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Notações à teoria geral do ato administrativo, aplicadas ao processo disciplinar e a questões disciplinares controversas

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Agenda 27/05/2004 às 00:00

Sumario:I – INTRODUÇÃO; II – O ATO ADMINISTRATIVO COMO INSTRUMENTO DA ADMINISTRAÇÃO; III – DEVER DE CONVALIDAÇÃO; IV - IN DUBIO PRO INTERESSE PÚBLICO; V – A DOSIMETRIA DA PENA ADMINISTRATIVA E O PRINCÍPIO DO CONECTIVO DEÔNTICO; VI – CONCLUSÃO; VII – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


I – INTRODUÇÃO

O Direito Administrativo não é codificado, sendo composto de um emaranhado de normas e legislações esparsas - presentes também os costumes e as praxes administrativas -, normatizadoras dos procedimentos a serem seguidos pela máquina pública. Trata-se de sistema jurídico, em que está inserto esse ramo do direito.

Esse sistema cria o regime da Administração, o regime jurídico-administrativo, com princípios e sobreprincípios – setoriais e setoriais específicos - e as mais variadas normas próprias, que fazem do direito administrativo um ramo autônomo das ciências jurídicas. Tais produções legislativas e institutos estão a reger os atos da Administração, a ditar as regras à confecção das produções instrumentais à boa gestão.


II – O ATO ADMINIATRATIVO COMO INSTRUMENTO DA ADMINISTRAÇÃO

O Ato Administrativo – espécie do gênero Ato da Administração [1] dotado de efeitos jurídicos – conquanto produção de máxima concretude Estatal, constitui-se em instrumento de atuação do poder público executor da função administrativa. Assim, dessa noção de instrumentalidade, decorre a afirmativa de que nesse ramo do direito, a exemplo do que ocorre no processo civil e penal, a forma, elemento vinculado de do ato, é mero instrumento, corolário do princípio da instrumentalidade das formas. Sem ele, o ato, o instrumento, nada pode materializar o Estado-Administração, tornando-se inoperante no que concerne às produções de efeitos jurídicos.

No processo administrativo disciplinar, objeto do presente estudo, tais atos nada mais são que meios capacitadores da aplicação da norma ao caso concreto, porém não se confundindo com meios capacitadores da aplicação da jurisdição, por ausência de substitutividade, sendo a Administração parte interessada, efetivando produções jurídicas complementares à lei e não subsidiárias a ela.

Todos os procedimentos, entre os quais os disciplinares, na seara da Administração Pública, são formados por um encadear de manifestações (atos) de vontade do poder público, agentes, órgãos ou entidades. Estas "vontades" são ditadas inteiramente pela lei ou com margem discricionária por ela delimitada, que, ordenadas no tempo, dão forma e identidade à intentio legis – finalidade pública - a mister da Administração.

Com efeito, situações há em que os operadores desse mecanismo se deparam com complicadas questões a requererem conhecimento aprofundado de todo o sistema, para que se percuta a finalidade de todo o procedimento, dessarte, a finalidade pública. Um simples equívoco, um simples deslize nesse proceder, como, por exemplo, a inobservância de princípios basilares, pode causar a invalidação do feito, desencadeando prejuízos diversos à Administração e aos administrados e, não obstante, responsabilização do agente público que lhes deu causa.

Podemos citar, exempli gratia, a equivocada invalidação de ato eivado de mera irregularidade – vício ínfimo, que em nada afeta o interesse público – causadora de prejuízos maiores que a sua devida sanatória.


III – DEVER DE CONVALIDAÇÃO

Nesse ponto, no que tange à invalidação, desfazimento do ato, deve-se, em analogia (instituto de integração da norma permitida em direito administrativo) ao direito penal, levar em consideração – sem embargo do já citado princípio da instrumentalidade das formas – o princípio da insignificância, ou do prejuízo, em que atos com pequenos vícios em nada prejudicam a legalidade, a ampla defesa, o contraditório, a gestão administrativa, em fim, em nada alteram, materialmente ou juridicamente, o resultado a ser alcançado, não devendo ser merecedores da atenção da Administração, que ao anulá-los acabaria apenas produzindo atos meramente substitutivos, improdutivos de vantagens práticas.

