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Execução provisória da pena privativa de liberdade e o princípio da presunção de inocência frente ao HC 126.292/SP

Agenda 14/11/2016 às 12:04

O recente julgamento do Habeas Corpus nº 126.292/SP pelo Supremo Tribunal Federal provocou uma convulsão no âmbito jurídico ao alterar entendimento já consolidado da mesma Corte sobre o tema da execução provisória da pena.

1.INTRODUÇÃO

O recente julgamento do Habeas Corpus nº 126.292/SP pelo Supremo Tribunal Federal provocou uma convulsão no âmbito jurídico ao alterar entendimento já consolidado da mesma Corte sobre o tema da execução provisória da pena. Nesta oportunidade, decidiu o Pretório Excelso ser possível o início da execução penal desde que haja acórdão condenatório proferido por órgão colegiado, o que - para muitos juristas e doutrinadores - representa manifesta afronta à presunção de inocência, princípio constitucional informador do sistema processual penal brasileiro, segundo o qual somente o trânsito em julgado da sentença permite seja o réu tido como culpado.

Diante, pois, da relevância e atualidade do debate que se lançou, o presente estudo se propõe a minudenciar a decisão em tela, num traçado que percorrerá os principais conceitos e institutos do ordenamento jurídico brasileiro em suas searas penal, processual penal e constitucional.

De início, será examinado o Princípio da Presunção de Inocência e sua razão de ser na atividade estatal de persecução penal. Compreendida a amplitude deste princípio no sistema jurídico pátrio, far-se-á, então, um detalhamento da decisão prolatada em sede do Habeas Corpus nº 126.292/SP, indicando os principais argumentos apresentados pelos membros da máxima corte brasileira.

Desta feita, pretende-se verificar se, na mudança paradigmática provocada pela decisão estudada, houve inconteste violação ao estado de inocência garantido pela Constituição Federal, se apenas mitigação do mesmo ou se de forma alguma o princípio foi atingido.

Para o estudo do tema, pretende-se desenvolver uma pesquisa de cunho bibliográfico, com análise doutrinária e jurisprudencial. Mister, também, fazer um estudo da legislação pertinente, mormente dos dispositivos constantes na Constituição Federal e Códigos Penal e Processual Penal no que tange a matéria.

1.1. Problema

Vem esculpido na Constituição Cidadã de 1988, em seu famigerado artigo 5º, inciso LVII, o seguinte mandamento aqui reproduzido, ipsis litteris:

Art. 5º, LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (BRASIL, 1988, grifo nosso).

Este princípio, qual seja, a presunção de inocência ou não culpabilidade, ganhou espaço no ordenamento jurídico pátrio com a adesão do Brasil à Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, cujo art. 11.1 traz o seguinte comando:

Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não se prova sua culpabilidade, de acordo com a lei e em processo público no qual se assegurem todas as garantias necessárias para sua defesa (1948).

Mais do que um direito fundamental e uma garantia processual, tal princípio representa uma conquista do Estado democrático de Direito. A partir dela, os cidadãos puderam desatar as amarras que os prendiam a um estado de insegurança e vulnerabilidade ante os poderes quase que ilimitados da máquina estatal. Tanto que também o ordenamento infraconstitucional destinado especificamente a cuidar da persecução penal adotou a ideia, conforme se lê no artigo 238 do Código de Processo Penal brasileiro:

Art. 238: Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. (BRASIL, 1941, grifo nosso)

É bem verdade que a paz social é ameaçada não só pelos delitos – que inevitavelmente serão praticados, e merecem ser punidos -, mas também pela aplicação de penas arbitrárias, injustas ou desproporcionais. Nesse sentido é que se faz primordial que sejam fielmente observados os princípios informadores do processo penal, tais como o do contraditório e da ampla defesa, o da legalidade e o da presunção de inocência, que garantem ao acusado a manutenção - ainda que mínima - de sua dignidade num processo por si só tão despojado de aspectos de humanidade.

No entanto, eis que o recente julgamento do HC 126.292/SP lançou diversas questões sobre a dimensão desses já mencionados princípios e sobre uma possível necessidade de abertura em relação aos mesmos, para que os também efeitos práticos do processo penal sejam otimizados.

