3. Teoria Da Perda De Uma Chance
3.1 – Origem Histórica
Com o processo evolutivo do instituto da responsabilidade civil surge a teoria da perda de uma chance que nasce de uma nova ordem jurídica, fundada na garantia da dignidade da pessoa humana, permitindo, assim, o alargamento dos casos passíveis de indenização.
Vale ressaltar que quanto à época em que primeiramente foi usada a teoria Rafael Peteffi da Silva, buscando o ensinamento de Couto e Silva, esclarece que:
“Já no século XIX, precisamente em 17 de julho de 1889, a Corte de Cassação francesa aceitara conferir indenização a um demandante pela atuação culposa de um oficial ministerial que extinguiu todas as possibilidades de a demanda lograr êxito, mediante o seu normal procedimento. Este é o exemplo mais antigo de utilização do conceito de dano pela perda de uma chance encontrado na jurisprudência francesa.”[9]
Em 1911 aparece pela primeira vez a teoria da perda de uma chance no sistema do Common Law, com o caso inglês Chaplin v. Hicks. Nesse caso a autora era uma das participantes de um concurso de beleza e fora impedida pelo organizador do concurso de participar da etapa final, em que se estava disputando doze prêmios diversos. Um dos julgadores entendeu que diante da ‘teoria das probabilidades’ a autora teria vinte e cinco por cento de chances de ganhar algum prêmio, haja vista que eram cinquenta finalistas.[10]
No entanto, é em 1965 que a teoria da perda de uma chance começa a se consolidar, ocasião em que a Corte de Cassação francesa decidiu, em um recurso, pela responsabilidade de um médico que apresentou um diagnóstico errado acerca de um paciente, fato que lhe retirou as chances de cura da doença que realmente o acometia.
Nesse contexto, a Corte de Cassação francesa adotou a teoria pautada na conduta culposa do agente e no dano causado a vítima, mesmo sem estar configurado o nexo de causalidade. Inicialmente, a teoria da perda de uma chance difundiu-se na seara médica, em razão da dificuldade de restar caracterizado o nexo de causalidade entre a conduta e o dano. Posteriormente, sendo aplicado a outras áreas profissionais.
Sobre o início da teoria da perda de uma chance, enfatiza Savi:
“Na França, houve dedicação maior ao tema por parte da doutrina e da jurisprudência. Em razão dos estudos desenvolvidos naquele país, ao invés de se admitir a indenização pela perda da vantagem esperada, passou-se a defender a existência de um dano diverso do resultado final, qual seja, o da perda da chance. Teve início, então, o desenvolvimento de uma teoria específica para estes casos, que defendia a concessão de indenização pela perda da possibilidade de conseguir uma vantagem e não pela perda da própria vantagem perdida. Isto é, fez-se uma distinção entre o resultado perdido e a possibilidade de consegui-lo.”[11]
A teoria não ficou restrita à França, alcançando também a Itália, conforme expõe Savi:
“[...] doutrina e jurisprudência italianas passaram a visualizar um dano independentemente do resultado final, consistente na perda da oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo. Passou-se, então, a admitir o valor patrimonial da chance por si só considerada, desde que séria, e a traçar os requisitos para o acolhimento da teoria. Em vez de enquadrar a perda da chance como espécie de lucros cessantes, passou a considerá-la como dano emergente e, assim, a superar o problema da certeza do dano para a concessão da indenização.”[12]
Conclui-se, portanto, que a teoria da perda de uma chance tem como intuito estender o campo de proteção da vítima, o que requer instrumentos jurídicos que visem tutelar essa nova exigência social.
O panorama atual é uma verdadeira inversão do eixo da responsabilidade civil, que antes se preocupava com o caráter culposo da conduta do agente e, hoje, com a reparação do dano.
Desta forma, o efeito dessa mudança de contexto é a possibilidade de indenização da pessoa que se vê privada da oportunidade de conseguir determinada vantagem ou de evitar certo prejuízo em face da ação desidiosa do agente.
