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Direito administrativo disciplinar e a legislação paulista

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Agenda 28/09/2016 às 16:13

4.Do contraditório

A partir de uma concepção de caráter nitidamente defensivo, compreendido como a ciência bilateral dos atos e dos termos do processo e a possibilidade de contrariá-los (Joaquim Canuto Mendes de Almeida), o contraditório evoluiu para uma conotação ativa, na qual as partes têm o direito de participar ativamente da produção de todas as provas e, dessa forma, influenciar diretamente na decisão do julgador.[48]

Essa percepção hodierna de contraditório encontra plena aplicação no Direito Administrativo Disciplinar, podendo afirmar-se que o aludido princípio não apresenta significativa diferença daquele aplicado no âmbito penal, na medida em que ao acusado é facultado acompanhar toda a prova produzida (art. 282, § 1º. e § 2º.) e seu defensor deverá ser intimado de todos os atos (art. 282, § 2º).

Ademais, o indeferimento de qualquer requerimento formulado pela Defesa, que deverá ser sempre motivado, somente poderá ocorrer quando o mesmo não apresentar interesse para o esclarecimento dos fatos, ou se mostrar impertinente, desnecessário ou protelatório (art. 290).[49]

Verifica-se, destarte, uma sensível similitude entre as concepções de contraditório no âmbito penal e na seara disciplinar.[50]


5.Da ampla defesa

De acordo com o escólio de Odete Medauar, o princípio da ampla defesa, que num primeiro momento incidiu sobre o processo penal, teve mais fácil aceitação no processo administrativo disciplinar do que no processo civil, sobretudo porque naquele se apresentava claramente uma situação na qual alguém é acusado de uma determinada conduta e se achava passível de sofrer uma sanção.  [51]

A rigor, antes mesmo do art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal estabelecer a imprescindibilidade da observância do contraditório e da ampla defesa, os dois princípios já eram lembrados na condução de processos administrativos disciplinares.

Ao examinarem o princípio da ampla defesa, Sergio Ferraz e Adilson Abreu Dallari acentuam que o primeiro requisito para que alguém exercite seu direito de defesa de modo eficiente é saber do que está sendo acusado. [52]

Essa premissa, válida tanto na seara penal quanto no campo disciplinar, apresenta dispositivos legais semelhantes nas duas áreas do Direito, uma vez que, a exemplo do art. 41, do CPP, o art. 277, § 1º., da Lei Paulista determina que a Portaria Inicial deverá conter o nome e a identificação do acusado, bem como a descrição sucinta dos fatos.[53] Nesses termos, Hely Lopes Meirelles destaca que o essencial é que a peça inicial descreva os fatos com suficiente especificidade, de modo a delimitar o objeto da controvérsia e a permitir a plenitude da defesa. [54]

Além disso, para que o acusado disponha de um tempo mínimo para elaborar sua defesa, a lei paulista determina que a citação deverá ocorrer com no mínimo dois dias de antecedência do interrogatório (art. 278,  § 2º.).

Outro ponto de convergência entre as duas áreas, diz respeito à imprescindibilidade da defesa técnica, realizada por advogado.É bem verdade, como restou consignado, que na seara federal a Súmula Vinculante n. 05, representa o mais emblemático exemplo de que o devido processo legal disciplinar não se confunde com o penal.

No entanto, essa disposição não se aplica à esfera estadual, uma vez que a legislação paulista faz expressa menção, em diversos dispositivos, à presença de “advogado”e não, como faz a lei federal, a mero “defensor”. Tais dispositivos, dada sua relevância, merecem expressa menção:

a.Requisitos do Mandado de Citação - art. 288, § 1º, 2;

b.Requisitos do Mandado de Citação - art. 288, § 1º, 3;

c.Requisitos do Mandado de Citação - art. 288, § 1º, 4;

d.Oitiva do Denunciante – art. 279, § 1º;

e.Nomeação de Advogado Dativo – artigos 281, 282, § 3º. e 292, parágrafo único;

f.Escolha do Advogado – art. 282;

g.Intimação do Advogado pelo Diário Oficial – art.282, § 2º;

h. Retirada dos autos de Cartório – art. 289, § 4º.

Note-se, nessa linha de entendimento, que o art. 317 da legislação paulista só admite a revisão, caso venha a ser subscrita por advogado.

Ainda no terreno destinado às semelhanças, constata-se que a regra inserta art. 400, § 1º., do Código de Processo Penal, que exclui do limite máximo de testemunhas a serem arroladas, aquelas pessoas que não prestam compromisso e as referidas, tem plena aplicação no processo administrativo disciplinar.

