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Transação penal e composição civil dos danos nos Juizados Especiais Criminais

Reflexões sobre os institutos da composição civil dos danos e da transação penal no âmbito dos Juizados Especiais Criminais, mediante a análise das medidas despenalizadoras enquanto alternativas à privação de liberdade.

1 – Introdução

Por meio da pesquisa materializada neste artigo, buscou-se analisar os institutos da composição civil dos danos causados por infrações penais, bem como da transação penal no âmbito dos Juizados Especiais Criminais. Contudo, antes de adentrar no tema, se faz necessário tecer alguns comentários sobre este órgão jurisdicional, analisando seus princípios e objetivos.

Esses Juizados nada mais são do que órgãos da Justiça que julgam algumas infrações penais, aquelas de menor potencial ofensivo, objetivando a rapidez na resolução do processo, assim como a reparação do dano causado à vitima. Sempre buscando um acordo, a sua criação esta prevista na Constituição Federal de 1988 no seu artigo 98 e também pela Lei 9.099/95, na Justiça Estadual, e Lei 10.259/2001, que trata dos Juizados Especiais Federais.

O objetivo desse Juizado é por em pratica o principio da intervenção mínima, ou seja, a tradicional jurisdição de conflito é deixada de lado e é colocado em prática o acordo e a reparação voluntária dos danos causados à vitima e a aplicação de pena não privativa de liberdade. Neste sentido, o objeto central do chamado JECRIM é tornar desnecessária a instauração de um processo penal.

  O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, julgamento e execução das infrações penais de menor potencial ofensivo. É prevista ainda, no art. 92 da Lei 9.099/95, a aplicação subsidiária do Código Penal e Código Processo Penal, no que forem incompatíveis com esta Lei.

Existem alguns critérios norteadores no Juizado Especial. São eles: oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade.

Conforme o exposto, a competência do juizado especial é fixada, em síntese, com base em dois aspectos: natureza da infração (menor potencial ofensivo) e inexistência de circunstancia especial que desloque a causa para o juízo comum (acusado não encontrado para ser citado, ou circunstâncias do caso). Outro aspecto importante é a competência do JECRIM quanto ao lugar da ação, onde é aceita a teoria da atividade. Considera-se o lugar do crime onde a ação ou omissão foi praticada.

Portanto, são de competência do JECRIM as infrações penais de menor potencial ofensivo, assim entendidos os crimes e contravenções penais a que a lei comine pena máxima em abstrato de até 02 (dois) anos, cumulada ou não com multa, submetidos ou não a procedimento especial. Porem, são excluídas as hipóteses de que trata a Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), ou seja, os casos de violência doméstica familiar contra mulher.

Ao adentrar na natureza dos atos que podem acarretar, como consequência, uma penalidade, é necessário analisar o que a lei de Introdução ao Código Penal, Lei nº 3,914/41 que prevê em seu artigo 1º, in verbis:

“Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente”.

A Lei nº 10.259, de 12.7.2001, regulamentando os Juizados Especiais Cíveis e Criminais na esfera Federal, estabeleceu em ser art. 2°, parágrafo único que: “Consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa”.

Os crimes de menor potencial ofensivo são os de menor relevância, julgados e processados pelos Juizados Especiais Criminais. As chamadas “infrações de menor potencial ofensivo” têm disciplina própria na processualística brasileira. As medidas despenalizadoras (indiretas) deferidas pela lei 9099 de 26 de setembro de 1995 deu tratamento bem mais brando aos indigitados autores de infrações desta natureza.


2 – Medidas despenalizadoras no âmbito do Juizado Especial Criminal

A composição civil e transação penal (art. 72 e ss.), e a suspensão condicional do processo (art. 89) permitem seja antecipadamente extinta a punibilidade do agente de forma a evitar os “efeitos estigmatizantes do processo”. Afora a exigência de representação para lesões corporais leves e culposas (art.88) e o afastamento da prisão em flagrante em caso de comparecimento imediato ao Juizado Especial Criminal ou assinatura de respectivo Termo de Compromisso. (FILHO, 2007. P. 2).