Invalidar atos convalidáveis pelo simples e cômodo "anular", e em muitos casos sem a devida motivação, renovando o procedimento em detrimento da economia processual, é, ao menos, descaso administrativo, desrespeitador, dentre outros, do princípio básico da eficiência, contido no caput do artigo 37 de nossa Carta Institucional e, agora, com o advento da Lei n. 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito federal, em seu artigo 55, prescritor do dever de convalidação dos atos, quando amparados pelo interesse público, é desrespeitar, também, o princípio da legalidade, viga sustentadora de todo o regime jurídico-administrativo, não obstante, na esfera federal, à possibilidade de aplicação de sanção por infringência a padrão de incidência primário, contido no Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União.

A insignificância jurídica dos efeitos dos vícios contidos nos atos meramente irregulares ou convalidáveis, anuláveis, é óbice à invalidação, devido ao fato da inexistência de qualquer prejuízo ao interesse público e às partes envolvidas em processo administrativo disciplinar, pois tais vícios em nada interferem no direito constitucionalmente garantido à ampla defesa ou à observância dos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência da Administração Pública nas apurações em processo legal. Se atos ferirem esses princípios, não teremos produções irregulares, mas nulas, ou até mesmo inexistentes e merecedoras da autotutela administrativa.

Assim, deve-se harmonizar as produções administrativas com o sistema jurídico-administrativo e, conseqüentemente, com o sistema jurídico-constitucional, a fim de se evitar produções equivocadas ou desnecessárias.

Por esse motivo que a Constituição da República se preocupou com a finalidade que deve ser alcançada pela máquina pública, instituindo em seu bojo um Capítulo especialmente destinado à Administração Pública e a seus agentes, para, com princípios basilares, ser o ápice do sistema infraconstitucional pertinente à matéria, orientador de toda manifestação de vontade das entidades que compõem a Administração direta e indireta, em todas as esferas de governo – federal, estadual e municipal.

Esses princípios constitucionais são reflexos de construções doutrinárias, assentados em sede constitucional e proveniente do instituto que Paulo de Barros Carvalho chamou de sobreprincípio e Celso Antônio Bandeira de Mello considerou como axioma originário de todos os demais princípio do direito administrativo – a indisponibilidade do interesse público. E, em obediência a esse princípio e para a sua garantia, a máquina pública, como bem observa Di Pietro, tem o dever de restaurar o princípio da legalidade toda vez que o ferir. Isto se opera pela autotutela – na modalidade de anulação [2] - ou pela convalidação de seus próprios atos. Esta, a convalidação das produções formais administrativas, apesar de não ser praticada nos recintos públicos [3], é defendida em inúmeros trabalhos de renomados doutrinadores, exempli gratia, Celso Antônio Bandeira de Mello, Maria Sylvia Zanella Di Pietro e Weida Zancaner [4], esta, monografista do tema, entre outros, cujo ápice de suas obras, em análise ao assunto, categoricamente demonstra que caiu por terra a antiga e tradicional classificação, quanto à validade, em atos válido, inválidos (nulos) e inexistentes.

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Tais autores expõem nova classificação em consonância com os rumos da moderna e eficiente Administração em atos válidos, nulos, anuláveis e inexistentes. Esta classificação, de felicidade brilhante, há muito defendida por esses mestres em prol da persecução da verdade real que vigora no direito administrativo, nada mais é que a base da teoria das nulidades no processo penal que também se pauta na busca da verdade material, aplicada ao processo administrativo, inclusive, por analogia, pois todos os seus princípios processuais vão ao encontro da finalidade perquirida pela Administração ao desenvolver o processo apuratório. Essa deve ser a classificação adotada pela máquina pública, não só por atender completamente a todos os princípios supracitados, mas também por obrigação legal com o advento da Lei n. 9.784/99. Esta Lei, exorbitante e subsidiária da legislação preexistente, traz em seu capítulo XIV, sob o título "Da Anulação, revogação e Convalidação" [5], o dever de convalidação dos atos administrativos quando, pautados pelo interesse público, forem sanáveis e sua sanatória não vier a prejudicar terceiros [6].

