é garantida.
É valido destacar a hipótese trazida no §1° do mesmo artigo, visto que há uma cisão entre a parte A e B do §, pois na parte A, que traz como resultado da lesão corporal de natureza grave a ação continua sendo condicionada à representação, enquanto a parte B do artigo trata dos casos em que a vítima é menor de 18 (dezoito) anos, situação essa que a ação passa a ser incondicionada, dada consonância com o artigo 225, §único do CP, e para ambas situações a pena mínima é de 8 (oito) anos.
Contudo, de acordo com a pena aplicada para as diversas situações trazidas pelo tipo penal, notamos a discrepância entre o direito garantido e a ação penal atribuída para assegurar tal garantia.
Em decorrência do referido princípio há que se falar sobre o princípio da intervenção mínima do Estado que nada mais é que um desdobramento dessa teoria, apoiada no princípio da legalidade, ambos em prol de uma só garantia, qual seja, a dignidade da pessoa humana e a preservação da organização em meio à sociedade.
Princípio da Intervenção Mínima: um olhar sobre o Bem Jurídico protegido nos Crimes Contra a Dignidade Sexual.
O princípio consiste na sistemática de intervir na vida social do indivíduo de forma mínima, haja vista que estamos lidando com direito fundamental do indivíduo, o direito de liberdade, por isso, a norma penal deve ser aplicada em última ratio, quando nenhuma outra norma ou solução for cabível, respeitando os limites da legalidade. Forma esta que disciplina o comportamento do indivíduo em sociedade, visto que o sistema brasileiro não pune o individuo e sim a conduta praticada por ele.
Portanto, o Direito Penal surge de forma subsidiária que será aplicada em casos de extrema necessidade, pois o direito penal deve aguardar a ineficácia dos demais ramos do direito para assim intervir com a gravidade que lhe compete, cerceando direitos inerentes ao indivíduo, por isso, crimes de bagatela ou de menor potencial ofensivo não seguem a risca o direito penal, e com isso evita que autores de delitos menos ofensivos sejam presos em presídios unicamente por ter atentado contra um dispositivo de menor relevância previsto no Código Penal.
Vejamos, sobre o tema, o magistério do doutrinador Paulo Queiroz, que trata a matéria da seguinte forma:
Dizer que a intervenção do Direito Penal é mínima significa dizer que o Direito Penal deve ser a 'ultima ratio’, limitando e orientando o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta somente se justifica se constituir um meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. O Direito Penal somente deve atuar quando os demais ramos do Direito forem insuficientes para proteger os bens jurídicos em conflito (QUEIROZ, Paulo. Sobre a Função do Juiz Criminal na Vigência de um Direito Penal Simbólico. IBCcrim, nº 74, 1999).
A observância dessa gravidade e da análise desse princípio é fundamental para resolução da situação fática exposta, pois ela evita a aplicação incongruente da norma penal, ofendendo a proporcionalidade do direito penal, tão primada na doutrina.
Ante o exposto, verifica-se que ao contrário das normas de pequeno potencial ofensivo a que se deve sopesar a aplicação da sanção penal, nos crimes contra a dignidade sexual o bem jurídico tutelado possui uma relevância ímpar, deste modo, merece ser acolhido pelo direito penal, de forma que os indivíduos que venham a ferir tal bem jurídico fiquem expostos a severas penas, assim como prevê o preceito secundário do artigo 213 do Código Penal.
Dignidade e Liberdade Sexual
Acerca da dignidade sexual podemos trata-la como espécie da dignidade da pessoa humana.
A dignidade de uma forma ampla está ligada à honra, a moral, aos costumes, a um valor inestimável pregado pela sociedade e garantido constitucionalmente, pois o legislador entende que deve ser garantido o mínimo possível de direitos que permitam o individuo viver de forma digna, por isso, a existência dos direitos fundamentais e petrificados na Constituição Federal.
Ao passo que a liberdade sexual está relacionada ao direito de escolha do indivíduo, escolha essa que vai definir se a pessoa vai se relacionar ou não, a que tempo isso vai acontecer, com quem vai acontecer, ou senão vai acontecer.
Nota-se que a liberdade trazida para o plano sexual está voltada ao direito de escolha e vontades do indivíduo.
