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Controle judicial dos atos administrativos

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Reflexão, tendo por base estudo histórico, doutrinário e jurisprudencial, a fim de construir uma compreensão mais apurada acerca dos temas que envolvem o controle exercido pelo Poder Judiciário em face dos atos emanados pela Administração Pública.

RESUMO

Reflexão, tendo por base estudo histórico, doutrinário e jurisprudencial, a fim de construir uma compreensão mais apurada acerca dos temas que envolvem o controle exercido pelo Poder Judiciário em face dos atos administrativos levados a cabo pela Administração Pública. São apresentados e diferenciados os sistemas contencioso administrativo e de jurisdição única; delimitando que é este último que vigora no ordenamento jurídico brasileiro. Delineiam-se as espécies de atos administrativos que restam vinculados ao controle do Poder Judiciário, quais sejam, os atos administrativos em geral, os atos políticos, os atos legislativos e os atos interna corporis; determinando, desta mesma forma, quais destes estão submetidos ao controle comum e quais ao controle especial exercidos pelo Poder Judiciário. Em sucinta abordagem histórica, atesta-se que o controle judicial, que incide sobre os atos administrativos, teve sua origem, bem como o próprio Direito Administrativo, nas revoluções liberais do século XVIII na Europa. Depreende-se das análises doutrinária e jurisprudencial que a autoridade administrativa dispõe do poder vinculador e do poder discricionário para a prática de seus atos, bem como que é o Poder Judiciário o órgão máximo de controle dos atos administrativos.

Palavras-chave: Controle dos Atos Administrativos. Poder Judiciário. Sistemas de Controle de Atos Administrativos. Espécies de Atos Administrativos. Controle Comum. Controle Especial. Direito Administrativo. Autoridade Administrativa.

JUDICIAL CONTROL OF ADMINISTRATIVE ACTION

ABSTRACT

Reflection, based on historical, doctrinaire and jurisprudential studies, in order to build a more refined comprehension about the themes which involve the control exercised by the Judiciary Power before the administrative acts carried out by the Public Administration. The contentious system, as well as the system of single jurisdiction, are presented, determining that the last one is actually in force in the ambit of Brazilian law. It delineate the species of administrative acts which remain linked to the Judiciary Power’s control, namely, the generic administrative acts, the political acts, the legislative acts and the interna corporis acts, determining, this same way, which of these are submitted to the common control, and which of these are submitted to the special control exercised by the Judiciary Power. In short historical approach, it attests that the judicial control, which focuses on the administrative acts, had its origins, as well as the Administrative Right itself, in the liberal revolutions from the XVIII century in Europe. It emerges from the doctrinal and jurisprudential analysis that the administrative authority features the binding power and the discretionary power in order to practice its own acts, as well as that the Judiciary Power is the maximum organ of control of the administrative acts.

Keywords: Control of the Administrative Acts. Judiciary Power. Systems of Control of the Administrative Acts. Species of Administrative Acts. Common Control. Special Control. Administrative Right. Administrative Authority.

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo o estudo doutrinário e jurisprudencial acerca do controle exercido pelo Poder Judiciário em face dos atos administrativos realizados pela Administração Pública. Seu marco inicial consiste na análise da origem histórica do controle exercido pelo Poder Judiciário sobre os demais poderes e da premissa da conformação ao princípio da legalidade, posto que embora o nosso ordenamento jurídico esteja firmado sobre a instituição do Estado de Direito, que prevê a separação de poderes, o poder é uno e decorre da Constituição, sendo que a ela devem se conformar todos os atos emanados pelo Poder Público.

Nesse cotejo, a diferenciação entre os sistemas do contencioso administrativo e da jurisdição única como forma de estabelecer qual o sistema adotado como forma de controle sobre os atos administrativos no Brasil é providencial para qualquer estudo acerca do tema, figurando entre os objetivos secundários dessa breve revisão bibliográfica.

Igualmente, se busca ainda aferir quais são os atos que se veiculam ao controle do Poder Judiciário e ainda a diferenciação entre atos vinculados e atos discricionários. Os primeiros se inserem naqueles atos aos quais a lei previamente estabelece requisitos para a sua prática, e os últimos tidos como os atos aos quais a Administração possui um poder maior de liberdade no que concerne a conveniência e oportunidade de sua prática e ainda sobre o seu mérito.

