1- INTRODUÇÃO
A intensificação das relações internacionais motivada pelo fenômeno da globalização aumentou a dependência entre os Estados, que se deparam a cada dia com novos problemas de cunho transnacional, os quais não podem resolver sozinhos, ou resolveriam melhor através da Cooperação de um Estado com o outro.
Segundo Nádia de Oliveira[1], o aumento da dependência entre os Estados e o inter-relacionamento de toda ordem comercial e pessoal entre os cidadãos resulta em ações com reflexos em mais de um país, e deixar de considerar os requerimentos de outras nações implicará, forçosamente, a mesma atitude por parte destas ante nossos pedidos. Para a autora, essa obrigação dos estados resulta de um dever de cooperação mútua para assegurar o pleno funcionamento da justiça, assegurando ao mesmo tempo, os direitos fundamentais protegidos no âmbito da Constituição e dos Tratados Internacionais.
Uma vez que os Estados, em regra, prezam por sua soberania, fazendo valer somente suas leis, atos e decisões judiciais nos limites de seu território, naturalmente surge a necessidade de um Estado cooperar com o outro para que possa ver efetivados seus próprios interesses. Neste sentido nos ensina o Professor André de Carvalho Ramos[2]:
“A Cooperação Jurídica Internacional é motivada pela existência de Estados soberanos, cujo poder restringe-se, em geral, aos limites do seu território, o que os impulsiona a solicitar cooperação dos demais para aplicar o direito em casos que envolvam condutas fora do seu território.” (RAMOS, André de Carvalho. O novo direito internacional privado e o conflito de fontes na cooperação jurídica internacional. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 108, p. 621-647, jan./dez. 2013)
Nesta perspectiva, o novo Código de Processo Civil brasileiro procurou tratar especificamente sobre a Cooperação Jurídica Internacional, trazendo importantes inovações e estabelecendo regras essenciais para utilização dos mecanismos cooperacionais, as quais serão o objeto de nosso estudo a seguir.
2 - A COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL NA DOUTRINA
Apesar de tratar especificamente da Cooperação Internacional, o novo Código de Processo Civil brasileiro não trouxe uma definição sobre o tema, cabendo assim buscar na doutrina a formação deste conceito.
Segundo Nádia de Araújo[3] o Direito Internacional Privado sempre foi considerado o locus adequado para tratar do tema da cooperação interjurisdicional, para a Autora, Cooperação Jurídica Internacional significa, em sentido amplo, o intercâmbio internacional para o cumprimento extraterritorial de medidas processuais provenientes do Judiciário de um Estado estrangeiro.
Para André de Carvalho Ramos[4] a Cooperação Jurídica Internacional é um conjunto de regras internacionais e nacionais que regem atos de colaboração entre Estados, ou mesmo entre Estados e organizações internacionais, com o objetivo de facilitar o acesso à justiça.
Importante também ressaltar a ampliação do conceito de Cooperação Jurídica Internacional para abranger os casos em que a Cooperação é realizada administrativamente, ou seja, feita diretamente pelas autoridades competentes, sem necessidade de intervenção do poder Judiciário. Neste sentido, Ricardo Perlingeiro[5] lembra que a efetividade da jurisdição, nacional ou estrangeira, pode depender do intercâmbio não apenas entre órgãos judiciais, mas também entre órgãos administrativos, ou, ainda, entre órgãos judiciais e administrativos, de Estados distintos.
3 - AS FORMAS DE COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL
O novo Código de Processo Civil brasileiro busca tornar mais célere e eficiente a cooperação entre os países, trazendo em seu texto além das hipóteses já consagradas na prática da Cooperação Internacional, norma genérica, possibilitando a cooperação através de qualquer tipo de pedido de natureza judicial ou extrajudicial, desde que não se trate de medida vedada pela legislação doméstica brasileira[6].
3.1 - AUXÍLIO DIRETO
Uma das maiores novidades trazidas pelo novo Código de Processo Civil foi a previsão expressa bem como a regulamentação do Auxílio Direto como mecanismo cooperacional. O cabimento de tal instituto encontra-se disciplinado no artigo 28 do novo código, vejamos:
Art. 28. Cabe auxílio direto quando a medida não decorrer diretamente de decisão de autoridade jurisdicional estrangeira a ser submetida a juízo de delibação no Brasil[7].