A doutrina segue um ritmo acelerado acerca dos estudos e o conceito do que vem a ser crime de menor potencial ofensivo, segundo Bitencourt (2006, p. 264), “as contravenções penais que por vezes são chamadas de crimes-anões, são condutas que apresentam menor gravidade em relação aos crimes, por isso sofrem sanções mais brandas”.

Assim sendo, quando a conduta do acusado não causar maiores danos à vítima, e quando, do ato não sobrevenha maiores consequências, fica caracterizado o menor potencial ofensivo.

Com o advento da Lei 9.099/95 foram criadas medidas despenalizadoras, dentre elas, a composição civil, a imprescindibilidade de representação para as lesões corporais culposas ou leves e a suspensão condicional do processo.

2.1 – A composição civil dos danos no JECRIM

Com relação ao fato que deu causa ao processo, busca-se sempre que possível, nos Juizados Especiais Criminais, um acordo entre o autor e a vítima.

Nos casos em que a vítima tenha sofrido prejuízos com o delito praticado pelo infrator, pode haver uma indenização mediante o pagamento de determinada quantia em dinheiro. Por exemplo, o autor do fato picha o muro da casa da vítima, mas na audiência ele faz um acordo e paga o valor do prejuízo. Em casos como o do exemplo dado, o acordo de indenização se chama composição civil e põe fim à questão criminal.

A composição é sempre possível nos delitos em que a lei exige representação ou queixa da vítima.

2.2 – A necessidade de representação

A representação, embora basicamente matéria de Direito Processual, é também um instituto de direito material pelo fato de que o não oferecimento da representação no prazo previsto em lei acarreta a decadência do direito de queixa e de representação, causa extintiva da punibilidade.

Por ser a extinção da punibilidade matéria penal, que exclui a possibilidade do exercício da aplicação do Direito Penal pelo Estado, deve a sua aplicação no tempo ser regida pelas normas constitucionais e penais relacionadas ao assunto. Havendo uma nova lei que tenha como condição de procedibilidade a representação para a aplicação da lei penal às infrações penais, enquanto na lei anterior eram objeto de ação penal pública incondicionada, por ser mais benéfica é aplicável aos fatos ocorridos antes de sua vigência.

Diante disso, pode-se concluir que a dependência de representação na ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e culposas é aplicável, inclusive em processos em andamento, se no dia de sua vigência não houver sentença transitada em julgado, por se tratar de uma norma mais benigna e consequentemente retroativa em qualquer circunstância, tornando obrigatória a representação, sob pena de se tornar extinta a punibilidade.

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2.3 – A suspensão condicional do processo

Para evitar que contra um suposto autor de fato delituoso seja instaurada uma ação penal, existe a necessidade de que haja o afastamento do processo pelo período de dois a quatro anos, mediante o cumprimento de uma medida alternativa.

Nos crimes em que a pena mínima cominada seja igual ou inferior a um ano a suspensão condicional do processo deverá ser proposta pelo Ministério Público no ato do oferecimento da denúncia. Para que isso seja possível, o condenado não pode estar sendo processado ou ter sido condenado por outro crime.

A partir do recebimento do termo circunstanciado no Juizado Especial, será designada uma audiência preliminar na qual estará presente o representante do Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, respectivamente acompanhados por seus advogados, onde terão esclarecimentos sobre a possibilidade da composição dos danos sofridos pela vítima e aceitação da proposta de aplicação imediata da pena não privativa de liberdade.

A conciliação poderá ser conduzida pelo Juiz ou por conciliador sob sua orientação que reduzirá a escrito a composição dos danos civis que será homologada pelo juiz mediante sentença irrecorrível que terá eficácia de título a ser executado no juízo civil competente.

Frustrada a composição dos danos civis, o ofendido terá a oportunidade de exercer o direito de representação verbal, que será reduzido a termo, haja vista que a ausência desta não implicará decadência do direito que terá prazo previsto em lei.

Cabe ressaltar que a ação penal incondicionada independerá de acordo civil. Já a ação penal condicionada à representação, obrigatoriamente, dependerá da intenção da vítima em representar sob pena de extinção da punibilidade.

Em caso de não obtenção de composição dos danos civis a transação será homologada pelo juiz e não acarretará a caracterização de reincidência tampouco constará de anotações criminais, aplicando-se a penalidade apenas com o objetivo de impedir que o autor seja alcançado pelos benefícios do instituto, no período de 05 (cinco) anos.