Por fim, busca-se distinguir ainda quais os atos que são sujeitos ao controle comum e quais atos são sujeitos ao controle especial pelo Poder Judiciário, bem como os meios que podem ser utilizados para tanto, tais com o uso do mandado de segurança individual e coletivo, ação declaratória de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade, como forma de proteção contra atos de abuso e ilegalidade proferidos pela Administração Pública.

2. ORIGEM HISTÓRICA DO CONTROLE EXERCIDO PELO PODER JUDICIÁRIO

O Controle judicial sobre os atos administrativos tem origem, assim como o Direito Administrativo, com a formação do Estado de Direito, sendo este estruturado sobre a égide do princípio da legalidade e da separação dos poderes, princípios estes que têm como objetivo primordial assegurar e promover os direitos individuais e coletivos.

A partir das revoluções liberais do século XVIII que tinham como objetivo por fim ao regime absolutista derivado da Idade Média, é formado o chamado Estado de Direito. Enquanto durante o absolutismo, o poder era todo instituído ao Monarca sendo que a lei era derivada da sua própria vontade e este ainda possuía um poder ilimitado para governar; o Estado de Direito assentou suas bases nos princípios da legalidade e da separação de poderes, este último derivado da teoria defendida por Montesquieu.

Ainda no absolutismo, a Administração Pública era de responsabilidade do Soberano, que possuía poderes ilimitados para administrar os órgãos estatais, o povo e todos os outros bens públicos. Por conseguinte, os atos do Soberano se sobrepunham inclusive ao controle de qualquer ordenamento jurídico, posto que, conforme exposto acima, a sua vontade é que era lei.

De acordo com a Teoria da Separação dos Poderes, defendida por Montesquieu, podemos observar a sistematização de três poderes essenciais para a formação do Estado, quais sejam: o Poder Legislativo, o Poder Executivo e o Poder Judiciário. Assim, o poder, que é uno, estaria sujeito a uma divisão de competências para organizar as funções estatais; cada órgão teria funções atribuídas que limitariam a centralização de poderes. Ocorre que justamente pelo fato de que o poder é uno e deriva da instituição de um Estado, é que podemos dizer que não há uma separação absoluta de poderes, visto que a própria Constituição Federal Brasileira, logo em seu artigo 2º, expõe que “São poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Ao expor isso o Legislador coloca que cada poder é independente, no entanto todos derivam de um poder maior, derivado da instituição de um Estado de Direito e que, por isso, eventualmente alguns desses poderes podem sofrer algumas interferências como forma de assegurar a harmonia entre eles. É o que chamamos de adoção do sistema de freios e contrapesos.

Dessa forma, constatada a possibilidade de haver controle sobre o exercício de alguma das funções desempenhadas por esses três poderes, é preciso ressaltar que este se faz, essencialmente, pela busca de um maior equilíbrio e harmonia no desempenho das funções estatais, evitando ainda que a sobreposição de um poder ao outro, conforme expõe Silva abaixo:

A harmonia entre os poderes verifica-se primeiramente pelas normas de cortesia no trato recíproco e no respeito às prerrogativas e faculdades a que mutuamente todos têm direito. De outro lado, cabe assinalar que nem a divisão de funções entre os órgãos do poder nem sua independência são absolutas. Há interferências, que visam ao estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos, à busca do equilíbrio necessário à realização do bem da coletividade e indispensável para evitar o arbítrio e o desmando de um em detrimento do outro e especialmente dos governados”. (SILVA, 2005, p. 110)

Dessa forma, podemos dizer então que o controle exercido pelo Poder Judiciário sobre os atos administrativos tem origem com a instituição do Estado de Direito, estruturado principalmente sobre o princípio da separação de poderes e sobre o princípio da legalidade, o qual é traduzido na Constituição Federal Brasileira em seu artigo 5º, inciso II, que estabelece que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

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3. SISTEMAS ADMINISTRATIVOS

Por sistema administrativo entendemos o regime adotado em cada Estado para regular as atividades administrativas ilegais praticadas pelo Poder Público em qualquer repartição governamental. São basicamente dois os modelos de sistemas administrativos: o contencioso administrativo e o sistema de jurisdição única.