Em linhas gerais, o caso em tela trata de uma determinação do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para que se executasse imediatamente, em sede provisória, a prisão do acusado que havia apelado da decisão de primeira instância, o que ensejou a impetração do referido habeas corpus. A decisão do Tribunal entrou em conflito com entendimento já consagrado do STF, para o qual até então a prisão decorrente de condenação não prescindiria do trânsito em julgado da sentença. Estando, pois, pendentes possíveis recursos extraordinário ou especial à instância superior, não haveria que se falar em execução de pena de réu condenado em segunda instância.

Nesse julgamento, porém, a decisão dos Ministros andou em sentido diametralmente oposto ao que vinha entendendo aquela Corte, e foi favorável a que a pena privativa de liberdade pudesse ser executada, ainda que não exauridas todas as vias recursais. Sustentou-se, basicamente, que na última instância não há reexame da matéria fática, tendo o recurso mero efeito devolutivo. Ademais, frisou-se que há que se combater a impunidade que se verifica no país, dado o grande número de recursos cabíveis até o trânsito em julgado da sentença, numa tentativa de protelar a decisão final ou de que a ação penal seja atingida pela prescrição.

Os problemas que se colocam e que se pretende discutir neste trabalho, então, são: até que ponto o novo entendimento jurisprudencial atinge o princípio da presunção de inocência no curso da persecução penal? Pode haver um equilíbrio entre a observância a este princípio constitucional e a efetividade da função jurisdicional penal, dado o clamor social pelo combate à impunidade?

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Ainda nessa esteira: a literalidade da exigência do trânsito em julgado da sentença penal condenatória deve se sobrepor a uma possível interpretação teleológica, em que o fim colimado é tão caro à sociedade como o é a efetividade do sistema penal?


2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A organização do homem em sociedade fez com que as questões envolvendo a liberdade dos indivíduos que a compunham sempre fossem temas centrais nas diversas teorias sobre o Estado. Desde as formas mais incipientes de estruturação sistemática das coletividades, buscou-se encontrar o limite ideal ao exercício dessas liberdades.

Assim, há uma busca constante pelo equilíbrio na atuação estatal, de modo que não se tolha por completo o agir dos indivíduos - com a consequente exacerbação do poder concedido aos seus governantes -, mas, ao mesmo tempo, que confira a estes o espaço necessário e a legitimidade para agir no interesse de seu povo, mesmo que à custa do cerceamento de alguns aspectos da liberdade dos seus entes.

Nesse sentido, foi longo o caminho percorrido até que se chegasse à atual conjuntura do Estado Democrático de Direito, no qual se vislumbra a tão necessária atuação estatal em compasso com o igualmente imprescindível respeito aos direitos fundamentais atribuídos a cada pessoa, em respeito à dignidade humana.

Desses direitos tão caros a todo e qualquer sujeito, convém destacar aqui aquele que o impede de ser encarcerado em razão de acusação de haver cometido infração penal e, logo, desprovido de sua liberdade de estar no meio social sem que para tanto haja a certeza da sua culpa, demonstrada ao longo do devido processo penal, e retratada em decisão judicial irrecorrível, ou seja, transitada em julgado.

Este direito é salvaguardado pelo famigerado Princípio da Presunção de Inocência ou da Não Culpabilidade, contemplado tanto na legislação pátria constitucional e ordinária, quanto em tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Tal princípio faz parte de um conjunto de garantias asseguradas aos indivíduos, e que compõem uma opção ético-política adotada pelo Estado em favor dos valores normativamente por eles tutelados (FERRAJOLI, 2002).

Segundo Ferrajoli, essas garantias do direito penal atendem à função precípua de “condicionar ou vincular o exercício absoluto da potestade punitiva” (2002, p. 74). Portanto, ao contrário do que se poderia cogitar, esse conjunto principiológico normatizado se põe muito mais a uma deslegitimação do jus puniendi estatal do que propriamente à sua permissão ou legitimação.

A partir dessa noção geral do papel dos princípios penais em relação à atividade estatal, propõe-se uma análise do Princípio da Presunção de Inocência e de sua relevância na consecução dos fins do Estado Democrático de Direito.

A literalidade deste princípio, insculpido no art. 5º, LVII, da Carta Magna, prevê que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (BRASIL, 1988).  Disso decorre que, nas palavras de Ferrajoli, “a culpa, e não a inocência, deve ser demonstrada, e é a prova da culpa - ao invés da de inocência, presumida desde o início - que forma o objeto do juízo” (FERRAJOLI, 2002, p. 441).

