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Inconstitucionalidade dos privilégios da Fazenda Pública.

A Antecipação de Tutela e a Fazenda Pública sob um olha crítico e constitucionalista

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Agenda 21/12/2016 às 13:59

Análise constitucional das leis que vedam concessão de liminar contra a Fazenda Pública, vez que esta possui, entre diversos outros privilégios, o de não se submeter a decisões liminares em determinados casos.

1 – ANÁLISE CONSTITUCIONAL DAS LEIS QUE VEDAM A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA

Embora ainda vigentes no ordenamento jurídico brasileiro, as leis que vedam a concessão de liminar contra a Fazenda Pública por vezes são taxadas de inconstitucionais por doutrinadores, juízes, advogados e demais operadores do direito.

Nesse diapasão, importante realizarmos uma análise sob o prisma constitucional das leis que vedam a concessão de liminar contra a Fazenda Pública.

As benesses criadas pelo legislador em favor da Fazenda Pública são várias, dentre elas podemos citar: o pagamento de suas obrigações mediante precatório (Art. 100 da CF/88); impossibilidade de execução provisória contra a Fazenda (EC 62/ 2009); limitações a concessão de tutelas provisórias em desfavor da mesma; reexame necessário (Art. 496 do CPC); prazos em dobro (Art. 183 CPC), entre outras.

Tais privilégios são admitidos – para aqueles que os defendem - em razão da qualidade sui generis da Fazenda Pública. Nessa linha, o ilustre jurista Leonardo Carneiro da Cunha[1] afirma que:

“há regras especiais conferidas à Fazenda Pública, dentre as quais sobressai a prerrogativa de prazos diferenciados, a fim de se atender à sua situação no processo, que se revela diferente da situação dos particulares ou dos entes privados.”

Também, segundo Fernando Gama[2]: “É preciso dizer muitas dessas prerrogativas são aceitas em nome do interesse público, da excessiva carga de trabalho e do pequeno número de agentes”

Segundo Cunha[3] a Fazenda Pública atua no processo em virtude da existência do interesse público, sendo, portanto, imprescindíveis tais prerrogativas para assim evitar condenações absurdas ou prejuízos exorbitantes para o Erário.

Não querendo aqui fugir do tema principal, passemos agora ao apontamento das prerrogativas asseguradas à Fazenda Pública, especificamente no que toca a concessão de tutela provisória de urgência ou de evidência, também conhecidas por antecipação da tutela em desfavor da Fazenda.

Sabe-se que as prerrogativas são muitas, todavia, para sermos concisos ao tema do artigo, mister analisarmos os dispositivos legais[4] que impedem a concessão das tutelas provisórias em desfavor da Fazenda Pública. E quais são eles?

Em ordem cronológica, podemos apontar os três principais diplomas que obstam o juiz em conceder tutela liminar contra o poder público:

Lei 8.437/1992:

Art. 1° Não será cabível medida liminar contra atos do Poder Público, no procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou preventiva, toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em ações de mandado de segurança, em virtude de vedação legal.

§ 1° Não será cabível, no juízo de primeiro grau, medida cautelar inominada ou a sua liminar, quando impugnado ato de autoridade sujeita, na via de mandado de segurança, à competência originária de tribunal.

§ 2° O disposto no parágrafo anterior não se aplica aos processos de ação popular e de ação civil pública.

§ 3° Não será cabível medida liminar que esgote, no todo ou em qualquer parte, o objeto da ação.

§ 4° Nos casos em que cabível medida liminar, sem prejuízo da comunicação ao dirigente do órgão ou entidade, o respectivo representante judicial dela será imediatamente intimado.

§ 5º Não será cabível medida liminar que defira compensação de créditos tributários ou previdenciários.

Lei 9.494/1997,

[Os artigos antecedente apenas repetem as disposições da lei 8.437/1992, quando não fazem menção a diplomas já revogados]

Art. 2º-B.  A sentença que tenha por objeto a liberação de recurso, inclusão em folha de pagamento, reclassificação, equiparação, concessão de aumento ou extensão de vantagens a servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, inclusive de suas autarquias e fundações, somente poderá ser executada após seu trânsito em julgado.

Lei 12.016/2009

Tornou o legislador a retratar as restrições de concessão da antecipação de tutela (tidas na Lei 8.437/1992 e Lei 9.494/1997) em sede de liminar, proibindo assim que a mesma seja deferida nos casos de compensação tributária, liberação de mercadorias, reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza aos mesmos.

Todas estas leis aqui apontadas, demonstram um certo protecionismo exacerbado para com a Fazenda Pública em relação aos particulares, estes que são em muitas vezes, alvos de demandas judiciais do Estado (a Fazenda Pública) só que sem nenhum privilégio.

Resta então nos questionar, se os privilégios aqui transcritos se compatibilizam com os princípios constitucionais do nosso ordenamento jurídico, em especial os da isonomia, da inafastabilidade do poder jurisdicional, da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como os direitos constitucionalmente assegurados como o do direito de ação e o da dignidade da pessoa humana.

1.1 – Prerrogativas processuais ou Privilégios?

Preliminarmente, com relação a denominação aqui utilizada, há certa discussão. Se questiona, por exemplo, se os prazos diferenciados, se as limitações à antecipação de tutela, os pagamentos sob o rito de precatório, o reexame necessário, a suspensão de segurança, dentre as outras honrarias que conserva a Fazenda Pública, são deveras prerrogativas ou mesmo privilégios.

