O licitante precisa saber que o Direito Administrativo é classificado didaticamente como ramo do direito público, em vista do interesse que visa tutelar: o interesse público. Isso não significa que o Direito Administrativo, para tutelar referido interesse deva, necessariamente, se valer tão somente de regras tipicamente classificadas como publicistas, imperativas e sem viabilidade extensiva, unicamente com características do poder extroverso e de autoexecutoriedade, características tipicamente estatais. As regras constantes no denominado direito privado também possuem interesse público, não se olvide. Por isso, tal distinção é tão somente de cunho didático. Afinal todas as regras criadas por uma sociedade organizada visam tutelar a coletividade, ainda que restritas a determinados segmentos sociais ou pessoais.
Todos os ramos e regras possuem somente uma finalidade: a pacificação social; que é uma finalidade tipicamente de interesse público. O Direito Privado não possui outro viés. O Direito Administrativo tem por objeto a estruturação da Administração Pública e a atividade administrativa desempenhada por todos os Poderes de Estado (Judiciário, Legislativo e, preponderantemente, o Executivo).
Vejamos que todos os ramos do direito público, e mesmo os de direito privado (civil, trabalhista e comercial) se utilizam da atividade administrativa para aplicação de suas regras. O procedimento de habilitação jurídica dos empresários nas juntas comerciais, por exemplo, não teria outra natureza senão administrativa. O mesmo se diga ao procedimento e aos atos constantes no curso dos processos judiciais (ressalvadas as decisões de cunho tipicamente judiciais). O que é tipicamente judicial é a decisão irrecorrível que faz coisa julgada material. Vejamos que os atos praticados pelo juízo em sua grande maioria são de natureza administrativa. O mesmo se diga ao processo legislativo, cujo ato tipicamente legislativo é a lei acabada, pois, até a publicação, a prática de atos de natureza administrativa se faz presente no curso do certame legislativo. No Direito Civil há regras procedimentais declarativas e constitutivas de direitos. Não teriam outra natureza os atos praticados junto aos cartórios e tabeliães senão administrativa. Enfim, a atividade administrativa, objeto do Direito Administrativo e dos demais ramos do direito é indispensável à sobrevivência do próprio Direito, seja ele de natureza material ou processual.
Dessa forma, o Direito Administrativo está no Direito Empresarial, no Direito Civil, no Direito do Trabalho, enfim, em todos os ramos do Direito. E, com relação às normas de interesse e ordem pública, haveria sim implicância no Direito Administrativo. Afirmamos que as regras de Direito privado também estão implicadas no Direito Administrativo. Não podemos excluir, portanto, a reciprocidade de implicação, em vista da fonte primária de todas as outras, onde se deságuam todos os ramos: a Constituição.
Não se pode mais falar em especialidade na forma que é utilizada hoje, pois deixa lacunas. Existe, em verdade, implicação de todos os ramos do direito, denominada pela doutrina: “diálogo das fontes”. Sempre que a Constituição nos permitir, preencheremos determinadas lacunas normativas públicas com o direito privado, aliás, poderíamos dizer que deveria haver junção de todas as normas voltadas para os fins constitucionais. Inclusive, diríamos não se tratar de preenchimento de lacunas ou mero direito subsidiário, mas de aplicação de um direito único, utilizado concomitantemente com o mesmo potencial normativo de severidade e obrigatoriedade. Com esse raciocínio, não há uma subversão ao regime jurídico administrativo, mas uma intenção de adequá-lo à realidade, no sentido, por exemplo, de tutelar o direito do empresário licitante ou interessado, como forma de tutela do próprio Estado e da sua função econômica e social.
O Estado não desempenharia sua atividade voltada para o interesse público se não se submetesse às regras de proteção da atividade econômica, dos direitos e garantias individuais e das pessoas jurídicas, coletivas, como as relativas aos direitos da personalidade, os direitos trabalhistas, os direitos dos empresários, tributários etc. Enfim, o regime jurídico-administrativo tem na supremacia do interesse público, e na indisponibilidade deste a sua origem, mas que deve ser analisado hodiernamente junto a todas as regras de direito, pois todas elas visam a tutela direta ou indireta da sociedade, do interesse públicos.
