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Dworkin e a tipologia dos conceitos

Agenda 25/09/2017 às 09:30

Existem três tipos de conceitos para Dworkin: conceitos criteriais, conceitos naturais e conceitos interpretativos. A tipologia dos conceitos de Dworkin nos remete a sua teoria interpretativa, o direito como integridade.

RESUMO: O presente artigo mergulha nas ideias da tipologia dos conceitos do pensador Ronald Dworkin, tem como objetivo responder por que as divergências, os desacordos são primordiais na busca de solução aos diversos problemas políticos, morais e sociais hodiernamente[i].

PALAVRAS CHAVES: Tipologia dos conceitos. Conceito interpretativo. Conceito criterial. Conceito natural. Democracia.

SUMÁRIO: Introdução. 1. A tipologia dos conceitos de Dworkin. 2. A tipologia interpretativa como método criativo. Conclusão. Referências.


INTRODUÇÃO

Ronald Dworkin é considerado um dos mais importantes teóricos do direito contemporâneo. Seu pensamento se expandiu para além das fronteiras do direito anglo-americano. No Brasil, sua importância no meio acadêmico pode ser observada pelos inúmeros trabalhos traduzidos que envolvem inúmeras temáticas de questões jurídicas em suas obras, além de debates, artigos e decisões jurisprudenciais influenciadas por sua doutrina. O mérito desse resultado se dá pela linguagem de fácil compreensão de temas inicialmente considerados na maioria das vezes complexos pelos estudiosos do direito, juristas, sociólogos, filósofos e políticos.

Dworkin em suas obras tenta analisar as inúmeras controvérsias existentes na jurisprudência e na doutrina jurídica. Em “Levando os direitos a sério” (1977), o autor faz uma crítica ao liberalismo utilitarista e ao positivismo jurídico contemporâneo, não poupando nomes como Herbert Hart. Outra obra importante é “O império do Direito” (1986), no qual Dworkin apresenta sua concepção do direito como integridade, no qual exige que um juiz, através do método de interpretação busque a única resposta correta. Entretanto, é o mais recente livro “Justiça para ouriços” (2011) que merece destaque, pois traz uma doutrina considerada mais humanística de Dworkin e unifica temáticas que envolvem os campos da filosofia do direito, filosofia política, filosofia moral e teoria da justiça.

Em “justiça para ouriços” (2010) Dworkin traz em seu trabalho um estudo do que pode ser denominado “tipologia dos conceitos”. Essa distinção é necessária quando se faz uso do seu método interpretativo. Quando interpretamos algo ou duvidamos sobre o significado de uma palavra, a mesma pode expressar inúmeros significados, pois a linguística das palavras é bastante complexa, e aquele resultado obtido ou o significado que entendemos uma expressão poderá ser o não pretendido, ou seja, as palavras nos dão a possibilidade de produzir certos equívocos quando nos colocamos como intérpretes, o que pode ser evitado quando se aplica o método necessário. Segundo Dworkin, “Há muitas palavras parecidas, mas que têm significados diferentes, e este facto linguístico pode produzir um acordo comicamente equívoco”(DWORKIN, 2012, P.166).

 Para compreender bem a tipologia conceitual de Dworkin, é necessário nos remetermos a um conhecimento prévio do seu método interpretativo, pois o intérprete aqui é analogicamente similar ao juiz Hércules proposto pelo autor. O direito é uma prática argumentativa, por isso em diversos momentos os indivíduos estão diante de casos paradigmáticos, em busca dos por quês e do que torna uma proposição jurídica verdadeira ou falsa. Apreende-se da teoria dworkiana que a direção a ser seguida pelo intérprete vai depender se o mesmo está diante de um desacordo teórico ou desacordo empírico. Os desacordos teóricos são aqueles que dizem respeito aos fundamentos do Direito, discutir o direito em sentido filosófico, como por exemplo, regras e princípios. Já os desacordos empíricos, são as divergências sobre determinados fatos relevantes da nossa sociedade, é o que pode ser denominado de “desacordo normal”, como por exemplo, quando o juiz está diante de um hard case num caso concreto. Por isso, exige-se uma interpretação construtiva do direito focando nas seguintes premissas: na melhor interpretação possível, na atribuição de valores, no ajustamento ao caso concreto e no que diz respeito aos princípios da moralidade política, nos quais devem ser utilizados para justificar o direito.

