Para boa compreensão das novas mudanças no cálculo do FAP (Fator Acidentário de Prevenção), faz-se necessário tecer breves comentários a despeito das disposições legislativas que versam sobre o tema.
Nesse sentido, cumpre esclarecer que o art. 22, II, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, dispôs que as empresas estão obrigadas ao recolhimento da contribuição social[1] destinada ao custeio da aposentadoria especial prevista nos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991.
Assim, referida contribuição deve ser enquadrada pelas pessoas jurídicas nos percentuais de 1%, 2% ou 3%, conforme grau de risco da atividade preponderante[2],e incide sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos. Trata-se, portanto, do antigo SAT (Seguro Acidente do Trabalho), atualmente conhecido como GIILRAT (Grau de Incidência de Incapacidade Laborativa decorrente dos Riscos Ambientais do Trabalho).
Em tal contexto, foi publicada a Lei nº 10.666, de 8 de maio de 2003, fruto da conversão da Medida Provisória nº 83, de 12 de dezembro de 2002, que, em seu art. 10, previu que a alíquota do GIILRAT será reduzida em até 50%, ou aumentada em até 100%, mediante o desempenho da empresa em relação à respectiva atividade empresarial, nos moldes de metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social.
De acordo a exposição de motivos da aludida Medida Provisória:
“31. No art 10, faz-se proposta de flexibilização de alíquotas de contribuição em razão dos desempenhos das empresas na prevenção dos acidentes de trabalho. A preocupação com a saúde e segurança dos trabalhadores constitui-se em um dos temas de mais elevado poder aglutinador. Mesmo reconhecendo que a necessidade de proteger o trabalhador que trabalha em ambiente ou serviço perigoso, insalubre ou penoso é da empresa que assume o risco da atividade econômica e deve responsabilizar-se pelas conseqüências das enfermidades contraídas e acidentes do trabalho sofridos pelos empregados, na prática que as suporta é o Governo, por meio do Ministério da Saúde em relação às despesas médicas e hospitalares e do INSS em relação às incapacidades laborativas, temporárias ou permanentes e às mortes.
32. A proposta visa introduzir mecanismos que estimulem os empresários a investirem em prevenção e melhoria das condições do ambiente de trabalho, mediante a redução, em até 50%, ou acréscimo, em até 100%, da alíquota de contribuição destinada ao financiamento das aposentadorias especiais ou dos benefícios concedidos em razão de acidentes ou de doenças ocupacionais, conforme a sua posição da empresa na classificação geral apurada em conformidade com os índices de freqüência, gravidade e custo das ocorrências de acidentes, medidas segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social - CNPS. A participação do CNPS na validação desta metodologia é de fundamental importância devido ao caráter quadripartite (governo, aposentados, trabalhadores e empregadores) da sua composição”.
Infere-se, desta forma, que o objetivo do Governo visa reduzir custos da Previdência Social pelos pagamentos de benefícios previdenciários e aposentadorias especiais. Em contrapartida, concedeu incentivo pela redução do GIILRAT para aquelas empresas que diminuírem o número de afastamentos por doenças ocupacionais ou acidentes do trabalho, estimulando a implantação de medidas protetivas de riscos relacionados com o ambiente de trabalho, ao passo que as empresas que mantiverem ou aumentarem números elevados de afastamentos,serão penalizadas com a majoração dessa contribuição.
Com efeito, foi instituído o FAP por intermédio da publicação do Decreto nº 6.957, de 9 de setembro de 2009[3], o qual consiste num multiplicador de 0,5000 a 2,0000, calculado sobre a alíquota do GIILRAT, de sorte a diminui-lo ou aumenta-lo. É composto pelos índices de gravidade, de frequência e de custo do contribuinte, dentro de um “ranking de empresas” da respectiva atividade econômica.
Decorre que diversas empresas ajuizaram ações questionando a constitucionalidade do FAP, razão pela qual o Supremo Tribunal Federal declarou a repercussão geral da matéria por ocasião do Recurso Extraordinário nº 677.725/RS, sob relatoria do Ministro Luiz Fux[4].
Paralelamente à discussão a despeito da constitucionalidade do FAP, iniciou-se também questionamentos judiciais acerca dos critérios para composição do cálculo, a exemplo do cômputo dos acidentes de trajeto[5], que é aquele ocorrido no percurso da residência e o local de trabalho.
Tendo em vista que o acidente de trajeto não possui qualquer vínculo com o ambiente de trabalho (nexo de causalidade) e foge do controle do empregador, não representa o grau efetivo de risco do estabelecimento.
A tal propósito, confira-se precedente sobre o tema da 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que trata da exclusão do acidente de trajeto no cômputo do FAP:
“TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO AO SAT/RAT E APLICAÇÃO DO FAP. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. ALÍQUOTAS. ACIDENTES DE TRAJETO.