2.4 – A transação Penal

2.4.1 – Conceito e Requisitos da Transação Penal

Para a oferta da transação, a princípio, observar-se-á a existência de indícios de autoria e materialidade. Além disso, é necessário que estejam presentes os requisitos objetivos e subjetivos exigidos pelo art. 76, §2º, da Lei n. 9.099/95.

Conforme dispõe o referido artigo, adotar-se-á o requisito subjetivo quando os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, as circunstâncias e os motivos do crime indicarem a adoção da medida.

Já os requisitos objetivos quando se tratar de ação penal pública incondicionada, ou quando for efetuada a representação, nos casos de ação penal pública condicionada e em ambas as hipóteses, a) Não ser caso de arquivamento de termo circunstanciado; b) Não ter sido o autor da infração condenado por sentença definitiva (com trânsito em julgado), pela prática de crime, à pena privativa de liberdade; e c) não ter sido o agente beneficiado anteriormente, no prazo de cinco anos, pela transação.

Atendidos esses requisitos, a proposta será submetida à aceitação bilateral pelo autor do fato e pela defesa técnica. Aplicar-se-á então a pena não privativa de liberdade discriminada na proposta. A sentença que impõe, em razão de transação, pena de multa ou restritiva de direitos não importa em reincidência e não tem efeitos civis, sendo registrada tão somente para impedir que o mesmo benefício seja concedido nos cinco anos subsequentes.

Quando aceita a transação penal, o autor fica impedido de fazer jus a outra transação nos próximos 05 (cinco) anos conforme dispõe o artigo 76, § 4º, da Lei n. 9.099/1995). Nesse caso, ocorrendo outro fato, embora não gere reincidência, o autor fica, ou na dependência de ser objeto de suspensão condicional do processo, pois a isso não há restrição, ou ser de imediato, após tentativa de conciliação, denunciado.

Por outro lado, caso ocorra o descumprimento da transação, acarreta prosseguimento da ação penal, com o oferecimento da denúncia, proposta pelo Ministério Público ao Juiz, que a homologa caso esteja tudo de acordo com a lei. Ressalta-se que, mesmo oferecida a denúncia, a conciliação e a transação são tentadas, também, na Audiência de Instrução e Julgamento conforme se observa no o artigo 79 da Lei n. 9.099/1995.

2.4.2 – O Ministério Público e a Propositura da transação Penal

A legitimidade para propor a transação penal é matéria divergente entre os doutrinadores. A Lei n.º 9.099/95, assegura que uma vez presentes os requisitos legais e ausentes os impedimentos ao Ministério Público, resta o poder - dever de formular a proposta, na modalidade de pena restritiva de direitos ou multa.

Todavia, uma corrente defende que o Ministério Público é a parte legítima para propor a transação, sem controvérsias quanto às ações penais públicas, conforme disposição do caput do artigo 76 da referida lei, enquanto outra corrente entende não ser faculdade do Ministério Público a propositura da transação.

Entre os que defendem a legitimidade do Ministério Público, está Damásio de Jesus (1996), que argumenta que:

Desde que presentes as condições da transação, o Ministério Público está obrigado a fazer a proposta ao autuado. A expressão, hoje, tem o sentido de dever. Presentes suas condições, a transação impeditiva do processo é um direito penal público subjetivo de liberdade do autuado, obrigando o Ministério Público à sua proposição. No sentido de que se trata de um direito do autor do fato.  Caso o Ministério Público não proponha a transação ou se recuse a fazê-lo, deve fundamentar a negativa. (JESUS, 1996, p.76).

Com esse mesmo entendimento Mirabete (2000), ressalta que ao Ministério Público está vinculado o princípio da discricionariedade regrada, e que assim:

A iniciativa da transação penal é instituto decorrente do princípio da oportunidade de propositura da ação, que confere ao seu titular, o Ministério Público, a faculdade de dispor da ação penal, ou seja, de promovê-la, sob certas condições, nas hipóteses previstas legalmente, desde que haja a concordância do autor da infração e a homologação judicial. Tratando-se, portanto, de hipótese de discricionariedade regrada (limitada ou regulada), princípio vigente no que diz respeito ao instituto ora estudado, em que cabe ao Ministério Público a atuação discricionária de fazer a proposta, de exercitar o direito subjetivo de punir do Estado quando da aplicação de pena não privativa de liberdade, sem oferecimento de denúncia e instauração de processo. (MIRABETE, 2000, p.129).