Sobre a denominação de privilégio, discorda Leonardo José Carneiro da Cunha[5], pois para o respeitado jurista:

“As ‘vantagens’ processuais conferidas à Fazenda Pública revestem o matiz de prerrogativas, eis que contêm fundamento razoável, atendendo, efetivamente, ao princípio da igualdade, no sentido aristotélico de tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual”

No mesmo sentido, afirma o brilhante mestre em direito constitucional, João Carlos Souto[6]: “Desse modo, não há propriamente privilégios, mas a intenção explícita de cercar com os maiores cuidados possíveis o ente – União, Estado, Distrito Federal, Município – responsável pela administração e guarda do patrimônio público.”

Todavia, em que pese o inconteste saber jurídico dos que pensam em não existir privilégios, mas em verdade prerrogativas processuais justificáveis, e com a mais respeitável opinião, não coadunamos com a dogmática acima apresentada, pois entendemos que em verdade, há na realidade privilégios conferidos a Fazenda Pública, conforme demonstraremos no decorrer do trabalho.

Na mesma linha de convencimento, opina Sarah Pedrosa de Camargos Manna[7]:

“O que não se compatibiliza com o ordenamento jurídico atual é a utilização, a qualquer pretexto, de um pretenso interesse público, sempre superior ao privado, para a criação de regras processuais desarrazoadas e desproporcionais, que violem o direito a um devido processo legal garantido pela Constituição da República de 1988. E é isso que acontece com os verdadeiros privilégios processuais outorgados à Fazenda Pública quando esta atua em juízo.”

Sobre o tema, importante ressaltar a reflexão de Cassio Scarpinella Bueno[8] no que toca a existência de tais privilégios:

“Isso porque, se, em algum determinado momento histórico, essas benesses de prazos e outras tantas regalias processuais tiveram algum sentido intrínseco para a atividade administrativa em juízo, essas mesmas previsões legais são, hoje, mais subterfúgios para o não-acatamento de decisões judiciais do que necessariamente inerentes, decorrentes, razoáveis ou, quando menos, toleráveis à atuação da Administração Pública. Sobretudo quando o art. 37, caput, da Constituição Federal impõe expressamente a eficiência como vetor a ser perseguido pela organização da máquina burocrática estatal.”

Já para Fernando Gama{C}[9] os privilégios processuais dados à Fazenda Pública configuram na realidade um regime processual de exceção, aludindo que os mesmos somente se justificam quando estamos sob a égide do Estado de exceção[10] em que se permite o tolhimento de vários direitos, entre eles, os fundamentais.

Concluindo, em que pese as ilustres opiniões daqueles que repudiam a nominação de privilégio, sugerindo o apontamento de prerrogativas, entendemos que o conjunto de leis, principalmente aquelas que limitam a tutela antecipada em desfavor da Fazenda Pública, são verdadeiras regalias processuais.

As quais colocando a figura da Fazenda Pública como aquela que merece mais direitos e menos deveres, e que como já visto, não nos coadunamos como tal posicionamento.

1.2 – A supremacia do interesse público sobre o privado, como princípio justificador da (in) constitucionalidade dos privilégios.

As singulares normas processuais da Fazenda Pública, para aqueles que as defendem, tem suas razões de existir fincadas, entre outros argumentos, na supremacia do interesse público sobre o interesse privado, sendo a Fazenda Pública aquela que vela do interesse da coletividade, justificando a existência dos privilégios processuais.

Ocorre que, por vezes se faz confusão com a delimitação do interesse público que a Fazenda Pública defende em juízo, aplicando-o de forma desenfreada e desarrazoada, exercendo o juízo de que qualquer ação tomada pelo Estado estará espelhada sempre no interesse da sociedade como um todo.

Todavia, nem sempre a ação do Estado corresponde com o desejo de sua população. Do contrário, no dia a dia vemos atitudes tomadas por aqueles estão no poder de gerir a máquina pública, tomadas em desfavor dos cidadãos, quando então estes são obrigados a recorrerem ao agasalho do judiciário para ver cessar a ofensa de seus direitos.

Nesse diapasão, é necessário lembrar que a doutrina italiana há muito tempo segmentou - com muita altivez - o interesse da coletividade em duas espécies: interesse público primário e interesse público secundário.

Por essa razão, é imprescindível sabermos sob qual plano de interesse um determinado ato do Estado foi realizado, em nosso caso, sob qual plano de interesse, determinada lei foi editada.

1.2.1 – Interesse Público Primário e Secundário.

Sem querer esgotar o tema, podemos dizer que o interesse público primário será aquele voltado a busca e o respeito dos direitos fundamentais dos cidadãos que compõem a sociedade, a proteção ao bem da vida, a dignidade da pessoa humana, entre outros direitos fundamentais da pessoa humana.

O interesse público primário é também aquele que justifica a própria existência do Estado, pessoa jurídica responsável por zelar e proteger os interesses mínimos e comuns de toda a coletividade.

Sobre a importância do interesse público primário, ensina Luís Roberto Barroso[11]:

“O interesse público primário, consubstanciado em valores fundamentais como justiça e segurança, há de desfrutar de supremacia em um sistema constitucional democrático. Deverá ele pautar todas as relações jurídicas e sociais – dos particulares entre si, deles com as pessoas de direito público e destas entre si.”