É fundamental para o objetivo do trabalho que se pretende desenvolver o entendimento de que o princípio em apreço

representa o fruto de uma opção garantista a favor da tutela da imunidade dos inocentes, ainda que ao custo da impunidade de algum culpado. “Basta ao corpo social que os culpados sejam geralmente punidos", escreveu Lauzé di Peret, "pois é seu maior interesse que todos os inocentes sem exceção sejam protegidos".  (FERRAJOLI, 2002, p. 441)

Destarte, resta óbvio o escopo fundamental de, com esse princípio, proteger a liberdade do sujeito que, até que reste provado o contrário em sentença transitada em julgado, é inocente. Por meio dele, atende-se também à missão do Estado de garantir aos que se encontram sob seu jugo a segurança jurídica de que necessitam para que não vivam em constante instabilidade e incerteza, sob o risco de serem privados de seus direitos e sujeitados ao arbítrio da máquina estatal e daqueles que a movem inspirados pelo poder, e não necessariamente pela justiça.

Insta, por fim, salientar que a presunção de inocência adquire um status de direito fundamental multifacetário, que se manifesta como regra de julgamento, de processo e de tratamento, conferindo ao acusado um estado de inocência que o cerca de um amplo espectro de garantias processuais, sem que com isso criem-se óbices ao combate legítimo e efetivo da criminalidade (TÁVORA, 2013).

Sobre esse espectro de garantias, a lição infra transcrita:

Do princípio da presunção de inocência derivam duas regras fundamentais: a regra probatória, ou de juízo, segundo a qual a parte acusadora tem o ônus de demonstrar a culpabilidade do acusado - e não este de provar sua inocência - e a regra de tratamento, segundo a qual ninguém pode ser considerado culpado senão depois de sentença com trânsito em julgado, o que impede qualquer antecipação de juízo condenatório ou de culpabilidade (TÁVORA, 2013, p. 55)

Assim, a tutela da imunidade dos inocentes deve ser ampla, intangível e protegida acima de qualquer outro sentimento ou valor que queira se sobrepor a esta garantia de liberdade.

A importância dessa proteção se mostra mais clara quando os clamores sociais se posicionam contra o estado de inocência de certos acusados, especialmente nos casos em que há uma maior comoção pública e certa exacerbação de apelo midiático. Não raro, há uma condenação prévia do sujeito acusado de um crime, tratado desde logo com culpado, e isso se deve ao fato de que existe uma cultura já disseminada que apoia a justiça feita com as próprias mãos e a desumanidade do tratamento aos suspeitos e aos condenados.

Tem-se, erroneamente, a ideia de que a imediatez de um julgamento seria equivalente à justeza do mesmo e à extrema eficiência dos órgãos encarregados da persecução penal. Outrossim, que o envio de criminosos às cadeias superlotadas de nosso país seria a solução perfeita ao problema da criminalidade.

Assim, a superficialidade com que frequentemente se aborda a questão do crime e de seu respectivo castigo faz com que não se atente para o potencial extremamente lesivo que o progressivo encarceramento da população representa para uma sociedade. E isso é fruto de uma imatura caminhada rumo à superação das falsas ideias amplamente propugnadas de que a pena ressocializa, intimida o infrator, o reeduca ou que, por meio dela, evita-se o crime.

Desmascarados estes falsos ideais, e levada em consideração a falha explícita de todo o sistema, a prisão, se desnudada, torna-se apenas uma arma do Estado com finalidade de punição. Desta feita, a falência do que deveria ser a sua função, deveria gerar um influxo de contenção desse poder punitivo do Estado, e não a sua inflamação.

Isto posto, tendo sido brevemente abordado parte do plano de fundo que envolve a questão central deste trabalho, cumpre agora analisar o fato que ensejou enriquecedores debates no mundo jurídico, inclusive a feitura deste trabalho: o recente julgamento do Habeas Corpus 126.292/SP pelo Supremo Tribunal Federal, e a mudança jurisprudencial que o acompanhou.