A medida que a dignidade sexual é mais abrangente por estar associada diretamente á dignidade da pessoa humana, a liberdade sexual se restringe ao indivíduo que goza desse direito e o tem violado quando seus suas escolhas não são observadas.
Conquanto, a dignidade sexual também está intimamente ligada à liberdade de escolha do indivíduo seja ela religiosa, seja por opção sexual, seja moral, filosófica, etc. O indivíduo gozando dessa dignidade tem liberdade total sobre seu corpo, e sobre suas escolhas no que se refere às suas concepções acerca da sexualidade.
Violar algo tão íntimo como o corpo, a dignidade da pessoa humana, a liberdade sexual e consequentemente a dignidade sexual da vítima, sem sombra de dúvidas devem ser severamente punido de forma tal que impeça o indivíduo de cometer tal crime.
Não obstante, a tais valores violados, ainda temos a violação à saúde física e psíquica que trazem danos catastróficos a vítima. Isso quando não fere o valor mais inestimável tutelado pelo nosso ordenamento jurídico, a vida.
O crime de Estupro no Código Penal Brasileiro.
O crime de estupro está codificado no Código Penal Brasileiro, presente no Título VI que trata dos crimes contra a dignidade sexual. A redação dada para o título veio através alteração dada pela Lei 12.015 de 7 de Agosto de 2009, anteriormente a redação tratava dos crimes contra os costumes, apenado de reclusão de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
Trata de crime comum, haja vista que qualquer pessoa pode cometer, o objeto jurídico tutelado é a dignidade e a liberdade sexual, crime doloso e qualificado se da conduta resulta lesão corporal grave ou se a vítima for menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos, ou, se ainda da conduta resultar morte. No entanto, essas formas qualificadas devem advir de culpa, haja vista que se o resultado maior for doloso estaríamos diante de concurso material de crimes.
Artigo 213, §1°, CP: “Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) e maior de 14 (catorze) anos: Pena: reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.”
Artigo 213, §2°, CP: “Se da conduta resulta morte: Pena: reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos”.
O estupro é configurado pela prática não consensual do sexo, ou de qualquer ato libidinoso imposto por meio de violência ou grave ameaça de qualquer natureza, envolvendo ou não penetração, considerando que o texto legal traz a prática de qualquer ato libidinoso. A se considerar o beijo lascivo, tateio lascivo, o coito anal, a prática da masturbação e as demais ações que venham satisfazer a libido do autor pode ser considerada como ato libidinoso.
Embora o estupro possa ser praticado contra qualquer pessoa, seja homem ou mulher, historicamente e estatisticamente as mulheres são as maiores vítimas e o crime de estupro para estas pode se caracterizar, nos dias atuais, tanto por um ato libidinoso contra sua vontade, quanto uma conjunção carnal, caracterizada pela penetração do pênis na vagina.
O estupro se desdobra em diversas espécies como, por exemplo, o estupro coletivo, que ocorre no caso de repúdio da coletividade quando se deparam com o mesmo crime de estupro contra vulneráveis e o autor detendo do dever de cuidado atenta contra a dignidade sexual do menor. Ou ainda quando dois ou mais agressores se unem para a prática do crime contra uma única vítima.
Outra prática de estupro comum é aquele que ocorre dentro do casamento, quando um dos parceiros, (novamente na maioria dos casos a mulher) não quer ter a relação sexual e o parceiro a obriga.
Embora, houvesse uma discussão acerca do assunto, que trazia em tese o exercício regular de um direito quando se tratava do homem submeter sua companheira a satisfação dos seus desejos, esse entendimento ficou deveras ultrapassado, e nos dias atuais, o homem não pode mais submeter sua companheira a lhe satisfazer onde e como quiser. Cabe consignar que isso se aplica também à mulher, embora seja menos comum.
O estupro é encontrado ainda como um meio de correção dentro do sistema carcerário. O estupro carcerário não tem legitimação alguma, embora ocorrida com frequência dentro do nosso sistema. Mesmo se tratando de indivíduos que cometeram graves delitos, vemos a real violação do princípio máximo que é a dignidade da pessoa humana dentro do próprio sistema estabelecido pelo ordenamento jurídico para reeducar o infrator. É comumente noticiado que indivíduos sofrem esse tipo de “justiça carcerária” em casos de estupro de vulnerável, onde os outros reclusos acabam “vingando” o infante que sofreu tal violação.
