Resumo: Os princípios que regem o direito processual são aplicáveis também ao processo executivo, sendo ainda parte integrante os princípios gerais do direito processual, como os princípios constitucionalmente instituídos do devido processo, do contraditório, da ampla defesa, da isonomia, dentre outros. No presente trabalho, far-se-á uma breve análise dos principais princípios específicos do processo de execução de acordo com o Novo Código de Processo Civil, isto é, dos princípios inerentes às relações executivas previstos no sistema processual civil.
Palavras-chave: Processo de Execução. Princípios principais. Reforma processual.
1. INTRODUÇÃO
Quando falamos em princípio, logo surge a ideia de fundamento, alicerce, origem de algo. Ademais, o princípio é a base de tudo, a começar pela nossa existência. E assim, acontece em cada área da vida humana.
Desde quando nascemos somos criados envoltos por princípios que foram passados de gerações por gerações, e no mundo jurídico não é diferente.
No sistema jurídico temos princípios, normas, costumes, leis, porém, o principal e mais importante é o princípio, pois é a base, o alicerce para os demais valores.
A valoração sobre os princípios jurídicos vem sendo cada vez mais reconhecida pela doutrina e jurisprudência, como um fator muito importante no mundo jurídico, aliás, percebe-se com maior frequência em sentenças/acórdãos, a motivação dos juízes e desembargadores baseados em fontes principiológicas, tanto jurídicas quanto culturais, fazendo com que suas decisões sejam pautadas de forma mais justa e compreensível.
E aqui, no processo de execução, os princípios também são fundamentais para o deslinde da função executiva, devendo ser observados durante a fase de constrição dos bens do devedor, como veremos adiante.
2. PRINCÍPIOS DA FUNÇÃO EXECUTIVA
Princípios fundamentais da execução
A doutrina distingue os princípios da execução entre: informativos e fundamentais.
Princípios informativos são aqueles de ordem técnica e universal, pouco suscetíveis a variações socioeconômicas.
Princípios fundamentais comportam balanceamento em cada ordenamento concreto e, frequentemente, encontram-se em oposição.
Todos os princípios que regem o direito processual são aplicáveis ao processo executivo. Este também é parte integrante do direito processual, o que, por óbvio, faz com que lhe seja aplicável os princípios gerais do direito processual.
Antes da onda reformista que mediou o processo civil, a sistemática era da autonomia do processo de execução. As reformas abalaram a estrutura autonomista dos “processos” (atividades jurisdicionais).
A estrutura original do Código de Processo Civil de 1973 fora construída em processos formalmente autônomos, em que a atividade jurisdicional cognitiva e executiva era apartada, tinha por fundamento o Estado Liberal, cuja ideologia era a da preservação da liberdade e propriedade individual dos cidadãos, com o máximo de respeito à segurança jurídica.
Assim, tendo em vista a necessidade de segurança jurídica, previsibilidade e necessidade de provocação expressa ao Judiciário para a prestação da tutela jurisdicional executiva, o processo de execução foi concebido como sendo um processo (atividade jurisdicional) autônomo.
Não se confundia no mesmo processo as tutelas jurisdicionais. Se a parte pleiteava tutelas cognitivas, executivas ou cautelares, teria que mover ação própria para tanto, de modo a observar a autonomia das atividades jurisdicionais.
Ainda no contexto das reformas processuais, instaurou-se o chamado sincretismo processual. Em uma perspectiva filosófica, o sincretismo significa (AURÉLIO, 2004) “tendência à unificação de ideias ou de doutrinas diversificadas e, por vezes, até mesmo inconciliáveis”, ou, em outra vertente, talvez mais esclarecedora, significa a “fusão de elementos culturais diferentes, ou até antagônicos, em um só elemento, continuando perceptíveis alguns sinais originários”.
O Código de Processo Civil de 1973 caracterizou-se por prever o processo em livros, estanques, autônomos entre si, de modo que, para a busca de um provimento jurisdicional cognitivo, executivo, cautelar ou especial, a parte deveria respeitar esta autonomia, isto é, para a busca destes provimentos em específico, dever-se-ia instaurar uma nova relação jurídico-processual, quer dizer, para cada processo, uma ação diferente.
Porém, com as novas mudanças, a realidade processual unificou ideias em uma única relação processual, ou seja, provimentos jurisdicionais estanques de cognição, execução e cautelar, buscando a efetividade do processo.
Com o advento da Lei 11.232/05, somadas às Leis 8.952/94 e 10.444/02, para a efetivação do comando decisório, seja por meio de sentença ou decisão interlocutória, basta que se instaure uma nova fase processual: a fase ou módulo processual executivo.
2.2 Princípio da autonomia
O grande problema para a efetividade do processo de execução estava na necessidade de citar o devedor para pagar ou nomear bens à penhora, ou seja, era necessária a propositura de uma nova ação, com a necessidade de instauração de nova relação jurídica processual, uma vez que os “processos” eram autônomos. Com a reforma, terminada em 2005/2006, tornou-se sem sentido falar em citação do devedor.