Noutro giro, o interesse público secundário corresponde aos interesses próprios das pessoas jurídicas de direito público (União, Estados, Município e Distrito Federal) enquanto detentora de direitos e obrigações, num cenário jurídico em que conflita com alguém, podendo se apontar também como aquele que corresponde com o interesse do Estado de arrecadar e subtrair as despesas.

Nesse momento, vale lembrar ao leitor que a expressão Fazenda Pública[12], quando em juízo, é utilizada para expressar os impactos financeiros que as decisões judiciais possam a vir empreender sobre o patrimônio público.

Voltando, explica Luís Roberto Barroso que a própria Constituição Federal de 1988, fez ilustre distinção do interesse público primário e secundário, constituindo inclusive órgãos distintos para busca e proteção dos mesmos. Segundo o constitucionalista, a função de defender o interesse público primário é imputada ao Ministério Público, sendo a Advocacia Pública[13] o órgão responsável pela defesa dos interesses secundários do Estado.

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Sendo assim, para a justificação da existência de leis que vedam a concessão de liminares contra a Fazenda Pública, como por exemplo a proibição de compensação de créditos tributários em sede liminar, seria por assim dizer, prevalência do interesse público secundário da Administração Pública sobre o interesse do particular, ao passo que há uma maior proteção ao interesse do fisco do que ao do contribuinte.

Tal situação, ao nosso ver, é manifestamente inconstitucional, vez que o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado visa a proteção do interesse público primário, e não o agasalho do interesse público secundário, como assim ocorre no caso exemplificado.

Nesse sentido, afirma Dirley da Cunha Jr.[14]:

“Na doutrina italiana é corrente a distinção entre interesses públicos primários, que são os interesses da coletividade como um todo e interesses públicos secundários, que são os interesses do Estado como sujeito de direitos, independentemente de sua qualidade de servidor de interesses de terceiros. [...] Os interesses do Estado, quando não correspondem aos interesses aos interesses primários, não são interesses públicos propriamente ditos. É por isso que, como acima ficou registrado, as prerrogativas inerentes à supremacia do interesse público sobre o interesse privado somente podem ser manejadas legitimamente para o alcance de interesses públicos primários, e não para satisfazer apenas interesses ou conveniências tão só do aparelho estatal (interesses secundários), e muito menos dos agentes governantes”

Não se tem aqui a inocência de que para a persecução do interesse primário, existe umbilicalmente a necessidade de recursos financeiros, enquadrados no interesse público secundário.

Todavia, não se pode admitir que haja prevalência deste último em detrimento de direitos fundamentais do particular, vale dizer, do interesse público primário.

Cabe consignar que, até para a aplicação do princípio da supremacia dos interesses primários quando em confronto com um direito fundamental, é necessário realizar um juízo de razoabilidade e proporcionalidade[15], não se podendo admitir automaticamente a prevalência do primeiro sobre o segundo.

Não pode haver aplicação do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, quando o interesse público defendido for o de arrecadar mais, subtrair despesas, aumentar sua riqueza, conservar seu patrimônio.

Ora, não se olvide que do outro lado está o particular demandando seus direitos, constitucionalmente assegurados, fazendo com isso legitimar o Estado Democrático de Direito. Este por sua vez, deve velar pela proteção dos interesses da maioria, mais igualmente zelar pelos direitos das minorias. Somente assim é que ganha status de “Democrático”, do contrário, o Estado de Direito se conjuga em ditadura da maioria[16].

O Estado não exerce – tampouco a Fazenda Pública – o poder de monopólio do interesse público, ao passo que o mesmo é somente o ente público responsável pela busca e proteção dos interesses de seus subordinados, esta é a sua função, dela pode decorrer alguns poderes conferidos para assim exerce-los, mas não lhe é dado poderes essencialmente falando, tendo em vista que todo poder emana do povo e não do Estado [17].

Ora como que o empregado poderá a vir subverter o patrão? Aquele que guarda a casa não poderá ser confundido com aqueles que devem habitá-la. Da mesma forma, o Estado responsável pela perseguição aos interesses coletivos, não estará nessa qualidade acima daqueles, ou mesmo poderá ser confundido com os mesmos.

Quando o particular busca o direito – por exemplo - da sua integridade física e moral, está por assim dizer, pleiteando causa inerente ao interesse público de que nenhum cidadão poderá tenha a sua integridade lesada, quando assume a posição de peticionante desta matéria representa em verdade todos os cidadãos da sociedade.

E frise-se, não há óbice jurídico para que a demanda seja intentada contra o próprio Estado, razão pela qual não é possível confundir Fazenda Pública e o interesse público. O interesse público é atendido quando se assegura os interesses e direitos fundamentais da sociedade e não quando se protege o fisco.

Igualmente, quando o servidor público busca o seu enquadramento funcional, está exercendo em última análise o seu direito de acessar a justiça, está guerreando pelo direito de todos, pleiteia em juízo o interesse público primário.

Não? Como não. Este servidor público busca que o poder judiciário determine que todos as pessoas que laborarem para a administração pública recebam em conformidade com suas atribuições, fazendo com que a Administração pública siga o dever da legalidade e evitando o enriquecimento ilícito do Estado.

Conforme lembra Hélio do Valle[18]:

“A vaga invocação do interesse público não socorre a restrição às medidas de urgência; bem diversamente, anima ainda mais a necessidade de igualar, em termos de acesso jurisdicional, o Estado e seus componentes. Um ordenamento jurídico que prestigie o totalitarismo e o absolutismo estatal não pode ser conceituado como Estado Democrático de Direito, ofendendo o art. 1º da CF.”

