1. A EXPERIÊNCIA DO DIREITO ROMANO
No direito romano, a gestão de negócios era um quase-contrato, criando um vínculo obrigatório de forma que eram sancionados por uma ação reipersecutória, mas delas se diferenciam por prescindir do consentimento das partes.
A gestão de negócios, como o mandato, surgiu quando, a partir do século VI, as ausências se multiplicaram devido à maior frequência de guerras longínquas e ao desenvolvimento do comércio, sobretudo do comércio marítimo. Reconheceu o pretor o interesse dos mortos e dos ausentes, em casos estritos, mas no fim da República foi alargada para compreender todos os atos de administração do patrimônio.
A gestão de negócios ocorre quando uma pessoa administra um ou mais negócios de uma outra sem dela haver recebido mandato. Não é necessário, no direito clássico, que a administração recaia sobre o patrimônio alheio em sua totalidade, podendo versar apenas sobre um certo negócio.
À gestão de negócios era sempre indispensável que houvesse um ato de ingerência em negócio alheio. A princípio, bastava a não oposição do dominus negotii, mais tarde, exigia-se a sua total ignorância, entendendo-se que o seu conhecimento configuraria o mandato. Era ainda indispensável que o negócio fosse alheio e que houvesse o propósito de geri-lo no interesse do dominus, de modo que a administração do negócio próprio na crença de ser alheio não constituía a gestão de negócios e tampouco a administração do negócio alheio no próprio interesse. Bastava que o dominus o iniciasse, pouco importando a obtenção de resultados proveitosos ou não. Contudo, desde que o negócio fosse alheio, era irrelevante o erro sobre a pessoa do dominus. Fazia-se necessário ainda que o gestor estivesse imbuído da intenção de criar obrigações para o dominus, agindo no espírito de fazer um negócio e não uma liberalidade.
A gestão de negócios cria para o gestor, as obrigações seguintes: prestar contas ao dominus e transferir-lhe todos os proveitos que acaso houvesse aferido; concluir a administração que iniciou e ter a diligência de um bom pai de família. Responde por dolo e culpa leve somente se os atos de administração fossem urgentemente exigidos e também por caso fortuito quando empreendeu negócios que o dominus não faria. Suas obrigações perduram após a morte do dominus.
O dominus, por sua vez, é obrigado a reembolsar o gestor de suas despesas e assumir todas as obrigações que ele contraiu durante a gestão na medida em que foram feitas em seu interesse. A ratificação pelo dominus dos atos do gestor equivale ao mandato, no sentido de que, depois dela, ao dominus não seria possível discordar dos atos que o gestor havia praticado.
As obrigações da negotiorum gestio eram sancionadas, no Império, por duas ações civis de boa-fé: as do gestor, com a actio negotiorum directa, que parece ter sido a mais antiga; as do dominus com a actio negotiorum gestorum contraria. Segundo os autores, ambas devem ter sido originalmente ações pretorianas in factum, que depois se tornaram de boa-fé ao passar para o direito civil. Justiniano alargou o domínio dessas ações, estabelecendo que pudessem ser intentadas mesmo quando faltasse ao gestor o animus aliena negotia gerendi (gestão objetiva, impura ou imprópria dos intérpretes) e sempre que faltasse entre as partes um vínculo contratual; as ações negotiorum gestio desvinculavam-se assim completamente da gestão, para se tornarem ações gerais utilizáveis na hipótese de enriquecimento injusto.
Uma forma especial de gestão realizava quem fizesse um funeral sem haver recebido qualquer mandato e sem o ânimo de agir pietatis causa, mas em lugar da pessoa encarregada desta tarefa. O pretor dava-lhe contra esta a actio funerária, para reembolsar as despesas feitas, que se aferiam na base da posição social e econômica do defunto. Justiniano permitiu que a ação funerária pudesse ser intentada ainda que o funeral fosse realizado prohibente domino, que não seria possível com a actio negotiorum gestorum.
2. A GESTÃO DE NEGÓCIOS E O CÓDIGO CIVIL DE 2002
A gestão de negócios ocorre quando uma pessoa, sem autorização do interessado, intervém na administração de negócio alheio, dirigindo-o segundo o interesse e a vontade presumível de seu dono, ficando responsável perante este e as pessoas com que tratar.
