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Aspectos sobre a responsabilidade trabalhista do dono da obra

Agenda 14/12/2016 às 09:10

Aclara-se algumas nuanças sobre a responsabilidade trabalhista do dono da obra em caso de inadimplência do empreiteiro com as parcelas trabalhistas.

As relações trabalhistas têm ganhado a cada dia variantes e especificidades que, vez ou outra, coloca o aplicador do direito em situação de complexa resolução. Conforme cediço, é comum que os fatos sociais caminhem em velocidade mais célere que as adequações pretendidas pelo legislador, compondo cenários nos quais as regras normativas existentes se mostram insuficientes ou mesmo incapazes de regulamentar com propriedade as demandas que surgem frequentemente.

Assim, buscando uma alternativa às constantes lacunas ou imperfeições legislativas, surge o trabalho de construção jurisprudencial notadamente efetuado pelos diversos Tribunais, materializando seu labor mais proeminente com a publicação de enunciados de cunho interpretativo/integrativo através dos verbetes sumulados.

Na seara trabalhista esta função integrativa pretoriana adquire ares mais incisivos, haja vista a própria década na qual foi produzido o diploma celetista, cujo conteúdo, decisivamente, não mais comporta em sua totalidade a atual realidade e características assumidas pelo mundo do trabalho.

Diante disso, procurando regulamentar um processo crescente – e penso irreversível – da terceirização da mão de obra, o TST tem constantemente publicado e, inclusive, reeditado súmulas e orientações jurisprudenciais na pretensão de não relegar ao vácuo normativo os direitos dos empregados contratados nessa cadeia de produção na qual estão inseridos.  

Dentre os posicionamentos firmados pelo TST, os quais se tornam verdadeira lei no âmbito laboral, mormente ante a falta de normas na espécie, há em seu portfólio a OJ de nº 191, que trata da responsabilidade trabalhista existente entre o dono da obra e o empreiteiro contratado a fim de materializá-la. Nos termos do aludido verbete: “Diante da inexistência de previsão legal específica, o contrato de empreitada de construção civil entre o dono da obra e o empreiteiro não enseja responsabilidade solidária ou subsidiária nas obrigações trabalhistas contraídas pelo empreiteiro, salvo sendo o dono da obra uma empresa construtora ou incorporadora”.

Portanto, pelo que se transcreve acima, somente será solidário ou subsidiariamente responsável pelos créditos trabalhistas o dono da obra revestido da condição de empresa construtora ou incorporadora. Nos demais casos, havendo um contrato de empreitada, ainda que o empreiteiro descumpra com suas obrigações empregatícias, o requisitante da obra não poderá ser acionado com relação aos créditos daquela natureza.

Não obstante a clareza do enunciado, situações há que colocam o aplicador em condição de delicado solucionamento. Existem duas formas de se adotar uma postura equivocada quanto à incidência normativa. Uma, pela errônea interpretação que se faz quanto ao conteúdo e alcance da regra jurídica. Noutro ponto, a falta de acerto pode residir na incompreensão ou falsa percepção do fato a que se destina o comando prescritivo. Assim, quanto à OJ nº 191, seus termos jurídicos (conteúdo), bem como o alcance de seu mister não acarretam maiores celeumas de cunho interpretativo. Contudo, é no plano dos fatos que, em muitos casos, o conflito se apresenta, sendo destoantes as óticas voltadas para a existência de responsabilidade do dono da obra a depender do panorama factual da relação jurídica travado com o empreiteiro.

Diante disso, não causa espécie a massiva quantidade de reclamações trabalhistas que discutem justamente este núcleo factual por onde gravita o entrelaço obrigacional firmado entre dono da obra e empreiteiro, sendo o objetivo último a responsabilização daquele primeiro em função da ausência de adimplemento dos créditos laborais por parte do derradeiro. É justamente neste aspecto que pretendemos adentrar e construir um terreno menos “lamacento”, fornecendo ao aplicador parâmetros mais seguros de elucidação das circunstâncias que, no dia a dia, apresentam-se maquiadas ou em zonas por demais cinzentas para uma perfeita subsunção à normatização jurisprudencial.

