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Estado de Direito Social

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Agenda 26/07/2004 às 00:00

Do Estado Social ao Estado Democrático

Por fim, devemos lembrar que o Estado de Direito Social não se confunde com o Estado Democrático porque esta modalidade ou vertente de atuação social, de preservação de certos direitos trabalhistas (e capitalistas), também foi marcante da Alemanha Nazista, na Itália Fascista, no Brasil Getulista, bem como na Inglaterra de Churchill e na América de Roosevelt. Ou seja, o Estado de Direito Social tanto pode se adaptar e fluir no regime democrático e progressista, quanto em regimes totalitários.

A Alemanha nazista, a Itália Fascista, a Espanha franquista, o Portugal salazarista foram ‘Estados sociais’. Da mesma forma, Estado social foi a Inglaterra de Churchill e Attlee; os Estados Unidos, em parte, desde Roosevelt; a França, com a Quarta República, principalmente; e o Brasil, desde a Revolução de 1930 (Bonavides, 2004, p. 184).

Também não será necessariamente um Estado Popular porque nem sempre (aliás, raramente) o povo detém o controle da máquina do Estado – especialmente os aparelhos ideológicos e repressivos do Estado. Nem sempre lembrada, mas de fundamental importância para a subseqüente democratização do Estado de Direito, é a questão do aprimoramento/aprofundamento da questão democrática, e assim o uso efetivo do sufrágio universal será outro instrumento a serviço daquela dubiedade que acompanha o Estado Social desde os primórdios. Como bem diz Bonavides:

O reconhecimento geral da liberdade política, com um mínimo de restrição, isto é, mediante o sufrágio universal, não foi o fruto altruístico e amistoso da munificiência liberal (...) Foi das mais penosas conquistas revolucionárias, processada no âmago do conflito entre o trabalho e o capital (...) Ali, no campo de batalha social, os individualistas ferrenhos e privilegiados da velha burguesia capitalista tiveram que depor a arma poderosa de sua conservação política – o sufrágio censitário (...) Ao arrebatar o sufrágio universal, o quarto estado ingressava, de fato, na democracia política e o liberalismo, por sua vez, dava mais um passo para o desaparecimento, numa decadência que deixou de ser apenas doutrinária para se converter, então, em decadência efetiva, com a plena ingerência do Estado na ordem econômica (...) Por mais paradoxal que pareça, essa concessão salvou e preservou ideologicamente o que havia de melhor na antiga tradição liberal: a idéia da liberdade moderna, a liberdade como valoração da personalidade, agora já no âmbito da democracia plebiscitária, vinculada ao Estado social (2004, pp. 188-189).

Dessa forma, o Estado de Direito Social veio assimilando elementos democráticos e populares, o que colaboraria para sua posterior transformação em Estado Democrático [14], em que vemos afirmarem-se os instrumentos político-populares, como o uso mais freqüente de referendos e plebiscitos, além do desenvolvimento rotineiro das chamadas gestões democráticas. Esta seqüência histórica, por sua vez, redundaria no que chamamos hoje de Estado de Direito Democrático ou Estado Democrático de Direito [15], um tipo ou modelo de Estado, no entanto, que deve ser analisado em separado, tal a complexidade alcançada nos dias atuais.

De outro modo, também não se deve confundir Estado Social com Estado Republicano, pois além de vivermos em efeito suspensivo os reais significados da República, o Estado Social ainda pode prosperar nos regimes de Monarquia Constitucional – se bem que estes cuidam muito melhor da coisa pública do que muitos republicanos.

Enfim, como vimos, o objetivo do texto era retomar algumas inclinações e características desse chamado Estado de Direito Social, seus principais marcos históricos, jurídicos e econômicos, até que chegássemos aos dias atuais em que sua penumbra sugere existir apenas um arremedo do que fora até há poucas décadas. Esta sua derrocada, apelidada por nós de Estado Neoliberal ou Estado-Empresa indica a falência múltipla das funções apregoadas pelo Estado de Direito Social clássico. Afinal, agora não mais se protegem os direitos sociais e nem o Estado-nação é tido mais como o grande investidor/protetor da economia nacional. Antes, fazer crescer a economia (com respeito aos direitos fundamentais) era sinônimo de expansão da soberania do Estado-nação, hoje, é o contra-senso de um suposto Estado Mínimo: mínima segurança jurídica social e máxima lucratividade estatal.

