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A filiação socioafetiva: uma análise na perspectiva dos princípios da isonomia e da afetividade

A presente pesquisa teve como objeto a filiação socioafetiva e sua tutela jurídica no direito brasileiro, os princípios do Direito de Família, características e tipos de filiação socioafetiva, bem como, os efeitos jurídicos da filiação socioafetiva.

Cláudia Regina Althoff Figueiredo: Orientadora

INTRODUÇÃO

O  artigo aqui apresentado traz em pauta um tema atual e polêmico, a afetividade juridicamente considerada nas relações entre pais e filhos. A questão central parte da afetividade, que passa a ser objeto da tutela jurídica estatal e que assim surgiram novas formas de filiação, como a socioafetiva, pois é no convívio familiar que se dão as primeiras manifestações de afeto, se concretizam relações emocionais e também jurídicas, referentes às questões materiais e imateriais, como os direitos da personalidade por exemplo. A família atual é afetiva, ou seja, fundamentada no afeto.

Este tema tem extrema relevância social, na medida em que trata de identificar as possibilidades de filiação, com ênfase na socioafetiva, que hoje possui o reconhecimento jurídico.  O que se discute é a tutela jurídica das relações de filiação não biológicas, baseadas no convívio e no afeto. Entende-se que a relevância científica se dá na discussão acerca da melhor interpretação e aplicação da legislação civil, considerando que atualmente os princípios constitucionais e os direitos fundamentais se destacam no sistema de interpretação do direito de família, prevalecendo assim a constitucionalização do Direito Civil.
               Os objetivos traçados nesta pesquisa se dão em torno da filiação socio- afetiva, relação de convívio e afeto que passou a ser reconhecida pelo Estado e ter efeitos jurídicos, na perspectiva dos princípios da isonomia e da afetividade, abrangendo o assunto com responsabilidade e consideração à seriedade do tema escolhido. Como hipótese levantada para a realização da pesquisa, tem-se que as relações de filiação socioafetivas são reconhecidas pelo Estado, desde que não se sobreponham às relações biológicas. Como metodologia utilizada na pesquisa será o método indutivo como base lógica e o cartesiano na fase de tratamento dos dados, tendo o intuito de colaborar e contribuir, nessa medida, para a Ciência Jurídica.

A família no Direito brasileiro passou por uma grande evolução histórica, diferentemente de como são as famílias atuais, com o passar dos tempos a família passou por grandes transformações, como salienta Maluf:

A família foi a primeira forma de organização social que se tem notícia e encontra nos cultos religiosos o seu principal elemento constitutivo, o que era muito valorizado nas sociedades primitivas e sendo nesta concepção antiga a sua formação mais uma associação religiosa do que uma formação natural. Para eles (os antigos), era imprescindível a existência de herdeiros varões para cultuar os mortos e dar continuidade aos cultos, caso contrário poderia haver a extinção de uma família e da religião. A família veio desempenhando diversas funções, entre elas, política em defesa de solo, organização social e econômica, tendo assim uma evolução da espécie.

Na época clássica (Roma), a família tinha uma estrutura patriarcal, onde detinha o total controle da entidade familiar, era como se fosse um organismo fechado, submetido à potesta do pater familiae, sendo que os juristas romanos empregavam dois termos á família: em sentido amplo era um conjunto de pessoas descendentes de um parente comum e em sentido estrito era o conjunto de pessoas que estavam sobre a potestas do pater familiae. Porém com Justiniano foi abolida essa diferença e o parentesco passou a ser apenas o de sangue, onde as mulheres pertenciam ás famílias ou do marido ou do pai, enquanto não casassem e nas cerimônias religiosas o marido no cerimonial tomava posse da mulher e ela ficava sob a potesta do marido e com Constantino, no século IV d.C, dá-se uma nova concepção á família, a concepção cristã, onde a família é formada pelo casal e seus filhos e fundada no sacramento do casamento, trazendo a ideia de igualdade entre os nubentes conforme Gagliano e Pamplona Filho .
Já em Roma conhece o casamento monogâmico (heterossexual) que se dá pelo consentimento dos nubentes e já no final do século XIX, o Estado passa a regulamentar o casamento e este passa ser definido como um contrato civil, e assim surge na Europa a família nuclear, a monoparental e passando a existir várias modalidades de famílias, traduzidas na doutrina de  Gagliano e Pamplona Filho .
Em 1992, tem-se a Lei 8.560, que regulou o reconhecimento de paternidade, em que a família atual constitui a base de organização social no Estado brasileiro, no mesmo pensamento, salientam Gagliano e Pamplona Filho , que:

Hoje, no momento em que se reconhece a família, em nível constitucional, a função social  de realização existencial do indivíduo, pode-se compreender o porquê de a admitirmos como base de uma sociedade que, ao menos em tese, se propõe a constituir um Estado Democrático de Direito calcado no princípio da dignidade da pessoa humana.