Como visto, as leis analisadas no artigo obstam a satisfação dos direitos do servidor, do contribuinte, do usuário de serviço público, do que demanda contra o Estado, caso estes direitos sejam solicitados de modo urgente.

Tudo isso para enaltecer o erário público, subjugando o patrimônio do particular. O escambo ocorrido é desonesto, vez que a efetividade processual, questão de interesse público primário, é dada em troca para a garantia da normalidade do erário, questão de interesse público secundário. Na verdade, esta troca é inconstitucional.

Ora, como é que o interesse público pode respaldar a proibição daquilo que o próprio judiciário entenda como um direito urgente e/ou evidente, ou que possa se perder?

Em nossa opinião, não há entrelace de ambos. Não há sustentação lógica ao afirmar que o interesse público é consubstanciado no interesse da Administração e não dos administrados.

Em igualdade de convencimento assevera Hélio do Valle[19]:

“É esse mesmo equívoco que advoga a inaplicação de tutela antecipada em desfavor da Fazenda Pública, tal qual a sujeição do poder público à lei pudesse afrontar o interesse público, como se houvesse legitimidade para além do Direito.”

Em verdade, o interesse público que deve ser realmente protegido, ao nosso ver, vem servindo de máscara para criação de leis que intentam justamente contra o mesmo, lesando direitos fundamentais como o do acesso à justiça, razoável duração do processo, efetividade processual, entre outros.

1.2.2 – Interesse Público x Interesse Particular?

É bem de ver, que se criou uma crucial distinção quando a Fazenda Pública está em juízo. Pois, quando a mesma se encontra em um litígio, avoca para si a capa do interesse do público, sendo que aquele que ousa ir contra a mesma, por certo estará defendendo direitos egoístas e particulares.

Mas, como já falado, inexiste tal situação. Repita-se, a Fazenda Pública quando em juízo, advoga por interesses públicos primários e secundários, coisa que o legislador não entendeu ou se fez por não entendido.

De modo que, quando a mesma figura em juízo, as leis que a privilegiam não fazem distinção do privilegiamento ao interesses “x” ou “y”. Apenas se fala, e.g: “Não será cabível medida liminar que esgote, no todo ou em qualquer parte, o objeto da ação” (Art. 1º, § 3º da Lei 8.437/92)

E pronto! Está o magistrado proibido de conceder a antecipação da tutela. Não importando se a causa que vindica pela a tutela provisória de urgência, evidência ou cautelar é de interesse de todos ou exclusivamente do particular. Está ali a limitação para a concessão de tutela liminar contra o Estado, e acabou.

Exemplificando, podemos citar um caso prático ocorrido no dia a dia jurídico deste Autor que ora vos fala, em determinada ocasião deparou-se com uma decisão interlocutória[20] que cerceava provimento liminar de uma ação que buscava o pagamento de pensão pelo Fazenda do Distrito Federal, naquela decisão restou argumentado que havia óbice legal para a concessão da tutela provisória no Art. 2º-B da Lei 9.494/1997.

A pensão, como se sabe, serve para dar suprimentos mínimos àquele que necessitava economicamente do de cujus para sobreviver. No caso narrado, qual é o interesse público primário que vela pela existência do Art. 2º-B? Qual a justificativa para a sua existência senão o interesse público de ter a normalidade das suas finanças? E a parte que requereu? Pode ela esperar o desfecho final da ação para só então receber valores mínimos para sua existência?

Ainda: Qual cidadão julgará ser direito inexistente a antecipação da tutela no caso da pensionista que necessita de alimentos? O qual para a sua verificação, se fez necessário demonstrar no mínimo, um grau de dependência econômica do instituidor. O bem da vida, é um interesse particular ou interessa a toda coletividade?

Com efeito, não há interesse particular naquela demanda, mas manifesta pretensão coletiva, vez que a todos interessa o bem da vida. O interesse público é por muitas vezes espelhado no interesse do particular, conforme ocorreu no caso apresentado. O interesse público será ali representado pela satisfação do interesse particular da pensionista.

Nesse sentido, ensina Luís Roberto Barroso[21]:

“Pois bem: em um Estado Democrático de direito, assinalado pela centralidade e supremacia da Constituição, a realização do interesse público primário muitas vezes se consuma apenas pela satisfação de determinados interesses privados [...] Assegurar a integridade física de um detento, preservar a liberdade de expressão de um jornalista, prover a educação primária de uma criança são, inequivocamente, formas de realizar o interesse público, mesmo quando o beneficiário for uma única pessoa privada.”

É um grave erro pensarmos que a noção de interesse público sempre se contrapõe ao interesse particular[22], pois o que é o interesse público se não a consoante sintonia das singulares vozes da sociedade? Não há como se conceber o interesse público como algo intangível, além da compreensão dos particulares. Do contrário, estes se fazem ser inteligíveis pelo seu consenso.

Bem por isso que, parte da doutrina hoje entende que o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado não pode mais viger no nosso sistema jurídico. Pois, a existência de direitos fundamentais garantidos aos particulares, não podem ser tolhidos em face de um pretenso interesse público supremo[23].