No entanto, vale ressaltar que em Estados governados pela Charia essa prática é permitida.
Ainda pode ser encontrado o estupro de lésbicas, estupro este no qual mulheres estupram outras mulheres, e na maioria das vezes usam como meio o uso do rape drugs.
O estupro étnico, baseado em motivações puramente sectárias, o que não é incomum atualmente.
O estupro com fins missionários, mais corriqueiros ainda, no qual líderes religiosos trazem uma ideologia ilusória para seus seguidores, ao pregar que a solução de seus problemas será alcançada desde que se sujeitem a prática sexual juntamente com ele.
O estupro de guerra está associado à humilhação, ao desespero, com o intento de espalhar terror, medo, e engravidar a mulher do inimigo.
Muito embora, essa seja a característica do estupro de guerra é notório que todas as demais classificações de estupro existentes são unicamente para humilhar e ofender a honra, e a dignidade da pessoa humana.
Ademais, temos o estupro sob critérios racistas, estupro contra a prostituta, estupro relativos à opção sexual e etc. Estupros esses que se dão exclusivamente por critério subjetivo da vítima.
Estupro de homem contra homem, por exemplo, são muito mais usuais do que podemos imaginar, isso porque o índice de denúncia é menor que os atentados contra as mulheres.
O estupro de mulher contra mulher, intitulado como “estupro lésbico” ocorre quando uma mulher manipula a força os órgãos sexuais da vítima, no caso também mulher. Seja por meio de sexo oral, manual, introdução de objetos ou tribadismo. Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos em 2010 constatou que 67,4% das lésbicas confirmam terem sido estupradas por mulheres.
O que nos permite vislumbrar que o direito à dignidade sexual, e a dignidade da pessoa humana tem sido tolhido a todo instante, por todos os grupos que compõe a sociedade como um todo, sem exceções e com as razões mais variadas.
Estima-se que, em média o estupro seria de mil por um milhão de habitantes. No entanto, há presunção de pelo menos uma cifra 40 vezes maior que essa quantidade segundo alguns cientistas.
Esses dados nos permitem chegar a um dado de sete a 140 milhões de estupros no mundo por dia, por ano poderia chegar a 100 bilhões. Esse valor exacerbado se dá em razão de não serem pacíficos os posicionamentos no que se refere a determinadas modalidades de estupro.
O estupro no Brasil em números.
Estupro no Brasil além de crime integra o rol dos crimes hediondos, crimes estes que são punidos com mais severidade, pois merecem maior reprovação pelo Estado devido à maior aversão causada por eles à sociedade.
Os crimes hediondos são aqueles que de forma gravosa fere valores de indiscutível legitimidade, como o sentimento comum de solidariedade, fraternidade e respeito à dignidade da pessoa humana.
Quanto aos autores que praticam crimes considerados hediondos, entre eles, o estupro, é considerado perverso, sórdido, repugnante, perigoso, e, por isso, recebem um tratamento máximo de reprovação penal e social por parte da sociedade.
Muito embora toda essa reprovação e esse tratamento severo contra quem atenta à dignidade sexual da pessoa humana, o índice de crimes consumados no Brasil todo ano é elevadíssimo segundo comprovação dada por estatística. No entanto, vale considerar que há uma abrangência maior quando se trata do estupro, haja vista que o texto legal traz a hipótese de conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso. Notório é o avanço na quantidade de casos desse crime ao decorrer dos anos, que avançam cada vez mais, mesmo a norma penal trazendo meios tão rígidos de punição. E infelizmente a tendência é a progressão desses valores e não a regressão. Sem dúvida alguma essa crescente se dá pelo modo como a norma penal está sendo aplicada nos casos in concretu, e sob esse prisma que entra a ação penal nos crimes contra a dignidade sexual, no presente caso, o estupro.
Ação Penal Pública Condicionada à Representação: a Proteção Deficitária do Estado no tocante ao Estupro.
A priori, a ação penal nos crimes contra a dignidade sexual, anteriormente chamado de crimes contra os costumes, era privada, ou seja, a vítima tinha que ingressar com queixa crime para dar ensejo à ação penal. A doutrina criticava muito essa situação, pois tal fato estava ocasionando uma verdadeira cifra negra, ou seja, as vítimas não estavam ingressando com a queixa, seja por falta de recursos, pois é necessário um advogado, seja pelo fato de se sentir envergonhada.