Mas o que são defeitos sanáveis? Vejamos como o quebra-cabeça vai perfeitamente se encaixando, corroborando tudo o aqui exposto, mostrando que para a Administração pública a forma é mero instrumento para a persecução da finalidade pública e não um fim em si mesma.

Sem embargo à Lei supracitada, amparam-nos os ensinamentos da professora Di Pietro a elucidar quais os fundamentos dos atos administrativos que podem, e como vimos, devem ser objeto de convalidação: "Convalidação ou saneamento é o ato administrativo pelo qual é suprido o vício existente em um ato ilegal, com efeitos retroativos à data em que foi praticado. Seabra Fagundes, refutando-se à possibilidade de se aplicar a teoria das nulidades do direito civil, entende que os atos viciosos podem agrupar-se em três categorias: atos absolutamente inválidos ou nulos, atos relativamente inválidos ou anuláveis e atos irregulares. Atos anuláveis são os que infringem as regras atinentes aos cinco elementos do ato administrativo, mas em face de razões concretamente consideradas, se tem como melhor atendimento ao interesse público pela sua parcial validez; para o autor, tratando-se de ato relativamente inválido, se estabelece uma hierarquia entre dois interesses públicos: o abstratamente considerado, em virtude do qual certas normas devem ser obedecidas, e o ocorrente na espécie, que se apresenta, eventualmente, por motivos de ordem prática, de justiça e de eqüidade em condições de superar aquela. Atos irregulares são os que apresenta defeitos irrelevantes, quase sempre de forma, não afetando ponderavelmente o interesse público, dada a natureza leve da infringência das normas legais; os seus efeitos perduram posto constatado o vício" [7].

O entendimento é uníssono na doutrina em afirmar que vícios quanto à forma, ou quanto às formalidades legais, são sanáveis, portanto, convalidáveis e a lei agora obriga a aplicação dessa convalidação.

Essa Lei n. 9.784/99, embora ainda omissa em alguns aspectos relevantes, veio a facilitar o trabalho de aplicação do direito, fazendo parte da sistemática em processo disciplinar ao ser aplicada subsidiariamente à Lei n. 8.112/90 e a demais diplomas federais específicos, como, por exemplo, à Lei n.º 4.878/65, estatuto dos servidores policiais federais.


IV – IN DUBIO PRO INTERESSE PÚBLICO

Ainda tratando de procedimentos disciplinares, uma grande discussão de cunho prático existe quando o assunto é sindicância de caráter inquisitorial, verificatória, ou seja, aquela que prescinde do contraditório e da ampla defesa, em que restarem, ao confeccionar o relatório final, dúvidas acerca da culpabilidade do agente. Temerária poderia ser a sugestão, ao final, de abertura de processo administrativo disciplinar contra determinado servidor público, sem que este possua realmente responsabilidade, demonstrada em, ao menos, indícios, restando absolvido ao final do procedimento contraditorial. Poderia o colegiado disciplinar ser responsabilizada por danos morais, ou materiais, ao servidor que nada devia à Administração e à coletividade? A resposta não é de simples obtenção. Há que se percorrer determinado iter, perquirindo acerca do dolo da comissão em indiciar inocente, ou mesmo, da ocorrência de negligência, imprudência ou imperícia – elementos subjetivos. Não há dúvidas, entretanto de que, presente um desses elementos, a comissão disciplinar torna-se passível de responsabilização.