Não se presta o presente debate a generalizar, pois entendemos que de fato há demandas que se prestam unicamente a respaldar um interesse privado, como por exemplo, uma demanda que exija do Estado valores referentes ao aluguel do imóvel locado por aquele. Mesmo tendo reflexos no interesse público, se contenta aqui em falar que tal demanda é de interesse particular.

Diferentemente é, quando se frustra o acesso à uma tutela provisória de urgência ou cautelar. Não podemos, data vênia, admitir que tal ato tenha respaldo na guarda do interesse público, do contrário, consentimos que é em verdade, uma contracautela desarrazoada ao erário público em detrimento direitos fundamentais de particulares, um acovardamento desleal do Estado.

Ora, “o Estado – quando democrático – deve acautelar o cidadão e não ser contracautelado pelo indivíduo”[24], pois interessa para coletividade que a segurança e universalidade de seus direitos sejam respeitados por todos, até mesmo – e principalmente - pelo Estado.

O interesse público não se presta para a existência favores ao fomento da riqueza Administrativa, também não se coaduna com a ideia de que os direitos fundamentais quando guerreados em juízo são meras disposições subjetivas que estão à mercê da Fazenda Pública, para extirpá-los ou admiti-los nos casos em que se ache conveniente[25].

O interesse público verdadeiro - o primário - preza pela vontade do povo na garantia de seus direitos fundamentais e não pela vontade anárquica e egoísta do príncipe[26], que só tem olhos para a arrecadação e diminuição de suas despesas.

1.3 – Dos privilégios em análise e o princípio da inafastabilidade do poder jurisdicional.

Lado outro, grande questionamento constitucional se tem quando se analisa a disposição do Art. 5º da Constituição Federal, que trata dos direitos fundamentais (em rol não exaustivo), especialmente seu inciso XXXV[27], em confronto com as disposições que vedam a antecipação de tutela em face da Fazenda Pública.

Isso porque o diploma acima citado, em seus verbos codificou aquilo que a doutrina batizou como princípio da inafastabilidade do poder jurisdicional, assegurando que, nenhum conflito poderá ser afastado do olhar jurisdicional.

Sobre o princípio da inafastabilidade do poder jurisdicional, também denominado de direito de acesso à justiça, ensina Dirley da Cunha Júnior[28]:

“O direito de acesso à justiça traduz-se numa das maiores conquistas do Estado Democrático de Direito. Manifesta-se pela inafastável prerrogativa de provocar a atuação do Poder Judiciário para a defesa de um direito. [...] Proclamou, com isso, a garantia da inafastabilidade da jurisdição, com o que proibiu qualquer lei ou ato limitar o acesso ao Judiciário.”

E comentando sobre a sua perspectiva histórica em nosso sistema jurídico constitucional, Gilmar Ferreira Mendes[29], preferindo nomeá-lo de princípio da tutela efetiva, lembra que:

“A ordem constitucional brasileira assegura, de forma expressa, desde a Constituição de 1946 (art. 141, § 4º), que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (CF/88, art. 5º, XXXV). Tem-se aqui, pois, de forma clara e inequívoca, a consagração da tutela judicial efetiva, que garante a proteção judicial contra lesão ou ameaça a direito.”

Portanto, há tempos que nossa sociedade brasileira convive com o direito de levar a juízo qualquer situação que lesou ou irá lesar determinado direito, ficando o legislador proibido de dispor de forma diversa ou de modo a limitar o acesso ao judiciário. Não podendo sequer o poder constituinte derivado suprimir este direito, tendo em vista que se trata de um direito fundamental, com a guarida das cláusulas pétreas[30].

Mas o que fazem as restrições de tutela antecipada contra a Fazenda Pública, senão suprimir o direito de acesso à justiça? Não são elas as que tiram do poder do juiz de decidir se há ou não uma lesão a direito que mereça ser tutelado antecipadamente? Ou acautelado? Sim, são estas leis proíbem o magistrado de conceder medida liminar nos casos de demandas contra o poder público.

Ora, já se sabe que há situações em que a espera pelo ordinário curso do processo pode inviabilizar o direito ou mesmo causar a parte grave lesão, exatamente por isso surgiu a o instituto da antecipação de tutela[31].

Pois bem, se “a lei não excluirá do judiciário lesão ou ameaça a direito” não pode o legislador dizer que ao juiz será proibido conceder tutela antecipada contra a Fazenda Pública mesmo que o direito se encontra na iminência de lesão, sob pena de ferir a disposição do Art 5º, inciso XXXV da Constituição Federal. Cabe ao juiz da causa verificar caso a caso se há ou não urgência ou lesão no direito invocado, e não haver invasão pelo legislativo na esfera judicial para privilegiar o Estado.

Indubitavelmente, quando o legislador retira das mãos do magistrado o poder de julgar a lesão ou ameaça a direito, assim exposta no pedido liminar, consequentemente estará limitando o acesso à justiça do requerente.

Pelo que percebeu das disposições das Leis 8.437/1992, 9.494/1997 e 12.016/2009, quando o ente público lesar direito de outrem, terá o privilégio de não se submeter a uma decisão liminar, pouco importando, se no caso a sua ação traz o periculum in mora da justiça, ou se o direito vindicado poderá se esvair pelo decurso de tempo.

Não há como negar que tal situação é uma patente contrariedade a norma inserta no Art. 5º, inciso XXXV da Constituição Federal. Ora, as leis fazem justamente o contrário do que dispões o inciso constitucional, vale dizer, exclui da apreciação do judiciário a lesão apresentada pela parte autora.