Diz-se que a família, desde a sua concepção passou por um processo de reciclagem, ou seja, a família “repersonalizou-se”. Aline Karow , comenta que a Constituição materializou em alguns artigos uma alavanca de alterações de possibilidades de formação de família, diferentes da tradicional, pelo casamento e ainda expõe que “a família patriarcal foi destronada, nascendo novos conceitos de família, desde a visão básica da comunidade do que é família até as normas jurídicas que tratam das relações familiares”.
As mudanças advindas com o tempo, estão concentradas no art. 226 da República Federativa do Brasil de 1988 , e seus respectivos parágrafos, importante também destacar o conteúdo do poder familiar do art. 229, que trata do dever dos pais em assistir os filhos, bem como, os filhos aos pais na velhice.

Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.


            O Código Civil, em seu art.1634  e seus respectivos incisos, posiciona-se no mesmo sentido á competência ao exercício do poder familiar dos pais em relação aos filhos.
Estes dispositivos constitucionais, demonstram o dever que os pais  possuem em criar, assistir e educar seus filhos.
Já a matéria constitucional em relação á proteção integral ao menor foi ratificada com a criação do Estatuto da Criança e do adolescente. Em suma, a Constituição trouxe as principais diretrizes de proteção á criança, o Estatuto esmiuçou e o Código Civil ratificou os deveres pessoais dos genitores ou daqueles que detém a guarda dos menores e o conceito de família amplia-se a cada dia, inclusive pelo reconhecimento de jurisprudências.
           Para a autora Nogueira , que trata do enfraquecimento da família tradicional e o surgimento de novos modelos de família a  atual está fundada em dois princípios básicos:

A família atual está matrizada em um fundamento que explica sua função atual: a afetividade é, pois, o espaço de sua realização.
Assim, enquanto existir affectio, haverá família (princípio da liberdade), e desde que consolidada na simetria, na colaboração, na comunhão não hierarquizada (princípio da igualdade).

Hoje a tutela constitucional se desloca do casamento para as relações dele decorrentes ou não, dando proteção jurídica àqueles que nela se constituírem, promovendo a dignidade e a realização da personalidade dos seus componentes.

Inicia-se este tópico conceituando filiação, que procede do latim filiatio, que significa procedência, laço de parentesco dos filhos com relação aos pais, sendo denominada do ponto de vista do pai e mãe ”paternidade e maternidade”, e é em prol dela que existiram grandes mudanças, como mencionou Carmella Salsamendi de Carvalho  .
Uma enorme transformação iniciou no direito de família, com a CRFB/88, trazendo juntamente com ela uma nova mentalidade jurídica, baseada não mais somente naquela família de estrutura baseada somente no matrimônio, mas deixando de fazer referência expressa a determinado tipo de família, conforme afirma-se no art  226, caput da CRFB/88, bem como, protege também outras formas de constituição familiar, como a união estável e a família monoparental, em seus arts. 226 § 3º e 4º.
Assim, finalmente a CRFB/88,  estabeleceu uma absoluta igualdade entre os filhos, não se admitindo mais a distinção entre filhos legítimos e ilegítimos.
Diante de tais mudanças expressivas quanto á “famílias” ao longo dos anos, a pluralidade de entidades familiares mostrou-se com características comuns, como, o afeto, a solidariedade, o companheirismo e o respeito entre os entes que as compõem e assim a carta Magna traz em seu art  227, § 6º :

Art, 227 [...]
§ 6º Os filhos havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações à filiação.

Assim tem-se que a CRFB/88, indica que as entidades familiares não referidas explicitamente também estão incluídas em seu bojo.

Artigo 226 - A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado; b) Artigo 226, §4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes; c) Artigo 226, §8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações .

O código Civil Brasileiro de 2002, trata do assunto “da filiação” á partir do artigo 1596.
Também em seu artigo 1597 do Código Civil, fez surgir inovações correlatas aos avanços científicos, já que ao fazer uma cópia do artigo 338 do Código Civil de 1916 inovou, ao acrescer nesse rol, três incisos que tratam de filhos havidos por fecundação artificial.
Mesmo diante deste artigo do vigente Código Civil, ainda não há na legislação artigos quanto ás implicações afetivas de questões relativas ao afeto em relação ao filho e pai socioafetivo.

Diante de tamanha transformação entre os séculos XX e XXI, à partir das alterações feitas pela CRFB/88 e sua aplicação, tornou consolidado o princípio da dignidade da pessoa humana em seu Art. 1º, inciso III,  e tal foi de absoluta relevância para o Estado reconhecer a nova família brasileira, princípio este que considera cada vez mais a importância do afeto como valor jurídico.
E no sentido de se fazer cumprir todos os deveres decorrentes do poder familiar da proteção integral á criança e ao adolescente, existe também como proteção o art. 227 da CF de 1988. 
Destaca-se ainda o princípio da afetividade, embora não escrito na CRFB/88, porém decorrente e de vital importância, tanto quanto o da dignidade da pessoa humana.

Já o princípio da Igualdade entre os filhos está expresso no parágrafo 6º do Art. 227  da CRFB/88. Princípio este de fundamental importância e também positivado no Código Civil de 2002, no art. 1596 .
Não menos importante é o princípio da solidariedade familiar, previsto expressamente no art. 229 da Constituição Federal de 1988 , que determina aos pais o dever de educar os filhos, bem como, se estende ao art.1694 do Código Civil de 2002,  sendo esta solidariedade recíproca entre parentes.
E a maior atenção, dentro do tema dos princípios é ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, que a cada dia se destaca em decisões judiciais. Encontra-se previsto no art. 227 da CRFB DE 1988  e no Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, onde determina á sociedade, á família e ao Estado o dever de assegurar os direitos essenciais da criança e ao jovem adolescente.

A palavra “princípio”, tem origem no latim principium, que possui o significado de começo, ponto de partida e ou, início. Os princípios significam o alicerce, os pontos básicos e vitais para a sustentação, traçando regras ou preceitos para toda a espécie de operação jurídica, razão pela qual o ordenamento jurídico tem buscado o seu ideal de justiça em uma base principiológica, conforme Pereira, ressalta a importância dos princípios que levem em consideração a dignidade da pessoa humana na organização jurídica da família contemporânea e aponta como princípios fundamentais norteadores do Direito de Família, os princípios da dignidade humana, da igualdade e isonomia dos filhos, do melhor interesse da criança e do adolescente e, principalmente, da afetividade.

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No direito brasileiro a dignidade humana está expressa na previsão no artigo 1º, III, da CRFB/88, sendo que este princípio orienta todos os institutos jurídicos para promover o pleno desenvolvimento e a integral proteção do ser humano, vedando assim toda forma de discriminação e garantindo ao homem o exercício e o reconhecimento de sua condição de titular de direitos fundamentais na sociedade em que vive.
É salientado por Pereira , que deste princípio irradiam outros princípios essenciais entre eles a igualdade.

Com fundamento na própria dignidade da pessoa humana, poder-se-á falar também em um direito fundamental de toda pessoa humana a ser titular de direitos fundamentais que reconheçam, assegurem e promovam justamente a sua condição de pessoa (com dignidade) no âmbito de uma comunidade. Aproxima-se desta noção - embora com ela evidentemente não se confunda – o assim denominado princípio da universalidade dos direitos fundamentais.

Dessa forma, fica demonstrado que o direito de família está intrinsecamente ligado aos direitos humanos e à dignidade, que tem resultado no reconhecimento jurídico da igualdade do homem e da mulher, bem como, de outros modelos de constituição de família e na igualdade dos filhos, independente da origem, o que inclui a filiação socioafetiva.