Com o entendimento divergente, está Fernando da Costa Tourinho Neto (2002) que entende não ser faculdade do Ministério Público a propositura da transação, argumentando que:

A lei dos juizados especiais admitiu o princípio da oportunidade, mas uma oportunidade regrada, também chamada de regulada ou limitada ou temperada e submetida ao controle jurisdicional. Oportunidade regrada porque é a lei que diz quando será possível a transação e de que modo ela deve ser feita. Não fica ao arbítrio do Ministério Público propor ou não a transação. Não é uma faculdade do órgão Ministerial. (TOURINHO NETO, 2002, p.587).

Comungando desse entendimento, Jardim (2005), explica que,

Nessas hipóteses de infrações penais de menor potencial ofensivo, o legislador diz que, desde que preenchidos determinados requisitos legais, o Ministério Público pode oferecer uma pena menor, no interesse da sociedade, no interesse do réu, etc. Quer dizer, seria faculdade do Ministério Público que, nesses casos, não tem o dever de oferecer a denúncia e, sim, a faculdade de oferecer uma pena menor, abrindo mão do exercício da obrigatoriedade desta espécie de ação penal. Não vemos, por conseguinte, como direito subjetivo do réu a transação penal. (JARDIM, 2005, p. 337).

Em suma, o entendimento da primeira corrente é de que, por ser um direito subjetivo, o Ministério Público possui uma oportunidade regrada, pois precisa acolher as determinações da lei. Essa corrente é a majoritária, adotada pelos Juizados Especiais Criminais.

A corrente majoritária, portanto, defende que se trata, em verdade, de uma discricionariedade do Ministério Público realizar ou não a transação penal, entendendo que a expressão “poderá”, contida no caput do art. 76 da Lei nº 9.099/95 indica que caberia ao Ministério Público a escolha pela realização ou não da transação penal.

Se o Ministério Público não oferecer a proposta ou se o juiz discordar de seu conteúdo, deverá, por analogia ao art. 28 do Código de Processo Penal, remeter os autos ao Procurador-Geral de Justiça, o qual terá como opções designar outro promotor para formular a proposta, alterar o conteúdo daquela que tiver sido formulada ou ratificar a postura do órgão ministerial de primeiro grau, caso em que a autoridade judiciária estará obrigada a homologar a transação. (CAPEZ, 2006, p. 557).

Somente será possível a recusa da proposta de transação, quando comprovada for, e ao Ministério Publico caberá o ônus da prova. Se cabível, o Ministério Público deverá, de imediato, oferecer a proposta de medida restritiva de direitos (prestação social alternativa) ou multa, esclarecendo ao autor sobre os benefícios e as restrições impostos pela da transação.

Por fim, ressalta-se que, caso o Ministério Público proponha a transação, mesmo estando tudo em conformidade com a lei, e ainda assim o juiz não homologá-la, o autor do fato poderá impetrar Habeas Corpus e o Ministério Público, Mandado de Segurança.

2.4.3 – Natureza jurídica da sentença homologatória da transação penal

Quanto à natureza jurídica da sentença da transação penal existem duas correntes doutrinárias. Uma um corrente com entendimento a favor de natureza condenatória e outra de natureza homologatória.

O entendimento da primeira corrente é de que o ato decisório prolatado pelo juiz especial não é de natureza condenatória e sim, homologatória, posto que apenas homologa a transação penal.

