1 – INTRODUÇÃO
O Parlamentarismo é proveniente da cultura inglesa, e seu surgimento é decorrente de uma lenta evolução histórica, que podemos dizer que teve uma forte marca no século XIII, quando da elaboração de Magna Carta em razão de uma revolta dos barões e do clero.
Entre outros acontecimentos históricos, a Revolução Inglesa, que teve o seu auge entre 1688 e 1689, permitiu que o Parlamento se fortalecesse, inclusive, até interferindo e alterando a linha sucessória do trono inglês.
Em razão desses e de outros acontecimentos, em 1714, com o falecimento da rainha Ana, o príncipe alemão, George I, foi considerado legitimo herdeiro do trono inglês, assumindo-o em seguida.
O príncipe George I, com os seus 54 anos, falava somente alemão, já seu filho, George II, apesar de compreender a língua inglesa, não falava este idioma. Ambos somente se interessavam pelos problemas e questões alemãs, e não participavam das reuniões de ministros, mantendo contatos esporádicos apenas com um deles, que lhes passava os resumos das deliberações, e, raramente, recebia instruções. Esse ministro intermediário entre o rei e o parlamento adquiriu confiança e passou a ter influência na tomada de decisões no parlamento, recebendo, em princípio, o título informal de Primeiro-ministro, conforme nos ensina Olivia Raposo da Silva Telles[1]. Desde então, o parlamentarismo se aprimorou e possui algumas variantes de estado para estado em razão de suas próprias culturas, adaptando-se, perfeitamente a cada caso concreto.
Atualmente, boa parte dos países adota o sistema parlamentar de governo em uma de suas modalidades, seja o parlamentarismo republicano ou parlamentarismo monárquico, com eleições diretas ou indiretas, bipartidário ou pluripartidário, bicameral ou unicameral, em estado unitário ou federado etc.
2 – PARLAMENTARISMO NO BRASIL
A discussão sobre o tema parlamentarismo, no Brasil, teoricamente, ocorre desde a implementação do sistema de governo presidencialista[2].
Segundo historiadores, o Brasil já foi governado duas vezes sob o sistema parlamentarista. A primeira ocorreu no século XIX durante a Monarquia e a segunda após a renúncia do presidente Jânio Quadros, em 1961, entretanto, em nenhum dos dois casos podemos falar que, efetivamente, o parlamentarismo foi experimentado no Brasil.
Para o Professor Ives Gandra da Silva Martins[3], parlamentarista convicto, este sistema de governo, no Brasil, mesmo com todos os problemas, foi o mais duradouro, justamente em razão da estabilidade político-administrativa que oferece.
O sistema presidencialista foi adotado em nosso país não em razão de estudos, nem por pressão ou tendência política, mas apenas para imitar os Estados Unidos da América, e foi instituído juntamente com a federalização.
Rui Barbosa, presidencialista fervoroso, autor doutrinário da primeira Constituição republicana, com o passar do tempo tornou-se um dos maiores críticos desse sistema de governo.
Citado por Paulo Bonavides[4], afirma Rui Barbosa: “Deste feito, o presidencialismo brasileiro não é senão uma ditadura em estado crônico, a irresponsabilidade geral, a irresponsabilidade consolidada, a irresponsabilidade sistemática do Poder Executivo”, esta assertiva nos parece tão presente que dá sempre impressão de ter sido escrita recentemente.
O Brasil, como já assinalamos, por duas vezes, experimentou o sistema parlamentar de governo, porém, em razão da forma inadequada em que foram implementadas, não podemos assegurar que esse experimento tenha sido realmente o parlamentarismo. No primeiro caso, quando se implementou o sistema parlamentar durante a Monarquia do Brasil Império (1847 a 1889), com a criação do Poder Moderador, em que o Imperador passou a concentrar prerrogativas políticas quase ditatoriais. Já no segundo caso (setembro de 1961 a janeiro de 1963), com a renúncia do Presidente da República, Jânio Quadros, o Brasil passou a viver uma crise política muito intensa e para conter o sucessor, João Goulart, que possuía fortes ligações com países comunistas, instituiu-se, através de um Ato Adicional, o sistema parlamentar de governo, o qual durou pouco mais de um ano e ficou marcado pela instabilidade, tendo, nesse curto período, passado por três gabinetes (Tancredo Neves, Brochado da Rocha e Hermes de Lima)[5].