No direito de família se percebe a preocupação de proteger a entidade familiar na pessoa de cada um dos que a integra. Nesse sentido, Rodrigo da Cunha Pereira, ressalta que a igualdade e o respeito às diferenças são fundamentais para resguardar o respeito à dignidade da pessoa humana e inclusão no meio social, afirmando que:

A igualdade e o respeito às diferenças constituem um dos princípios-chave para as organizações jurídicas e especialmente para o Direito de Família, sem os quais não há dignidade do sujeito de direito. Consequentemente não há justiça.  O discurso da igualdade está intrinsecamente vinculado à cidadania, uma outra categoria da contemporaneidade, que pressupõe também o respeito às diferenças. Se todos são iguais perante a lei, todos devem estar incluídos no laço social .

Um dos princípios constitucionais, após séculos de desigualdades e discriminações é o da igualdade ou isonomia dos filhos, especificamente na filiação a isonomia constitucional ou igualdade em sentido amplo, prevista no artigo 1.596 do Código Civil, anteriormente citado, ao também dispor que os filhos terão os mesmos direitos e qualificações, havidos ou não do casamento, restando proibidas quaisquer formas de designações discriminatórias.
Assim, juridicamente todos os filhos são iguais, consanguíneos ou não, havidos ou não do casamento, não podendo ser utilizada mais as expressões de “filho bastardo”, “adulterino”, “espúrio” ou “incestuoso”,  por não ser admitida qualquer forma de distinção jurídica. Uma das maiores inovações no Direito de Família na CRFB/88, o princípio da igualdade jurídica de todos os filhos reconheceu expressamente a paternidade sócio afetiva fora dos casos de adoção, a filiação, portanto, atualmente é jurídica e não mais em razão do casamento dos pais ou por laços de sangue, podendo se dividir em biológica ou por outra origem, que inclui a adoção, a havida mediante reprodução assistida heteróloga, a sócioafetiva mediante a comprovação da posse de estado de filho e a adoção à brasileira . Conceitua Cassetari, :

Quanto á reprodução assistida heteróloga, “é quando o casal terá que utilizar material genético alheio de doador anônimo, em banco de sêmen ou óvulo, quando o marido ou a mulher não conseguirem produzir material genético apto para gerar a vida humana”.

Numa visão panorâmica é aquela realizada com a utilização de esperma de terceiro para fecundação do óvulo, sendo geralmente de doador anônimo, para propiciar a fecundação e conseguintemente a concepção.

Já a adoção á brasileira, “trata-se de uma prática muito antiga. É aquela onde alguém registra o filho que não é seu e essa conduta milenar tem origem na época em que era mal visto pela sociedade uma mulher dar á luz uma criança de pai desconhecido”.

A CRFB/88, extinguiu as odiosas diferenças entre os filhos e vedou qualquer forma de discriminação quanto a filiação biológica ou afetiva e sobre o tema, traduz Carvalho que:

A Constituição Federal de 1988 extinguiu as odiosas diferenças entre os filhos e vedou qualquer forma de discriminação quanto a filiação biológica ou afetiva. A doutrina da proteção integral da criança e do adolescente coloca o filho como alvo da tutela da pessoa humana para salvaguardar seus direitos fundamentais, priorizando a convivência familiar, biológica ou afetiva, demonstrando a importância da afetividade na família, ressaltando que o filho não é mais assujeitado, mas sujeito nas relações familiares .

A igualdade de direitos dos filhos, de origem biológica ou não, é juntamente com a igualdade de direitos e obrigações entre os cônjuges e a liberdade de constituição da entidade familiar, uma das mais importantes modificações havidas no direito brasileiro pela Constituição Federal de 1988 e o princípio da igualdade dos filhos retrata a mudança e o novo modelo de estruturação de família.

Este princípio, também denominado na doutrina de princípio da plena proteção das crianças e adolescentes, protege integralmente as pessoas que se encontram em situação de fragilidade e em processo de amadurecimento e formação da personalidade, trazendo as garantias fundamentais da criança e do adolescente, que hoje são de prioridade absoluta.
Na Convenção Internacional dos Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas no dia 20 de novembro de 1989 e ratificada no Brasil em 1990, consagrou no art. 3º, I, que: Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem-estar social, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança, conforme Convenção sobre os Direitos da criança.
Brochado , dispõe sobre este princípio:

O princípio do melhor interesse é de difícil determinação, não possuindo uma definição rígida, devendo ser observado o caso concreto, mas é o corolário da doutrina da proteção integral, considerando, sobretudo, as necessidades do infante em detrimento dos interesses dos pais. Atrela-se à estabilidade de condições de vida do menor, de seu ambiente físico e social e das suas relações afetivas, norteando os responsáveis por sua educação e orientação. Tratando-se de pessoas em desenvolvimento, possuem condição prioritária e proteção não apenas da família, mas do Estado e da sociedade .