Nesse sentido, ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro{C}[32] que:

“Há de se observar todas essas restrições liminares ou acautelatórias são de valor relativo, pois não podem ser adotadas pelo Poder Judiciário quando coloquem em risco os direitos das pessoas, sob pena de ofensa ao artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, [...] Por outras palavras, se devidamente demonstrado o periculum in mora, não poderá ser negada a medida liminar para proteger o direito ameaçado, já que entre a norma constitucional e a lei ordinária, a primeira tem que prevalecer.”

Se parte demonstra a necessidade e a urgência da medida antecipatória, como que o legislador - o mesmo que reconhece o direito a antecipação da tutela - pode limitá-lo caso seja a Fazenda Pública a pessoa a quem irá suportar os encargos da decisão? É um tratamento desigual para quem já é transcedentemente superior, em todos os sentidos, em relação a parte que demanda a antecipação da tutela[33].

Em que pese as opiniões divergente, entendemos que não existe lógica constitucional nas leis em tela. Ora, cabe ao juiz decidir se a parte tem direito ou não a antecipação da tutela, cabe a ele dizer se a parte atende ou não aos requisitos e se faz jus ou não a medida de urgência pleiteada, não pode o legislador infraconstitucional furtar dos olhos do judiciário o poder de analisar lesão a direito.

Em rota de colisão, as leis que foram trabalhadas durante a discussão, tratam de modo genérico e indistintamente todos casos que porventura se enquadrarem em suas previsões, é essa generalidade que não pode ser aceita, pois como já dito, retira do magistrado o poder de decidir ou de apreciar a lesão, caso a caso.

No mesmo sentido, afirma Gilmar Ferreira Mendes{C}[34]:

“A proibição genérica de concessão de liminares pode, porém, afetar a própria proteção judicial efetiva, pois, muitas vezes, o deferimento da liminar tem em vista a conservação do direito material postulado. ”

Valendo repisar que, não adianta garantir o direito se não se garante os meios para o seu efetivo gozo. Nesse momento, urge falar que analisando as leis que restringem a concessão de liminares, estas demonstram um retrocesso[35] constitucional e legal do ponto de vista da efetividade do processo e do acesso à justiça.

Todavia, tais leis são além de retrogradas, diplomas inconstitucionais[36], pois ferem o princípio da Carta Magna da inafastabilidade do poder jurisdicional. No mesmo entendimento afirma Eduardo Arruda Alvim[37]:

“Não adianta reconhecer o direito de acesso ao judiciário, ignorando-se  que situações há que exigem a medida liminar, sob pena de o interessado não poder vir a ter acesso ao bem da vida pleiteado, ainda que obtenha sentença favorável. Por isso, a garantia da tutela liminar é, igualmente, desdobramento ou explicitação do princípio constitucional que consagra o direito de ação.”

Em igualdade de convencimento, afirma Eduardo Cambi{C}[38]:

“Aliás, as proibições da concessão de liminar sempre foram inconstitucionais, mesmo quando foram editadas pelas leis anteriores. Tais restrições são oriundas de um período marcadamente autoritário, no qual, inclusive, existiram restrições às garantias fundamentais do cidadão. Por outro lado, justificar as restrições pelos abusos cometidos na concessão de liminares é afrontar contra a garantia constitucional do acesso à justiça.”

E conforme explicava Betina Rizzato Lara{C}[39] “em verdade, o que ocorre no caso das vedações liminares é uma substituição incorreta do juiz legislador na tarefa de avaliar os interesses e de verificar sobre o cabimento de uma medida liminar.”

Concluindo, por todos os motivos aqui expostos, ao nosso ver, as leis que vedam a antecipação de tutela ou concessão de medidas liminares ferem de morte a disposição do Art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal.

1.4 – Do princípio da isonomia e os privilégios conferidos à Fazenda Pública

Noutro giro, além de não se coadunar com a disposição do Art. 5º, inciso XXXV, da Carta Magna, as leis que vedam a concessão de antecipação de tutela contra a Fazenda Pública não se compatibilizam com o princípio da isonomia constitucional, previsto no caput daquele mesmo artigo.

O princípio da isonomia, também entendido como o princípio da igualdade[40] é a enunciação de que todos serão tratados com paridade, independendo a qual raça, religião, sexo, ideologia a pessoa pertença.

Segundo Dirley da Cunha Júnior{C}[41]:

“O direito a igualdade é o direito que todos têm de ser tratados igualmente na medida em que se igualem e desigualmente na medida em que se desigualem, quer perante a ordem jurídica (igualdade formal), quer perante a oportunidade de acesso aos bens da vida (igualdade material), pois todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos.”

No momento, nos cabe perfilar considerações sobre a igualdade processual (formal), tendo em vista que o presente trabalho se propõe a abordar e combater as regalias processuais que detém a Fazenda Pública em detrimento dos particulares.

Nessa esteira, quanto a igualdade formal é pacífico o entendimento de que a mesma compreende dois importantes pontos de igualdade: a igualdade na lei, como também a igualdade perante lei[42].

A primeira, reflete a obrigação do legislador em não criar distinções que não previstas ou que não sejam compatíveis com a ordem constitucional. Já a segunda, condiz ao dever do administrador de aplicar a lei de forma indistinta, agindo de maneira imparcial e igualitária.