Uma consulta popular realizada em 6 de janeiro de 1963 através de um plebiscito, 90% dos eleitores aprovaram o retorno ao sistema presidencialismo de governo, entretanto, no dia 31 de março de 1964, o Brasil sofreu o golpe militar e passou a viver sob o regime ditatorial, restabelecendo-se a democracia somente em meados dos anos 1980.
Com o advento da Constituição de 1988, manteve-se o sistema presidencialista de governo, entretanto, alguns institutos do sistema parlamentarismo foram introduzidos em seu texto, tornando-se então, uma espécie de sistema híbrido, o que, de certa forma, acarreta inúmeros problemas para a política de administração pública brasileira.
Verifica-se ainda que o constituinte originário inseriu no artigo 2º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a possibilidade de o brasileiro escolher, por meio de plebiscito, entre presidencialismo ou parlamentarismo e entre república ou monarquia,
Art. 2º. No dia 7 de setembro de 1993 o eleitorado definirá, através de plebiscito, a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que devem vigorar no País.
§ 1º Será assegurada gratuidade na livre divulgação dessas formas e sistemas, através dos meios de comunicação de massa cessionários de serviço público.
§ 2º O Tribunal Superior Eleitoral, promulgada a Constituição, expedirá as normas regulamentadoras deste artigo.
Com a emenda constitucional nº 2 de 1992, o plebiscito foi antecipado para o dia 21 de abril de 1993, fato que, em nosso entendimento, favoreceu aos políticos que desejavam a manutenção do sistema presidencialista, pois havíamos acabado de sair de um regime ditatorial em que o cidadão não tinha acesso às informações, e, em razão disso, boa parte dos eleitores brasileiros sequer sabiam o que era o parlamentarismo, certo ainda que, desde a promulgação da Constituição em 5 de outubro de 1988 até fevereiro de 1993, não havia qualquer tipo de esclarecimento ou informação sobre o sistema parlamentarista de governo, que somente passou a ter um pouco de divulgação durante o período de pouco mais de dois meses propaganda eleitoral, conforme regulamentação imposta pela Lei número 8.624 de 4 de fevereiro de 1993, e mesmo assim, de uma forma muito confusa, já que o eleitor além de escolher o sistema de governo (parlamentarismo e presidencialismo), também tinha de escolher a forma de governo (república ou monarquia constitucional).
Diante desse tumultuado quadro, e como o brasileiro já conhecia o sistema presidencialista, o resultado do plebiscito de 21 de abril de 1993 não poderia ser outro, conforme segue abaixo:
Presidencialismo 37.156.884
Parlamentarismo 16.518.028
Segundo o cientista político Paulo Kramer[6], a vitória esmagadora do presidencialismo em 1993 pode ser explicada pela cultura personalista, que permeia o imaginário latino-americano. "Nem foi necessário um esforço especial, o presidencialismo ganhou por inércia (...) Esse personalismo e populismo são tendências correntes, profundas e tradicionais, arraigadas no imaginário político latino americano. O presidencialismo é um regime que dá rosto para a política e leva vantagem sobre o parlamentarismo nesse sentido, porque no parlamentarismo se dilui essa figura do líder em um cenário mais nebuloso, de grupos, de correntes e partidos, informações que o eleitor não consegue assimilar"
CÉDULA ELEITORAL UTILIZADA NO PLEBISCITO DE 1993
Segue, então, o Brasil com um sistema presidencialista de governo, porém, capenga, obrigando o chefe de governo a realizar a chamada política de coalizão, resultando na ausência de confiança na competência dos quadros de dirigentes; aumentando o poder de influência do setor burocrático, já que o presidencialismo torna-se dependente de tecnocratas; desprestigiando o parlamento, que perde sua qualidade na elaboração legislativa em razão de atos normativos, decretos-leis, resoluções e atos ministeriais, que não raro, usurpam as atribuições do Poder Legislativo.