O processo passou a ser um “monólito”, isto é, o processo não comporta mais rupturas, o que, por si só, influencia na comunicação dos atos processuais. Não há sentido em citar o réu se o processo é estruturado em fases ou módulos processuais.
Em sendo estruturado como fase do procedimento, a efetiva citação deve ocorrer no início do procedimento, para que, em contraditório, o réu apresente suas considerações em simétrica paridade com o autor. Demais atos de publicidade interna e em respeito ao contraditório sucessivo no âmbito da relação jurídica processual, já suficientemente formada e estabilizada, basta que sejam feitos pelas vias processuais de comunicação intra-processo, qual seja, a intimação, na pessoa de seu advogado.
O regime jurídico do cumprimento de sentença instaurado pela Lei 11.232/05 incide sobre toda e qualquer sentença que necessite de cumprimento forçado de pagamento em dinheiro, isto é, há um âmbito de atuação restrito, em que a lei em tela terminou o ciclo sincretista de reformas do CPC, abarcando a incidência faltante: a da sentença que reconhece o dever de pagar em dinheiro.
Portanto, a autonomia significava que a execução tinha vida própria, ou seja, tinha processo próprio. Contudo, esta regra foi mudada, mas há fase executiva, que é complementar à cognitiva.
2.3 Princípio da nulla executio sine titulo
Não há execução sem título que a embase (nulla executio sine titulo), porque na execução, além da permissão para a invasão do patrimônio do executado por meio de atos de constrição judicial, o executado é colocado numa situação processual desvantajosa em relação ao exequente.
Assim, exige-se a existência de título que demonstra ao menos uma probabilidade de que o crédito representado no título efetivamente exista para justificar essas desvantagens que serão suportadas pelo executado.
A criação de um título executivo judicial por meio de processo de conhecimento quando já existe título executivo extrajudicial em favor do autor demanda um trabalho jurisdicional inútil, ocupando o Poder Judiciário com um processo que não precisaria existir para tutelar o interesse da parte.
A questão, portanto, não diz respeito à vontade do autor e à ausência de prejuízo ao réu, mas à perda de tempo, dinheiro e energia exigida do Poder Judiciário para criar um título executivo judicial, reconhecendo uma obrigação já consagrada em título executivo extrajudicial.
Trata-se de um verdadeiro atentado ao princípio da economia processual sob seu aspecto macroscópico, permitindo-se um processo inútil por vontade das partes em detrimento do interesse público de se obterem mais resultados com menor atividade jurisdicional.
Sendo assim, o princípio em questão deixa claro que a atividade executiva do juiz sempre pressupõe prévio reconhecimento/declaração de direito, seja pelo próprio juiz, seja por documento que a lei reconheça como suficiente para a declaração de direito (títulos extrajudiciais).
2.4 Princípio da responsabilidade patrimonial
O princípio da patrimonialidade, também conhecido como princípio da realidade, significa dizer que a execução recai sobre o patrimônio do devedor. Uma das questões mais interessantes é a dos limites dos atos executivos, como a prisão por dívida, de depositário infiel (art. 5º, LXVII).
O Pacto de San José da Costa Rica enseja debates acerca da possibilidade de prisão do depositário infiel. Quanto à responsabilidade patrimonial, portanto, estuda-se as hipóteses de penhorabilidade absoluta, relativas etc.
Já a questão da responsabilidade da pessoa jurídica enseja nuances, como a do uso indevido da mesma por sócios ou administradores.
2.5 Princípio do resultado
A execução deve ser equilibrada, de modo que deve buscar atingir o resultado esperado, qual seja, a satisfação do crédito, concretizando o comando normativo obrigacional previsto no título executivo. Entretanto, esta busca por resultados não pode ser feita sem critérios.
Deve-se buscar a menor onerosidade para o devedor, isto é, a execução se faz no interesse do credor, (princípio do resultado) mas isso é mitigado pelo princípio da menor onerosidade/gravidade ao executado, ou seja, quando houver mais de uma forma de executar os bens do devedor, deve-se optar pela menos gravosa. É a ideia da eficiência versus ampla defesa. Deve haver a busca do equilíbrio entre a satisfação do crédito e o respeito aos direitos do devedor.
O artigo 805 do Novo CPC enaltece que “Quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado.”.
A execução é de iniciativa e no interesse do credor, mas, se, entre várias formas de execução, ele escolher a mais gravosa/onerosa para o devedor, deve o juiz agir de ofício para evitar o excesso.
Deve haver mais de um meio idôneo para a satisfação do crédito, ou seja, tem que haver uma possibilidade de escolha entre o credor e o juiz que determina a medida. Acrescente-se que se o juiz for aplicar medidas menos gravosas ao devedor, deve tomar cuidado para não “esvaziar” a eficácia da medida. Deve o magistrado adotar medidas igualmente idôneas para a satisfação do crédito.