Porém, questão mais delicada é, ao se chegar na fase do relatório final conclusivo, dúvidas restarem quanto à responsabilidade – autoria – do servidor; mesmo porque a sindicância não autônoma é procedimento limitado. Simples, porém equivocada seria a decisão de se aplicar o princípio de direito in dubio pro reo, pautando-se, nessa fase, meramente informativa – sindicância inquisitorial – por não indiciar servidor, face à dúvida quanto à autoria do ilícito administrativo, desde que presente a materialidade do ilícito. Outro é o interesse público aplicado a este jaez, fazendo-se mister sua indisponibilidade, qual seja, ver, a sociedade, a comunidade administrada, a devida elucidação do fato ilícito, submetendo ao crivo do processo administrativo disciplinar – due process of law -, com fases mais apropriadas à perquirição necessária, com instrução dessarte mais eficaz, todo o fato e as controvérsias não resolvidas na fase inquisitorial, desde que restem presunções ou indícios, embora ínfimos que não neguem, categoricamente, o envolvimento do servidor, ante a materialidade, juris tantum, demonstrada.

Sem embargo, a supremacia do interesse público sobre o privado, sobreprincípio [8], no dizer de Paulo de Barros Carvalho, que orienta todas as condutas da Administração Pública, como já afirmado, está, assim, a reger o sistema jurídico-administrativo. Optar pelo não indiciamento, em processo inquisitorial, aplicando a dívida em favor do servidor é, ao menos, dispor do interesse público. A busca da verdade real assim o requer, não sendo outro o entendimento ora trazido pelo sistema positivo, exempli gratia, por analogia do direito processual penal, ao se aplicar o in dúbio pro societa nas fases de recebimento da denúncia ou queixa e pronúncia, onde o juiz, na dúvida, ante a prova da materialidade do delito, recebe a denúncia ou a queixa-crime e, no procedimento comum do júri, ao final do juízo da acusação, pronuncia o réu, submetendo-o ao crivo do tribunal do júri.

O sistema jurídico-administrativo, nesse momento processual específico, inclina-se no sentido ora em comento, malgrado, em outras fazes do processo disciplinar vigorar o in dubio pro reo.

Apurados, em ilícito administrativo, indícios de autoria contra servidor, deve este ser submetido, como acusado, a procedimento mais eficaz – que lhe propiciará o contraditório e a ampla defesa -, com a instauração de processo administrativo disciplinar. Porém, se não pairarem, ao final de investigação administrativa, qualquer indício de autoria, reprovável será a sugestão de instauração do procedimento contraditorial, passível, dessarte, de responsabilidade administrativa, cível e penal. Por isso, para se evitar eventual demanda por parte do indiciado, deve o colegiado inquisitorial, através de despacho de instrução e indiciamento, demonstrar inequivocamente, passo a passo, os caminhos intelectuais que levaram a decisão, pautando-se por somente sugerir a abertura do procedimento contraditorial se houver indício de autoria face à prova da materialidade do ilícito administrativo.


V – A DOSIMETRIA DA PENA ADMINISTRATIVA E O PRINCÍPIO DO CONECTIVO DEÔNTICO

O artigo 128, caput, da Lei n.º 8.112/90 - assim expresso: " Na imposição da penalidade serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para o serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais." - traz, de forma cogente, para o agente público aplicador da penalidade, a autoridade julgadora nos termos do artigo 141 do mesmo diploma legal, a obrigação de sopesamento acerca de dadas circunstâncias - a) natureza da infração; b) gravidade da infração; c) os danos provocados ao serviço público: d) as circunstâncias agravantes; e) as circunstâncias atenuantes; e f) os antecedentes funcionais, de forma que a ausência dessa análise, devidamente declinada no julgamento, invalida a decisão de aplicação de penalidade face ao motivo discordante, a requerer adequação ao caso concreto.

Em análise ao sistema jurídico-disciplinar, o que há positivado no direito brasileiro, não se encontram descritos em diploma algum quais são os parâmetros para suporte vinculado à aplicação dessa norma exarada no artigo em epígrafe. Preferiu o legislador, deste modo, ao contrário do que ocorre no direito penal, quando, exempli gratia, definiram-se as circunstâncias agravantes e as circunstâncias atenuantes, bem como o quantum da pena a se reduzir, deixar tal juízo no âmbito da competência discricionária do agente público.