1. A regulamentação da metodologia do FAP através dos Decretos nºs 6.042/07 e 6.957/09 não implica afronta ao princípio da legalidade insculpido no artigo 150, inciso I, da CF, já que as disposições essenciais à cobrança da contribuição se encontram delineadas nas Leis nºs 8.212/91 e 10.666/03;
2. Ainda que a lei equipare ao acidente de trabalho o ocorrido no percurso da residência para o local de trabalho, ou deste para aquela, não se pode admitir que esse critério componha a fórmula de cálculo do FAP;
3. Apelação desprovida”.
(TRF-4. Relator Luiz Antonio Bonat. Apelação Cível nº 5008219-78.2014.404.7112. 1ª Turma. Data do Julgamento: 09/11/2016)
Verifica-se que a própria Previdência Social permanece em busca de uma metodologia mais “justa” para fins de apuração do índice do FAP, de sorte a evitar a penalização de empregadores que efetivamente reduziram os números de afastamentos diante da aplicação de medidas protetivas de riscos ambientais no trabalho.
Firmada tal premissa, a primeira alteração na metodologia do FAP ocorreu em 2016, por força da Resolução nº 1.327/2015, do Conselho Nacional de Previdência Social, a qual estabeleceu que a apuração será realizada por estabelecimento individual, excluída a apuração por CNPJ raiz até então adotada.
Recentemente, em reunião realizada no dia 17 de novembro de 2016[6], o Conselho Nacional da Previdência Social aprovou novas modificações no cômputo do cálculo em 2017 e que somente serão refletivas no FAP de 2018.
Foi deliberado pela exclusão dos acidentes de trabalho com afastamento de até 15 dias, sem concessão de benefício, salvo quando resultar em óbito, independente se houver ou não concessão de benefício nesta hipótese. O argumento foi no sentido de que não é possível diferenciar empresas que causam maior gravidade daquelas que geram menor gravidade.
A exclusão em referência se mostra adequada, porquanto os afastamentos de até 15 dias não geram custos para a Previdência Social, visto que incumbe ao empregador o pagamento integral do salário do segurado neste período[7].
Outra modificação apropriada consiste na exclusão do acidente de trajeto sem concessão de benefícios, pois, como já adiantado, trata-se de acidente ocorrido fora do ambiente de trabalho, sem qualquer gerência por parte do empregador.
Foi aprovado também a exclusão da redução de 25% do índice do FAP calculado na faixa “malus” (acima de 1%) por intermédio de uma regra de transição: em 2018, a redução será de 15% e no ano de 2019, totalmente extinto.
O Conselho alegou que a redução de 25% foi introduzido somente para o primeiro ano de vigência do FAP, porém continuava a ser aplicado pela Previdência Social até os dias atuais[8].
Foi definido também que, para fins do bloqueio de bonificação com base na taxa média de rotatividade acima de 75%, serão utilizados apenas a rescisão sem justa causa, a rescisão antecipada de contrato a termo, bem como a rescisão por término de contrato a termo.
Vale dizer que, no caso deste bloqueio, os Sindicatos não terão mais autonomia para providenciar o desbloqueio.
Por último, foi aprovado no critério de desempate de empresas classificadas na mesma atividade econômica, sendo que a partir de 2018, considera-se a posição inicial do empate sem modificar o número total de empresas com o cálculo válido. O critério atual considera a posição média das posições empatadas.
Contudo, em que pese o esforço da Previdência Social para correção das distorções no cômputo do FAP, o problema maior é que ainda existem aspectos que necessitam ser reavaliados pelo Órgão, a exemplo do cômputo de benefícios objeto de contestações administrativas, de forma que, caso o benefício seja posteriormente revertido, a empresa foi injustamente penalizada com o agravamento do FAP, bem como para os benefícios decorrentes da “doença profissional” definida pelo art. 20, I, da Lei 8.213/1991, que é aquela produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade, ou seja, trata-se de doença concedida sem qualquer nexo de causalidade com o ambiente de trabalho.
Portanto, a despeito de estar vigente desde 2010, o contexto acima mostra que o FAP foi instituído sem a adequada avaliação dos critérios que retratam o autêntico objetivo de incentivar os empregadores a trazer melhorias nas condições do ambiente de trabalho, bem como reduzir os custos da Previdência Social, evitando-se, assim, a penalização injusta de contribuintes que promoveram efetivamente tais investimentos, situação que, invariavelmente, traz uma sensação de insegurança jurídica.
Notas
[1] Cf. art. 195, I, alínea “a”, da Constituição Federal.
[2]Decreto nº 3.048/1999: Art. 202 (...) § 3º Considera-se preponderante a atividade que ocupa, na empresa, o maior número de segurados empregados e trabalhadores avulsos.
[3] Altera o Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto no 3.048, de 6 de maio de 1999, no tocante à aplicação, acompanhamento e avaliação do Fator Acidentário de Prevenção - FAP.
[4] Tema 554 das Repercussões Gerais: “Fixação de alíquota da contribuição ao SAT a partir de parâmetros estabelecidos por regulamentação do Conselho Nacional de Previdência Social”
[5] Art. 21, IV, alínea “d”, da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991.
[6]http://www.previdencia.gov.br/2016/11/cnps-conselho-aprova-alteracoes-no-calculo-do-fator-acidentario-de-prevencao/
[7] Art. 60, §3º, da Lei nº 8.213/1991.
[8] De fato, o art. 3º, do Decreto nº 6.957/2009, estabeleceu a redução apenas o ano de 2010.