Temos ainda no artigo 797 do Novo CPC, que:
“Art. 797. Ressalvado o caso de insolvência do devedor, em que tem lugar o concurso universal, realiza-se a execução no interesse do exequente que adquire, pela penhora, o direito de preferência sobre os bens penhorados.”.
Em situações normais (de solvência do devedor), a execução corre no interesse do exequente. Logo, em situações anormais, como o caso de insolvência, incide regra especial de concurso de credores, em que todos os credores são colocados em situação de igualdade, uma vez que não há bens para a satisfação de todos os créditos.
2.6 Princípio da tipicidade e adequação
O presente princípio visa fixar uma certa previsibilidade ao executado que tiver contra si uma tutela jurisdicional executiva.
Entretanto, a reforma do CPC fez a doutrina repensar os binômios tipicidade-adequação. Já não há mais dúvidas sobre a superação da tipicidade dos meios executivos com a adoção da atipicidade dos meios de execução. Salientam Marinoni e Mitidiero que:
“(...) as técnicas processuais executivas decorrem, no Estado Constitucional, da Constituição – do direito fundamental ao processo justo (art. 5º, LIV, CRFB) e do direito fundamental à tutela jurisdicional adequada e efetiva que lhe é inerente (art. 5º, XXXV, CRFB).”. (MARINONI & MITIDIERO, p. 617, 2008)
Hoje, é nítido no Novo CPC, a permissão do juiz escolher a melhor técnica executiva para aplicar a norma, seguindo parâmetros mais fluidos.
No entanto, conforme a modalidade obrigacional, tem-se um tipo de execução, devendo o exequente formular a pretensão adequada ao tipo de obrigação (fazer, não-fazer, dar coisa, pagar).
Quanto a tipicidade, todos os atos executivos estão prévia e pormenorizadamente descritos na lei processual. Há uma tendência doutrinária no sentido de reconhecer a atipicidade dos meios executivos, como corolário lógico do princípio da efetividade da tutela jurisdicional. Assim sendo, o juiz estaria autorizado a adotar todos os meios executivos disponíveis para a satisfação da obrigação inadimplida.
2.7 Princípio da disponibilidade
Em razão do próprio desfecho único da execução, que não tem como tutelar o direito material do executado, é permitido ao exequente a qualquer momento “desistir do processo”, sendo dispensada a concordância do executado para que tal desistência gere efeitos jurídicos. A lei presume a aceitação do executado. O credor não está obrigado a executar, ao contrário, possui livre disponibilidade do processo de execução.
Além disso, o credor não está compelido a prosseguir na execução até o fim, muito menos está afastado do direito de solucionar a execução mediante autocomposição endoprocessual (acordo).
Desistência não se confunde com a renúncia, pois o exequente desiste de executar naquele momento, naquele processo específico, podendo, entretanto, ingressar posteriormente com ação idêntica, desde que comprove o pagamento das custas da primeira ação.
A desistência pode ser feita pelo Exequente, a qualquer momento, mesmo sem o consentimento do devedor, exceto se a execução estiver Embargada.
2.8 Princípio do desfecho único
Como em todos os processos, o de execução pode ter um final normal ou anômalo. O final “normal” da execução ocorre quando a execução é bem sucedida, quando o direito do exequente fica satisfeito. No fim normal da execução o processo é extinto pela sentença. Tal sentença não é de mérito, mas declaratória de encerramento, e não produzirá coisa julgada material, mas apenas formal.
Já o final “anormal” da execução, assim como ocorre com o processo de conhecimento, ocorrerá com o acolhimento integral dos embargos à execução, cujo fundamento seja a inexistência do direito material exequendo.
O único objetivo da execução é satisfazer o direito do exequente. A única forma de prestação que pode ser obtida em tal processo é a satisfação do direito do exequente e nunca do executado.
2.9 Princípio da utilidade
Não se justifica o processo de execução apenas para prejudicar o devedor, sem que isso traga proveito prático para o credor. Um exemplo deste princípio é o de que a penhora não será realizada quando restar evidente que o produto da execução dos bens encontrados será totalmente absorvido pelo pagamento das custas da execução.
Também por esse princípio impede-se a aplicação das astreintes (multa para compelir o devedor ao cumprimento forçado da prestação devida) quando o juiz se convence de que a obrigação se tornou materialmente impossível de ser cumprida, e somente prejudicaria o executado, sem nenhum proveito ao exequente.
Neste caso, a pressão psicológica (execução por coerção ou indireta) é inútil, pois não depende mais da vontade do executado o cumprimento da obrigação, a exemplo da obrigação de fazer quando o artista pintor quebra os dois braços e não pode executar a obra de arte.
A propósito, execução não é vingança privada, mas mecanismo judicial para satisfação do direito do credor, e sempre que se entender que esse direito não pode ser satisfeito não haverá razão plausível para a admissão da execução ou dos meios executivos inúteis para a satisfação do direito.