3.2 – Conceito
De plano, cabe ressaltar que para que ocorra a obrigação de indenizar é necessário que estejam presentes os pressupostos basilares da responsabilidade civil, isto é, conduta, dano e o nexo de causalidade entre esses.
Nesse diapasão, fazendo uma interpretação restritiva, as situações em que alguém teve retirada uma chance real e séria de obter uma vantagem ou evitar um prejuízo, não se enquadrariam nestes pressupostos essenciais, vez que não se pode afirmar com certeza que a conduta do agente foi a causadora do dano, ou seja, não há liame de causalidade evidente.
Entretanto, o instituto da responsabilidade civil, atualmente, pauta-se em um sistema solidarista, buscando, quando possível, dividir o prejuízo para que a vítima não arque sozinha em situações que não é a única causadora.
Desta forma, por mais que a situação esteja desprovida de certeza acerca do nexo de causalidade entre a conduta do agente e o prejuízo final, configura-se um dano injusto, a chance perdida. E em razão dessa nova concepção de responsabilidade civil é possível o ressarcimento de danos que anteriormente não eram considerados, como o da chance perdida.
De acordo com Antônio Jeová Santos:
“a perda de uma chance é a não ocorrência de uma oportunidade em que seria obtido um benefício, caso não houvesse a interrupção abrupta em decorrência de um ato ilícito. Assim, a perda de uma chance é um dano atual, ressarcível quando há uma probabilidade suficiente de benefícios econômicos frustrados por terceiros. A reparação não é do dano em si, e sim da perda de oportunidade que se dissipou, de obter no futuro a vantagem ou de evitar o prejuízo que veio acontecer.”[13]
Para a constituição desse tipo de responsabilidade também se faz necessária a presença dos pressupostos essenciais, citados anteriormente, a conduta do agente, um resultado que se perdeu e o nexo de causalidade entre ambos. Porém, o dano e o nexo causal serão analisados de forma peculiar, devendo existir uma probabilidade concomitante a uma certeza, isto é, que a chance seria realizada e a vantagem perdida ocasiona um prejuízo.
Para, então, compreender a teoria da perda de uma chance é mister o exame dos seus requisitos e critérios de aplicação, que denotam suas características próprias.
Primeiramente, impõe-se o requisito da demonstração de seriedade das chances perdidas, logo, não basta a mera possibilidade da ocorrência da chance, devendo essa ser séria e real, haja vista que danos hipotéticos ou eventuais não são passíveis de indenização.
Outra característica da teoria da perda de uma chance é o montante indenizatório, que não pode ser o equivalente a vantagem esperada, ou estar-se-ia diante de uma indenização por responsabilidade civil clássica, pois o nexo causal entre a conduta e o dano estaria comprovado.
3.3 – Critérios de Aplicação da Teoria da Perda de Uma Chance
Vaneska Donato Araújo afirma:
“A perda de uma chance [...] constitui um dano em si mesmo, o qual, no entanto, é difícil de ser avaliado. Isto porque, ocorrendo a perda da oportunidade, não é mais possível a recolocação da vítima na situação em que ela se encontrava, já que esta não poderá mais ser exercida. A vítima deverá, portanto, ser indenizada pelo equivalente desta chance, considerando-se que sofreu um prejuízo efetivo cujo valor varia de acordo com o fato de ser maior ou menor a chance perdida.”[14]
Portanto, a perda de uma chance não revela um prejuízo decorrente de uma causa passível de comprovação, mas decorre da demonstração de uma chance real e séria capaz de evitar o prejuízo.
Uma característica que é possível observar nos casos de perda de uma chance é uma aposta perdida pela vítima, ou seja, a possibilidade de ganho. Além disso, outra característica fundamental para diferenciar a referida teoria às hipóteses de responsabilidade civil clássica é falta de prova do vínculo causal entre a perda dessa aposta e o ato danoso. A possibilidade de auferir alguma vantagem é por natureza aleatória, haja vista que o dano final pode ocorrer por intermédio de causas externas.