O princípio da igualdade, portanto, proíbe a criação ou aplicação de leis para discriminar pessoas ou indivíduos da sociedade, que não ostentam características ou particularidades a ponto de necessitar um tratamento diferenciado.

Em consequência deste princípio, quando analisamos um litígio na esfera civil contratual, nenhuma das partes poderá ter prerrogativa ou privilégio em detrimento da outra, vez que presume a liberalidade e a igualdade dos contratantes.

Caso diferente ocorre no tratamento judicial da relação de emprego, onde o empregado é subordinado da parte ex adversa, muitas das vezes hipossuficiente, necessitando um olhar mais atencioso nessas situações.

Da mesma forma, há desigualdade na relação de consumo, onde o consumidor é sem sombra de dúvidas vulnerável tecnicamente, juridicamente, economicamente e psiquicamente. Na mesma linha, a mulher que sofre agressão no seu âmbito familiar, entre outros casos.

Nesse momento urge questionar: Como saber se determinado ato legislativo, que diferencia partes numa relação processual viola ou não o princípio da isonomia? Para a resposta, nos socorremos as lições do Ministro Celso de Mello[43], vejamos:

“Tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é adotado como critério discriminatório; de outro lado, cumpre verificar se há justificativa racional, isto é, fundamento lógico, para, a vista do traço desigualador acolhido, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade proclamada. Finalmente, impende analisar se a correlação ou fundamento racional abstratamente existente é ‘in concreto’, afinado com o valores prestigiados sistema normativo constitucional.”

Conforme se depreende da leitura, para a verificação da ofensa ao princípio da isonomia, devemos analisar primeiramente a lei discriminatória, com a suas justificativas lógicas e fáticas para a manutenção do discrímen. Analisemos pois agora, as leis que vedam a concessão de antecipação de tutela em face da Fazenda Pública.

A Fazenda Pública, nada mais é do que o Estado em juízo. E com relação a este, imperioso concluir que detém uma superioridade econômica, jurídica e social em relação ao particular, por assim dizer, desiguala-se naturalmente para com o particular.

Isso porque, enquanto o particular se utiliza de um causídico para defender seus direitos ou até mais de um, do outro lado – a Fazenda Pública – tem vários procuradores, com várias seções, secretarias e órgãos especializados para as demandas judiciais.

Vale dizer, a Fazenda Pública tem toda a máquina pública a seu dispor. Não precisa constituir advogado quando ré, pois tem as suas procuradorias, não precisa contratar perito pois já tem seus médicos, contadores e etc, não necessita sequer pagar custas processuais, entre outras benevolências que tem.

Não bastasse tudo isso, o legislador achou por bem elevar um pouco mais o seu status processual, a sujeito no processo que não se submeterá a determinadas decisões de antecipação de tutela (Leis 8.437/1992, 9.494/1997 e 12.016/2009). Todavia, a desigualdade em favor do poder público aqui levantada, não é questão pacífica na doutrina brasileira.

Um dos brilhantes defensores da constitucionalidade das leis que vedam a concessão de liminares contra a Fazenda Pública, Leonardo Carneiro da Cunha[44] afirma que, tais privilégios se compatibilizam com o princípio da isonomia pois, a Fazenda Pública atua no processo em razão do interesse público, diferenciando-se dos particulares que atuam em favor de seus interesses particulares.

Ainda, afirma o jurista que a discriminação é necessária, tendo em vista que o patrimônio público não pode ser livremente deteriorado, com condenações injustificáveis ocasionando prejuízos largos ao erário público, prejudicando assim toda a coletividade.

Na mesma linha, ensina João Carlos Souto{C}[45] que “o princípio da igualdade, presente na Constituição atual e na revogada (§1º do art. 153), não pode ser invocado em se comparando o ente público ao privado ou à pessoa física.” Vez que as desigualdades entre os entes, impediriam por si só um tratamento igual para os mesmos.

Todavia, temos que pedir vênia para discordar dos ilustres pensadores, pois entendemos que estes atos normativos desigualam sobremaneira a relação processual entre o particular e a Fazenda Pública. Em verdade, ao nosso convir, na relação entre Estado e o particular quem merece proteção é este último e não aquele.

Ademais, como já vimos anteriormente, as restrições aqui apontadas não velam pela proteção do interesse público primário, o qual merece maior relevo e zelo processual. Na realidade, as limitações impostas pela legislação tendem a assegurar a proteção aos interesses secundários da Administração Pública.

Portanto, enquanto o particular busca “seus próprios interesses” em juízo, o legislador criou um desiquilíbrio para assegurar “interesses próprios” do Estado. Sendo assim, o conflito em tela não merece – nem deve ter – superioridade processual de uma parte em relação a outra.

As partes defendem interesses relativamente iguais, não se justificando tratamento favorável a qualquer uma delas, do contrário, deve ser assegurado a ambas todos os direitos e garantias constitucionais.

Ora, caso haja decisão que indefira a antecipação dos efeitos da tutela ao requerente, o qual pleiteia um direito contra a Fazenda Pública, deve ser assegurado a ele o direito de interpor agravo de instrumento para demonstrar a sua urgência do seu pleito, a necessidade da medida, o atendimento aos requisitos.

Igualmente, caso a decisão lhe seja favorável, deve ser garantido a Fazenda Pública o direito de interpor agravo de instrumento para contestar o direito, alegar, se for o caso, risco da irreversibilidade da medida (por exemplo), não atendimento dos requisitos, entre outras matérias de defesa.

