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O princípio do contraditório no âmbito do sistema processual democrático e a sua aplicação no novo Código de Processo Civil brasileiro (lei 13.105/15)

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Agenda 15/12/2016 às 02:01

Examina-se a nova visão conferida ao princípio constitucional do contraditório com o advento do novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015).

RESUMO:O presente trabalho tem como objetivo examinar a nova visão conferida ao princípio constitucional do contraditório com o advento do novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015). Para tanto, inicia-se o estudo com os princípios universais, além dos expressamente positivados na Constituição Federal de 1988 que se relacionam com o princípio do contraditório, informando suas características, assim como a sua imprescindibilidade a fim de assegurar os direitos e garantias individuais. Estuda-se a evolução do contraditório ao longo do tempo, sua definição empregada pelo constituinte originário e os posicionamentos doutrinários que poderão auxiliar os operadores do direito. Expõe-se um quadro com as expectativas sobre a interpretação e aplicação do art. 10 do NCPC pelos operadores do direito e órgãos jurisdicionais, e como a jurisprudência poderá se posicionar para garantir o direito de influência, assim como vedar as “decisões-surpresa”.

PALAVRAS-CHAVE: Princípios Processuais Constitucionais. Princípio do Contraditório. Novo Código De Processo Civil. Decisão-surpresa. Direito de Influência.

ABSTRACT:The objective of this study is to analyze the new vision conferred on the constitutional principle of the adversary with the advent of the new Brazilian Code of Civil Procedure – NCPC – (Law 13,105 /2015). To do so, the study begins with the universal principles, in addition to those expressly affirmed in the Federal Constitution of 1988, which relate to the principle of contradiction, informing its characteristics, as well as its indispensability in order to guarantee individual rights and guarantees. The evolution of the contradictory over time is studied, its definition used by the original constituent and the doctrinal positions that will assist the operators of the law. This study analyzes the expectations about the interpretation and application of art. 10 of the NCPC by law-enforcement operators and courts, and how jurisprudence can be positioned to ensure the right to influence, as well as to bar "surprise decisions".

KEYWORDS: Constitutional Procedural Principles. Principle of Contradictory. New Code of Civil Procedure. Surprise decision. Right of Influence.


INTRODUÇÃO

A proposta do Estado Democrático de Direito, observados nos ditames da Constituição Federal de 1988, é concretizar uma ordem processual que atenda fielmente aos preceitos e princípios expressos no texto constitucional.

Na esteira de um processo democrático constitucional que visa proteger o cidadão possuidor de direitos e garantias individuais, incluem-se princípios orientadores do processo judicial brasileiro, como o princípio da dialeticidade, o princípio da cooperação, o princípio do devido processo legal e, fortemente ligado a esses, o princípio do contraditório.

Numa concepção moderna de processo justo, garantido pelo devido processo legal considerado como um todo, desponta o contraditório enraizado na cooperação, assim como na promoção do constante debate entre os sujeitos da relação processual. Esses, até então, atuavam sob a única ideia de bilateralidade de audiência.

Dada a nova temática conferida ao contraditório do Código de Processo Civil de 2015, o magistrado, detentor do poder-dever de apreciar os litígios submetidos ao seu crivo, não mais atua inquisitorialmente ou unilateralmente.

Os jurisdicionados auxiliam diretamente na condução do feito e constroem, juntamente com o juiz, o provimento jurisdicional. Mediante o que se extrai dos 12 artigos iniciais, o Novo Código preocupou-se em adequar a norma ordinária aos ditames constitucionais. Denominam-se, então, as Normas Fundamentais do Processo Civil.

Além da sujeição à boa-fé; da duração razoável do processo; da dignidade da pessoa humana; da obrigatória prestação judiciária; da fundamentação adequada das decisões judiciais; da cooperação entre partes e o juiz, merece destaque a nova perspectiva atribuída ao contraditório.

Trata-se de um contraditório efetivo, que veda as chamadas “decisões-surpresa” e submete o próprio juiz ao seu fiel atendimento às vistas de permitir o direito de influência das partes para a formação de um provimento jurisdicional justo.

Diante do exposto acima, o foco do presente estudo é análise das novas vertentes procedimentais atribuídas à garantia do contraditório sob a perspectiva da Lei n° 13.105/2015, o Novo Código de Processo Civil (NCPC) em especial o art. 10 do NCPC, adiante in verbis:

Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.


1. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PROCESSUAIS           

As ciências jurídicas, ao contrário dos critérios lógicos adotados pela ciência exata, preconizam uma lógica pautada na razoabilidade e proporcionalidade. Trata-se, portanto, da promoção ao debate e a argumentação, além da espécie mais apropriada de interpretação das normas jurídicas.

Indubitável a importância do estudo dos princípios em qualquer ramo do Direito visto que, através deles, permite-se a aplicação do conjunto de normas de um determinado ordenamento jurídico.

José Manoel Arruda Alvim Neto (2003, p. 22-23) classifica os princípios universais, atribuindo-lhes caráter informativo. Guardando nexo com o moderno Estado Democrático de Direito, o autor enumera tais princípios (princípio da legalidade, princípio lógico, princípio dialético e o princípio político).

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Dentre esses princípios universais, respeitados pelo moderno Estado Democrático de Direito, destaca-se o princípio dialético.

O princípio dialético concretiza-se através do contraditório constitucionalmente previsto, e que se traduz, antes de submeter a julgamento, na ampla discussão entre as partes e o juiz em torno de todas as questões suscitadas no processo.

Todos os sujeitos envolvidos na relação processual, efetivamente, promovem a dialética através do amplo debate em torno dos fatos e fundamentos jurídicos alvitrados no decorrer do processo para que, tais sujeitos processuais, estabeleçam o resultado da tutela jurisdicional. Afasta-se, outrossim, a forma autoritária do magistrado em conduzir o processo (THEODORO JÚNIOR, 2015, p. 77-78).

Como instrumento da jurisdição, o Estado (sob o comando do Estado-juiz) manifesta seu poder através do processo jurisdicional. Nessa concepção, a Constituição da República de 1988, caracterizada como democrática, passou a ser fonte objetiva de todo o sistema processual no país. Através da jurisdição, atribui-se ao processo o papel básico de ferramenta de efetivação da própria ordem constitucional.

Dessa maneira, assegura-se, às decisões jurisdicionais, validade e legitimidade. Segundo Silvio Batista de Sá (2014, p. 208):

Nessa perspectiva teórica o processo jurisdicional democrático apresenta-se como instituição jurídica capaz de garantir uma fiscalidade permanente dos atos jurídicos, de modo a assegurar às partes o direito de influenciar o curso da atividade processual.

Depreende-se, diante da análise de Silvio Batista de Sá (2014), que ante uma participação mais efetiva das partes na formação das decisões judiciais, permite-se maior ganho de democratização, uma vez que adota um sistema misto e complexo que preza pela participação como condição de legitimidade dos provimentos.

Conforme adverte Dierle José Coelho Nunes (apud BATISTA DE SÁ, 2014, p. 204), quanto ao processo democrático “não existe entre os sujeitos processuais (técnicos processuais) submissão, mas, sim, interdependência, fazendo inaceitável o esquema da relação jurídico-processual que impõe submissão das partes ao juiz”.

A interpretação do novo CPC à luz de uma teoria constitucional do processo depreende-se da previsão expressa dos princípios processuais na Constituição. Deve haver compatibilidade entre o exercício da atividade jurisdicional e a proposta do Estado Democrático de Direito adotado pela nossa Constituição, porquanto garante-se uma abordagem teórica dos parâmetros e condições de atuação do Estado-Juiz.

Nesse sentido, a jurisdição apenas pode ser exercida mediante a garantia incondicional do devido processo legal. Merece consideração a análise de José Marcos Rodrigues Vieira (apud BATISTA DE SÁ, 2014, p. 213):

Infelizmente as reflexões sobre a função jurisdicional, no Brasil, ainda estão presas a perspectivas teóricas ultrapassadas, o que acaba limitando-a a um conceito de atividade pacificadora do Estado, e torna o processo um meio para realização da justiça. Isto é, a jurisdição seria uma manifestação de poder do Estado, exercido pelos juízes, e o processo mero instrumento para a concretização desse poder. Essa reflexão raquítica da jurisdição tem provocado um colapso teórico-científico a respeito do papel do judiciário no Estado Democrático de Direito.

Os princípios constitucionais processuais são capazes de conferir ao cidadão as garantias individuais necessárias para que se efetive a norma material tutelada, na medida em que o processo não é um fim em si mesmo, possuindo caráter meramente instrumental (DUARTE; JUNIOR, 2012. p. 37).