Para o Professor Luciano Menegueti Pereira[8], o Auxílio Direto consiste em um mecanismo cooperacional mais consentâneo à realidade atual, em razão de se tratar de um veículo de cooperação mais aberto, célere e efetivo, notadamente quando comparado a institutos cooperacionais tradicionais como a carta rogatória e a homologação de sentenças estrangeiras. O referido autor assim define tal instituto:
“o auxílio direto é um mecanismo cooperacional utilizado quando determinado Estado estrangeiro necessita de uma providência judicial (ou administrativa) a ser obtida em outra jurisdição, com a finalidade de instruir ou dar andamento a procedimento que tramita em seu próprio território, providência esta que será requerida por meio de comunicação direta entre as Autoridades Centrais dos países envolvidos, conforme estabelecido em tratados internacionais. Tem lugar, portanto, quando um Estado necessita que seja tomada, no território de outro Estado, providência relevante para um processo judicial em trâmite perante o seu Poder Judiciário” (PEREIRA, Luciano Meneguetti. A Cooperação Jurídica Internacional no novo Código de Processo Civil Revista CEJ, Brasília, Ano XIX, n. 67, p. 18-34, set./dez. 2015.)
O auxílio direito é um procedimento inteiramente nacional, que se incia com a solicitação de ente estrangeiro para que um juiz nacional conheça de seu pedido como se um procedimento interno fosse.
3.2 - CARTA ROGATÓRIA
Um dos mais conhecidos meios de Cooperação Internacional, as cartas rogatórias, de acordo com Nádia de Araújo[9] são um pedido formal de auxílio para a instrução de processo, feito pela autoridade judiciária de um Estado à outro.
Nos pedidos de cooperação realizados por cartas rogatórias, já existe um procedimento em trâmite no Estado estrangeiro, que por sua vez, solicita a outro Estado a realização de atos processuais em sua jurisdição.
O novo Código de Processo Civil disciplina a Carta Rogatória em seus artigos 35 e 36, sendo que o artigo 35 sofreu veto presidencial com a promulgação do código. O referido artigo trazia a seguinte redação:
“Art. 35. Dar-se-á por meio de carta rogatória o pedido de cooperação entre órgão jurisdicional brasileiro e órgão jurisdicional estrangeiro para prática de ato de citação, intimação, notificação judicial, colheita de provas, obtenção de informações e cumprimento de decisão interlocutória, sempre que o ato estrangeiro constituir decisão a ser executada no Brasil.”[10]
O Ministério da Justiça e a Advocacia Geral da União assim manifestaram suas razões para o veto: “Consultados o Ministério Público Federal e o Superior Tribunal de Justiça, entendeu-se que o dispositivo impõe que determinados atos sejam praticados exclusivamente por meio de carta rogatória, o que afetaria a celeridade e efetividade da cooperação jurídica internacional que, nesses casos, poderia ser processada pela via do auxílio direto”[11]
No artigo 36, o Código disciplina como deve se dar o procedimento da Carta Rogatória, vejamos:
Art. 36. O procedimento da carta rogatória perante o Superior Tribunal de Justiça é de jurisdição contenciosa e deve assegurar às partes as garantias do devido processo legal.
§ 1o A defesa restringir-se-á à discussão quanto ao atendimento dos requisitos para que o pronunciamento judicial estrangeiro produza efeitos no Brasil.
§ 2o Em qualquer hipótese, é vedada a revisão do mérito do pronunciamento judicial estrangeiro pela autoridade judiciária brasileira.
Sobre o cumprimento da Carta Rogatória, Nádia de Araújo[12] nos explica que a carta deverá cumprir os requisitos da lei brasileira, além de conformar-se, naquilo que for específico, com a legislação alienígena. Segundo a autora, enquanto a legislação do país de origem lhe determina a forma e o modo de encaminhamento, a do país de destino cuida do seu recebimento e cumprimento, além de investigar o conteúdo, para saber da possiblidade de realização dos atos solicitados.