Por isso, zelar pelos interesses da criança e do adolescente é garantir o direito de ter uma família, cuidar de sua boa formação, proporcionar uma boa convivência familiar em ambiente afetivo, enfim, prestar os cuidados necessários para seu pleno desenvolvimento, as crianças não podem como exemplo, em situações de divórcio, serem usadas como armas ou mensageiros entre os pais, ao contrário devem ser preservados de qualquer atrito, briga, discussão ou rancor, para que tenham pleno desenvolvimento psíquico, físico, moral, espiritual e social, e assim lhes seja proporcionado educação, saúde, alimentação, lazer, vestuário, com prioridade absoluta, em condições de dignidade e liberdade.
Ressaltam Pamplona Filho e Gagliano :

Isso significa que, em respeito à própria função social desempenhada pela família, todos os integrantes do núcleo familiar, especialmente os pais e mães, devem propiciar o acesso aos adequados meios de promoção moral, material e espiritual das crianças e dos adolescentes viventes em seu meio.

A proteção à dignidade da criança e do adolescente e a liberdade de expressar sua vontade, permite a construção pela convivência de relação afetiva com aqueles que consideram como pais, mesmo não existindo consanguinidade, autorizando o reconhecimento jurídico da paternidade socioafetiva.

O princípio da afetividade não se encontra expresso, mas está implícito no texto constitucional como elemento agregador e inspirador da família e assim os juristas passaram então a debater sobre a necessidade, de algum modo, de valorar a afetividade, portanto, o afeto familiar, estável e ostensivo, é o elemento essencial de todo e qualquer núcleo familiar, conjugal ou parental, a ser valorado pelo direito quando tratar-se de uma família de fato.
O primeiro jurista a vislumbrar no Brasil a importância da afetividade, como valor jurídico na família, foi o professor João Baptista Villela, ainda na década de 70, conforme dispõe a revista da Faculdade de Direito da UFMG .
Pereira  , ressalta que em outros trabalhos: “João Baptista Villela consolidou as noções de afetividade, incluindo a frase de que “o amor está para o Direito de Família assim como a vontade está para o Direito das Obrigações”.
Após a CRFB/88, vários autores desenvolveram a teoria do professor mineiro, mas foi Paulo Lôbo quem, em 1999, deu ao afeto o status de princípio jurídico pela primeira vez. O princípio da afetividade é resultante das mudanças pragmáticas no ordenamento jurídico da família, revalorizando e redimensionando os princípios como uma fonte do direito realmente eficaz e de aplicação prática. .
A afetividade prevalece ainda sobre o vínculo formal do casamento ao ser reconhecida a união estável de pessoas casadas separadas de fato (art. 1.723, § 3º do Código Civil . O Estatuto da Criança e do Adolescente também acolheu expressamente o valor jurídico da afetividade na recente Lei 12.010/2009, ao acrescer o parágrafo único ao artigo 25  e dispor que, compreende-se por família extensa os parentes com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade.
O princípio da afetividade, portanto, resulta da convivência familiar, de atos exteriorizados, de condutas objetivas demonstrando o afeto familiar de seus membros na constituição e manutenção das famílias, capaz de gerar vínculos jurídicos como a paternidade socioafetiva.

A filiação afetiva nasce das relações de afeto entre as pessoas, quando por amor uma pessoa trás para o seio da sua família outra com a qual não tem nenhum vinculo biológico, com o único intuito de exercer o papel de pai ou mãe, de amar, de cuidar, respeitar, de apresentá-la para a sociedade como filho, nasce à paternidade ou maternidade socioafetivas .
Em sentido estrito, a socioafetividade é usada para designar as relações familiares onde não se encontram o vinculo biológico. Maria Berenice Dias, conceitua que, a filiação socioafetiva pode ser considerada, portanto, como aquela que estabelece entre indivíduos sem laços biológicos a relação de pais e filhos, tendo como base a convivência social e a afetividade recíproca entre eles .
A socioafetividade tem como fundamento jurídico o artigo 1.593 do Código Civil de 2002 , que ao normatizar o parentesco de qualquer outra origem, possibilitou o reconhecimento dos laços afetivos como vínculo jurídico capaz de estabelecer filiação e tem como princípio norteador o artigo 227, § 6º, da CRFB de 1988, que trás o principio da paternidade responsável, o qual descreve como pais aqueles que são de fato responsáveis por uma criança ou adolescente, resguardando a ele todos os cuidados inerentes entre pais e filhos biológicos. De acordo com a doutrina de Nogueira:

Existem requisitos que são mais relevantes que outros, o nome não é fator determinante para o reconhecimento da filiação socioafetiva “o nome, não é decisivo, tem menor ou nenhuma importância para determinação da posse de estado de filho” .

Dando continuidade ao raciocínio da autora tem-se que:

Assim, entende-se que o fato de o filho nunca ter usado o patronímico do pai não enfraquece a posse de estado de filho, comprovando-se os elementos, trato e fama, sendo estes suficientes para o seu reconhecimento e, consequentemente, a constituição da paternidade socioafetiva, pois nada melhor do que o permanente e reiterado cuidado e amor dos pais em relação ao filho para caracterizar a verdadeira paternidade” .

Entende-se então que, filiação socioafetiva tem como principal característica, o estado de filho afetivo, bem como se observou que  à filiação socioafetiva  caracteriza-se pelo afeto, a convivência social, e a segurança plena do desenvolvimento da criança, que junto se caracterizam como posse do estado de filho afetivo.

A família contemporânea, necessita de um vínculo emocional, de afeto, como base de alicerce para sua formação sendo que o  convívio familiar configura-se como direito constitucional, contemplado no artigo 227 da CRFB/88, resguardado o direito a toda criança e adolescente a integração a um meio familiar, onde receberão todos os cuidados, físicos e emocionais.
Inicialmente trata-se da adoção, que no Brasil, está normatizada no Código Civil do artigo 1618 ao 1629, bem como no Estatuto da Criança e do Adolescente do artigo 39 ao 52, conceitua Nogueira:

A adoção encerra-se em si mesma, é uma das belas criações humanas, por se tratar de um instituto que regulamenta relações de cunho e social entre pessoas, nuances que somente seres iluminados pela fagulha da igualdade e fraternidade sentem os homens que são capazes de realmente compreender.

A adoção, não deixa de ser uma forma de filiação sócio afetiva, necessitando de afeto, com o intuito de integralizar um indivíduo a um lar, cercando-o de cuidados físicos e emocionais. Uma criança ao ser adotada perde o vínculo com a família biológica, mesmo com a morte dos pais adotivos esse vínculo não é restabelecido, pois a adoção é irrevogável.
E para finalizar, uma descrição sobre a adoção como um ato de amor, assim descreve Nogueira :

As histórias de adoção são, portanto, histórias de amor, de encontros, de convite para uma construção de responsabilidade, fraternidade e afeto, que transcende o sangue, a cor e a nacionalidade, porque pouco importa a uma criança carente de afeto, se aqueles que a querem vão dizer isso em português, inglês, francês ou alemão, pois a linguagem do afeto é universal. As mãos quentes que acariciam uma criança, transbordando de emoção, não têm nacionalidade. Lar é lar, cama é cama, leite é leite, pão é pão e afeto é afeto, em qualquer lugar do mundo, quando se coloca nos gestos, nos lábios e no coração esse sentimento nobre que se chama amor.