São pressupostos da gestão de negócios: o empenho no interesse de terceiro (que se trate de negócio alheio); a não autorização pelo dono, visto que é ato unilateral; a atuação do gestor a fim de alcançar o interesse e a vontade presumida do dono do negócio; a limitação da ação do gestor aos atos de natureza patrimonial e que tal intervenção decorra de uma necessidade ou utilidade.
Nota-se que o artigo 864 do CC, faz menção a comunicação do gestor do negócio ao dono do negócio: "Tanto que se possa, comunicará o gestor ao dono do negócio a gestão que assumiu, aguardando-lhe a resposta, se da espera não resultar perigo".
No Código Civil de 2002 é a gestão de negócios uma forma de ato unilateral (artigo 861 a 875).
Gestão de negócios é a intervenção não autorizada de uma pessoa (gestor de negócios) na direção dos negócios de uma outra (dona do negócio), feita segundo o interesse, a vontade presumível e por conta desta última (CC, artigo 861).
São seus pressupostos:
a) Ausência de qualquer convenção ou obrigação legal entre as partes a respeito do negócio gerido;
b) Inexistência de proibição ou oposição por parte do dono do negócio (artigo 861 a 862);
c) Vontade do gestor de gerir negócio alheio (CC, artigo 875, parágrafo único);
d) Caráter necessário da gestão;
e) Licitude e fungibilidade do objeto da gestão de negócios;
f) Ação do gestor limitada a atos de natureza patrimonial.
São obrigações do gestor perante o dominus negotii:
a) Administrar o negócio alheio de acordo com o interesse e a vontade presumível de seu dono (artigo 861);
b) Comunicar a gestão ao dono do negócio (artigo 864);
c) Continuar o negócio até a sua conclusão ou até receber instruções dos herdeiros do dominus (artigo 865);
d) Aplicar toda a sua diligência habitual na administração do negócio, ressarcindo os prejuízos que causar culposamente (artigo 866);
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e) Responder pelas faltas do substituto, se se fizer substituir (artigo 867);
f) Vincular-se solidariamente, se houver pluralidade de gestores (artigo 867, parágrafo único);
g) Responder por caso fortuito nas hipóteses do Código Civil (artigos 862 e 868, caput);
h) Prestar contas de sua gestão e devolver tudo o que tiver caído em suas mãos por efeito de sua gerência.
São direitos do gestor:
a) Reembolsar-se das despesas feitas na administração da coisa alheia;
b) Reaver a importância que pagou com despesas funerárias no caso do Código Civil (artigo 872, parágrafo único);
c) Obter restituição de que despendeu com alimentos na hipótese do Código Civil (artigos 871, 1694 e 305).
São deveres do dono do negócio para com o gestor:
a) Reembolsar o gestor das despesas necessárias e úteis que houver feito (CC, artigo 869, segunda parte, § § 1º e 2º);
b) Indenizar o gestor pelas despesas com os juros legais, se a gestão acudiu prejuízo iminente ou redundou em proveito do dominus ou da coisa (CC, artigo 870);
c) Pagar apenas as vantagens que tiver com a gestão, se seu negócio for conexo com o do gestor (artigo 875);
d) Indenizar o gestor dos prejuízos que sofreu por causa da gestão (artigo 869);
e) Substituir o gestor nas posições jurídicas por ele assumidas perante terceiros.
São deveres do dominus negotii:
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a) Exigir que o gestor restitua as coisas ao estado anterior ou o indenize da diferença se os prejuízos da gestão iniciada contra a sua vontade exercerem o seu proveito (artigo 863);
b) Ratificar (CC, artigo 873) ou desaprovar a gestão (CC, artigo 874).
São obrigações do gestor e do dono do negócio perante terceiro:
a) O gestor ficará responsável por tudo que contratou com terceiro em seu nome (artigo 861);
b) O dominus deverá assumir, perante terceiros, as obrigações contraídas pelo gestor em seu nome, desde que o negócio tenha sido utilmente administrado (art. 869).
