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Fundações públicas: entidades de cunho social

O STF entende que é possível a criação de fundações públicas como pessoas jurídicas de direito público ou como pessoas jurídicas de direito privado.

Introdução

O presente trabalho visa apresentar uma abordagem acerca das Fundações Públicas, que constituem pessoas jurídicas de direito público interno, instituídas por lei específica mediante a afetação de um acervo patrimonial do Estado a uma dada finalidade pública. Desse modo, são de fundamental importância na conjuntura da Administração Pública.

Historicamente, as fundações, no âmbito do Direito Privado, no qual tiveram sua origem, são definidas como a personificação de um patrimônio ao qual é atribuída uma finalidade específica não lucrativa, de cunho social. Portanto, a constituição de uma Fundação Privada é resultante da iniciativa de um particular, que destaca de seu patrimônio determinados bens, os quais adquirem personalidade jurídica para a atuação na persecução dos fins sociais definidos no respectivo estatuto. Logo, três elementos são essenciais no conceito de fundação, quais sejam: a figura do instituidor (que faz a dotação patrimonial), o objeto consistente em atividades de interesse social e a ausência de fins lucrativos.

Diante desse cenário, ao serem trazidas para a esfera do Direito Público, as fundações permaneceram com os mesmos elementos supracitados. Fundações Públicas são, portanto, entidades assemelhadas às fundações privadas, tanto no que se refere à sua finalidade social, quanto no que diz respeito ao objeto não lucrativo. Diferenciam-se, todavia, no que diz respeito à figura do instituidor e ao patrimônio afetado, tendo em vista que as Fundações Privadas são criadas por ato de vontade de um particular, a partir de patrimônio privado, enquanto que as Fundações Públicas são criadas por iniciativa do Poder Público, e pressupõem a edição de lei específica.

Ante o exposto, o presente estudo irá analisar as peculiaridades dessa importante entidade da Administração Indireta, que tem como função de suma importância o desempenho de atividades de interesse social, como atividades culturais, assistência social, educação e ensino, assistência médica, entre outras.

 


1 FUNDAÇÕES PÚBLICAS

1.1 Conceito

As Fundações Públicas podem ser definidas como entidades da Administração Indireta instituídas pelo Poder Público mediante a personificação de um patrimônio que, dependendo da forma de criação, adquire personalidade jurídica de direito público ou personalidade jurídica de direito privado, à qual a lei atribui competências administrativas específicas, consubstanciadas, regra geral, em atividades de interesse social. Vale ressaltar que com a edição da EC 19/98, passou a estar previsto no texto constitucional que seja editada lei complementar com o escopo de definir as áreas em que as fundações públicas podem atuar.

Diante do exposto, preleciona a Prof.ª Maria Sylvia Di Pietro[3]:

Pode-se definir a fundação instituída pelo poder público como o patrimônio, total ou parcialmente público, dotado de personalidade jurídica, de direito público ou privado, e destinado, por lei, ao desempenho de atividades do Estado na ordem social, com capacidade de auto-administração e mediante controle da Administração Pública, nos limites da lei.

A Constituição Federal de 1988, ao tratar das Fundações Públicas, em seu art. 37, inciso XIX, dispõe que “somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo a lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação”. Desse modo, o texto constitucional deixa claro que as fundações públicas constituem figuras simétricas às autarquias, reconhecendo, assim, a natureza pública das referidas entidades fundacionais.

Com efeito, ao analisar o dispositivo constitucional supracitado, pode-se observar que a estrutura fundacional foi absorvida pelo Direito Público, isto é, a destinação de um patrimônio ao atendimento de uma finalidade pré-estabelecida. Fica explicitado também o fato de que a Constituição Federal sempre faz referência à palavra fundação sem os adjetivos pública ou privada, portanto, abrindo espaço para que o Poder Público use o tipo de fundação que mais facilitar a consecução de seus objetivos e concretizar o Princípio da Supremacia do Interesse Público.