Ser pai ou ser mãe é isso, é ter em seu coração o desejo de amar alguém como filho(a), mesmo que esse “alguém” não tenha qualquer vínculo de consanguinidade com os pais, mas que o casal transmita a este filho o mesmo sentimento que de sangue fosse.
Uma outra forma de adoção, muito peculiar, é a adoção à brasileira, que no Brasil é uma conduta tipificada como crime no art. 242 ,  do Código Penal , que é quando alguém registra em seu nome filho que não é seu, concorrendo  assim para este crime.
Giselda Hironaka . descreve a “adoção à brasileira, como sendo um registro falso de nascimento, onde é declarado como seu filho o de outro, é uma adoção, mas sem o devido processo legal”.
Como se observa, mesmo sendo tipo penal, a adoção à brasileira não é desconstituída, pois  mesmo sendo crime é considerado primeiramente um ato de afeto, pois uma criança é integrada ao seio familiar por amor. Cumprindo assim a família seu papel social de acordo com o artigo 227 da CRFB de 1988, que descreve ter absoluta prioridade a defesa da criança e a garantia da convivência familiar, prevalecendo assim o princípio da afetividade diante da lei penal.
Porém, se o crime for de rapto não se encaixa a modalidade de adoção à brasileira, pois a intenção dolosa, tal como rapto de criança, não pode ser enquadrada nessa espécie.
Atualmente o entendimento atual da maioria dos juristas é a de que a vontade de amar e cuidar de uma criança é um ato majoritariamente nobre, e analisam minuciosamente o caso em concreto, e a pena para tais crimes fica em segundo plano, prevalece o afeto nesses casos como elemento decisivo.
Importa abordar uma figura conhecida como filho de criação, pois a relação afetiva da qual decorre o filho de criação como espécie de filiação socioafetiva, nasce nos casos em que mesmo sem nenhuma ligação biológica ou jurídica, uma criança é integrada a uma família, a qual lhe resguarda carinho, amor e cuidados .
É uma relação de solidariedade, carinho, troca de afeto e amor, onde o filho de outra pessoa passa a conviver em seu lar recebendo os mesmos cuidados, como se a ela pertencesse, embora não seja adotado legalmente.
Destaca-se ainda a filiação socioafetiva por reprodução assistida heteróloga, uma vez que nos dias atuais, o avanço da ciência trouxe algumas conquistas genéticas. A inseminação artificial é um exemplo, que assim como na adoção, é uma vontade de trazer ao mundo uma criança pelo exclusivo desejo do casal.
O artigo 1.597, do Código Civil de 2002 , trouxe as hipóteses onde há a presunção de paternidade, sendo que o inciso V do referido artigo trata da inseminação artificial heteróloga, que é aquela onde o material genético masculino é doado por outra pessoa. Desde que seja feita com o consentimento do marido, é presunção absoluta de paternidade socioafetiva, e o filho gerado será considerado portanto concebido na constância do casamento. Assim, diz Maria Berenice Dias .:

A manifestação do cônjuge corresponde a uma adoção antenatal, pois revela, sem possibilidade de retratação, o desejo de ser pai. Ao contrario das demais hipóteses, a fecundação heteróloga gera presunção juris et de jure, pois não há possibilidade de a filiação ser impugnada. trata-se de presunção absoluta de paternidade socioafetiva.

A reprodução assistida heteróloga, envolve material genético de uma terceira pessoa, mas nunca haverá uma dualidade sobre a paternidade ser biológica ou socioafetiva, pois o pai nunca será considerado aquele que cedeu o sêmen, mas sim aquele que dará afeto, proteção e amor.

Neste tema, salienta-se de início que existe alguns estudos que demonstram que a ausência da figura paterna na formação da criança e do adolescente podem influenciar a estes no mundo do crime, assim traduz Karow ,em seu livro “Abandono Afetivo”, que para que esta análise do dano injusto  pela vítima de abandono, é necessário utilizar-se de psiquiatria e psicologia na maioria dos casos, porém isso depende de vários fatores e da estrutura psicossocial de cada um  e de outras características, entretanto a falta ou a substituição da figura paterna não é determinante.
Dessa forma a nova visão do poder Judiciário, sobre a responsabilização civil por abandono de filhos, em especial á uma decisão da Terceira Turma do STJ(REsp. 1.159.242\SP,  que estabelece o dever de cuidado por parte dos pais, tem relevante impacto de ordem  social e econômica.
A irrevogabilidade só será permitida em situações previstas normativamente e cautelosamente analisadas, como será observada na decisão abaixo, onde a anulação do Registro de Nascimento para ser admitida, deve ser demonstrada como decorrente de vício do ato jurídico, coação, erro, dolo, simulação ou fraude.
Dessa forma, o STJ  decidiu no presente caso em concreto:

Ementa: Direito civil. Família. Recurso especial. Ação negatória de paternidade. Exame de DNA. - Tem-se como perfeitamente demonstrado o vício de consentimento a que foi levado a incorrer o suposto pai, quando induzido a erro ao proceder ao registro da criança, acreditando se tratar de filho biológico. - A realização do exame pelo método DNA a comprovar cientificamente a inexistência do vínculo genético, confere ao MARIDO a possibilidade de obter, por meio de ação negatória de paternidade, a anulação do registro ocorrido com vício de consentimento. - A regra expressa no art. 1.601 do CC/02, estabelece a imprescritibilidade da ação do marido de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, para afastar a presunção da paternidade. - Não pode prevalecer a verdade fictícia quando maculada pela verdade real e incontestável, calcada em prova de robusta certeza, como o é o exame genético pelo método DNA. - E mesmo considerando a prevalência dos interesses da criança que deve nortear a condução do processo em que se discute de um lado o direito do pai de negar a paternidade em razão do estabelecimento da verdade biológica e, de outro, o direito da criança de ter preservado seu estado de filiação, verifica-se que não há prejuízo para esta, porquanto à menor socorre o direito de perseguir a verdade real em ação investigatória de paternidade, para valer-se, aí sim, do direito indisponível de reconhecimento do estado de filiação e das consequências, inclusive materiais, daí advindas. Recurso especial conhecido e provido” (TJRS, 2007).

Sendo assim, uma vez reconhecida a filiação socioafetiva, é de entendimento dos tribunais sua irrevogabilidade, pois entendem que como um ato de declaração oficial ou social, uma pessoa ao receber aquela criança como filho por livre e espontânea vontade, tal ato torna-se futuramente irretratável. Sendo provida tal irrevogabilidade como demonstrado em ação negatória de filiação, nos casos expressos em lei.
Sobre a posse de estado de filho, a jurisprudência a reconhece como prova secundária para determinar a filiação socioafetiva, o mais importante é o exercício da paternidade e maternidade responsável, tanto que os elementos, nome, trato e fama não necessariamente devem estar presentes, sendo que a falta de um desses elementos por si só, não sustenta a conclusão de que não exista a posse do estado de filho, pois a fragilidade ou ausência de comprovação de um pode ser complementada pela robustez dos outros.
Por fim, na explanação da presente foi observado o melhor interesse da criança. Tanto a doutrina como a jurisprudência tem como ponto crucial a paternidade e maternidade responsável, não importando se exercida por família natural ou socioafetiva, o grande e principal intuito é estabelecer a criança em um seio familiar onde crescerá cercada de cuidados, amor e afeto.

Este trabalho teve como intuito expor através da pesquisa realizada em diferentes obras de juristas e doutrinadores a importância dos princípios da filiação socioafetiva e a relação de convívio e afeto que passou a ser reconhecida pelo Estado, tendo efeitos jurídicos, na perspectiva dos princípios da isonomia e da afetividade o melhor interesse da criança nos dias atuais. Analisando o tema tratado, nota-se claramente a evolução dos direitos em comparação aos direitos dos filhos antigamente, quando a família era organizada sob os princípios e ordens do pater, baseado no sistema patriarcado. Atualmente os filhos detém uma proteção integral quanto aos seus direitos, não podendo mais sofrer discriminação e recebem essa proteção advinda do vigente Código Civil e da CRFB/88, bem como dos princípios que norteiam essa proteção, como o princípio da isonomia entre os filhos, o princípio do direito de família aplicável á filiação sócio afetiva, o princípio da dignidade humana, o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente e o princípio da afetividade, que considero aliado ao da isonomia aquele que retrata que uma família só pode vingar baseando-se nestes, independente da origem biológica da relação, pois onde houver laços de afeto e igualdade entre os filhos e pais, haverá uma família, o que retrata a mudança e o novo modelo de estruturação de familiar, advindo a família socioafetiva.
É notável para essa evolução, a consideração do afeto familiar e da responsabilização perante o direito das crianças, onde atualmente o conceito de família, os tipos e a consideração jurídica sobre o tema crescem a cada dia.
Conclui-se que a filiação socioafetiva é a verdadeira paternidade e maternidade, pois traz junto á ela todos os elementos necessários à criação de um filho, tendo como o elemento principal a vontade e determinação de alguém em querer cuidar, zelar, proteger e amar um filho, o que trata-se do maior sentimento do ser humano, o amor. 

   




 









 


 


 

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Este artigo foi escrito com muito carinho e dedicação. E hoje apresentei ele no XV CONGRESSO JURÍDICO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA, em Itajaí na UNIVALI (Universidade do Vale do Itajaí-SC).

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