Assim, o ato do agente em concurso com um ato alheio a sua conduta pode acarretar a chance perdida. No entanto, para se configurar a responsabilidade não é necessário que o ato tenha efeito direto e imediato e seja exclusivo, bastando comprovar que o fato antijurídico em questão criou uma séria possibilidade de ocorrência do dano.
Nesse sentido Rafael Peteffi da Silva dispõe:
“A ideia é de que nunca poderá saber se foi o agente do ato danoso que necessariamente causou a perda da aposta. Portanto, o ato do demandado na ação de reparação não é uma condição ‘sine qua non’ para a perda da aposta. Neste sentido, não podemos afirmar que o ato culposo do ofensor foi a causa necessária para a perda do resultado pretendido pela vítima, visto que o prognóstico retrospectivo que se poderia fazer [...], é bastante incerto, cercado de fatores exteriores múltiplos[...]. Entretanto, não podemos negar que houve um prejuízo [...] o resultado da aposta nunca será conhecido por causa da conduta culposa do ofensor. É este prejuízo que a teoria da perda de uma chance visa indenizar.”[15]
Deste modo, se a situação tivesse tido o desfecho almejado pela vítima a pretensão poderia ter sido concretizada, porém existe apenas a probabilidade e não a certeza e é essa probabilidade perdida, que se transformou em prejuízo, que é buscada pela vítima a título de indenização.
A teoria da responsabilidade pela perda de uma chance é utilizada em razão da vítima se ver impossibilitada de comprovar o nexo causal entre a conduta do agente e a perda da vantagem esperada, restando a reparação pela perda de uma chance, vez que pode provar o nexo causal entre a conduta e as chances perdidas.
Logo, o foco deixa de ser o resultado final esperado e passa a ser a chance de obter uma vantagem ou evitar um prejuízo.
No entanto, para haver indenização é necessário que a chance perdida seja real e séria, devendo representar mais do que uma esperança subjetiva.
O fato que gera a responsabilidade civil por fazer outrem perder a possibilidade, chance, deve estar situado entre as hipóteses de danos futuramente considerados como certos e, portanto, indenizáveis. Caso a hipótese seja de dano meramente hipotético não haverá a obrigação de indenizar.
Esse é o entendimento de Venosa “se a possibilidade frustrada é vaga e meramente hipotética, a conclusão será pela inexistência de perda de oportunidade.”[16]
Existem situações em que a vítima já está utilizando as suas chances, mas as perdem em razão de fato praticado por terceiro. Deve ser analisado o contexto de previsibilidade de efetividade do resultado, caso o terceiro não tivesse intervido, para, então, verificar se é caso de dano real e, portanto, indenizável ou meramente hipotético.
Por outro lado, existem hipóteses em que a vítima não estava em plena utilização das chances, sendo necessária uma averiguação da probabilidade real e séria dessa. É importante observar a proximidade do lapso temporal do momento que ocorreu o dano que extinguiu as chances e o momento em que essas chances seriam utilizadas, na obtenção da vantagem esperada.
A Corte francesa aplicou esse critério quando não concedeu direito à indenização a um menino de nove anos que sofreu um acidente e requereu a indenização pela perda da chance de auferir profissão bem remunerada.[17]
Outra possibilidade de perda de uma chance é por falta de informação. O risco de dano poderia ser eliminado caso a informação fosse prestada corretamente, assim, o responsável terá que indenizar integralmente o dano causado no caso de dano evitável.
Por fim, não se pode confundir perda de uma chance com a simples criação de um risco, caso em que o dano ainda não foi produzindo, sendo, portanto, hipotético. Logo, a simples configuração de um risco não dá ensejo a nenhuma indenização, caso não se verifique qualquer tipo de efeito ou dano.
Outro aspecto importante e de difícil aferição é o valor da indenização pela perda da chance.