Não podemos confundir o interesse público com o interesse do órgão da administração ou o interesse da autoridade, situação que aflora relação de parcialidade e improbidade, gerando, inclusive, sanções nas mais diversas searas jurídicas ao agente público. Do exposto, fica prejudicada a distinção entre regime jurídico-administrativo do denominado regime jurídico da administração, ao menos no que concerne a necessidade da análise sistematizada do Direito Licitatório e suas nuanças.
O regime jurídico administrativo voltado para a licitação e contratação públicas possui pontos de intersecção com o Direito Privado, que derivada da inter-relação de fontes normativas. Aliás, relação indispensável à tutela do direito do licitante e do próprio Estado.
A licitação exige habilitações, qualificações, atividades que necessariamente estão pulverizadas pela sociedade e são regulamentadas por normas de direito privado. O denominado regime jurídico administrativo é assim chamado em virtude dos traços distintivos que possui em relação aos demais regimes jurídicos, em vista dos princípios, normas e institutos que lhes são peculiares, todos dirigidos a uma única finalidade: o interesse público.
A base das regras de direito público é o interesse de toda a sociedade. A sociedade serve-se do Direito como instrumento de pacificação. Conclui-se ser perfeitamente adequável o princípio da supremacia do interesse público aos fins propostos pela Constituição relacionados à tutela da atividade econômica e empresarial, assim como de todo o Direito, principalmente em se tratando de normas de ordem pública.
O respeito aos direitos dos administrados, interessados, pessoas físicas ou jurídicas, agentes da atividade econômica, é perfeitamente adequado ou adequável aos princípios estruturais do regime jurídico-administrativo. Em verdade, o regime jurídico administrativo deve-se adequar aos princípios constitucionais da atividade econômica e do respeito aos direitos dos licitantes. Direitos estes que se espraiam pela Constituição e por toda ordem normativa. O interesse público está intimamente relacionado ao interesse econômico e social do Estado, ou seja, à observância das regras da atividade econômica empresarial, ao direito trabalhista, à prestação justa e eficiente dos serviços públicos. Dessa forma, por exemplo, de nada adiantaria o menor valor da proposta com a utilização de bens e serviços que não atingissem o mínimo exigido de eficiência no serviço público. Burlar as regras de mercado sob o pretexto da melhor proposta com o fito de contratar a aquisição de bens e/ou prestação de serviços sem a observância efetiva das regras de mercado é o primeiro passo para a ineficiência da licitação. Proposta mais vantajosa é a menos dispendiosa, com grau de eficiência suficiente à consecução do interesse público.
O assunto volta-se para a adequação das regras de direito licitatório, que, sob o aspecto procedimental, são tipicamente administrativas, aos princípios Constitucionais da atividade empresarial, inclusive o respeito aos direitos dos empresários e das sociedades empresárias, enfim, ao licitante. Significa uma nova abordagem do direito licitatório, que extrai a indispensabilidade de uma economia forte, mesmo diante do mercado governamental desejando a melhor contratação com base, em regra, no menor preço, onde as licitantes queimam demasiadamente a gordura com o objeto de serem contratadas.
O regime tipicamente jurídico-administrativo pende para as regras de cunho imperativo, que coloca a Administração numa posição sempre de supremacia, tendenciosa à tutela do interesse público, sem observar que este às vezes abarca a atividade econômica. Adequar o Direito Licitatório e Contratação Pública aos princípios constitucionais que tutelam também a atividade privada empresarial é uma tarefa que preenche, hoje, uma lacuna nas contratações públicas, inclusive, viabiliza conter o câncer da corrupção. A justiça na contratação é instrumento de tutela do próprio patrimônio público. Os empresários se submetem ao mínimo quanto ao lucro por terem a expectativa de alguma falha ou burla de cunho doloso por parte de autoridades visando o lucro exacerbado. O lucro justo é o meio que poderia munir o Estado como instrumento anticorrupção. Lucro justo é o lucro praticado no mercado.
Além de todos os princípios expressos e implícitos na Constituição e nas Leis que se enquadrariam no regime jurídico administrativo, existem outros, também de natureza pública, mas voltados para atividade privada, tais quais os princípios inerentes à atividade econômica.