Nesse diapasão, Luís Roberto Barroso (2010) destaca que a legislação ordinária regulará e limitará os princípios constitucionais processuais expressos na Constituição Federal de 1988 de forma que possa atribuir aplicabilidade no mundo dos fatos, dos valores e interesses tutelados.

A Carta Magna assegura aos cidadãos o direito ao processo como uma das garantias individuais, disposto no art. 5º, inciso XXXV. A fim de exercer o direito à jurisdição, consequentemente o jurisdicionado terá direito ao processo, visto que este é o meio pelo qual se buscará a realização da Justiça.

O diploma processual civil dita as normas a serem aplicadas aos casos práticos que surgem e são inerentes ao convívio humano. O Estado, diante do princípio da inafastabilidade do controle judicial, não pode declinar perante nenhuma causa.

Os princípios informativos do processo originam-se através do conjunto de normas do direito processual, propiciando, sem lesão dos direitos individuais dos litigantes, os instrumentos imprescindíveis para que o juiz busque a verdade real. 

O princípio do devido processo legal está disposto no artigo 5º, inciso LIV, da Carta Magna, o qual prevê que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

A garantia do devido processo legal, porém, não se exaure na observância das formas da lei para a tramitação das causas em juízo. “Compreende algumas categorias fundamentais, como a garantia do juiz natural (CF, art. 5º, XXXVII) e do juiz competente (CF, art. 5º, LIII), a garantia de acesso à Justiça (CF, art. 5º, XXXV), de ampla defesa e contraditório (CF, art. 5º, LV) e, ainda, a de fundamentação de todas as decisões judiciais (art. 93, IX) ” (THEODORO JÚNIOR, 2015, p.80).

Na concepção de Humberto Theodoro, o devido processo legal desempenha o papel de um “superprincípio, coordenando e delimitando todos os demais princípios que informam tanto o processo como o procedimento” (THEODORO JÚNIOR, ibid., p.80). E, se a intenção do legislador é harmonizar todos os princípios do direito processual, deve prevalecer a constante observância de um processo razoável e proporcional. 


2. O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO COMO PRINCÍPIO DE INFLUÊNCIA

O Código de Processo Civil de 1973, que vigorou por 43 anos, garantiu a aplicação do contraditório no âmbito de algumas vertentes, como o direito à informação e o direito à manifestação, contudo, e em muitos casos, ainda foi desconsiderado na prática forense brasileira.

A doutrina majoritária fortemente exige o reconhecimento do princípio do contraditório nos mais diversos institutos e o novo Código de Processo Civil. Entretanto, para que a lei apresente eficácia no mundo jurídico e possa ser cumprida ipsis litteris, exige-se uma mudança cultural por parte dos magistrados na prática forense, no qual refletirá na formação da jurisprudência pátria.

Sabe-se que o comando constitucional, assim como a nova norma processual, reconhece não somente o direito das partes em tomarem conhecimento das decisões e de se manifestarem, mas invoca o direito de influência como vertente do contraditório.

Assim como Marcus Vinicius Rios Gonçalves (2016, p. 117) distinguiu no princípio do devido processo legal a espécie material e a formal, o doutrinador Fredie Didier Jr. (2016) reconhece a vertente material do princípio constitucional do contraditório ao permitir que as partes se manifestem previamente, até sobre as questões cognoscíveis de ofício pelo juiz.

Assim, não obstante alguns magistrados e doutrinadores que discordam da aplicação de tal vertente e argumentam que essa prévia manifestação das partes representaria uma desnecessária demora na prestação jurisdicional, o referido doutrinador defende que essa possível demora não justificaria o afastamento do dispositivo, e que o magistrado, ao determinar que as partes se manifestem antes de decidir sobre determinada questão não suscitada, poderia até mesmo rever seu posicionamento.


3. O POSICIONAMENTO DIVULGADO PELA ENFAM SOBRE A APLICAÇÃO DO ARTIGO 10 DO NOVO CPC

No que tange a extensão e interpretação que se atribuirá ao princípio do contraditório sob a ótica do novo Código de Processo Civil, a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM) apresenta importante papel na medida em que promove o debate na esfera jurídica e orienta os magistrados sobre a aplicação dos institutos processuais presentes na atual ordem processual.

Como o magistrado representa um dos sujeitos processuais, na condição de Estado-juiz, que deve zelar pela correta condução do processo de modo a promover a cooperação e efetiva participação das partes, a formação dos enunciados da ENFAM guiará sua atuação.