O valor do quantum debeatur deverá ser aferido pelo grau de probabilidade de concretização do resultado esperado, sendo, portanto, uma porcentagem sobre o valor do dano. Via de regra, o valor da indenização não deve ser igual ao valor que receberia caso tivesse a chance, uma vez que se trata de indenização pela perda da chance, e não pelo o que deixou de lucrar, lucro cessante. Porém, pode haver casos excepcionais em que a chance é tão certa que o valor da indenização será igual ao resultado que seria obtido com o uso da chance.
No que tange a mensurar o valor da indenização, Fernando Noronha salienta:
“[...] o valor da reparação do dano certo da perda de uma chance ficará dependendo do grau de probabilidade que havia de ser alcançada a vantagem que era esperada, ou inversamente, do grau de probabilidade de o prejuízo ser evitado.”[18]
No mesmo sentido dispõe o art. 944 do Código Civil:
Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.
Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização. (grifo nosso)
Desta forma, o valor da reparação será determinado pelo grau de probabilidade da ocorrência do evento, fato que deverá ser minuciosamente avaliado pelo julgador no caso concreto.
O evento danoso faz com que a vítima tenha um prejuízo, no entanto em razão de não se ter certeza quanto à interferência real no resultado, em princípio, a indenização não pode ser o equivalente ao que se pretendia alcançar. Logo, o que será objeto de indenização é a perda da chance e não o resultado almejado, uma vez que não há como comprovar o nexo causal entre a conduta do agente e a certeza do dano final.
3.4 – Natureza Jurídica da Perda de Uma Chance
O dever de indenizar a chance perdida advém da conduta ilícita e da existência de nexo causal entre esta e um dano real, atual e sério. No intuito de se estabelecer uma correta aplicação da teoria da perda de uma chance com reflexos na liquidação do dano faz-se necessário analisar sua natureza jurídica.
A natureza jurídica da indenização proveniente da responsabilidade civil pela perda de uma chance é uma questão controvertida na doutrina e jurisprudência. Há diferentes posicionamentos, assim, alguns autores afirmam ser espécie de lucro cessante, de dano emergente, de dano moral e dano autônomo.
Vale destacar, de forma sucinta, que lucro cessante representa o que a vítima deixou de ganhar, dano emergente significa aquilo que a vítima perdeu e dano moral uma agressão à dignidade da pessoa humana, ao cidadão.
Os doutrinadores divergem quanto à classificação da natureza jurídica da perda de uma chance. Sílvio de Salvo Venosa entende que a perda de uma chance é um modalidade que se encontra entre o dano emergente e o lucro cessante.[19] Para Sérgio Savi o dano por perda de uma chance é uma subespécie de dano emergente.[20] Rafael Peteffi da Silva afirma que a perda de uma chance tem natureza de dano autônomo ou de causalidade parcial.[21] Enquanto Sérgio Cavalieri Filho insere a perda de uma chance no conceito de lucro cessante.[22]
Já os Tribunais em alguns julgados entendem que a perda de uma chance se enquadra na modalidade dano moral, outras vezes como lucro cessante ou dano emergente. Não havendo entendimento consolidado.
O presente trabalho, adotando a linha de pensamento de Sérgio Savi, entende ser mais razoável enquadrar a perda de uma chance como sendo espécie de dano emergente e autônomo.
Entretanto, cabe ressaltar que há casos como afirma Rafael Peteffi da Silva que deve ser utilizada a teoria da causalidade parcial para definir a natureza jurídica da perda de uma chance, principalmente na aplicação da teoria na seara médica ou quando a perda da oportunidade se dá em virtude da falta de informação.
Desta forma, a teoria da causalidade parcial seria o fundamento da indenização pela perda de uma chance nos casos em que o processo aleatório chegou ao seu final, não sendo interrompido no curso de sua atividade, quando é possível vislumbrar também um dano autônomo.