3 – PRESIDENCIALISMO NO BRASIL
O sistema presidencialista de governo, criação norte-americana do século XVIII, surgiu como resultado das ideias democráticas, concentradas na liberdade e na igualdade dos cidadãos e na soberania popular.
Com a derrubada do Império[7] quando da Proclamação da República em 15 de novembro de 1889, institui-se o chamado Governo Provisório, comandado por Marechal Deodoro da Fonseca, mas composto, essencialmente, por maçons.
O Governo Provisório encarregou-se de fazer a transição de sistema e forma de governo, certo é que, o sistema presidencialista era totalmente desconhecido pelo cidadão brasileiro, não se sabia o que era e não se falava e muito menos se discutiu a respeito, tendo surgido, repentinamente, no Projeto de Constituição apresentado pelo Governo Provisório que foi promulgada em 1991. Destaque-se que naquele período o Brasil vivia (e acho que ainda vive) sob grande influência norte-americana, que além do sistema presidencialista de governo, fez também com que nos transformássemos em estados federados. Copiamos até o nome, passamos a ser “Estados Unidos do Brasil”.
Não tínhamos nenhum dos motivos norte-americanos para implantarmos, no Brasil, o sistema presidencialista de governo e muito menos em dividirmos o país em estados federados. Os Estados Unidos da América nasceu em razão da união de estados (colônias) independentes e que precisavam somar forças para que pudessem se defender das ameaças de invasões por parte de outras nações. Aliado a esses fatores, a péssima lembrança que tinham da monarquia quando submetidos à coroa inglesa, conforme assinala Dalmo de Abreu Dallari, [8] o presidencialismo foi resultado do trabalho político e da elaboração jurídica dos constituintes reunidos na Convenção de Filadélfia.
A adoção do presidencialismo no Brasil com o advento da Constituição de 1891 se deu por forte influência do sucesso obtido pelos Estados Unidos da América, principalmente no que diz respeito a liberdade, a soberania popular, a igualdade, na divisão de Poderes etc., teve como seu maior defensor ninguém menos que Ruy Barbosa, que, posteriormente, tornou-se um dos maiores críticos desse sistema de governo.
A partir de 1981 o Brasil passou a ser administrado pelo Sistema Presidencialista e pela Forma Republicana de governo, entretanto, nesse longo período tivemos várias interrupções e problemas de toda ordem no que diz respeito à política administrativa.
Nas palavras de Paulo Bonavides[9], “O presidencialismo no Brasil não resiste, pois, a uma crítica séria. Da Proclamação da República aos nossos dias a instabilidade perpetuou-se nas instituições, debaixo de governos aparentemente estáveis e que só o eram como expressão de sacrifícios de nenhum povo almeja fazer: o da liberdade imolada na continuidade de um autoritarismo sujeito às recrudescências do estado de sítio (os governos de Bernardes e Floriano na Primeira República), às violações da ordem constitucional, às insurreições armadas, ao golpe de Estado, às ditaduras civis e militares. ”
Certo é que o presidencialismo, no Brasil, nunca deu bons resultados políticos e administrativos, tanto é verdade que em nossa história, a partir da Proclamação da República, este sistema de governo sofreu várias interrupções e comoções políticas, envolvendo revoluções, levantes militares, conspirações, intentonas, intervenções federais, estado de sítio, descumprimento de mandamentos constitucionais etc.
O Professor Ives Gandra da Silva Martins[10], no que diz respeito às crises do presidencialismo, resume este sistema de governo com a seguinte frase: “No presidencialismo, a união das mesmas funções de chefe de Estado e de Governo numa única pessoa, termina por tirar-lhe a independência, tão necessária para equacionar crises, pois seu mandato é de prazo certo, havendo um único recurso extremo, que é o impeachment. ”
O presidencialismo implantado no Brasil, conforme ensina Olivia Raposo da Silva Telles[11], diferentemente do americano, não possui um sistema de freios e contrapesos (checks and balances), tornando um presidencialismo marcado pela concentração de poderes nas mãos do presidente, que não raro, extrapola os limites e abusa dessa prerrogativa.