Ante o exposto, duas questões relevantes se ora apresentam como fonte de equívocos a se abeberarem os aplicadores do direito administrativo a casos deste jaez:

1.a quem pertence a competência (entenda-se atribuição) discricionária para a aplicação da dosimetria da penalidade administrativa?;

2.(2) quais os limites e alcance dessa norma exarada no artigo 128, caput, da Lei n.º 8.112/90, quando em confronto com o princípio da observância do modal deôntico?

A antítese a essas questões, embora raramente levadas em consideração, abstrai-se de análise minuciosa do diploma legal em estudo, bem como, sistematicamente, interpretação de normas de direito público, que não podem ser desprezadas sob pena de deturpar um todo, o direito público, que apenas se subdivide com a finalidade de facilitar o seu estudo – o direito administrativo é apenas didaticamente autônomo. Não constitui um outro ramo de ciência, autônomo, estando inserto no bojo do direito público e dele não podendo separar com fins outros senão didáticos, a ponto de repulsar princípios e conceitos de outros ramos de direito público perfeitamente a ele aplicáveis.

Em considerações à pertinência da competência discricionária para a aplicação da dosimetria da penalidade administrativa, primeiramente, urge ressaltar que a discricionariedade não se cinge em dosar ou não a penalidade a ser aplicada, mais sim em, diante de preceitos exarados no artigo supracitado, sopesar, considerando o caso concreto, os parâmetros quanto aos atenuantes, agravantes, danos ao serviço público, etc.

Note-se que o limite da competência discricionária está apenas em correlacionar o que houver graduado quanto ao prescritor, preceito primário, determinando o quantum a ser acrescentado ou diminuído à pena, descritor, preceito secundário, que seria imposta. De fato, esta é a discricionariedade contida no artigo 128, exempli gratia, ao se dizer, após análise minuciosa, que uma falta realmente provocou graves danos ao serviço público e, dessarte, é merecedora de agravamento, conforme o quantum julgado justo para o caso concreto.

Quanto à competência para aplicação da dosimetria, está deve ser aferida quando do julgamento efetuado pela autoridade competente nos termos do artigo 141, Lei n.º 8.122/90. O próprio caput do artigo 128 desse diploma legal traz essa determinação ao descrever que a dosimetria deverá se operada na fase da aplicação da penalidade e este é o preceituado na Seção II, Capítulo III, do Título V, " Do Julgamento", de competência das autoridades contidas no artigo 141, supracitado.

Dessarte, o colegiado designado para a apuração de determinado fato não deve ir além do levantamento e indicação das circunstâncias necessárias, contidas no artigo 128, subsidiando a aplicação desta norma pela autoridade competente.

Quanto ao alcance do dispositivo em estudo, mister se faz a perquirição do conceito de conectivo ou modal deôntico, entendendo sua lógica, com a finalidade de aplicação às penalidades disciplinares. Para tanto, valemos-nos dos ensinamentos de Michel Temer [9], citando o jus-filósofo Hans Kelsen que muito bem diferenciou o conectivo do mundo do ser do mundo do dever-ser; neste, inserta as ciências jurídicas. Esse autor ensina que no mundo do ser, mundo das leis naturais, o homem não possui o condão de alterar suas regras, pois as leis físicas decorrem da natureza e de nada vale a vontade do homem em modificá-la mediante formulações de preceitos racionais. No mundo do dever-ser, ao qual pertencem as ciências jurídicas, as coisas se passam segundo a vontade humana, podendo conectar um determinado preceito primário ao preceito secundário que assim desejar o órgão competente. A dado antecedente, liga determinado conseqüente. [10] Assim o é no direito que, a cada prescritor, em se tratando de norma penal, é conectado determinado descritor, como conseqüência de sua infringência, segundo a vontade do legislador.