As decisões judiciais prolatadas a partir da vigência do novo CPC, se interpretadas no sentido da corrente doutrinária majoritária, objeto de estudo e aqui exposta, permitirá uma interpretação respaldada no comando constitucional e na real intenção do legislador, acerta dos dispositivos previstos na Lei 13.105/2015.

Segundo noticiado no sítio da ENFAM no dia 01/09/2015, foi divulgado a íntegra dos 62 enunciados – aprovados durante o seminário “O Poder Judiciário e o novo CPC” –, “que servirão para orientar a magistratura nacional na aplicação do novo Código de Processo Civil” (ENFAM, 2015).

Alguns dispositivos da ENFAM guardam uma relação direta do princípio do contraditório como direito de influência, conforme observado nos enunciados de número 1, 2, 3, 4, 5, 6, 10, 13, e 42.

Analisando-se os enunciados divulgados pela ENFAM podemos perceber que, não obstante o posicionamento doutrinário quanto a efetivação do contraditório sob a ótica do processo dialético e cooperativo, a magistratura tende a diferenciar casos em que não seria possível a aplicação do artigo 10 do novo CPC. 

Examinando brevemente os enunciados, percebe-se uma atenção dispensada ao debate do contraditório e a sua interpretação diante do Código de Processo Civil de 2015.

Em que pese alguns dos enunciados não aludirem especificamente ao direito de influência do artigo 10 do NCPC, as próximas páginas do estudo remeterão ao contraditório na interpretação de dispositivos, nos quais se evidenciam uma expectativa do entendimento que poderá ser adotado pelos juízes sobre a atual legislação.

Inicialmente, o primeiro enunciado, já tratando do art. 10 do CPC/2015, delimita o conceito de “fundamento”. Segundo o seu comando: “Entende-se por “fundamento” referido no art. 10 do CPC/2015 o substrato fático que orienta o pedido, e não o enquadramento jurídico atribuído pelas partes. ” (ENFAM, 2015). Observa-se que o “fundamento” guarda relação com o substrato fático e afasta o enquadramento jurídico pleiteado pelas partes.

Resta clara a discrepância com o que a doutrina prega, haja vista que o fundamento da decisão judicial deve considerar todo o contexto fático assim como o contexto jurídico em questão. 

O enunciado n.º 2 dispõe que:

“Não ofende a regra do contraditório do art. 10 do CPC/2015, o pronunciamento jurisdicional que invoca princípio, quando a regra jurídica aplicada já debatida no curso do processo é emanação daquele princípio. ”

Tal dispositivo conduz a não aplicação do contraditório como cooperação e participação efetiva entre as partes, visto que informa que o contraditório que garante o direito de influência (art. 10 do CPC/2015) não é ferido quando a decisão judicial invoca tão somente princípio advindo de regra jurídica já debatida ao longo do processo.

Com a intenção de impedir um suposto debate infrutífero, em que os sujeitos do processo discutiriam sobre dispositivo legal e até a origem da norma aplicada ao caso, percebe-se certa afronta ao contraditório efetivo, porém que pode levar o juiz a interpretar o enunciado analisando a real habilidade de influência que o princípio “chave” do provimento jurisdicional exercerá.

Determina o terceiro enunciado: “É desnecessário ouvir as partes quando a manifestação não puder influenciar na solução da causa”. Verifica-se, portanto, a presença de características adotadas pelos juízes na vigência do Código de Processo Civil de 1973 quando apreciava as provas da lide de acordo com o seu livre convencimento.

Ao estabelecer a desnecessidade de ouvir as partes quando a manifestação não puder influenciar na solução da causa, o enunciado afasta a possibilidade de um processo justo e dialético. Não há devido processo legal material (GONÇALVES, 2016) e nem cooperação entre as partes.

Repele-se o direito das partes em influenciar e construir a decisão judicial final. Sobretudo a intenção do legislador infraconstitucional que cuidadosamente possibilitou às partes (autor e réu) o exercício do contraditório objetivamente revelado no fundamento da decisão do magistrado.

Nesse diapasão e seguindo a jurisprudência com esse entendimento, só teremos uma decisão jurisdicional legítima se resultar da análise das provas produzidas e da convicção que se formou sobre as situações de fato e de direito. Nula, portanto, a decisão de surpresa que não atende ao princípio do contraditório.

Sobre o autor
Pedro Paulo Lima e Silva

Acadêmico de Direito da Universidade de Brasília (UnB).

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