Pois bem, da dicção da OJ sob análise não há o que se discutir quanto à existência de responsabilidade das construtoras e incorporadoras, visto que o liame empregatício, ainda que terceirizado, origina-se de atividade-fim, decorrente de empreendimento econômico. Logo, o labor exercido, ainda que intermediado por um empreiteiro, encontra-se dentro da atividade de empresa, sendo imprescindível a contratação de trabalhadores para a realização de seu mister empresarial. Em última análise, os vínculos empregatícios firmados foram necessários e contribuíram para o lucro final da construtora ou incorporadora, sendo uma forma de locupletamento a auferição de ganhos sem o correspondente pagamento da força de trabalho utilizada para tal finalidade. Aqui, a questão resolve-se muito mais com a aplicação da Súmula 331, atinente à terceirização, do que propriamente com a orientação jurisprudencial em comento.

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Dito isso, passemos à intelecção da segunda hipótese, cujo preceito é o principal responsável pelos destoantes posicionamentos em situações nas quais se afiguram, factualmente, semelhantes. Na verdade, trazemos um problema recorrente, que aparece quando se contrata uma pessoa, na qual se denomina empreiteiro, efetuando pagamentos constantes à ele e sua equipe pelo tempo que durar a execução da obra. Neste cenário, muitos defendem a existência de um contrato de empreitada, revestido de todas as exigências legais para sua configuração. No entanto, pela prática vivenciada no trato diário com o tema, há que se esclarecer certas nuanças que serão decisivas para a aferição da possível responsabilidade trabalhista do contratante.

Sendo nosso ordenamento jurídico um sistema, tem como característica o interrelaciomento  de suas normas, contendo significados que flutuam pelos diversos ramos do direito. No espectro trabalhista isto não é diferente. Portanto, o instituto da empreitada, apesar da origem cível, é utilizado pelo direito do trabalho justamente para afastar a incidência de suas regras, ou seja, as de natureza laboral. Assim, vejamos o que os civilistas pensam a respeito de referido instituto.

De acordo com VENOSA, nesta modalidade contratual “uma das partes, denominada empreiteiro, empresário ou locador, obriga-se a executar uma obra, mediante pagamento de um preço (Destaque nosso) que outra parte, denominada dono da obra, comitente ou locatário, compromete-se a pagar”. (VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: contratos em espécie. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2006, p.219)

Sem destoar da definição acima, para Maria Helena Diniz, trata-se a empreitada de “contrato pelo qual um dos contratantes (empreiteiro) se obriga, sem subordinação, a realizar, pessoalmente ou por meio de terceiro, certa obra (p.ex, construção de uma casa, muro, represa ou ponte; composição de uma música) para outro (dono da obra), com material próprio ou por este fornecido, mediante remuneração determinada ou proporcional (Destaque nosso) ao trabalho executado”. (DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. 14ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2009, p.465)

De acordo com nosso dicionário Aurélio, o conceito de empreitada consiste em uma “obra que se faz segundo determinadas condições por um preço previamente estipulado” (Disponível em <http://www.dicionariodoaurelio.com.br> Acesso em Setembro de 2012)

Portanto, do que se percebe, o contrato de empreitada tem como uma de suas marcas característica a estipulação pérvia de um valor pelo resultado que se espera entregue pelo empreiteiro. Em outros termos, neste tipo de avença se define um preço pelo resultado contratado. Aliás, é neste aspecto do resultado de que se diferencia a empreitada do contrato de prestação de serviços, uma vez que neste o objeto é o trabalho em si, e não o resultado final. Conforme adverte VENOSA “Na empreitada, existe obrigação de entregar obra; na prestação de serviços, existe obrigação de executar trabalho. Daí concluir-se que na empreitada há obrigação de resultado”.  (VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: contratos em espécie. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2006, p.226)

Do que se vê, para que se configure a empreitada em sua acepção cível, faz-se imprescindível que haja um preço propriamente dito estipulado com base no resultado final. Ou seja, para a caracterização da empreita, o dono da obra deverá fixar um projeto, sendo sua execução paga de forma global, por valor/preço previamente acordado entre as partes. Reforça inclusive esta assertiva o artigo 619 do Código Civil, eis que nele há, como regra geral, proibição de revisão contratual do preço, caso não ocorram modificações significativas no projeto pelo qual o empreiteiro se dispôs a executar, senão vejamos:

Art. 619. Salvo estipulação em contrário, o empreiteiro que se incumbir de executar uma obra, segundo plano aceito por quem a encomendou, não terá direito a exigir acréscimo no preço, ainda que sejam introduzidas modificações no projeto, a não ser que estas resultem de instruções escritas do dono da obra.