Essa política criminal adotada pelo sistema se orienta pelo strepitus judicis (escândalo do processo), pois parte-se da premissa que ao invés de punir o autor do crime poderia trazer um dano maior à vítima em decorrência da exposição que esta estaria submetida ao intentar a ação penal.
A problemática maior se instalava no tocante aos crimes de estupro com violência real, diante das críticas eminentes da Doutrina e do absurdo jurídico trazido pela norma o STF, na tentativa de consertar essa aberração jurídica e em virtude de política criminal editou a Súmula 608 que dispõe: “No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é publica incondicionada.”
No entanto, o problema não foi solucionado, uma vez que o Supremo asseverou à ação penal pública incondicionada somente os crimes de estupro que trouxessem na vítima a comprovação de violência real, através de lesões de qualquer natureza. Portanto, ao passo que deu uma autonomia ao Ministério Público também suprimiu o seu espaço de atuação.
Segundo Roxin apud Streck (2007, pg. 96) “Como muito bem assinala Roxin, comentando as finalidades correspondentes ao Estado de Direito e ao Estado Social de Liszt, o direito penal serve simultaneamente para limitar o poder de intervenção do Estado e para combater o crime. Protege, portanto, o indivíduo de uma repressão desmesurada do Estado, mas protege igualmente a sociedade e os seus membros dos abusos do indivíduo. Estes são os dois componentes do direito penal: o correspondente ao Estado de Direito e protetor da liberdade individual, e o correspondente ao Estado Social e preservador do interesse social mesmo à custa da liberdade do indivíduo”.
Com o advento da Lei 12.015 a norma é reformada de forma significativa, haja vista que a nova redação do artigo 225 do Código Penal traria à regra de ação penal pública condicionada à representação para agora os crimes contra a dignidade sexual.
Tratando de ação penal pública condicionada á representação sanava os reclames da doutrina e continuava respeitando a vontade da vítima no que tange ao escândalo do processo, pois agora ela estaria “protegida” pelo Ministério Público que assumiria o polo ativo da ação sem que a ofendida se expusesse ainda mais.
Todavia, a alteração trouxe mais uma vez uma questão a ser analisada, pois o caput trata de ação penal pública condicionada à representação para os crimes dos capítulos I e II do capítulo IV. Dispõe o artigo 225 do Código Penal:
Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste título, procede-se mediante ação penal pública condicionada à representação.
Parágrafo único. Procede-se, entretanto, mediante ação penal pública incondicionada se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável.
E a Súmula 608 do STF que trata ainda que crimes de estupro mediante violência real a ação penal seria incondicionada. Qual a regra prevaleceria diante desse conflito?
De forma equivocada, buscando uma proteção mais efetiva, mesmo com a edição da Lei 12.015 de 2009 que trouxe a redação do artigo 225 do Código Penal, continuou-se aplicando a súmula 608 quando se tratava do crime de estupro com violência real, o que se faz um absurdo e traz uma enorme insegurança jurídica. Ora, uma súmula, que nem vinculante é, pode prevalecer sobre uma lei? Ainda mais quando a lei em questão é cronologicamente posterior? Parece-me que não, embora fosse a melhor saída.
No que se refere a Sumula 608 do STF, editada com o intento de atender aos reclames da doutrina que circundavam o caso, a própria doutrina entende pela sua eliminação, uma vez que uma nova norma pacificou o entendimento atendendo o interesse tanto do Estado quanto da vítima, portanto, a súmula perde sua razão de existir.
Nesse sentido, temos o entendimento de Paulo Rangel (2009 – p. 304-306) e de Guilherme de Souza Nucci. (2009 – p. 62-63) Nas palavras do último autor (2009, p. 62-63):
[...] Elimina-se a Súmula 608 do STF, vale dizer, em caso de estupro de pessoa adulta, ainda que cometido com violência, a ação é pública condicionada à representação. Lembremos ser tal Súmula fruto de Política Criminal, com o objetivo de proteger a mulher estuprada, com receio de alertar os órgãos de segurança, em especial, para não sofrer preconceito e ser vítima de gracejos inadequados. Chegou-se, inclusive, a criar a Delegacia da Mulher, para receber tais tipos de ocorrência. Não há razão técnica para a subsistência do preceito sumular, em particular pelo advento da reforma trazida pela Lei 12.015/2009. Unificaram-se o estupro e o atentado violento ao pudor e conferiu-se legitimidade ao Ministério Público para a ação penal, desde que a vítima concorde em representar. Mais que justo no cenário presente.