Voltar-se para o mercado governamental é uma tarefa que possui pontos positivos e negativos. O ponto positivo primordial é a estabilidade financeira. O ponto negativo, a subordinação aos interesses dos corruptos. Situação corriqueira e condicional ao êxito da empresa no certame, em sua grande maioria. Os empresários devem analisar a tendenciosidade dos editais licitatórios, que redundam na restrição da competitividade e em favorecimentos. Deverá sempre haver a harmonização entre o interesse da administração e o interesse dos empresários. Para isso, o regime jurídico administrativo não pode ser composto tão somente de regras que tutelam somente a Administração, pois a tutela da administração nem sempre perfaz o interesse público. Necessária, portanto, a harmonização entre os princípios e regras que colocam a Administração em um patamar de superioridade hierárquica e o interesse econômico do empresário. A corrupção deriva, inclusive, do descontentamento empresarial em relação aos termos contratuais, ou seja, subordinam-se às fraudes e à corrupção sob a pressão de agentes públicos ímprobos. Enfim, o contexto, hoje, do regime jurídico administrativo deve ampliar o conceito dos princípios basilares do regime. Assim, para ampliar, na forma que propomos, o limite do regime jurídico administrativo, o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado deve extirpar da nomenclatura os termos “sobre o privado”, ou seja, resumir-se tão somente na “supremacia do interesse público”. Nem sempre o interesse privado vai de encontro ao interesse público. Além disso, o termo é utilizado para desvirtuar o interesse público para interesse tão somente da administração e dos administradores (quando corruptos), este nem sempre condizente com aquele.
Mais uma vez ressaltamos: não há como desvincular o interesse privado dos empresários ao lucro do interesse público do Estado a uma economia estável. Portanto, ainda que subjetivamente possamos falar em interesse privado, objetivamente a Constituição tutela o lucro, a concorrência e a isonomia, valores limitativos da arbitrariedade estatal, inclusive obstando a utilização em demasia da Administração de atos sancionatórios e destituídos de razoabilidade contra os empresários. Vejamos que o segundo princípio basilar do regime jurídico-administrativo corrobora com o nosso raciocínio, pois, como a Administração não poderá dispor dos interesses públicos, não poderá, também, agir contrário ao interesse econômico do Estado, que, em última análise, condiz com o interesse do empresário. O aumento da competitividade, o aquecimento do mercado, faz com que se arrecade mais tributos, logo, o orçamento público poderá dispender mais recursos para a eficiência no serviço público.
Sabe-se que a Administração Pública submete-se ao regime público ou privado, a depender dos instrumentos de que estará munido legalmente na relação, bem como o assunto tratado. Ressaltamos que a Administração não poderá estar alheia ao interesse público, ainda que atue na seara privada.
Sob o aspecto da licitação, podemos afirmar o seguinte: a) a licitação visa a contratação de pessoa, empresário ou sociedade empresária, interessados que tenham por atividade empresarial ou civil o objeto do contrato administrativo (por exemplo, bens ou serviços); b) o objeto da contratação em regra é atividade econômica de natureza privada; c) os ditames do ato convocatório serão baseados na legislação privada que trata do objeto contratual; c) as obrigações constantes nos editais e nos contratos deverão ter relação com o direito privado, em vista da peculiaridade do objeto, ou seja, as regras de direito privado que tratam do assunto; d) o interesse público refere-se tão somente à finalidade da contratação que ocasiona maior fiscalização e intervenção governamental, no mais, a prestação da empresa, a venda ou prestação do serviço, são de cunho privado.