Mais à frente, o artigo 620 do mesmo diploma legal reafirma a lógica do instituto ao prescrever a possibilidade de abatimento do preço, sendo este preço especificado dentro de sua natureza global.

Art. 620. Se ocorrer diminuição no preço do material ou da mão-de-obra superior a um décimo do preço global convencionado, poderá este ser revisto, a pedido do dono da obra, para que se lhe assegure a diferença apurada.

Portanto, fica clara a necessidade de um resultado e um preço fixo por este resultado. De forma meramente ilustrativa e não muito técnica, somente a título alegórico, é como se o dono da obra estivesse “comprando” aquela obra, pagando uma única quantia pela construção pronta e concluída. Por conta disso é que se fala em “preço”, e não em remuneração, como contraprestação ao empreiteiro, haja vista que este estará entregando ao final um produto, pronto e acabado, sendo pago por este produto e não pelo trabalho em si.

Por fim, é fato que o próprio Código Civil prevê, em seu artigo 614, o pagamento seguimentado, na medida em que regulamenta que se “a obra constar de partes distintas, ou for de natureza das que se determinam por medida, o empreiteiro terá direito a que também se verifique por medida, ou segundo as partes em que se dividir, podendo exigir o pagamento na proporção da obra executada”. No entanto, ainda assim há um preço fixo por parcelas da obra, ou mesmo as medições, não se tratando de uma remuneração continuada ou periódica. O pagamento ainda dependente do resultado, apesar deste ter sido fragmentado em etapas ou medidas de execução.

Feitas essas digressões, tudo o que se disse até aqui foi para aclarar situações corriqueiras, nas quais o dono da obra, ele mesmo, contrata um mestre de obras, remunerando-o por diárias; também remunera, quando necessário, a equipe arregimentada pelo mestre de obras, comportando pedreiros, ajudantes, carpinteiros etc. Nesta ocasião, há nítida retribuição pelo trabalho realizado, principalmente pelo fato de que dita retribuição será paga enquanto trabalho houver. Nestas situações, é fato que habitualmente a equipe contratada se dispõe a alcançar um resultado final, tais como a construção de uma casa ou a reforma de um telhado, entretanto, sendo a equipe remunerada periodicamente não há que se falar em contrato de empreita.  Neste, do que se desenhou até aqui, há de existir um preço fixo, podendo representar um valor pelo todo ou pelas partes, mas sempre de natureza estanque e vinculado à entrega do resultado, independentemente do tempo que durar.

É justamente neste ponto onde se percebem as maiores celeumas judiciais, nas quais o dono da obra traz a lume a OJ nº 191 e sua consequente irresponsabilidade trabalhista por se tratar de um contrato de empreitada. Contudo, no bojo da lide resta comprovado que havia um evidente pagamento periódico pelo trabalho realizado, e não um preço único pelo resultado final pactuado. Aqui há de ser feita uma ressalva, esclarecendo que nada impede que se parcele o pagamento daquele valor global nos contratos de empreitada. Isto não desnatura seu instituto. O essencial é que estas parcelas refiram-se ao preço total da obra, não configurando pagamento continuado pelo trabalho enquanto este durar.

Há de se destacar que nos contratos de empreitada, caso o término da obra se prolongue no tempo, atingindo um prazo maior do que o previsto, e não tenha o dono da obra concorrido para tal, o valor a ser pago ao empreiteiro será o mesmo, independentemente do quanto durar. Já quando se trata das diárias pagas pelo proprietário, estas perdurarão até a conclusão dos trabalhos, pois, apesar do resultado visado, o pagamento do serviço não é fixado por um valor global. Logo, não tendo sido estipulado um preço global, ou mesmo fixo em razão das etapas, de contrato de empreitada não se trata.

No mais, uma vez demonstrado este sutil, porém relevante aspecto que desnatura o contrato de empreitada, resta para a configuração da relação de empregado a demonstração da subordinação jurídica, presentes, obviamente, os demais elementos caracterizadores (pessoalidade, onerosidade, habitualidade). Não nos aprofundaremos nestes últimos visto que, no geral, não são motivo de maiores debates com relação ao presente tema.