Colho as observações de Ana Flávia Zóboli (Atos unilaterais: gestão de negócios), as quais adoto:
“Trata-se de intervenção em negócio alheio, sem autorização do titular. Alguns consideram essa conduta como um ato altruístico, mas não se pode negar que se aproxima muito do contrato de mandato. Pode configurar gestão de negócios: o vizinho que zela pela casa de quem se ausentou sem deixar notícias, o empregado que assume a direção da empresa da qual o patrão se ausentou repentinamente etc. Parecem fatos simples do cotidiano, mas que devem ser observados sob a égide da lei.
Nesse sentido, a definição do art. 861. do Código Civil: “Aquele que, sem autorização do interessado, intervém na gestão de negócio alheio, dirigi-lo-á segundo o interesse e a vontade presumível de seu dono, ficando responsável a este e às pessoas com quem tratar.”
Denomina-se “gestor de negócios” aquele que intervém, e “dono do negócio”, o respectivo titular. O gestor atua como representante, embora sem a investidura de poderes. Gestão de negócios é a administração oficiosa de interesses alheios. A conduta do gestor reveste-se de espontaneidade. Se tal conduta for contra a vontade manifesta ou presumível do dono, o gestor responderá até mesmo pelas perdas decorrentes de caso fortuito, salvo se provar que teriam sobrevindo independentemente de sua atividade. É o disposto no art. 862.
Não há relação contratual, por faltar o prévio acordo de vontades entre o gestor e o dono do negócio. Não há negócio jurídico, mas ato jurídico. Apenas atende-se a vontade presumida do dono. Na visão de Clóvis Beviláqua, há um mandato presumido, uma vez que o gestor procura fazer aquilo de que o dono do negócio o encarregaria, se tivesse conhecimento da necessidade de tomar providência reclamada pelas circunstâncias.
Na ocorrência de intervenção contra a vontade manifesta do dono, a tipificação na realidade é de ato ilícito. Sob tal premissa, o art. 863. estipula que se os prejuízos sobrepujarem às vantagens, o dono do negócio poderá exigir que o estranho reponha as coisas no estado anterior. A indenização deverá ocorrer na impossibilidade de reposição ao estado anterior”.
Assim para que se configure a gestão de negócios, será necessário:
Ausência de qualquer convenção ou obrigação legal entre as partes a respeito do negócio gerido, por que a gestão de negócios reclama uma intervenção voluntária, isto é, que o gestor interfira em situação jurídica alheia espontaneamente. Se estiver munido de procuração, ter-se-á mandato. Imprescindível, portanto, a falta de autorização representativa e o desconhecimento do dono do negócio, que deve ignorar a gestão.
Inexistência de proibição ou oposição por parte do dono do negócio, ante o fato da gestão de negócios constituir, pelo Código Civil, art. 861, o exercício de um ato pelo gestor segundo o interesse e a vontade presumível de seu dono. Deve haver, em regra, vontade presumida do dono do negócio, mas excepcionalmente ter-se-á gestão de negócios, mesmo havendo oposição do dominus negotii. Com efeito, estatui o Código Civil, no art. 862, que: “Se a gestão foi iniciada contra a vontade manifesta ou presumível do interessado, responderá o gestor até pelos casos fortuitos, não provando que teriam sobrevindo, ainda quando se houvesse abstido”.
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Vontade do gestor de gerir negócio alheio, quer se trate de um ou de vários assuntos, comportando-se como tal com o firme propósito de obrigar o dominus, não tendo, portanto, intenção de fazer pura liberalidade. Se o negócio for de interesse do gestor e não do dono do negócio, ter-se-á administração de negócio próprio. Pode ocorrer que os negócios nos quais o gestor interveio não sejam inteiramente alheios, mas conexos aos seus, de tal sorte que não possam ser geridos separadamente; haver-se-á, então, o gestor por sócio daquele cujos interesses agenciar de envolta com os seus. Prevalecerão, desta feita, as normas inerentes ao contrato de sociedade, e, neste caso, aquele em cujo benefício interveio o gestor só será obrigado na razão das vantagens que lograr (CC, art. 875, parágrafo único). Se houver dano e nenhum proveito, o gestor suportará os encargos.