Por fim, no campo destinado às afinidades, destaca-se a irrestrita aplicação do direito a não se auto acusar. Na realidade, como é cediço, juntamente com direito ao silêncio, expressamente previsto no art. 5º., inciso LXIII, da Constituição Federal, o art. 8º., n. 2, alínea g, da Convenção da Costa Rica, ratificada pelo Brasil e introduzida ao ordenamento jurídico pelo Decreto 678/92;confirmou a regra de  que ninguém é obrigado a se auto incriminar, não podendo o suspeito ou o acusado ser forçado a produzir prova contra si mesmo.  [55]          

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Esse entendimento foi plenamente adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, num julgamento no qual foi reconhecida nulidade, uma vez que nos dois interrogatórios a que foi submetida, a funcionária acusada teve de prestar  compromisso de dizer a verdade.[56]

Isso não significa, por outro lado, que no âmbito estadual exista perfeita simetria entre a ampla defesa penal e a disciplinar, pois, como se tem insistido, cada área possui suas peculiaridades, princípios e métodos próprios.

Na realidade, há outros dispositivos legais que atestam a existência de sensíveis diferenças.

Uma das mais marcantes diz respeito ao direito de presença.[57]Sobre o tema, Grinover, Scarance e Magalhães esclarecem que para terem condições de influir de maneira eficiente no convencimento do juiz, as partes devem ter assegurada efetiva participação nas audiências. Desse modo, concluem, a validade da audiência depende de providências prévias consistentes na intimação pessoal das partes MP, réu e seu defensor. [58]

No âmbito disciplinar paulista essa providência, no que diz respeito especificamente ao acusado, não encontra amparo legal, porquanto, o art. 282, § 1º., prevê que após regular citação, o acusado não será mais notificado para comparecer aos demais atos do processo; o que revela uma flexibilização ao direito de presença que, como se observa, é meramente facultativo.

Outra diferença significativa refere-se ao tratamento que, num primeiro plano, é dado às testemunhas arroladas pela Defesa, uma vez que, nos termos do art. 287, essas testemunhas comparecerão independentemente de notificação. Aliás, a intimação das mesmas somente se dará caso concorram dois requisitos; a saber: que as mesmas não compareçam à audiência inicialmente designada; e que seus depoimentos sejam relevantes (art. 287, § 1º).

Por sua vez, a proibição de que o acusado assista as declarações prestadas pelo denunciante, prevista expressamente no art. 279, § 2º, também representa uma mitigação ao direito de presença. [59]

Uma última diferença pode ser apontada e consiste na determinação expressa no sentido de que, uma vez regularmente intimada para oferecer suas alegações finais, caso a defesa se mantenha inerte, de imediato deverá ser nomeado defensor dativo para o ato (art. 292, parágrafo único).


6.Da motivação

O verbo motivar, de acordo com o magistério de Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, significa explicitar os elementos que ensejaram o convencimento da autoridade, indicando os fatos e os fundamentos jurídicos que foram considerados. [60]

A motivação se diferencia do motivo, segundo José dos Santos Carvalho Filho, porque este é a situação de fato, enquanto aquela exprime de modo expresso e textual todas as situações de fato que levaram o agente à manifestação da vontade.[61]

Ao examinar o princípio da motivação, Diógenes Gasparini, ao encontro de entendimento doutrinário pacífico, assinala que todo ato administrativo deve ser motivado, consoante o disposto na Lei federal n.9.784/90. No âmbito estadual não é diferente, uma vez que a Lei n. 10.177/98, que regula o processo administrativo e tem aplicação subsidiária sobre os procedimentos disciplinares, em seu art. 8º, VI, dispõe que são inválidos atos administrativos imotivados ou com motivação insuficiente. Na mesma direção, ao cuidar do processo sancionatório, a referida legislação, em seu art. 63, VIII, determina que a decisão deverá ser devidamente motivada.

A rigor, em conformidade com a Lei Paulista, a motivação está presente desde a fase de apuração preliminar, sobretudo porque a Lei prevê que a Autoridade competente terá de opinar fundamentadamente pelo arquivamento ou pela instauração de sindicância ou de processo administrativo (art. 265, § 3º.).

Por sua vez, inúmeras providências de caráter cautelar, dentre elas o afastamento preventivo do servidor, terão de ser devidamente motivadas (art. 266).

O indeferimento de pedidos formulados pela Defesa, reitere-se, fica condicionado à decisão fundamentada que contemple uma das seguintes hipóteses: falta de interesse para o esclarecimento dos fatos; provas ilícitas; provas impertinentes; provas desnecessárias; e provas protelatórias (art. 290).

O relatório final, por seu turno, deverá descrever, em relação a cada acusado, separadamente, as irregularidades imputadas, as provas colhidas e as razões de defesa, propondo a absolvição ou punição e indicando, neste caso, a pena que entender pertinente (art. 293, § 1º).

Nada impede, contudo, que a decisão adotada pela Autoridade Competente pelo julgamento utilize como motivação o relatório elaborado pelo Procurador do Estado que presidiu a instrução. Nesse sentido, oportuno se apresenta o magistério de Diógenes Gasparini, que após afirmar que a motivação deve ser explícita, esclarece:

       “[...] Estará atendida a disposição legal se a título de motivação for indicado que o fato é praticado em razão do que consta no processo administrativo tal ou que está calcado no parecer de folhas tais [...] [62]”

Diante do fato de que o relatório final é peça de caráter meramente opinativo, nada impede que a Autoridade Julgadora decida de forma diversa, devendo, contudo, motivar sua discordância. [63]

Por derradeiro, prevê a Lei Paulista que no caso de recurso, a decisão será sempre motivada (art. 312, § 2º).