Como exemplo podemos citar a norma positivada no caput do artigo 121 do Código Penal Brasileiro, que traz sob o nomem juris de homicídio simples, o preceito: "matar alguém", descrevendo: "reclusão de seis a vinte anos". Neste exemplo temos a descrição de um fato consubstanciado numa norma proibitiva que, violada, desencadeará o direito subjetivo de o Estado-Juiz aplicar o preceito secundário, qual seja, a pena prevista na lei.

Podemos também citar como exemplo as normas tributárias, em especial a instituidora de tributo, desencadeadora da obrigação principal que, sem exceção, traz a norma padrão de incidência, hipótese normativa, consistente no preceito primário, conectada, caso ocorra a subsunção fática de seu conceito, à obrigação de recolhimento, nos termos da lei, de determinada quantia em dinheiro aos cofres públicos.

Note-se que tais finalidades perquiridas pela lei só podem ser alcançadas face à existência de conexão entre o tipo e a sanção, entre o prescritor e o descritor, entre o preceito primário e o preceito secundário. Esse elo de ligação é denominado modal ou conectivo deôntico. Dessarte, inadmissível, no mundo jurídico, no mundo do dever-ser, a aplicação de determinada sanção que não seja a pura conseqüência de infringência de tipo a ela legalmente relacionado. Este é o princípio do conectivo deôntico.

Assim se limita o alcance da norma exarada no artigo 128, caput, da Lei n.º 8.112/90, pois, se determinada conduta é passível de demissão, ou seja, se a infringência de determinado prescritor está correlacionada ao descritor que determina a demissão do servidor faltoso, não se pode usar a regra da norma em estudo, dosimetria da penalidade administrativa, para relacioná-la a outro preceito secundário, senão o seu próprio, descrito na lei. Deste modo, não se pode, ao contrário de demitir o servidor e valendo-se dos dizeres do artigo 128, aplicar, por exemplo, a penalidade de suspensão. Tal medida fere o princípio da correlação entre os preceitos da norma sancionadora.

Do mesmo modo, não se pode, valendo-se dos mesmos fundamentos, desqualificar a penalidade de suspensão, aplicando uma advertência, pois, mutatis mutandi, não poderia o magistrado, valendo-se de atenuantes cogentes do direito penal, aplicar ao homicida a pena referente a lesões corporais. Poderia sim, dentro do contido no preceito secundário, sanção, que no caso do homicídio simples é de seis a vinte anos, atenuá-la até alcançar o mínimo, em conformidade com a lei, quando do sopesamento das circunstâncias judiciais e legais.

O aqui exposto vale, em seu inteiro teor, para o direito administrativo, quando da aplicação da penalidade, onde concluímos que a dosimetria determinada pelo artigo 128, caput, da Lei n.º 8.112/90, só é aplicável aos casos de suspensão, pois esta sanção pode variar de um a noventa dias, fornecendo à autoridade julgadora amplitude, dentro de um mesmo preceito secundário, para a aplicação desta pena, conforme confrontada com o as circunstâncias do artigo em estudo.

Com efeito, sopesando as circunstâncias do artigo 128, pode a autoridade julgadora aplicar desde a suspensão de um dia a noventa dias, mas nunca agravar para aplicar a demissão ou abrandar para aplicar uma advertência, sendo a recíproca, também, ilegal, não podendo, como já dito, abrandar a demissão, aplicando suspensão ou advertência. Nisto consiste o princípio da correlação dos preceitos penais, ou do modal deôntico. Caso contrário, estar-se-ia diante de uma norma não atenuante, mas sim substitutiva de pena, extra legem.

Sobre o autor
Sandro Lúcio Dezan

Mestre em Direitos e Garantias Constitucionais Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória – FDV. Delegado de Polícia Federal, Coordenador da Escola Superior de Polícia do Departamento de Polícia Federal. Professor Universitário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DEZAN, Sandro Lúcio. Notações à teoria geral do ato administrativo, aplicadas ao processo disciplinar e a questões disciplinares controversas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 324, 27 mai. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5264. Acesso em: 22 dez. 2024.

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