O sistema do contencioso administrativo foi desenvolvido na França e se espalhou para outros países da Europa, tendo decorrido das revoluções liberais que ocorreram no século XVIII. Conforme exposto acima durante a análise da teoria desenvolvida por Montesquieu, a Revolução Francesa buscava por fim ao antigo regime absolutista e, por conseguinte, a separação dos poderes. Diante deste cenário, e ainda o instituído pelas teorias liberais, o controle da Administração Pública foi separada do controle da Justiça Comum, o que se observa pela instituição da Lei nº 16 de 24/08/1790 na França, a qual estabelecia que:

As funções judiciárias são distintas e permanecerão separadas das funções administrativas. Não poderão os juízes, sob pena de prevaricação, perturbar, de qualquer maneira, as atividades dos corpos administrativos. (Revista de Informação Legislativa, v.16, nº 62, p. 271-280, abr./jun. de 1979)

Assim, devido à rígida separação de poderes que ocorreu na França, e consoante a instituição da lei acima, o controle dos atos administrativos estaria exclusivamente reservado à apreciação da jurisdição do contencioso administrativo que possui como órgão máximo de fiscalização o Conselho de Estado Francês. Dessa forma, à Justiça Comum desse país cabe somente o controle dos atos praticados por particulares, mas não dos praticados pela Administração.

Já o sistema de jurisdição única foi desenvolvido na Inglaterra e posteriormente foi adotado nos Estados Unidos, Brasil, e outros países que não compartilharam do modelo desenvolvido na França, tendo como fundamento que todos os litígios, seja os administrativos ou os particulares, sejam julgados por um único órgão, ou seja, pelo Poder Judiciário. A formação desse sistema também decorreu em virtude das reivindicações do povo contra os privilégios da Coroa Inglesa, posto que antes todo o poder, seja de administração ou de julgamento, era concentrado nas mãos do Soberano. Logo depois as funções de administração passaram a ser exercidas pelo parlamento, no entanto as funções de julgamento ainda se encontravam atribuídas ao Monarca com a instituição do Tribunal do Rei. Somente posteriormente, com a instituição do Decreto de Estabelecimento de 1971 é que temos a separação do Poder Judiciário do Poder Real, quando as questões comuns e administrativas passaram a ser julgadas por este.

O Brasil adotou o sistema de jurisdição única, derivado do modelo adaptado pelos Estados Unidos, posto que cabe ao Poder judiciário, em caráter definitivo, o julgamento dos atos praticados tanto pelos particulares quanto pela Administração Pública, e inclusive nas questões que envolvam ambas as partes. Nessa mesma linha, Bandeira de Melo expõe que:

Entre nós, que adotamos, neste particular – e felizmente -, o sistema anglo-americano, há unidade de jurisdição, isto é, cabe exclusivamente ao Poder Judiciário o exercício pleno da atividade jurisdicional. Ato algum escapa ao controle do Judiciário, pois nenhuma ameaça ou lesão de direito pode ser subtraída à sua apreciação (art. 5º, XXXV, da Constituição). Assim, todo e qualquer comportamento da Administração Pública que se faça gravoso a direito pode ser fulminado pelo Poder Judiciário, sem prejuízo das reparações patrimoniais cabíveis. (MELO, 2009, p. 86)

Deste modo, cabe ao Poder Judiciário, portanto, o controle sobre os atos administrativos, principalmente em razão da adoção do sistema de jurisdição única no Brasil, traduzido no artigo 5º, inciso XXXV, o qual estabelece que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

4. CONTROLE JUDICIAL SOBRE OS ATOS ADMINISTRATIVOS

Conforme exposto anteriormente, o controle judicial sobre os atos administrativos tem exigência em razão da ideia de Estado de Direito e do sistema de jurisdição única adotado em nosso país.