Caráter necessário da gestão, pois a legitimação da intervenção de alguém em negócio alheio exige que ela tenha sido determinada por uma necessidade, e não por uma utilidade. Nosso Código Civil, ao prescrever no art. 869. que, “Se o negócio for utilmente administrado, cumprirá ao dono as obrigações contraídas em seu nome, reembolsando ao gestor as despesas necessárias ou úteis que houver feito, com os juros legais, desde o desembolso, respondendo ainda pelos prejuízos que este houver sofrido por causa da gestão”, refere-se à utilidade da intervenção do gestor, que foi provocada por uma necessidade patente. O gestor deverá exercer uma atividade com intenção de ser útil ao dono do negócio, agindo em proveito e no interesse dele, procurando fazer precisamente o que ele faria se não estivesse ausente.
Licitude e fungibilidade do objeto de negócios, pois além de ser lícito deverá ser fungível, ou seja, deverá tratar-se de negócio suscetível de ser realizado por terceiro, uma vez que a gestão de negócios não se coaduna com atos personalíssimos, que só podem ser praticados pelo dono do negócio.
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Ação do gestor limitada a atos de natureza patrimonial, pois os de natureza extrapatrimonial requerem a outorga de poderes. Os atos do gestor, em regra, são de mera administração, embora possam, às vezes, ser de disposição. A atividade do gestor concretizar-se-á, por exemplo, na realização de certos atos jurídicos, como empreitada, compra e venda, pagamentos, ou de simples atos materiais, como colheita de cereais, reparação de muro, abertura de vala etc.
O princípio geral determina que o gestor se conduza dentro dos moldes de mandatário, aplicando a diligência habitual do bonus pater familias (art. 866). Ressarcirá o dono de todo prejuízo resultante de culpa na gestão. Como gerente de patrimônio alheio, deve velar pelos bens como esmero maior que seus próprios bens. A esse respeito, impõe o art. 868, segunda parte, que responderá inclusive por caso fortuito, quando preterir interesse do dono do negócio “por amor dos seus”.
Dispõem o art. 873. que a ratificação pura e simples por parte do dono do negócio retroage ao dia do começo da gestão, e produz todos os efeitos do mandato. Portanto, com a aprovação da lei, presume que tenha havido mandato. Fora daí, desaprovada a gestão por contrária aos interesses do gestor, o Código manda que se apliquem os arts. 862. e 863, com a observação do estabelecido nos arts. 869 e 870. É mantido o mesmo princípio no Código em vigor. Em outros termos, havendo ratificação, aplicam-se os princípios do mandato. Sem ela, os princípios são aqueles especificados nas disposições do Código acerca da gestão de negócios. Por essa razão, referimo-nos ao divisor de águas que é a aprovação ou rejeição da gestão pelo dono.
A ratificação tem o condão de transferir ao dono os atos praticados pelo gestor. Constitui por si mesma um negócio jurídico unilateral irrevogável. Pode ser expressa ou tácita, decorrendo nessa hipótese de atos inequívocos do dominus.
Somente o dono do negócio, ou seu representante legal, ou com poderes especiais, pode ratificar a gestão. Se o dono é pessoa jurídica, a ratificação deve ser formalizada pelo órgão que a represente.
A morte do gestor extingue a gestão. Nada impede que a gestão seja exercida por pessoa jurídica, cuja extinção equivale à morte de pessoa natural. No entanto, nesse caso, a gestão pode e, nos casos urgentes, deve continuar por meio dos membros da pessoa jurídica em extinção.
Todavia, a morte ou mudança de estado do dono do negócio, por vezes até desconhecida do gestor, não a extingue, estabelecendo-se aí relação jurídica do gestor com os herdeiros ou representantes.
O dono do negócio possui ação direta de gestão de negócios (actio negotiorum directa) para declarar-lhe a extensão e eventuais prejuízos. O gestor tem contra o dono a ação contrária de gestão (actio negotiorum gestorum contraria), na qual pode pedir o reembolso das despesas necessárias e úteis e respectivos juros. O gestor tem direito de retenção sobre os bens, objeto da gestão, até completar-se seu ressarcimento.