Trata-se, concluindo, de um Estado Mínimo que só investe naqueles ramos que crescem economicamente de forma natural, ou seja, é o princípio da antiga segurança jurídica social sendo privatizado – note-se a enorme onda de privatização, terceirização, precarização do serviço público. O ramo que mais cresce no Brasil é o da indústria de contratação de estagiários, porque assim não se contratam os profissionais qualificados e bem mais remunerados. Equivale à seguridade, à continência, à regularidade do Estado sendo reservada aos setores econômicos privilegiados (sobretudo o financeiro) e teoricamente (do ponto de vista das finalidades do Estado Brasileiro) os que menos necessitariam desse tipo de proteção.

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Bibliografia

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Notas

1 Ressalto que o texto é resultado de aulas ministradas na disciplina de Teorias do Estado (antiga Teoria Geral do Estado), o que também justifica o tom generalista e mais discursivo (menos teórico ou conceitual).

2 "Uma constante, a nosso ver, explica o aparecimento do Estado social: a intervenção ideológica do socialismo" (Bonavides, 2004, p. 183).

3 Logo no início do Manifesto Comunista, Marx dirá que um espectro rondava a Europa – naquela altura, era o sopro de vida do comunismo latente em muitos países europeus.

4 Se bem que, com a satisfação de antigas necessidades e demandas primitivas e reprimidas, há o surgimento de novas vontades e desejos de consumo mais globalizado – a indústria do desejo de consumo não tem fim e acompanha o ritmo da produção – um ciclo ou círculo vicioso, portanto.

5 Por exemplo, como em nossa Constituição, no art. 4º, II.

6 O Plano Marshall foi aplicado em 1947, seus investimentos hoje equivaleriam a mais de 100 bilhões de dólares. Para efeito de comparação, seria interessante checar os valores (declarados) gastos com a Guerra do Iraque.

7 As oligarquias ruralistas continuaram (como continuam) exercendo papel de destaque na política nacional.

8 É necessário lembrar que a CLT é uma réplica fiel da Carta Del Lavoro, fascista.

9 A elite política pode ser cafeicultura, mas a rotina do capital não pode ser detida, as relações sociais e políticas não podem ser obstáculo ao desenvolvimento das novas forças sociais e econômicas de produção. A Semana de Arte Moderna de 1922, em outro exemplo, pode ser entendida deste ponto de vista, pois adiantando-se à Revolução Industrial de 1930, seria libertária (é o caso movimento feminista), mas capitalista.

10 Para um exemplo, os EUA em 1850 já possuíam muitas empresas e um número superior a 200 mil operários na indústria urbana, um dado estimado que o Brasil só alcançou cem anos depois, em 1950.

11 Curiosamente, até o presente, a República que não foi traz o mais longo período da história democrática brasileira, pois vai de 1889 a 1930.

12 Praticamente, neste período duplicou-se o valor da dívida.

13 Hoje, 80% da população vivem nas cidades e 1/3 de toda a população é constituído de famélicos, miseráveis, desempregados, excluídos, analfabetos e banidos da vida pública. E muitos ainda acham o povo indolente.

14 Um tipo que merece ser analisado em separado, pois se constituiu como uma fase evolutiva - no sentido de que incorpora elementos jurídicos além dos propostos pelo Estado Social -, mas que ainda é anterior ao elaborado e complexo sentido e conceito do Estado Democrático de Direito: este, inclusive, propõe a via do socialismo. E é óbvio que o Estado Democrático também é o Estado capitalista, consumista americano, dotado de regras mínimas para regular o jogo democrático (Bobbio, 1986).

15 Em outro contexto (à luz do tratamento dado pela CF de 88 aos direitos sociais e trabalhistas) fiz alusão a um possível Estado Democrático de Direito Social - com publicação eletrônica (Jus Navigandi: 26/12/2003).

Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINEZ, Vinício Carrilho. Estado de Direito Social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 384, 26 jul. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5494. Acesso em: 30 abr. 2024.

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