Nesse sentido, Grinover (2005), argumenta que,

Certamente a sentença não poderá ser classificada como absolutória, porquanto aplica uma sanção, de natureza penal. Mas, a nosso ver, tampouco poderá ser considerada condenatória, uma vez que não houve acusação e a aceitação da imposição da pena não tem consequências no campo criminal (salvo, como visto, para impedir novo beneficio no prazo de cinco anos). Há quem diga, então, que a sentença que homologa a transação seria “condenatória imprópria”, com o que se acaba fugindo à questão, mediante um circunlóquio que nada significa. Além disso, na sentença que aplica a medida alternativa não há qualquer juízo condenatório, por faltar o exame dos elementos da infração, da prova, da ilicitude ou culpabilidade. Na verdade, a sentença não é absolutória nem condenatória. Trata-se simplesmente de uma sentença homologatória da transação. (grifo nosso). (GRINOVER, 2005, p. 167).

Nesse mesmo propósito, o Supremo Tribunal Federal tem decidido que sentença homologatória de transação penal não é condenação. O STF entende que a sentença que homologa acordo de transação penal não é condenatória, e, por isso, não pode produzir os efeitos acessórios de uma pena.

Durante a votação do RE 795.567, o relator do recurso, o ministro Teori Zavascki, afirmou que no que se refere à sentença da transação penal, “trata-se de ato judicial homologatório, expedido de modo sumário em obséquio a um interesse público na célere resolução de conflitos sociais de diminuta lesividade para os bens jurídicos tutelados pelo estatuto penal”.

Nessa perspectiva, o ministro Dias Toffoli, acompanha o relator, e afirma que a sentença homologatória “não é nem condenatória e nem absolutória”. “Ela apenas homologa os interesses dos envolvidos. Não se trata nem de pedido do autor, que sequer foi formulado.”

A segunda corrente entende tratar-se de uma decisão homologatória de natureza condenatória ou condenatória imprópria, uma vez que aplica pena, mas não produz os habituais efeitos de uma sentença de mérito resultante de um processo ordinário.

Essa corrente entende que a decisão judicial possui um caráter eminentemente condenatório, pois produz efeitos característicos de uma típica sentença penal condenatória, principalmente no tocante às consequências da reincidência,

Todavia, a inexistência de juízo de culpabilidade ocorre para o caso de sentença homologatória, como nas sentenças dos Juizados Especiais. Ainda mais porque acordo homologado acarreta renúncia ao direito de representação ou queixa (parágrafo único, do artigo 74, da Lei n. 9.099/1995).

Diante do exposto, pode-se depreender que a natureza jurídica da sentença não é absolutória porque não absolveu, não é condenatória porque não houve processo, é, pois, homologatória da transação.

2.4.4 – Transação Penal ex officio

Adentrando na discussão do tema, há controvérsias que pairam acerca da possibilidade de o juiz, na inércia do Ministério Público, oferecer a transação penal, a chamada transação ex officio.

Para doutrina majoritária, representada por nomes como Damásio de Jesus, Fernando Capez e Julio Fabbrini Mirabete, o Poder Judiciário deve se ater a verificar a presença de condições legais que permitem a opção por parte do Ministério Público, mas não fiscalizar a oportunidade nem mesmo o mérito da opção formulada pelo titular.

Como exposto, para estes doutrinadores vigora o princípio da discricionariedade limitada, que resguarda ao Ministério Público julgar a conveniência ou não da propositura da transação penal.

Este entendimento encontra assento na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. A ministra Rosa Weber, no recebimento da denúncia do inquérito 3438/SP relatou:

É firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal a respeito da impossibilidade de o Poder Judiciário conceder os benefícios previstos no art. 76 e 89 da Lei nº 9.099/95 sem que o titular da ação penal tenha oferecido a proposta.

Neste sentido, Mirabete (2000) excerta:

O princípio da discricionariedade limitada, portanto, permite ao Ministério Público, e só a ele, optar pela apresentação da proposta ou oferecer a denúncia desde logo, segundo a conveniência e necessidade de repressão ao crime com maior ou menor intensidade, diante da política criminal que estabelecer. (MIRABETE, 2000, p.122)

O citado doutrinador defende, inclusive, a impossibilidade de aplicação do art. 28 do CPP, visto que o instituto (do remetimento ao Procurador Geral de Justiça) visa, para o autor, apenas evitar o arquivamento indevido do inquérito policial (2000, p. 127)

Tal entendimento, no entanto, não tem aplicabilidade no ordenamento jurídico pátrio. Segundo Fernando Capez (2014. p. 488), por se tratar de faculdade do MP, o juiz deve se ater a aplicar o art. 28.