Diante da pacificação da Doutrina acerca da ação penal apropriada para os crimes contra a dignidade sexual do indivíduo, estaria o sistema respeitando o princípio da dignidade da pessoa humana e os demais princípios trazidos ao presente trabalho? Será que tais alterações conseguiram ser efetivas na proteção do bem jurídico penalmente tutelado?
É notório que a ação penal pública sendo condicionada traz uma grande problemática, pois como visto, no delito de estupro, mesmo com violência real e morte, a ação penal dependeria de representação, nesse sentido, o Estado estaria oferecendo proteção deficitária aos ofendidos por esses delitos, uma vez que é possível ocorrer impunidade nos casos de morte da vítima, sem que ela tenha um representante que possa liberar o direito de ação do Ministério Público.
Oportuno mencionar o tema trazido pela doutrina quando estamos diante de dois ou mais crimes contidos no mesmo tipo penal, no qual um deles se procede mediante ação pública incondicionada, o chamado crimes complexos, positivado no artigo 101 do CP, que dispõe: “Quando a lei considera como elemento ou circunstâncias do tipo legal fatos que, por si mesmos, constituem crimes, cabe ação pública em relação àquele, desde que, em relação a qualquer destes, se deva proceder por iniciativa do Ministério Público.” A lei trata da hipótese de que concorrendo dois tipos penais em uma figura penal e um deles procedendo mediante ação penal pública incondicionada proceder-se-ia todos mediante ação pública incondicionada, ou seja, o Ministério Público teria legitimidade para entrar com a ação, independentemente de representação, para a apuração do referido crime.
Contudo, notamos que o conflito foi tão aparente que não fere somente o plano de princípios e postulados já observados, mas também entra em conflito com uma norma que tem valor igual dentro do sistema penal. Foi diante desse embate e de mais um erro exorbitante cometido pelo Estado que o Procurador Geral da União entrou com a ADI/4301 no Supremo Tribunal Federal no dia 17/09/2009 alegando a inconstitucionalidade da norma e pedindo em caráter liminar a suspenção da aplicação prevista no artigo 225 do CP, embasado na tese exposta acima e na interpretação de violação ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade. No entanto, a ADI atualmente está em pauta para julgamento.
Portanto, é no mínimo incongruente consentir que a prática de estupro que ocasione lesão grave ou morte fique a mercê da representação do ofendido, ou de seu representante caso venha a óbito. E nos casos em que não houver nenhum representante permitir que um crime dessa gravidade fique em pune, visto que a ação penal atribuída para os crimes contra a dignidade sexual nas situações elencadas impede a atuação do Ministério Público. A incongruência se aperfeiçoa quando o sistema deixa de valorar e aplicar a tese dos crimes complexos que seria substancial para conceder a punição efetiva ao bem jurídico tutelado.
Bem, diante disso, me parece que ao entender dessa forma, o Estado/Legislador está oferecendo uma proteção deficitária ao cidadão ofendido, e cabe salientar a importância dos bens jurídicos envolvido, como já preceituado no presente trabalho.
CONCLUSÃO
Partimos de uma ideia central que foi a análise dos crimes contra a dignidade sexual ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana que além de princípio, e garantia constitucional é um postulado normativo que norteia as normas e os demais princípios que integram nosso ordenamento jurídico.
Nota-se ao relacionar os crimes contra a dignidade sexual do indivíduo a preocupação do legislador ao criar mecanismos para tutelar e proteger direitos fundamentais.
Como mencionado anteriormente, o princípio da dignidade da pessoa humana visa possibilitar uma vida digna ao individuo, pautada nos ditames da vida em sociedade.
Na esfera penal o Estado possibilita essa dignidade assegurando que o indivíduo que atentar contra tais direitos serão sancionados por isso, ao menos em tese.