Vejamos que o Edital é um instrumento público, porém, parte do seu conteúdo está voltada para a atividade privada, e que a outra parcela se refere ao direcionamento da atividade para o interesse público, ou seja, ao poder fiscalizatório do Estado por meio de obrigações e deveres do empresário para adequar-se ao interesse público. Não há como desvincular a licitação e o contrato das regras de direito privado, tendo em vista que a atividade empresarial é por este regido. O objeto do contrato é necessariamente uma atividade empresarial ou cível. Além disso, todas as regras de direito público devem observância aos princípios fundamentais estampados na Constituição, dentre eles os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (inciso IV do art. 1º da Constituição Federal), princípios da Ordem Econômica. As licitações e os contratos devem observar o princípio da livre iniciativa. Este princípio refere-se à liberdade empresarial, ou seja, da indústria e do comércio. Não olvidamos tratar-se de princípio basilar da ordem econômica (art. 170 da Constituição Federal), sendo garantido, constitucionalmente, “o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”. Afirmamos: o regime jurídico-administrativo, principalmente os princípios e as regras relacionadas ao certame licitatório e às contratações públicas devem estar em harmonia com os princípios fundamentais da atividade econômica. O interesse do empresário, em última instância é, também, o interesse público.
Percebamos que o interesse da Administração em contratar determinado serviço ou adquirir determinado bem deriva diretamente da ocorrência da atividade empresarial que criou e proporciona a aquisição desses bens e serviços através do mercado. Não haveria necessidade da Administração na aquisição se os produtos e bens que fossem colocados no mercado pelos empresários não fossem uteis ao Estado para a prestação dos serviços públicos. Por isso a necessidade de uma bilateralidade atributiva mais isonômica. Logo, as regras de direito público, precisamente as que tratam da licitação e dos contratos, devem, necessariamente, adequar-se às regras técnicas da atividade empresarial.
O conhecimento da técnica empresarial é inerente à atividade privada, a qual deve-se adequar à Administração. Inclusive, podemos afirmar que o conhecimento empresário é prévio às necessidades do Estado. Com isso, os Editais, em verdade, devem se adequar ao contemporâneo desenvolvimento econômico empresarial. A Administração deve possuir conhecimento contemporâneo, técnico, para a elaboração do Projeto Básico, do Termo de Referência e do Projeto Executivo. Municiar a Administração de agentes públicos incompetentes ou sem o devido conhecimento técnico para detidamente tratar do objeto contratual e de suas necessidades, relaciona-se à ineficácia e à frustração do fim do Estado. O agente público deve conhecer das regras e das leis privadas que regulamentam o objeto da contratação para a feitura dos projetos e termos de referência.
O regime jurídico-administrativo das licitações e contratações públicas possuem peculiaridades não vistas nas demais atividades da administração pública. Possuem maior intersecção com o direito privado que as demais atividades do Estado. A afirmação se baseia em provas concretas, pois, efetivamente, os bens e serviços contratados por meio da licitação são serviços, em geral, somente praticados pela iniciativa privada, logo, regidos por normas de natureza privada. Inclusive, proíbe-se licitação de serviços cuja natureza tenha similaridade com cargos e funções públicas.
Quando o Estado quer intervir na atividade econômica o faz por meio das empresas públicas e/ou sociedades de economia mista. O liberalismo apregoa certo abstencionismo estatal, ressalvada a necessidade de intervenção no sentido de impedir arbitrariedades e o descontrole econômico. Não nos furtamos de afirmar que, quando determinado empresário contrata com a Administração, deverá voltar-se ao interesse público, incluindo neste a atividade empresarial. Contudo, tal questão não se relaciona ao direito de ser contratado em observância às regras de mercado. Não haveria interesse se a Administração pesasse suas prerrogativas de imperatividade e determinasse contratações que ocasionariam, inclusive, prejuízos aos empresários. Não olvidamos que o Estado não pode locupletar-se. Assim, o lucro justo é indispensável ao empresário, pois, com este, poderá contratar. Veda-se, porém, o lucro desmedido ou exacerbado, que ocasione prejuízo ao erário.
As regras do Edital de Licitação, bem como as outras normas que regulamentam a licitação, possuem também a finalidade de agente regulador da atividade econômica. O art. 174 da Constituição Federal preceitua que “Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”. A licitação serve, inclusive, como instrumento regulador do mercado governamental. Vê-se, portanto, que a unitariedade do sistema normativo faz com que todos os ramos do direito se aglomerem para a efetivação do direito, e o regime jurídico administrativo licitatório deve, necessariamente, abarcar e espraiar regras além de avocar institutos dos demais ramos do direito para complementar a finalidade legal.