Dessarte, pagos os trabalhos sob a forma de diárias poderemos vislumbrar um contrato civil de prestação de serviço ou então um contrato de emprego, sendo a nota proeminentemente  diferenciadora a presença ou não da subordinação jurídica, condição peculiar àquele último. Como bem descreve GODINHO, a “locação de serviços abrange, necessariamente, prestações laborais autônomas, ao passo que o contrato empregatício abrange, necessariamente, prestações laborais subordinadas”. E arremata mais à frente, o mesmo autor, ao esclarecer que “autonomia laborativa consiste na preservação, pelo trabalhador, da direção cotidiana sobre sua prestação de serviços; subordinação laborativa, ao contrário, consiste na concentração, no tomador de serviços, da direção cotidiana sobre a prestação laboral efetuada pelo trabalhador”. (GODINHO, Mauricio Delgado. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg. - Belo Horizonte, 31 (61): 75-92, Jan./Jun.2000)

Percebe-se, portanto, que o direcionamento das atividades é fator crucial para se chegar à adequada diferenciação dos institutos acima relacionados. Na prestação de serviço, por conter uma relação entre partes que ocupam o mesmo plano jurídico no concerne à hierarquia, o tomador requisita determinado trabalho, sendo este colocado em prática sob a direção e responsabilidade do próprio executor do serviço. Logo, quando uma empresa aciona um encanador para solucionar um vazamento, a tarefa será realizada sob a direção deste, não restando maiores obrigações para a empresa, senão o pagamento do serviço prestado.

Na construção civil, porém, verifica-se uma considerável quantidade de obras residenciais nas quais o contratante do serviço/dono da obra dirige constantemente a execução das atividades. Apesar de não raras vezes ser desprovido do conhecimento técnico, a execução em si do projeto é monitorado e, principalmente, dirigido pelo contratante, determinando a forma de realização e conclusão das etapas. Nesta realidade que se apresenta, indiscutível a subordinação jurídica, eis que nas palavras já transcritas há uma direção cotidiana sobre a prestação laboral.

Assim, pelo o que se demonstrou, a OJ nº 191 somente deve ser aplicada nos casos onde de fato se constata uma relação civilista de empreitada, constituída pela ausência de subordinação jurídica entre as partes, estipulação de um preço e um resultado final como objeto central do contrato. Trazendo à nossa realidade, referido verbete buscou isentar da responsabilidade trabalhista aquele cidadão que adquire uma casa com base em projeto, prática muito comum principalmente nos atuais condomínios residenciais fechados, onde se adquire o lote e depois se contrata uma empresa para a construção da moradia. Nestes casos, paga-se o valor total do projeto, ficando de inteira responsabilidade da empreiteira tocar a obra, inclusive, contratando os trabalhadores necessários para sua execução. É função da empreiteira entregar a obra perfeita e acabada, restando ao contratante pagar o preço acordado. Este somente poderá reclamar dos resultados com base no projeto, sendo a direção propriamente dita da obra de responsabilidade tão somente da empreiteira.

Enfim, quando se está constantemente gerenciando a realização da construção, com o fornecimento de instruções contínuas, monitoramento massivo e ajustes corriqueiros, dificilmente poderá ser defendida a tese da prestação de serviços, mormente quando também se adiciona àquelas características o tempo despendido para a conclusão da obra.

Assim, uma vez afastada a prestação de serviços, e não se enquadrando no conceito de empreitada, o dono da obra deverá arcar com todas as obrigações trabalhistas. E aqui não se trata de responsabilidade subsidiária ou solidária, mas de formação de relação jurídica empregatícia direta entre o dono da obra e os demais contratados, inclusive com o que se auto denomina empreiteiro, eis que esta condição fora afastada como pressuposto lógico da responsabilidade direta laboral por parte do contratante da mão de obra. Em suma, é a realidade com a qual se firmou a relação jurídica que será decisiva para o correto enquadramento normativo, não bastando – como ocorre rotineiramente – a simples menção das partes de se tratar de um contrato de empreitada, sobretudo quando se está diante de um ramo do direito que tem como uns de seus princípios fundamentais a indisponibilidade  e primazia da realidade.   

Sobre o autor
Leonardo Carmo Ribeiro de Lima

Formado em Direito pela Universidade Federal de Alagoas e especialista em Direito Previdenciário. Exerce atualmente o cargo de Auditor Fiscal do Trabalho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Leonardo Carmo Ribeiro. Aspectos sobre a responsabilidade trabalhista do dono da obra. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4914, 14 dez. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54498. Acesso em: 22 dez. 2024.

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