Nesse sentido, a Administração Pública deve exercer seus atos em conformidade com a Constituição Federal, espelhando-se nela e em busca do cumprimento das finalidades expressas nesta, em razão do princípio da legalidade. Com efeito, cabe ressaltar aqui que o legislador pátrio achou por bem incluí-lo expressamente no dispositivo do inciso II do artigo 5º da Constituição Federal Brasileira. Desta forma, nota-se, inclusive, uma distinção entre os atos praticados por particulares, para os quais o que a lei não proíbe é permitido, dos atos praticados pela Administração, para os quais só poderá fazer aquilo que a lei expressamente permitir, em decorrência do princípio da legalidade.

Em decorrência da veiculação legal aos atos administrativos, podemos classificar estes em dois tipos: os atos administrativos vinculados e os atos administrativos discricionários.

Os atos administrativos vinculados são aqueles atos aos quais a lei estabelece os requisitos e condições para a sua realização. Ao administrador não é dada nenhuma margem de liberdade para a prática do ato uma vez que as ações são baseadas em pressupostos estabelecidos pela lei, que vinculam a legalidade, eficácia e validade do ato. Caso não sejam atendidos tais requisitos, o ato fica submetido ao controle pela própria Administração, ou pelo Poder Judiciário.

De outro lado, os atos discricionários são aqueles aos quais é dada uma certa liberdade ao administrador quanto a sua prática, conveniência, oportunidade e até mesmo o modo de sua realização. A discricionariedade para a prática do ato se faz em razão de que a lei não pode prever uma solução para todos os casos e problemas que surgem, daí porque é dada a liberdade para a Administração, em faltando a regulamentação legal, praticar seus atos conforme a sua conveniência, sempre em prol do interesse público. Da mesma forma segue o entendimento de Carvalho Filho:

A lei não é capaz de traçar rigidamente todas as condutas de um agente administrativo. Ainda que procure definir alguns elementos que lhe restringem a atuação, o certo é que em várias situações a própria lei lhes oferece a possibilidade de valoração da conduta. Nesses casos, pode o agente avaliar a conveniência e a oportunidade dos atos que vai praticar na qualidade de administrador dos interesses coletivos. (CARVALHO FILHO, 2009, p. 47)

Vale lembrar que o ato discricionário não deve ser confundido com os atos arbitrários, posto que enquanto aqueles são praticados com liberdade devendo observar sua conveniência conforme os preceitos legais, os atos arbitrários são sempre ilegítimos e, portanto, devem ser invalidados, seja pela Administração ou pelo próprio Poder Público.

Ainda no que concerne ao poder discricionário da Administração Pública, vale observar que no que tange o mérito dos atos administrativos, estes se consubstanciam com a valoração dos motivos e na escolha do objeto do ato pela própria Administração Pública, que se incumbe sobre a conveniência e sobre a oportunidade da sua prática. Dessa forma, não há que se falar em mérito nos atos administrativos vinculados, posto que estes se traduzem na atuação da Administração sobre os ditames legais, mas verifica-se o mérito em relação aos atos praticados em decorrência do poder discricionário do administrador.

Em relação ao controle judicial, temos que todos os atos administrativos estão sujeitos ao controle do Poder Judiciário, sejam eles praticados pelo poder Executivo, Legislativo ao até mesmo pelo próprio Judiciário, quando realizam atividade administrativa. Resta saber, no entanto, de que forma se dá esse controle pelo Poder Judiciário. Sobre essa questão, Hely Lopes assevera que:

É controle a posteriori, unicamente de legalidade, por restrito à verificação da conformidade do ato com a norma legal que o rege. Mas é sobretudo um meio de preservação de direitos individuais, porque visa a impor a observância da lei em cada caso concreto, quando reclamada por seus beneficiários. (MEIRELLES, 2010, p. 744)

Dessa forma, podemos dizer que todos os atos administrativos são sujeitos à apreciação judicial em razão da observância do princípio da legalidade. Por certo, os atos vinculados se sujeitam ao controle do Poder Judiciário por serem praticados conforme os requisitos previstos na própria lei, bastando a confrontação do ato com a própria lei para aferir se este é válido ou não.