7.Do procedimento

No campo penal, dentre as garantias inominadas decorrentes do devido processo legal, como acentua Antonio Scarance Fernandes, encontram-se as chamadas garantias procedimentais. [64]

Sobre tais garantias assinala o autor que, uma vez estabelecidos esses procedimentos, surge para a parte a garantia de que o juiz irá observá-los integralmente e, ainda, que levará em conta a coordenação e vinculação estabelecidas entre os atos da cadeia procedimental.

Dessa forma, não poderia o julgador suprimir atos ou fases do procedimento.

Essas premissas podem perfeitamente ser trasladas para o âmbito administrativo disciplinar, desde que, evidentemente, temperadas pelo princípio do formalismo moderado e pela expressa disposição contida no art. 305, que condiciona o reconhecimento de qualquer nulidade à prova inequívoca de prejuízo.

Em linhas gerais, o procedimento adotado pela Lei Paulista apresenta certa semelhança com o antigo rito ordinário, previsto no Código de Processo Penal, aplicável aos crimes apenados com reclusão.

Nesse sentido, a exemplo do que ocorria anteriormente no âmbito processual penal, a Lei Paulista prevê um rito mais célere para as faltas leves (punidas com repreensão, art. 253; suspensão, art. 254; e multa, art. 255)  e um mais complexo para as faltas graves (punidas com demissão,art. 256; demissão a bem do serviço público, art. 257; e cassação de aposentadoria e disponibilidade, art. 259) [65]                                   

Nos casos de instauração de sindicância, o prazo para conclusão é de sessenta dias e o número máximo de testemunhas é de três para a Administração e três para a Defesa (art. 273).           Por seu turno, os processos administrativos disciplinares devem ser concluídos no prazo de 90 dias e o número de testemunhas é elevado para até cinco.[66]                                              

Há, também, uma diferença no rol de autoridades que detém a competência para determinar a instauração de sindicâncias (art. 272) e processos administrativos disciplinares (art. 274). [67]No mais, ambos os procedimentos possuem tramitação idêntica.

Dessa forma, após a confecção de portaria inicial (art. 277), o Procurador do Estado que presidir o processo/sindicância deverá designar data para o interrogatório do acusado, determinando sua citação (art. 278).[68]

Caso haja denunciante [69], deverá ser ouvido em declarações antes do interrogatório e sem a presença do acusado (art. 279).      

Será declarada a revelia e nomeado advogado dativo, na hipótese do acusado, embora regularmente citado, não atender ao chamado da Unidade Disciplinar (art. 280 e 281).                                   

A partir do interrogatório inicia-se o tríduo legal [70] para a apresentação da defesa prévia, oportunidade em que a Defesa deverá arrolar suas testemunhas, requerer a produção de outras provas e apontar eventuais vícios (art. 283).                       

Na audiência de instrução serão ouvidas, pela ordem, as testemunhas arroladas pela Administração e pela Defesa (art. 284).

A lei ainda prevê: a expedição de precatórias (art. 286); a realização de diligências (art. 288); e aditamento da portaria, no caso de surgirem fatos novos (art. 291).

Ao término da instrução será concedido o prazo de sete dias para que a Defesa apresente suas alegações finais (art. 292).

Ofertadas as alegações finais, o Procurador do Estado deverá relatar ou processo, nos dez dias subsequentes (art. 293) e encaminhá-lo à Autoridade que determinou a instauração (art. 294).

A Autoridade responsável deverá proceder ao julgamento, cuja decisão será publicada no Diário Oficial do Estado (art. 299).

Três outros aspectos importantes merecem registro.

A reincidência, a exemplo do disposto no art. 64, inciso I, do Código Penal, perdura pelo prazo de cinco anos de efetivo exercício, contados do cumprimento da sanção disciplinar (art. 307).

Nos casos de demissão e demissão a bem do serviço público, o condenado fica proibido de nova investidura em cargo, função ou emprego público, pelo prazo de cinco e dez anos, respectivamente (art. 305, parágrafo único).

Por fim, nas hipóteses de abandono de cargo ou função e inassiduidade, caso o indiciado pedir exoneração até a data designada para o interrogatório, será extinto o processo; não sendo, por consequência, aplicados os efeitos previstos no mencionado art. 305.

Sobre o autor
Messias José Lourenço

Procurador do Estado de São Paulo Presidente da Primeira Unidade Disciplinar da Procuradoria de Procedimentos Disciplinares

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOURENÇO, Messias José. Direito administrativo disciplinar e a legislação paulista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4837, 28 set. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/52405. Acesso em: 17 nov. 2024.

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