Na contramão do entendimento doutrinário e jurisprudencial acima, Eugênio Pacelli de Oliveira (2014) defende que as políticas despenalizadoras devem ser implementadas pelo poder público, seja pelo Estado-Juiz, seja pelo parquet:

Ao Ministério Público reserva-se a atribuição, relevantíssima, de implementação dessa política. Não, porém, com reserva de discricionariedade quanto ao cabimento ou não da transação. O cabimento, ou seja, a definição de suas hipóteses, já é previsto expressamente na lei, cabendo aos aplicadores do Direito, fundamentalmente, o exame acerca de sua ocorrência. (OLIVEIRA, 2014. p. 758)

Comunga deste entendimento o doutrinador Aury Lopes Jr (2014), que no capítulo reservado ao tema leciona que: “o papel do juiz aqui é o de garantidor da máxima eficácia do sistema de direitos do réu, ou seja, sua verdadeira missão constitucional.” (LOPES Jr, 2014, p. 703)

Assim sendo, Juízes e Promotores devem agir de forma a garantir a aplicabilidade dos direitos subjetivos do réu, elencados nas leis esparsas.

Por fim, como alternativa à impossibilidade de o juiz propor a transação penal ou quando, remetido os autos ao Procurador Geral de Justiça, este mantém a decisão de não oferecer a transação penal, Pacelli de Oliveira (2014) indica:

Nesse caso, se o juiz entender que a hipótese era efetivamente de transação penal, por preencher o acusado todos os requisitos previstos em lei e por se tratar de infração penal para a qual ela seja cabível, deverá rejeitar a peça acusatória por falta de justa causa (art. 395, III, CPP), ou mesmo por falta de interesse de agir (art. 395, II, CPP). (OLIVEIRA, 2014. p. 759)

2.4.5 – Transação penal X Ação Penal Privada

Outro tema controverso na doutrina a respeito da transação penal é o seu cabimento em face de Ação Penal Privada.

Da interpretação literal do art. 76, extrai-se que não poderia o particular propor transação penal em ação penal privada, posto que o artigo mencionado prevê que o Ministério Público poderá propor transação penal nos delitos de ação penal pública incondicionada ou de ação penal pública condicionada, após a requisição do Procurador Geral da República ou representação do ofendido.

Fernando Capez (2014, p. 491) leciona que “se a ação penal for privada, não cabe transação, pois, como vigora o princípio da disponibilidade, a todo tempo o ofendido poderá, por outros meios (perdão e perempção), desistir do processo”.

Para os seguidores desta corrente, caso o legislador quisesse dar ao ofendido a oportunidade de propor a transação penal, o teria feito expressamente. Contudo, não o fez, pois deixara à disposição outros institutos.

Ademais, numa visão tradicional, o interesse da vítima é o de ver reparados os danos causados pelo crime, o que lhe é possibilitado no instituto da composição, ou com a execução da sentença condenatória penal. (MIRABETE, 2000, p. 129)

A crítica dos doutrinadores contrários ao entendimento de que não caberia a propositura de transação pelo particular assenta, principalmente, sobre a confusão acerca da natureza jurídica do autor.

Isso porque, para os autores que sustentam a existência de uma substituição processual na ação penal de iniciativa privada, o querelante, em nome próprio, exerceria a pretensão punitiva estatal, ou seja, demandaria em nome próprio um direito alheio (nos moldes do Direito Processual Civil). (LOPES Jr, 2014, p. 704)

Para Ada Pelegrini Grinover (2005, p. 150) “é possível ao juiz aplicar por analogia o disposto na primeira parte do art. 76, para que também incida nos casos de queixa, valendo lembrar que se trata de norma prevalentemente penal e mais benéfica.” (GRINOVER, et. al.)

Este é o entendimento dos Tribunais Superiores, que resguardam a legitimidade para postular a transação penal para o ofendido.

2.4.6 – Considerações Finais acerca da Transação Penal

Caso haja concurso de agentes, nada impede que um deles aceite a proposta de transação e o outro não. Da mesma forma, se um dos agentes se enquadrar em alguma das hipóteses previstas no §2º do art. 76 da lei 9.099/95, impossibilitando a transação, e o coautor ou partícipe não se enquadrar, a este será dada a oportunidade de transacionar, sem prejuízo da ação penal contra aquele.