De fato as normas são editadas e consagradas para atender a necessidade da vida em sociedade, tanto que o estupro (crime mais apontado no trabalho) é considerado crime hediondo, que causa maior reprovabilidade social e por isso apenado com maior rigor.
Partindo da análise da norma, notamos que o legislador ao criar a lei que considera o estupro como crime, e, posteriormente a sua inclusão junto ao rol dos crimes hediondos, busca à efetiva proteção ao bem jurídico tutelado, dando uma importância significativa ao imputar uma pena severa com o intento de coibir a violação dos direitos tutelados.
No entanto, a norma que tutela um direito fundamental petrificado falha no momento de garanti-lo, de auferir punição em virtude da sua violação. Parece-nos um absurdo jurídico envolver um bem jurídico tão importante num manto de regras e princípios e diante da situação fática ficar a mercê da autonomia de vontade da vítima para que o Ministério Público possa oferecer denúncia para deflagrar a persecução penal em fase judicial. Parece-me ainda que respaldar o ramo da ação penal à autonomia da vontade da vítima em razão de um escândalo que poderia advir de um possível processo é desproporcional com o direito violado, e, ainda, ultrapassado.
A desproporcionalidade aqui atinge primeiramente a dignidade da pessoa humana que foi ferida e a depender desta poderá ficar em pune, abrindo margem para insegurança desse mesmo ofendido que, ora fora estuprado, e, ora poderá sofrer de demais violações para assegurar que não será punido, haja vista que isso depende única e exclusivamente da representação da vítima, e se diante de um crime de máximo potencial ofendido a punição ficou condicionada à vontade da vítima, uma futura ameaça, coação, perseguição ficaria em pune, pois a vítima já amedrontada em razão do estupro ficaria ainda mais vulnerável.
Percebe-se aqui a falta de precaução do legislador ao condicionar à representação à vítima de estupro que se encontra fisicamente e psicologicamente sem condições possíveis de fazer um juízo de valor adequado a violação.
Uma pessoa vítima do crime e de todas as violações derivadas dela teria capacidade de definir e optar pela representação junto ao Ministério Público, mesmo sabendo que quem ocuparia o polo ativo da ação seria este? Parece-me que não! É devido a essa negativa que ao associar a situação fática me parece que o direito penal falhou também na estruturação da ação penal pertinente ao delito em tela.
Muito embora o avanço tenha se dado para ação penal pública condicionada à representação nos parece que o passo dado foi curto o suficiente para continuar apresentando falhas que desestruturam o sistema, ferindo o postulado normativo que rege todo o ordenamento, uma vez que abre margem para impunidade contra o autor do crime em casos que a vitima por tamanha violência vem a óbito, haja vista que se a ação é condicionada a representação, quem representaria se não houvesse nenhum representante?
Seria incongruente um crime considerado hediondo impune.
A falha do legislador é tão provinciana que sugere a própria prática criminosa, pois se ao estuprar há o risco de ser punido caso a vítima sobreviva e represente se viesse a óbito e não possuísse família, esse risco não existiria, uma vez que não existe ofendido ou representante para representar junto ao Ministério Público.
A meu ver, seria o caso do Estado reconhecer a incapacidade da vítima de estupro e alterar a regra para ação penal pública incondicionada assim como estabelecido na Súmula 608 do STF e do §único do artigo 225 do Código Penal, ou ainda diante da ineficácia da norma atual e da falta de criação de uma nova norma que a revogue, fazendo assim que haja garantia da punição ao bem tutelado se violado, o Judiciário assumir o controle e ceder uma interpretação coerente com o bem tutelado.
A solução mais correta seria a ação penal pública incondicionada para extirpar a falta de punição em qualquer modalidade de estupro, seja ele contra vulnerável, contra homem, contra mulher, haja vista que o indivíduo tem prerrogativas e direitos que não deveriam e estão sendo tolhidos.
É inadmissível permitir que nosso sistema fique a mercê da impunidade no que se refere á violação da dignidade da pessoa humana, à violação da dignidade e liberdade sexual, e do ponto de vista processual a violação do devido processo substancial, na sua perspectiva de vedação a infra proteção, pois permitir esse desatino seria colocar em risco a própria segurança estrutural do direito penal, do direito processual penal e do nosso ordenamento jurídico que são regidos pelos postulados normativos que direta ou indiretamente são feridas em decorrência dessa falha.
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