O que não pode haver, é proibir tais direitos do particular para satisfazer interesse “particular” do Estado. Isto, ao nosso ver é uma manifesta desigualdade criada pelo legislador, verdadeira ofensa ao princípio da isonomia.

O Estado quando em juízo desequilibra a “balança” em seu favor. Ora, é ele quem cria as leis, quem julga os conflitos embasado nas mesmas, como também o que determina a forma de como será resolvido[46].

O Estado brasileiro, infelizmente, ainda hoje é tratado pelo legislador, com a anuência de alguns juízes, como o ser supremo da sociedade e detentor único do interesse público, consolidando uma triste ideologia trazida dos regimes totalitários[47] que conviveu.

Conforme lembra Cassio Scarpinella:

“o Estado brasileiro, para se beneficiar quando parte em processo judicial, desde sempre manipulou a legislação (e, no passado recentíssimo, com mais ampla liberdade, as medidas provisórias) para criar situações processuais de vantagem inexistentes para os particulares, desarrazoadas e injustificáveis mesmo para quem, por definição, conglomera interesses de toda uma coletividade. A desigualdade, por ele perpetrada, para alcançar essa finalidade, é indesmentível.”

Pelo exposto, não há fundamento lógico ou constitucional para a permanência destas leis, vez que a Carta Magna enaltece os direitos do ser humano, colocando-os em patamar até mesmo superior aos interesses dos Estado. No plano prático, igualmente a discriminação não ganha força.

Ora, cada dia mais vemos a informatização dos sistemas e atos processuais, ainda, vale lembrar que por força do Art. 37 da Constituição, a Administração Pública deve agir com eficiência. Nesse sentido, já asseverou Fernando Gama Netto[48] que:

“Não se pode olvidar que o cidadão é titular do direito a uma boa Administração, direito este que deve ser concretizado a partir do princípio da eficiência, não podendo a Administração Pública se esquivar dos seus deveres com a alegação de que é ineficiente quando, na verdade, possui todas as condições necessárias para equipar suas repartições e procuradorias.”

Neste compasso, não há fundamento lógico ou fático para que a existência das restrições de antecipação de tutela em desfavor da Fazenda Pública, vez que o erário não pode – por exemplo – se sobrepor ao direito do servidor público de receber seus proventos, os quais podem gerar grave lesão visto que tem natureza alimentar.

Há no nosso entendimento, demasiado protecionismo do poder público quando em juízo, enquanto que hoje a realidade do cidadão que litiga contra a Fazenda Pública é de “resignar-se e aceitar as garantias constitucionais do processo como flores de um jardim utópico que o Estado não é obrigado a frequentar.”[49]

A desigualdade que hoje ainda se sustenta, fere inconsolavelmente o princípio do acesso da inafastabilidade do poder jurisdicional; lança por terra a efetividade processual tendo em vista que a urgência e utilidade da medida não podem ser apreciadas; eleva o Estado ao patamar de quase Rei, desequilibrando por demais a relação processual e jurídica do cidadãos comuns; entre outros prejuízos.

Já há muito tempo é aprendido que todo poder emana do povo, todavia, parece haver uma exceção a esta premissa, quando o “povo” intenta contra o Estado, pois nesta situação, os poderes constitucionais do cidadão de acessar a justiça e de ser tratado com isonomia, é substituído pelo poder da normalidade das contas do Estado, zelando por interesses sectários do fisco.

Como já visto, inconcebível pensarmos que o Estado quando em juízo advoga somente pelos interesses primários da população, em verdade, na maioria das vezes advoga por interesses próprios e inerentes a sua pessoa jurídica.

Lado outro, além de ferir o princípio da isonomia, a manutenção dos privilégios aqui comentados, fomentam o desrespeito pela administração ao princípio da eficiência, vez que acomoda os servidores públicos[50] e os governantes, não reclamando investimentos ou melhor empenho daqueles que gerem a máquina pública.

A realidade, é que quem merece proteção é o cidadão, o qual trabalhou e não recebeu e estar tendo o direito ao bem da vida lesado ou ameaçado; ou mesmo o contribuinte que recolhe valores ao Estado o qual não deve cumprindo a cláusula solve et repete; como também o usuário de serviço público que nesta qualidade é obrigado a esperar a execução do mesmo, mas que não pode requerer a antecipação do serviço pois pode esgotar o objeto da ação.

Não há dúvidas ao se afirmar que o Estado é “o sujeito mais poderoso do ponto de vista jurídico, político e econômico”[51], conquanto, ainda detenha os mais diversos privilégios processuais.

Acreditamos que o particular deve ter o direito de requerer tutela antecipada contra o poder público, assim como, este tem o direito de assim proceder sem nenhuma restrição.

Senão, estar-se-ia injustificadamente, sopesando os interesses secundários do Estado e subjugando os interesses urgentes do cidadão. Noutras palavras, “é como se dissesse: ‘tutela antecipada, tutela de urgência, execução provisória, efetividade do processo? Não isso é coisa para particulares. O Estado tem regras próprias, está fora do alcance dessas ‘novidade’”.[52]

Conclusão inapropriada para um Estado Democrático de Direito, inapropriada quando vemos o dever do poder público em respeitar o princípio da isonomia, conclusão que por todos os pontos de vista está consagrada como inconstitucional.

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