No que tange aos atos administrativos discricionários é preciso constar que estes se sujeitam ao controle do Poder Judiciário em razão dos elementos vinculados ao cumprimento dos requisitos da lei, ou seja, sua forma, a competência da autoridade que o praticou, sua finalidade e etc. Não poderá, no entanto, ser apreciado pelo Poder Judiciário o mérito do ato administrativo, ou seja, a valoração de seus motivos, conveniência, eficiência e oportunidade em que este foi praticado. Esse tipo de controle compete normalmente à Administração, mas não ao Poder Judiciário. Tal ressalva diz respeito ao fato de que o Juiz não pode substituir o administrador nas tarefas deste, e ainda sobre a conveniência e oportunidade dos atos administrativos praticados em prol do interesse público. Corroborando esse entendimento, segue abaixo um julgado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios no qual se pode observar o uso do poder discricionário dos agentes administrativos em face aos seus servidores:

DIREITO ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO CIVIL. SERVIDORES DO DETRAN/DF. RECEBIMENTO DE PROVENTOS E VENCIMENTOS NO BANCO DE BRASÍLIA - BRB. LEGALIDADE. PRINCÍPIO DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O PRIVADO.

1. Compete ao órgão público, legitimado pelo poder discricionário conferido aos entes administrativos, a escolha da instituição financeira para o depósito dos vencimentos e proventos de seus servidores.

2. Não há inconstitucionalidade no art. 144, § 4º, da Lei Orgânica do Distrito Federal, que estabelece o lugar e a forma do pagamento da remuneração dos servidores públicos do Distrito Federal em razão do exercício de suas atividades.

3. Apelação conhecida, mas não provida. Unânime. (Apelação Cível 20110111699188 APC TJDFT. Rel. Des. Fátima Rafael. Julgamento em 19/02/2014).

Ou seja, pelo julgado supratranscrito temos a observância do princípio da legalidade e ainda da supremacia do interesse público sobre o privado, eis que o órgão público em questão, no caso o Detran do Distrito Federal, instituído pelo poder discricionário que lhe compete, pode escolher livremente, conforme a sua conveniência e oportunidade, a instituição financeira que deverá realizar o pagamento de seus servidores, sobretudo em virtude do funcionalismo e da eficiência dos atos públicos.

O mesmo entendimento é corroborado pelo Superior Tribunal de Justiça, o qual julgou improcedente uma ação ajuizada por um usuário de transportes públicos contra o município do Rio de Janeiro por este ter alterado as paradas e itinerários de certas linhas de ônibus, conforme o seguinte informe jurisprudencial abaixo:

TRANSPORTE INTERMUNICIPAL. ALTERAÇÃO DE PARADAS. ATO DISCRICIONÁRIO. O usuário se insurgia quanto à alteração dos intinerários dos ônibus vindos da Baixada Fluminense que, por determinação do Município do Rio de Janeiro, não mais trafegam pelo centro da cidade. A Turma, em julgamento anterior, entendeu que o usuário tem legitimidade para atacar o ato, por ser o destinatário do serviço público e, agora, firmou tratar-se de ato discricionário, que sob o aspecto formal não apresenta nenhum defeito, não podendo o Judiciário adentrar em suas razões de conveniência. Destacou, também, que o Município tinha competência para o ato, apesar deste afetar a região metropolitana. (RMS 11.050-RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 22/2/2000).

Assim, por mais que o Poder Judiciário possa exercer o controle sobre os atos administrativos, sejam eles vinculados ou discricionários, é preciso ressaltar que o Juiz não tem competência para examinar a própria valoração, motivos ou o mérito do ato, funções estas atribuídas ao administrador, sob pena de haver ofensa ao princípio da separação de poderes.

5. ATOS SUJEITOS AO CONTROLE DO PODER JUDICIÁRIO

Doutrinariamente, os atos judiciais estão sujeitos ao controle comum e ao controle especial.

Os atos sujeitos ao controle comum são os atos administrativos em geral, consoante a instituição do sistema de jurisdição única adotado no Brasil, traduzido no inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal. O objeto de controle do Poder Judiciário deve ser sobre a legalidade do ato, sendo que lhe é vedado qualquer pronunciamento acerca da conveniência, oportunidade, motivos ou eficiência deste, posto que dizem respeito ao mérito do ato administrativo, que é de controle da própria Administração.