Com relação ao tema, é oportuno ressaltar, mais uma vez, a lição da Prof.ª Maria Sylvia Di Pietro:

Quando o Estado institui pessoa jurídica sob a forma de fundação, ele pode atribuir a ela regime jurídico administrativo, com todas as prerrogativas e sujeições que lhe são próprias, ou subordina-la ao Código civil, neste último caso com as derrogações por normas de direito público. Em um e outro caso se enquadram na noção categorial do instituto da fundação, como patrimônio personalizado para a consecução de fins que ultrapassam o âmbito da própria entidade. Em cada caso concreto, a conclusão sobre a natureza jurídica da fundação - pública ou privada - tem que ser extraída do exame da sua lei instituidora e dos respectivos estatutos. (DI PIETRO, 2009).

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A extinção das Fundações Públicas de Direito Público deve ser feita, também, diretamente, pela edição de uma lei específica. Conquanto não haja consenso doutrinário, entendemos que a extinção das Fundações Públicas de Direito Privado exige, previamente, a edição de uma lei específica que autorize o Poder Executivo a proceder à extinção efetiva da entidade.

A regra do inciso XIX do artigo 37 é complementada pela do inciso XX, ao dispor que “depende de autorização legislativa, em cada caso, a criação de subsidiárias das entidades mencionadas no inciso anterior, assim como a participação de qualquer delas em empresa privada”.

Logo, exemplificando as Fundações Públicas, podem ser citadas: a Fundação Escola de Administração Pública, Fundação Nacional da Saúde, Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Fundação Nacional do Índio, entre outras. 

1.3 Natureza Jurídica

Existem inúmeras divergências doutrinárias acerca da natureza da personalidade jurídica das Fundações Públicas. Alguns autores entendem que tais entidades são sempre pessoas de Direito Privado, outros acreditam que, depois da Constituição de 1988, todas as Fundações Públicas passaram a ser pessoas jurídicas de Direito Público e, ainda, existe uma orientação dominante, segundo a qual, há a possibilidade das fundações serem instituídas com personalidade jurídica de Direito Público ou com personalidade jurídica de Direito Privado, a critério do ente federado matriz.

Com relação à corrente dominante supramencionada, dispõe o Prof. Edmir Neto de Araújo que:

As fundações de direito público, sujeitas ao regime de direito público, e que também se denominam autarquias fundacionais, só podem ser instituídas pelo Poder Público, e são criadas por lei. As fundações de direito privado podem ser instituídas pelo particular, por escritura pública registrada, ou pelo Poder Público, neste caso autorizadas por lei (autorização necessária por envolver disponibilidade de patrimônio e recursos de origem pública), mas também através do registro de escritura pública de instituição no cartório competente. A diferença é flagrante: as autarquias (fundações públicas ou corporações) ingressam no mundo jurídico a partir da promulgação da lei que as cria, não sendo necessário qualquer ato notorial ou de registro para que, de imediato, passem a existir, com personalidade jurídica própria; as fundações de direito privado, mesmo instituídas pelo Poder Público, adentram o mundo jurídico a partir do registro dos seus atos constitutivos (escritura de instituição e constituição) no cartório competente, e não a partir da lei que autoriza sua instituição. Só então adquirem personalidade jurídica e capacidade obrigacional. (NETO DE ARAÚJO, 1989).

A partir da promulgação da Constituição de 1988 restou incontroverso que as Fundações Públicas fazem parte da Administração Pública brasileira. Elas correspondem a um das quatro categorias de entidades que compõem a Administração Indireta, conforme se extrai claramente, dentre outros, do art. 37, XIX, da Constituição de 1988. É possível observar que a Carta Magna de 1988 trouxe em seu texto várias referências às Fundações Públicas, conferindo-lhes muitos dos privilégios próprios das entidades de Direito Público, emparelhando-as com as autarquias em diversos dispositivos.