A transação penal tem o condão de não gerar reincidência nem maus antecedentes. Com o registro de sua homologação busca-se apenas impedir que o acusado não se beneficie novamente, caso cometa crime nos próximos cinco anos, à partir da homologação.

Contra a decisão que homologa a transação penal cabe apelação. Isto porque o acusado pode aceita-la, para não perder a oportunidade por meio da preclusão, e depois, discordando de alguma das penalidades impostas, deseje ver alguma delas reformada pela turma recursal.

Ao descumprimento do acordo de transação penal, é pacífica a jurisprudência no sentido de possibilitar ao Ministério Público a propositura de ação penal.


3 – Conclusão

As medidas despenalizadoras são, então, instrumentos de política criminal aptos a dar efetividade ao tratamento célere que deu o Constituinte aos Juizados Especiais, em matéria Criminal.

Neste sentido, a utilização de institutos como a composição civil dos danos causados por infrações penais, no âmbito das ações penais privadas, bem como da transação, em qualquer tipo de ação penal de competência do Juizado Especial, devem ser buscados ativamente pelo Estado.

O anseio constitucional em se proteger a liberdade de locomoção, sem contudo deixar de lado o caráter socioeducativo e ressocializador do Direito Penal é protegido e implementado por meio destas políticas.

Assim, sempre que possível, devem buscar os sujeitos do processo a adoção de tais medidas, colaborando para o desafogamento do Poder Judiciário, garantindo a prestação jurisdicional por meio do Estado, e ao mesmo tempo, dando ao criminoso a oportunidade de se reintegrar à sociedade.


REFERÊNCIAS

BITENCOURT, Cezar. Roberto. Juizados Especiais Criminais E Alternativas à Pena De Prisão. 3. Ed. Ver. Ampl. Porto Alegre: Livraria Do Advogado, 2012.

BOCHENEK, Antônio César; NASCIMENTO, Márcio Augusto. Juizados Especiais Federais Cíveis. e-book. Porto Alegre: direitos dos autores, 2011.

BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, APn 634/RJ, Rel. Ministro FELIX FISCHER, CORTE ESPECIAL, julgado em 21/03/2012, DJe 03/04/2012.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Inq 3438, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 11/11/2014, Dje 09/02/2015.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal, RE 795.567/ PR. Disponível em: < http://s.conjur.com.br/dl/re-transacao-penal-voto-teori-zavascki.pdf. > acesso em 27 jun. 2016, 17h 30min.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: legislação penal especial. São Paulo: Saraiva, 2006.

_______________. Curso de processo penal – 21. ed. – São Paulo : Saraiva, 2014.

FERREIRA, Luís Eduardo Barros. Composição civil no Juizado Especial Criminal. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: < https://jus.com.br/artigos/3102 >. Acesso em 3 jul. 2016, 18h 00.

GRINOVER. Ada Pelegrini [et al.]. Juizados Especiais Criminais-Comentários à Lei 9.099 de 26.09.1995. 5 ed. rev., atual, e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.

JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

JESUS, Damásio Evangelista de. Lei dos JECRIM. 4ª ed. Rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1997.

LOPES Jr., Aury. Direito processual penal – 11. ed. – São Paulo: Saraiva, 2014.

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais: comentários, jurisprudências, legislação. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2000.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal 18. ed. rev. e ampl. atual. - São Paulo : Atlas, 2014.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos Juizados Especiais Criminais. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009.

Sobre os autores
Teddy Marques Farias Junior

Advogado graduado pela Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES. Pós Graduando em Direito Público (Administrativo, Constitucional e Tributário) e em Advocacia Cível. Ampla experiência na área, em especial com Licitações e Contratos Administrativos, Concursos Públicos, Funcionários Públicos, e Militares do Estado de Minas Gerais.

Michele Alves Vieira

Acadêmica do 10º Período do Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES

Maria Luísa do Carmo Batista

Acadêmica do 10º Período do Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES

Aparecida de Fátima Moura

Acadêmica do 10º Período do Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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