3.3 - HOMOLOGAÇÃO DE DECISÃO ESTRANGEIRA
Outra forma de cooperação jurídica é a Homologação de Decisão Estrangeira, que se trata de processo necessário para dar eficácia, no território brasileiro, a decisões proferidas no estrangeiro. Vejamos o disposto Caput do artigo 961 do novo código:
Art. 961. A decisão estrangeira somente terá eficácia no Brasil após a homologação de sentença estrangeira ou a concessão do exequatur às cartas rogatórias, salvo disposição em sentido contrário de lei ou tratado[13].
Como podemos perceber, em regra, o procedimento de Homologação de Decisão Estrangeira é indispensável para garantir a eficácia e permitir a execução de decisão proferida no exterior no território brasileiro. Porém, a exceção à esta regra encontra-se fixada no §5º do mesmo artigo que estabelece que “a sentença estrangeira de divórcio consensual produz efeitos no Brasil, independentemente de homologação pelo Superior Tribunal de Justiça[14].” Neste caso, deverá ser observado o disposto no §6º do mesmo dispositivo legal, vejamos:
Art. 961. A decisão estrangeira somente terá eficácia no Brasil após a homologação de sentença estrangeira ou a concessão do exequatur às cartas rogatórias, salvo disposição em sentido contrário de lei ou tratado.
[...]
§ 5o A sentença estrangeira de divórcio consensual produz efeitos no Brasil, independentemente de homologação pelo Superior Tribunal de Justiça.
§ 6o Na hipótese do § 5o, competirá a qualquer juiz examinar a validade da decisão, em caráter principal ou incidental, quando essa questão for suscitada em processo de sua competência[15].
Importante ressaltar a diferença existente entre o instituto da Homologação de Decisão estrangeira da Carta Rogatória, pois a Homologação consiste no reconhecimento da decisão estrangeira de caráter terminativo, enquanto a Carta Rogatória busca o reconhecimento e cumprimento de decisões interlocutórias proferidas pela Justiça estrangeira.
Importante também ressaltar o disposto no Caput do artigo 964 do novo código, que apresenta a impossibilidade de homologação de decisão estrangeira na hipótese de competência exclusiva da autoridade judiciária brasileira.
De acordo com o professor Luciano Menegueti Pereira[16], dois pontos trazidos pela redação do novo Código de Processo Civil configuraram um verdadeiro avanço com relação à matéria em questão e merecem ser destacados. Um deles é a previsão expressa sobre a possibilidade de homologação parcial de decisões estrangeiras, elencada no §2º do artigo 961 do novo código. Outro ponto que segundo o autor merece destaque é a possibilidade da concessão de tutelas de urgência no procedimento de Homologação de Decisão Estrangeira disposta nos §§2º e 3º do artigo 962 do novo código, onde o legislador prevê a possibilidade da execução de medida de urgência sem audiência do réu, desde que garantido o contraditório em momento posterior e limita a competência ao juízo sobre a urgência da medida exclusivamente à autoridade prolatora da decisão estrangeira, não cabendo à autoridade brasileira, portanto, emitir juízo de valor sobre a urgência da medida solicitada.
4 - CONCLUSÃO
O presente trabalho buscou analisar os principais mecanismos de cooperação internacional na forma em que foram trazidos pelo novo Código de Processo Civil.
A Cooperação Jurídica Internacional mostra-se como um grande exemplo do dinamismo da ciência jurídica, pois com o crescimento do mundo globalizado e o grande aumento das demandas envolvendo interesses de diferentes países, estes veem-se obrigados a buscar cada vez mais soluções multilaterais para problemas globais, tornando este tipo de procedimento cada vez mais comum entre as nações.
A institucionalização da Cooperação Jurídica Internacional pelo novo Código de Processo Civil mostra-se como um grande avanço ao nosso ordenamento jurídico, pois diminuiu aspectos burocráticos possibilitando melhores relações com outros países, buscando assim uma reciprocidade por parte destes na defesa de seus interesses e garantia do pleno acesso à justiça de seus nacionais, sem perder com isto sua soberania.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Nadia de. Direito Internacional Privado: teoria e prática brasileira 5ª ed. Atualizada e ampliada, Rio de Janeiro: Renovar, 2014
BRASIL Código de Processo Civil, Lei nº 13.105/2015, Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm, Acesso em 30 out. 2016.