Diante disso, vale ressaltar o ensinamento de Celso Antônio Bandeira de Mello:

Em rigor as chamadas fundações públicas são pura e simplesmente autarquias às quais foi dada a designação correspondente à base estrutural que têm. É que, como se sabe, as pessoas jurídicas sejam elas de direito público, sejam de direito privado, são classificáveis em dois tipos, no que concerne ao "substracto básico" sobre que assentam: pessoas de base corporativa (corporações, associações, sociedades) e pessoas de base fundacional (Fundações). Enquanto as primeiras tomam como substrato uma associação de pessoas, o substrato das segundas é, como habitualmente se diz, um patrimônio personalizado ou, como mais corretamente dever-se-ia dizer, a personalização de uma finalidade. ...a Constituição referiu-se às Fundações Públicas em paralelismo com as Autarquias, portanto, como se fossem realidades distintas porque, simplesmente existem estes nomes diversos, utilizados no direito brasileiro para nominar pessoas estatais. Seus objetivos foram pragmáticos. Colhê-las seguramente nas dicções a elas reportadas, prevenindo que, em razão de discussões doutrinárias e interpretações divergentes pudessem ficar à margem dos dispositivos que as pretendiam alcançar. (MELLO, 2002).

 Vale ressaltar que a EC 19/98 introduziu alterações importantes em determinadas regras constitucionais concernentes às fundações públicas, sendo sobremaneira significativa a modificação do art. 37, XIX, que disciplina a criação de entidades da Administração Indireta, em todas as esferas da Federação. Desse modo, pela redação que lhe deu a EC 19/98, o inciso XIX do art. 37 passou a estabelecer duas formas distintas de criação de entidades da Administração Indireta, quais sejam: criação diretamente efetuada pela edição de uma lei específica e mera autorização conferida em lei específica para a criação da entidade, devendo o Poder Executivo elaborar os seus atos constitutivos e providenciar a inscrição no registro competente a fim de que ela adquira personalidade.

A partir da leitura do dispositivo constitucional supracitado, conclui-se que a Constituição, desde 1998, só prevê a instituição de Fundações Públicas segundo o mecanismo próprio de criação de pessoas privadas. Não obstante o fato em questão, nossa doutrina majoritária e nossa jurisprudência, inclusive a do Supremo Tribunal Federal, firmaram-se pela possibilidade de as fundações públicas serem instituídas, ou com personalidade jurídica de Direito Privado, ou com personalidade jurídica de Direito Público.

1.4 Regime Jurídico

As fundações públicas de direito público não se distinguem das autarquias: sujeitam-se ao regime de Direito Público. Em consequência, estarão descartadas as normas de direito privado reguladoras das fundações privadas. Em suma, usufruem dos privilégios e prerrogativas e sujeitam-se às mesmas restrições que, em conjunto, compõem o regime administrativo aplicável às pessoas jurídicas públicas.

Ante o exposto, Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo dispõem que:

Tendo em conta o entendimento jurisprudencial e doutrinário dominante segundo o qual as fundações públicas com personalidade jurídica de direito público são, simplesmente, uma “espécie do gênero autarquia”, não há dúvida de que a essas entidades são estendidos os mesmos poderes, privilégios e restrições que a ordem jurídica confere às autarquias. Em poucas palavras, por serem as “fundações públicas de direito público” autarquias, o regime jurídico a elas aplicável é o das autarquias: sujeitam-se ao regime de direito público, com todas as prerrogativas e restrições que o caracterizam. A situação das fundações públicas com personalidade jurídica de direito privado, diferentemente, não é bem definida, havendo incontornáveis divergências doutrinárias e muito pouca jurisprudência conclusiva sobre os pontos mais polêmicos. (ALEXANDRINO; PAULO, 2009)

Em síntese, as fundações públicas fazem jus às mesmas prerrogativas que a ordem jurídica atribui às autarquias, tanto de direito substantivo, como de direito processual. Ademais, possui privilégios tributários, não incidindo impostos sobre a sua renda, o seu patrimônio e os seus serviços, gozam da prescrição quinquenal de suas dívidas passivas, além de sujeitarem-se ao duplo grau as sentenças que lhes forem desfavoráveis.

Sobre o tema, Hely Lopes Meirelles ensina que:

Já decidiu o STF, embora na vigência da Constituição anterior, que “tais fundações são espécie do gênero autarquia”. Não entendemos como uma entidade (fundação) pode ser espécie de outra (autarquia) sem se confundirem esses conceitos. Todavia, a prevalecer essa orientação jurisprudencial, aplicam-se às fundações de direito público todas as normas, direitos e restrições pertinentes às autarquias. (MEIRELLES, 2007).