Nesse sentido, a verificação da legalidade do ato é condição primordial para aferir a sua eficácia ou validade e a adequação à norma legal, bem como se o ato foi praticado em conformidade com a moral da instituição, para a finalidade ao qual se destinava, se foi divulgado em tempo pelo órgão oficial e se foi praticado tendo em vista a eficiência do funcionalismo público. Em tal verificação podemos aferir a conformação do ato administrativo como os princípios constitucionais da Administração Pública, quais sejam: o princípio da legalidade, da moralidade, da finalidade, da publicidade e da eficiência. Caso o ato foi praticado desviando-se desses princípios, este estará sujeito à invalidação pela própria Administração Pública ou pelo Poder Judiciário.

É de se observar ainda que não somente os atos praticados pela Administração serão objeto de controle, mas também as suas omissões quando decorrentes de comandos normativos e preceitos constitucionais que deveriam ser cumpridos pela Administração Pública.

Os atos administrativos sujeitos ao controle especial são os atos políticos, os atos legislativos e os “interna corporis”.

Por ato político entende-se aquele ato que é praticado por agentes do Governo, no uso de prerrogativas inerentes ao exercício de seus cargos. Apesar de estes agentes possuírem maior discricionariedade quando da execução destes atos, por se tratar de atos de condução de negócios públicos, estes também se encontram sujeitos à apreciação do Poder Judiciário quando dizem respeito aos atos cometidos em desconformidade com o interesse coletivo e contra o patrimônio público. É o que ocorre, por exemplo, quando alguma autoridade pública falta com o dever de probidade, ou seja, quando a conduta do administrador não se coaduna com a conduta esperada para tal autoridade.

Por sua vez, os atos legislativos são essencialmente as leis, enquanto normas gerais e abstratas, que também se sujeitam ao controle do Poder Judiciário, no entanto não pela via comum, mas sim pela via especial com o uso da ação direta de inconstitucionalidade ou com a ação declaratória de constitucionalidade. Ou seja, somente pela via especial, com a provocação do Supremo Tribunal Federal, é que se poderá declarar qualquer inconstitucionalidade sobre leis ou sobre qualquer outro ato normativo. As exceções que se fazem a controle pela via especial decorrem das leis e decretos com efeitos concretos, ou seja, possuem objeto determinado, que podem ser impugnados pela própria Justiça Comum.

Por fim, os “interna corporis” dizem respeito aos atos praticados pelas Câmaras aos quais é negada a apreciação pelo controle da via comum. São os atos que dizem respeito as questões ligadas a gestão e funcionamento do Plenário das Câmaras, elaboração de regimentos e etc. Sendo assim, se encontram sobre o controle judicial as decisões administrativas e as deliberações normativas que venham a lesar direitos individuais e coletivos ou que não se coadunem com a Constituição.

6. MEIOS DE CONTROLE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS PELO PODER JUDICIÁRIO

Constituem-se como meios de controle dos atos administrativos as vias processuais da Justiça Comum, com os procedimentos ordinário, sumário e especial, os quais podem ser buscados por qualquer pessoa que se sinta lesada pela prática dos atos pela Administração Pública, ou ainda que vise à proteção dos interesses coletivos ou difusos, tal como é o caso da ação popular ou da ação civil pública, e ainda pelo uso da ação direta de inconstitucionalidade ou da ação declaratória de constitucionalidade.

Em caso de abuso ou ato de ilegalidade que atinja direito individual praticada pela Administração Pública, quem se sentir lesado poderá impetrar mandado de segurança, conforme o que estabelece o inciso LXIX do artigo 5º da Constituição Federal Brasileira que dispõe o seguinte: “conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”. De outro lado, pode ser impetrado mandado de segurança coletivo para defesa de interesses referentes aos integrantes de partidos políticos, conforme o que dispõe o inciso LXX do artigo 5º da Constituição Federal.

Pode ser impetrado também mandado de injunção quando alguém se sentir prejudicado pela falta de alguma norma regulamentadora que torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais (artigo 5º, inciso LXXI) e habeas data para que qualquer pessoa tenha acesso aos registros públicos que lhe concernem perante as repartições públicas (artigo 5º, inciso LXXII).