O Presidente da República possui a prerrogativa de indicar os seus ministros, pois são cargos de livre nomeação e demissão pelo chefe do executivo, e que deveriam ser técnicos para auxiliar o presidente na administração do país, mas, na realidade, o que ocorre no Brasil, em razão do chamado presidencialismo de coalizão, nada mais é que senão uma farra na distribuição de cargos aos amigos e aliados e, principalmente, em troca de apoio político, o que levou Paulo Bonavides[12] dizer, em relação aos ministros nomeados, que “criou-se para eles o privilégio da incompetência. “
Dessa forma, verifica-se que todos os ramos da soberania nacional ficam na dependência da vontade única do Poder Executivo, no caso, do Presidente da República, o que motivou alguns juristas a intitularem o sistema presidencialista brasileiro de “ditadura constitucional”.
4 – PRESIDENCIALISMO NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA
Nos Estados Unidos da América, berço do presidencialismo, o Presidente da República acumula as funções de chefe de Estado e de chefe de governo, entretanto, ao contrário da forma adotada no Brasil, o presidente não concentra tantos poderes, havendo, assim, um equilíbrio de forças entre os Poderes do estado.
O presidente americano escolhe seus secretários de estado (equivalente aos nossos ministros), entretanto, deverá, sempre, ter a aprovação do Senado, o qual realiza uma sabatina, inquirindo e buscando informações quanto a sua capacidade e qual será a política desenvolvida para a consecução de seu mister.
O equilíbrio de Poderes entre o Executivo e o Legislativo, fica plenamente demonstrado no que diz respeito à iniciativa legislativa, que é destinada, exclusivamente, ao parlamento. Caso o presidente queira apresentar algum projeto, deverá fazê-lo através de algum parlamentar, deputado ou senador. Ressalte-se que tal proibição fica mitigada pela possibilidade de o presidente, anualmente, comparecer ao Congresso e poder fazer o chamado discurso sobre o estado da União, em que se destaca as matérias relevantes para a manutenção da governabilidade, mas que, necessariamente, deverão ser apresentados por um parlamentar.
O presidente americano, tal qual o do Brasil possui também o poder de veto, ou seja, as leis aprovadas no parlamento americano são submetidas ao chefe do executivo que poderá aprová-las, sancioná-las, ou rejeitá-las, vetando-as. Poderá, porém, o parlamento derrubar o veto, desde que obtenha votos favoráveis de dois terços de cada uma das Casas Legislativas. Diferentemente do Brasil, o veto presidencial não poderá ser parcial.
No que se refere à política externa, é de competência exclusiva do presidente americano realizar negociações diplomáticas com estados estrangeiros, assinar tratados, implementar programas de expansão nuclear, aprovar ou vetar planos da corrida espacial, deliberar sobre o uso das forças armadas (ad referendum do Congresso) etc.
5 – CRÍTICAS AO SISTEMA PRESIDENCIALISTA NO BRASIL
a) A grande concentração de poderes nas mãos do Presidente da República, leva, não raro, ao cometimento de abusos.
b) No sistema presidencialista a única participação do cidadão é no memento de votar, já que a partir daí o eleito age como bem entender, celebrando acordos de seu interesse, alterando a legislação a seu favor e na busca de seus interesses.
c) Constitui, em regra, uma ditadura a prazo fixo, já que não existe mecanismo para destituição do eleito nos casos de má administração, restando apenas o impeachment quando ocorre crime de responsabilidade.
d) O eleitor participa apenas da democracia de acesso e é facilmente manipulável.
e) O presidencialismo não possui mecanismos para conter e resolver crises que surgem por pressões políticas, sociais e principalmente financeiras.
f) A forma de presidencialismo implementada no Brasil obriga o chefe do executivo a praticar uma política de coalizão, ou seja, para que possa governar, se vê obrigado a distribuir cargos, emendas parlamentares e outras benesses, visando assim, obter apoio para a consecução de seus projetos, que em nossa visão, não passa de uma forma de corrupção.