2. Jurisprudência

Diante do exposto acerca das Fundações Públicas, vale citar um dos julgados da Suprema Corte brasileira, que versa sobre as peculiaridades de tais entidades, abordadas pelo presente estudo:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ART. 28 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. EQUIPARAÇÃO ENTRE SERVIDORES DE FUNDAÇÕES INSTITUÍDAS OU MANTIDAS PELO ESTADO E SERVIDORES DAS FUNDAÇÕES PÚBLICAS: INCONSTITUCIONALIDADE.

1. A distinção entre fundações públicas e privadas decorre da forma como foram criadas, da opção legal pelo regime jurídico a que se submetem, da titularidade de poderes e também da natureza dos serviços por elas prestados. 2. A norma questionada aponta para a possibilidade de serem equiparados os servidores de toda e qualquer fundação privada, instituída ou mantida pelo Estado, aos das fundações públicas. 3. Sendo diversos os regimes jurídicos, diferentes são os direitos e os deveres que se combinam e formam os fundamentos da relação empregatícia firmada. A equiparação de regime, inclusive o remuneratório, que se aperfeiçoa pela equiparação de vencimentos, é prática vedada pelo art. 37, inc. XIII, da Constituição brasileira e contrária à Súmula 339 do Supremo Tribunal Federal. Precedentes. 4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente. (STF – Ação Direta de Inconstitucionalidade: ADI 191 RS).


3. Considerações Finais

O presente estudo abordou aspectos relevantes acerca das Fundações Públicas, demonstrando que as fundações, de um modo geral, foram inspiradas pela intenção do instituidor de dotar bens para a formação de um patrimônio destinado a atividades pias, sociais e beneficentes.

Desse modo, chega-se à conclusão de que o objetivo central de tais entidades, integrantes das administrações indiretas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, é o desenvolvimento de atividades de interesse social, evidentemente exercidas sem intuito de lucro, ou seja, não devem ser criadas para a exploração de atividade econômica em sentido estrito, tendo em vista que, para esse fim, deve o Estado instituir empresas públicas e sociedades de economia mista, conforme o disposto no artigo 173 da Constituição Federal.

Neste trabalho, foi possível observar, também, a polêmica existente acerca da natureza jurídica das entidades fundacionais e constatou-se que, atualmente, não existe um consenso entre os doutrinadores acerca desse tema e, além disso, no direito positivo, o legislador não tem colaborado para o fim da controvérsia, ora tratando a fundação pública como entidade de Direito Privado, ora como de Direito Público.

Ante o exposto, no que tange às fundações públicas, é importante ressaltar que o STF entende que é possível a sua criação como pessoas jurídicas de Direito Público ou como pessoas jurídicas de Direito Privado. No primeiro caso, teremos as denominadas Fundações Públicas de Direito Público, instituídas diretamente por lei específica, com regime jurídico em tudo assimilado ao das autarquias, a ponto de serem tidas, pelo STF, como “espécie do gênero autarquias”. No segundo caso, teremos as assim chamadas Fundações Públicas de Direito Privado, com regime jurídico assemelhado ao das empresas públicas prestadoras de serviços públicos.  

Logo, o estudo do tema em questão foi de fundamental importância na construção do saber jurídico sobre uma entidade da Administração Pública que desempenha um papel ilustre voltado para o bem da coletividade.


REFERÊNCIAS

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. São Paulo: Método, 2010.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2009.

MEIRELLES, Hely Lopes. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2007.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

NETO DE ARAÚJO, Edmir. As Fundações Públicas e a Nova Constituição. Revista da Procuradoria Geral do Estado, 1989.

Sobre as autoras
Ana Dulce Fonseca Oliveira Araújo

Graduada em Direito pela Universidade Federal do Maranhão

Lorena Costa Silva

Graduanda de Direito da Universidade Federal do Maranhão

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Ana Dulce Fonseca Oliveira Araújo; SILVA, Lorena Costa et al. Fundações públicas: entidades de cunho social . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4950, 19 jan. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54661. Acesso em: 24 nov. 2024.

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