Poderá ser proposta ação direta de inconstitucionalidade para aferir se determinada lei se encontra em consonância com os preceitos normativos constitucionais (artigo 102, inciso I, alínea “a”), ou a ação declaratória de constitucionalidade para que se afaste qualquer dúvida sobre a constitucionalidade ou não de determinada lei (artigo 102, inciso I, alínea “a”), dentre outras ações ordinárias que podem ser ajuizadas pelo particular em face da Administração Pública, tais como ações possessórias, ações monitórias, de cobrança e etc.

Isto posto, estes são alguns meios que podem ser utilizados, tanto pelos particulares como por outras entidades, para o controle sobre os atos administrativos, chegando até mesmo a invalidação destes.

7. CONCLUSÃO

O objetivo do presente trabalho foi fazer uma análise doutrinária e jurisprudencial acerca do controle exercido pelo Poder Judiciário sobre os atos administrativos. Consoante a abordagem utilizada, percebeu-se que o controle judicial teve origem, assim como o Direito Administrativo, com a formação do Estado de Direito, o qual por sua vez derivou das grandes revoluções liberais que ocorrerem no século XVIII na Europa.

Observou-se, ainda, que no Brasil, diferente dos outros países da Europa, o que vigora é o sistema de jurisdição única, ou seja, todo e qualquer ato dever ser apreciado pelo Poder Judiciário, conforme o que estabelece o inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal Brasileira.

No que concerne à atividade administrativa, pudemos observar que a autoridade possui o poder vinculador e o poder discricionário para a prática de seus atos, sendo que o primeiro decorre expressamente da Lei, a qual estabelece requisitos para a sua prática, enquanto que o poder discricionário decorre da liberdade que a Administração Pública possui para a prática de determinados atos que não são previstos em lei, sendo que tal exigência se relaciona com a análise da conveniência e oportunidade para a prática destes atos, posto que não se pode confundir os atos discricionários com os atos arbitrários, sendo que estes são ilegais e devem ser invalidados pelo Poder Judiciário.

Por fim, com a análise doutrinária e jurisprudencial realizada sobre o presente estudo chegamos à conclusão de que o Poder Judiciário é o órgão máximo de controle dos atos administrativos, no entanto, este não pode interferir em seu mérito, no que concernem as razões e motivos pelos quais estes formam praticados, com a ressalva de que estes devem atender aos princípios constitucionais da Administração Pública dispostos no artigo 37 da Constituição Federal Brasileira.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Senado Federal: Biblioteca do Senado. Revista de Informação Legislativa, v.16, nº 62, p. 271-280, abr./jun. de 1979. Disponível em: <http://www2. senado.leg.br/bdsf/handle/id/181131>. Acesso em 30 out. 2014

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BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Apelação Cível nº 20110111699188 da 2ª Turma Cível do TJDFT. Brasília, DF, 19 de fevereiro de 2014. Disponível em: <http://tj-df.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/117695747/apelacao-civel-apc-20110111699188>. Acesso em: 29 out. 2014.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 21. ed. rev. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris Ltda, 2009.

CUNHA JÚNIOR, Dirley. Curso de direito administrativo. 11. ed. rev. Bahia: Editora JusPodivm, 2012.

MEIRELLES, Hely Lopes. et al. Direito administrativo brasileiro. 36. ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2010.

MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26. ed. rev. São Paulo: Editora Malheiros, 2009.

PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Editora Atlas S.A, 2014.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 25. ed. rev. São Paulo: Editora Malheiros, 2005.

Sobre os autores
Danielle Costa Tinoco

Acadêmica de Direito da Universidade Federal do Maranhão - UFMA.

Drissana Emília da Silva Cunha

Acadêmicos do 7° período do Curso de Direito da Universidade Federal do Maranhão.

Gustavo Marques da Silva Castro

Acadêmico de Direito da Universidade Federal do Maranhão - UFMA.

Vanessa Julia Pereira Silva

Acadêmica de Direito da Universidade Federal do Maranhão - UFMA.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trabalho apresentado a disciplina Direito Administrativo II do Curso de Direito da Universidade Federal do Maranhão - UFMA sob orientação do Professor Raimundo Nonato Serra Campos Filho, professor do Curso de Direito da referida universidade, para a obtenção da 1ª nota avaliativa.

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