A aplicação dessa teoria como justificativa para o dever de indenizar mostra-se evidente, por exemplo, na situação de um trabalhador que sofre grave descarga elétrica enquanto manuseia uma máquina devido à má informação prestada pelo fabricante, fato que pode ter contribuído para a ocorrência do acidente. Assim, o processo aleatório chegou ao seu fim (descarga elétrica sofrida pelo trabalhador), mas poderia ter sido evitado caso fosse interrompido pela correta informação prestada pelo fabricante, logo a perda desta oportunidade deve ser indenizada.
3.4.1 – A perda de uma chance como dano emergente e autônomo
Rafael Peteffi da Silva, acompanhado por Sérgio Savi, identifica duas modalidades de perda de uma chance: na primeira, o processo aleatório é interrompido e, portanto, há a perda da vantagem esperada ou das chances de se obter o resultado; na segunda o processo aleatório chega ao final.
Fernando Noronha também identifica duas modalidades: a perda da chance de obter uma vantagem esperada no futuro (casos clássicos), que se subdivide em perda da chance de obter um benefício ou evitar um prejuízo; e a frustração de evitar um dano que já ocorreu (evitar prejuízo de outrem ou perda da chance por falta de informação).
Quando o processo aleatório não chega ao final, nos casos clássicos, é possível identificar um dano autônomo: o da chance perdida.
No caso do advogado que perde o prazo para recorrer em uma ação de cobrança ou do participante de um jogo de perguntas que deixa de ganhar o prêmio em razão da pergunta encontrar-se mal formulada a chance perdida possui também natureza patrimonial, pois a vantagem almejada é um bem patrimonial, que passaria a integrar o patrimônio da vítima.
Nesse contexto a chance perdida tem natureza patrimonial assim como o resultado final. O dano pode ser identificado no instante em que o processo aleatório foi interrompido, não correspondendo ao prejuízo definitivo, e, portanto, caracteriza-se como dano emergente em face da atual possibilidade de vitória que restou frustrada.
A chance desde que real e séria faz parte do patrimônio da pessoa, logo, na hipótese de sua perda surge o dano emergente, tudo aquilo que a vítima efetivamente perdeu. Porém, há casos em que a perda de uma chance envolve a modalidade de dano moral, como nos casos ocorridos na seara médica, vez que está em destaque o direito à vida. E, portanto, nesses casos apresenta nuances de dano emergente e de dano moral.
Ademais, se a perda de uma chance for enquadrada como modalidade de lucro cessante ou dano emergente, o autor da ação terá que comprovar de forma inequívoca que, se não tivesse ocorrido o ato danoso, o resultado teria se consumado com a obtenção da chance perdida, o que se mostra difícil. Isso porque não é possível demonstrar com certeza que o resultado seria alcançado, assim, a indenização não pode se pautar nessa comprovação.
Por essa razão deve ser acolhida a posição de Sérgio Savi e sustentar que a indenização pela perda de uma chance é um dano autônomo, pois o dano final é indemonstrável, mesmo sob o aspecto dos pressupostos da natureza constitutiva, sendo indenizável a chance perdida.
3.4.2 – A diferença entre a perda de uma chance e o lucro cessante
O lucro cessante pauta-se no elemento certeza, uma probabilidade objetiva, do que a vítima esperava ganhar considerando o curso normal de suas atividades. Desta forma, a indenização por lucro cessante compreende o valor integral do que a vítima razoavelmente deixou de auferir, vantagem perdida.
No que tange aos casos de perda de uma chance a indenização é baseada na perda da oportunidade real e séria de alcançar uma vantagem esperada ou a não ocorrência de um prejuízo verificado. Portanto, é inviável a comprovação da certeza do dano definitivo e, consequentemente, a reparação não é integral.
Vale destacar um caso em que se mostra clara a indenização por lucro cessante ao invés de perda de uma chance. Se o advogado perde o prazo para apelar de uma sentença desfavorável ao seu cliente e quanto àquela matéria já há jurisprudência pacífica no Supremo Tribunal Federal ou no Superior Tribunal de Justiça, podendo até haver súmula, no que toca a correta interpretação da matéria sob judice, há certeza objetiva do julgamento em grau de recurso. Logo, se a jurisprudência aponta para o sucesso da apelação que não foi interposta no prazo estabelecido configura-se caso de lucro cessante, e não por perda de uma chance.