BRASIL Presidência da República, Mensagem nº 56 de 16 de Março de 2015, Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/Msg/VEP-56.htm Acesso em 30 out 2016.
PEREIRA, Luciano Meneguetti. A Cooperação Jurídica Internacional no novo Código de Processo Civil Revista CEJ, Brasília, Ano XIX, n. 67, p. 18-34, set./dez. 2015.
RAMOS, André de Carvalho. O novo direito internacional privado e o conflito de fontes na cooperação jurídica internacional. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 108, p. 621-647, jan./dez. 2013
SILVA, Ricardo Perlingeiro Mendes da. Cooperação jurídica internacional e auxílio direto. Revista CEJ, Brasília, v. 10, n. 32, p. 75-79, jan./mar. 2006.
Notas
[1] ARAÚJO, Nadia de. Direito Internacional Privado: teoria e prática brasileira 5ª ed. Atualizada e ampliada, Rio de Janeiro: Renovar, 2014, pág. 293.
[2] RAMOS, André de Carvalho. O novo direito internacional privado e o conflito de fontes na cooperação jurídica internacional. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 108, p. 621-647, jan./dez. 2013
[3] ARAÚJO, Nadia de. Direito Internacional Privado: teoria e prática brasileira 5ª ed. Atualizada e ampliada, Rio de Janeiro: Renovar, 2014, pág. 292
[4] RAMOS, André de Carvalho. Citação retirada do Artigo Científico “A Cooperação Jurídica Internacional no novo Código de Processo Civil” do Professor Luciano Meneguetti Pereira, Revista CEJ, Brasília, Ano XIX, n. 67, p. 18-34, set./dez. 2015.
[5] SILVA, Ricardo Perlingeiro Mendes da. Cooperação jurídica internacional e auxílio direto. Revista CEJ, Brasília, v. 10, n. 32, p. 75-79, jan./mar. 2006.
[6] PEREIRA, Luciano Meneguetti. A Cooperação Jurídica Internacional no novo Código de Processo Civil Revista CEJ, Brasília, Ano XIX, n. 67, p. 18-34, set./dez. 2015.
[7] BRASIL Código de Processo Civil, Lei nº 13.105/2015, Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm, Acesso em 30 out. 2016
[8] PEREIRA, Luciano Meneguetti. A Cooperação Jurídica Internacional no novo Código de Processo Civil Revista CEJ, Brasília, Ano XIX, n. 67, p. 18-34, set./dez. 2015.
[9] ARAÚJO, Nadia de. Direito Internacional Privado: teoria e prática brasileira 5ª ed. Atualizada e ampliada, Rio de Janeiro: Renovar, 2014, pág. 303
[10] BRASIL Código de Processo Civil, Lei nº 13.105/2015, Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm, Acesso em: 30 out. 2016.
[11] BRASIL Presidência da República, Mensagem nº 56 de 16 de Março de 2015, Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/Msg/VEP-56.htm Acesso em 30 out 2016.
[12] ARAÚJO, Nadia de. Direito Internacional Privado: teoria e prática brasileira 5ª ed. Atualizada e ampliada, Rio de Janeiro: Renovar, 2014, pág. 304
[13] BRASIL Código de Processo Civil, Lei nº 13.105/2015, Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm, Acesso em: 30 out. 2016.
[14] BRASIL Código de Processo Civil, Art. 961 §5º,Lei nº 13.105/2015, Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm, Acesso em: 30 out. 2016.
[15] BRASIL Código de Processo Civil, Lei nº 13.105/2015, Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm, Acesso em: 30 out. 2016.
[16] PEREIRA, Luciano Meneguetti. A Cooperação Jurídica Internacional no novo Código de Processo Civil Revista CEJ, Brasília, Ano XIX, n. 67, p. 18-34, set./dez. 2015.