O Supremo Tribunal Federal julgou, no dia 17 de fevereiro de 2016, o Habeas Corpus de nº 126.292, alterando, por sete votos a quatro, a jurisprudência até então mantida, afirmando que é possível a execução da pena após decisão condenatória confirmada em segunda instância.

Neste processo, votaram a favor da mudança jurisprudencial Teori Zavascki (como relator), os ministros Edson Fachin, Luís Roberto, Barroso, Dias Toffoli, Luiz Fux, Cármen Lúcia, e Gilmar Mendes.

Os que se manifestaram em defesa da decisão, justificaram suas ideias com os mesmos argumentos trazidos no julgado do HC 84.078/09 (oportunidade em que se concretizou entendimento até então vigente) de que aquele que for condenado em sentença de segundo grau, já é considerado culpado, pois nas instâncias superiores somente cabe recurso especial e extraordinário, que não discutem matéria de fato, não permitem “reexame de prova”, e não têm efeito suspensivo.

Pois bem, quanto a isso, explica Lopes Jr (2016) que o caráter extraordinário destes recursos não modifica ou influencia no conceito de trânsito em julgado, que permanece sendo o marco necessário para o início do tratamento de culpado para com um indivíduo. E em se tratando de os recursos não possuírem efeito suspensivo, demonstra que o artigo 27, §2° da Lei 8038, que diz “Os recursos extraordinário e especial serão recebidos no efeito devolutivo.” (BRASIL, 1990), não é aplicável ao processo penal, por desconsiderar suas categorias jurídicas próprias, ainda deve-se assimilar que o fato de prender alguém que antes do trânsito em julgado, não sendo em caráter cautelar, não se simplifica em mero conflito de um efeito recursal. Isto porque se trata de um Estado no qual sua Carta Magna preza pelos direitos e liberdades individuais, tratar da liberdade de uma pessoa ultrapassa a linha que caracteriza estes efeitos, tornando a lembrar que é impossível a devolução do tempo que foi tomado do imputado, se, ao final de um processo, a decisão for anulada, sua pena reduzida ou seu regime alterado. Aí se encontra o porquê de não se mesclarem as características do processo civil com o processo penal.

 Data vênia, para aqui citar, em parte, o voto de Lewandowski (2016, p.9)

[...] Quer dizer, em se tratando de liberdade, nós estamos decidindo que a pessoa tem que ser provisoriamente presa, passa presa durante anos, e anos, e anos a fio e, eventualmente, depois, mantidas essas estatísticas, com a possibilidade que se aproxima de ¼ de absolvição, não terá nenhuma possibilidade de ver restituído esse tempo em que se encontrou sob a custódia do Estado em condições absolutamente miseráveis, se me permite o termo.                                

Outro argumento trazido pelos ministros que se filiaram a esse posicionamento baseou-se num comparativo com os outros países. Nesse aspecto, no entanto, é válido considerar as incontáveis diferenças entre os sistemas jurídicos em análise, sobretudo no que diz respeito ao sistema carcerário e à diversidade de políticas criminais e processuais existentes nos mesmos. Além disso, cabe recordar que a Constituição brasileira prevê expressamente, diferente das Constituições invocadas, a presunção de inocência até o trânsito em julgado, bastando esta peculiaridade para frustrar em todo este direito comparado. Nesse sentido, trecho do voto do douto Ministro Celso de Mello (2016, p. 9):

É por isso que se mostra inadequado invocar-se a prática e a experiência registradas nos Estados Unidos da América e na França, entre outros Estados democráticos, cujas Constituições, ao contrário da nossa, não impõem a necessária observância do trânsito em julgado da condenação criminal. Mais intensa, portanto, no modelo constitucional brasileiro, a proteção à presunção de inocência.

Conjecturas e divagações à parte, o argumento mais plausível e coerente foi trazido pelo Ministro Marco Aurélio, cujas valedouras palavras se reproduzem:

Por que, em passado recente, o Tribunal assentou a impossibilidade, levando inclusive o Superior Tribunal de Justiça a rever a jurisprudência pacificada, de ter-se a execução provisória da pena? Porque, no rol principal das garantias constitucionais da Constituição de 1988, tem-se, em bom vernáculo, que “ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença condenatória”.