Data venia, não há que se falar em dano por perda da chance como espécie de lucro cessante, sendo aquele um dano autônomo que será reparado de acordo com o valor da chance perdida.
3.4.3 – A diferença entre a perda de uma chance patrimonial e o dano moral
De igual sorte, não se deve entender o dano patrimonial da chance perdida como modalidade de dano moral. No mais das vezes as vantagens almejadas pelo lesado são de cunho patrimonial, logo, a chance perdida ostenta a mesma natureza e, portanto, a indenização deve ser fixada de acordo com o montante que a vítima deixou de agregar ao seu patrimônio.
A condenação por danos morais nos casos de danos patrimoniais por perda da chance não representam o valor real da chance perdida, bem como se mostra injusta, haja vista que o réu pode ser condenado a valor superior ou o autor receber indenização inferior à chance perdida, pois pautada em dano de natureza diversa.
Entretanto, como dito anteriormente, pode ocorrer casos em que a natureza do dano da chance perdida seja de cunho moral. Na hipótese da mãe que ajuíza ação de guarda dos filhos, que fora julgada improcedente pelo juízo de 1º grau, e o advogado deixa transcorrer in albis o prazo para interpor recurso de apelação, a chance perdida tem natureza moral, tendo em vista a natureza do bem jurídico pretendido.
Por fim, cabe destacar que é possível a condenação por danos materiais e morais cumulados nas hipóteses que dão azo a perda de uma chance. O dano que acarreta à vítima a perda de uma vantagem que acresceria bens ao seu patrimônio pode está interligado também a uma frustração moral.
3.4.4 – A perda de uma chance como causalidade parcial do dano final
Nos casos em que o processo aleatório chega ao seu final entra em cena a teoria da causalidade parcial como fundamento ao direito de indenização à vítima. Nessas hipóteses o agente apenas retira algumas chances da vítima auferir a vantagem esperada, mas essa ainda pode ser alcançada.
A teoria da causalidade parcial foi a solução encontrada por Jacques Boré e John Makdisi para justificar os casos em que a conduta do agente não pode ser considerada como causa suficientemente comprovada como geradora do prejuízo final, mas, mesmo assim, gera direito à reparação. Segundo os autores supracitados se o ato do ofensor não representa conditio sine qua non, a causalidade parcial permite a concessão de indenização diante de um prejuízo parcial ou relativo ocasionado pela chance perdida.[23]
John Makdisi afirma que na utilização da teoria da causalidade parcial a indenização corresponde ao dano que segundo as estatísticas e a probabilidade o agente teria provocado. Portanto, a reparação é estipulada de acordo com o grau de probabilidade de causalidade provada.[24]
Rafael Peteffi da Silva considera que a teoria da causalidade parcial é uma exceção ao modelo de responsabilidade civil adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro, vez que não é necessário demonstrar que a conduta do agente é conditio sine qua non para a realização do dano final. Desta forma, a referida teoria deve ser utilizada de forma subsidiária, apenas quando esgotada as formas de demonstração do nexo causal.
Pelas razões acima exposta o mais razoável é entender a perda de uma chance como sendo espécie de dano emergente e autônomo, principalmente nos casos em que o processo aleatório é interrompido no curso de sua atividade.
No entanto, há casos em que somente a teoria da causalidade parcial seria o fundamento da indenização pela perda de uma chance, como, por exemplo, nas situações em que o processo aleatório chegou ao seu final, quando é possível vislumbrar um dano autônomo.
E é nesse momento, quando a perda de uma chance tida como dano emergente e autônomo não é suficiente para embasar a reparação de danos injustos, que se aplica a teoria da causalidade parcial de forma subsidiária.