O preceito, a meu ver, não permite interpretações. Há uma máxima, em termos de noção de interpretação, de hermenêutica, segundo a qual, onde o texto é claro e preciso, cessa a interpretação, sob pena de se reescrever a norma jurídica, e, no caso, o preceito constitucional (HC 126.292, 2016, p. 2)

Nesta mesma esteira, está a lição clássica, porém sempre atual, de Beccaria, que afirmou em sua famigerada obra que “se o juiz for constrangido a fazer um raciocínio a mais, ou se o fizer por conta própria, tudo se torna incerto e obscuro” (2002, p. 11).

Na sequência, fornece o ilustríssimo doutrinador importante conselho aos operadores do Direito, em especial àqueles encarregados de zelar a Constituição Federal, ao afirmar que “seguindo a letra da lei, não se terá ao menos que temer esses raciocínios perniciosos, nem essa licença envenenada de tudo explicar de maneira arbitrária e muitas vezes com intenção venal” (BECCARIA, 2002, p.12).

Seguindo, portanto, a máxima orientadora da hermenêutica “in claris cessat interpretatio”, não há que se abrir espaço para a discricionariedade do Judiciário, permitindo que este invada a seara própria do Legislativo e crie norma ao seu alvitre. Se há norma a ser criada ou modificada, se o processo penal merece ser revisado para que se apresente mais célere, que a iniciativa brote de onde é legítimo, do Legislativo. Cabe ressaltar, inclusive, que proposta atinente a esta matéria já foi cogitada, mas não prosperou nas Casas Legislativas.

Sob o pretexto de combater a morosidade da Justiça, os recursos meramente protelatórios e a impunidade de criminosos, satisfazendo, com isso, os apelos do povo por um Judiciário mais eficiente, não se pode relativizar norma constitucional clara e perfeitamente compreensível. A exigência do trânsito em julgado para a superação do estado de inocência de um condenado em processo penal é bastante simples e óbvia, e, consoante lição de Beccaria já explicitada, qualquer raciocínio a mais torna tudo incerto e obscuro, cabendo ao juiz apenas fazer um silogismo perfeito.

Conclui-se, enfim, que a mudança jurisprudencial vivenciada pelo ordenamento pátrio em decorrência do julgamento do Habeas Corpus 126.292/SP, no corrente ano, representou não apenas a mitigação, mas verdadeira afronta ao Princípio da Presunção de Inocência, constitucionalmente previsto, porquanto não cabe falar em mitigação de norma constitucional.

Nunca é demais enfatizar que diante do poder de punição como um fim a ser alcançado em si mesmo, somado à falha que reveste o Sistema Penal, é imprescindível a aplicação do princípio basilar do Direito Penal, o instituto da Presunção de Inocência, porquanto “o risco de condenação de um inocente há de merecer muitos e maiores cuidados que o risco da absolvição de um culpado” (PACELLI, 2014, p.34).

Mister, ainda, assimilar que em uma sociedade imediatista, deve ser respeitado o tempo do Direito, de forma que é óbvio que este não acompanhará a sede de justiça instantânea e hiperacelerada do povo, que talvez a prisão prematura de um acusado possa falsamente conceder. Outrossim, que é papel do Estado comprovar a culpabilidade do indivíduo, e não o contrário.

Faz-se, portanto, necessário encontrar um ponto de equilíbrio entre a morosidade jurisdicional e a justiça, mas sabendo que o caminho para isto não é o atropelo de direitos e garantias fundamentais consagrados na Carta Magna.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. São Paulo: Editora CD, 2002.

BRASIL. Código de Processo Penal. In: CURIA, Luiz Roberto; CÉSPEDES, Lívia; NICOLETTI, Juliana (orgs.). Vade mecum. 19. ed. São Paulo: Saraiva.

______. Constituição da República Federativa do Brasil. In: CURIA, Luiz Roberto; CÉSPEDES, Lívia; NICOLETTI, Juliana (orgs.). Vade mecum. 19. ed. São Paulo: Saraiva.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão : teoria do garantismo penal. 3.ed. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2002.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal I. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. 8.ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2013.

Sobre a autora
Hannah Maria de Araújo Carvalho

Bacharelanda em Direito - Universidade Federal do Piauí

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Hannah Maria Araújo. Execução provisória da pena privativa de liberdade e o princípio da presunção de inocência frente ao HC 126.292/SP. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4884, 14 nov. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/53629. Acesso em: 22 dez. 2024.

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