Minuciosamente, torna-se necessário explorar a tipologia conceitual de Ronald Dworkin com foco precípuo nos conceitos interpretativos. A partir da tomada de conhecimento sobre sua teoria dos tipos conceituais, se faz mister dar um passo mais à frente, e chegar ao ponto em que se busca uma resposta nesse trabalho, como os conceitos interpretativos se diferenciam dos demais conceitos e qual a sua importância para o método interpretativo.


1.A tipologia dos conceitos de Dworkin

“Grande parte da longa história da filosofia é uma história da interpretação conceitual” (DWORKIN, 2012, p. 166). É assim que o autor sintetiza a colaboração da filosofia para a nossa sociedade. Desse modo, é mérito dos filósofos a arte de pensar, de argumentar, de criar aquilo que interpretam. No nosso cotidiano somos o que pensamos. É famosa a frase do filósofo francês René Descartes: “penso, logo existo”. Em algumas situações estamos insatisfeitos com os problemas morais, políticos e sociais da comunidade política, inúmeros motivos fazem com que o homem olhe de forma crítica o mundo. As críticas surgem, seja por que os impostos estejam altos ou porque o governante é tirânico, ou porque as mazelas sociais só aumentam, ou porque vivemos numa sociedade injusta e desigualitária. Esses são alguns dos problemas que nos perseguem cotidianamente quanto indivíduos críticos. Assim, constrói-se um ciclo: Pensar, repensar, afirmar, duvidar. Aristóteles e Platão são bons exemplos de filósofos clássicos que utilizavam a filosofia interpretativa, eles “construíram as suas teorias morais e políticas em torno de interpretações das virtudes e dos vícios, desde aquelas que vemos como claramente pessoais, como a sabedoria, até a grande virtude política da justiça” (DWORKIN, 2012, p. 191).

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Sob uma luz da teoria de Dworkin, afirma-se que o direito também é uma prática argumentativa, assim como os filósofos, “na interpretação conceitual, a distinção entre autor e intérprete desaparece: criamos juntos aquilo que interpretamos” (DWORKIN, 2012, p. 165). Tudo através de um processo denominado tipologia dos conceitos.

Existem três tipos de conceitos para Dworkin: conceitos criteriais, conceitos naturais e conceitos interpretativos. São chamados conceitos criteriais aqueles nos quais geralmente as pessoas estão em acordo ou utilizam os mesmos critérios para identificar alguma coisa. É o modo como conhecemos os objetos, os significados através do nosso entendimento ou percepção generalizada das coisas, ou seja, não há questionamento quando definimos o que é um triângulo, pois todos responderão que é uma figura de três lados. Mas é necessário enfatizar, que isso representaria uma situação normal, pois não há muito o que questionar quando falamos da tipologia de conceitos criteriais. Entretanto, essa concepção criterial é insuficiente pelo fato de não dar significado a todos os conceitos, e os próprios conceitos que poderiam dar um significado criterial a determinada palavra se tornaria um equívoco, pois, o significado encontrado num primeiro momento não seria o melhor e não daria a resposta esperada, pois a situação que surgiu exige uma complexidade maior, e esses conceitos que inicialmente pareciam ser criteriais passariam a ser enquadrados a uma nova classe de palavras: os conceitos naturais.  “Os tipos naturais são coisas que têm uma identidade fixa na natureza, como um composto químico ou uma espécie animal, e que as pessoas partilham um conceito tipo natural, quando utilizam esse conceito para se referirem ao mesmo tipo natural” (DWORKIN, 2012, p. 167). Esse tipo de conceito parece um quanto mais complexo que os conceitos criteriais, porém com certa facilidade podemos identificá-lo, pois o que predomina é a “essência natural” do objeto em questão, é o que acontece quando falamos por exemplo de uma árvore ou de um animal, geralmente para compreender essência desses objetos (conceitualmente falando) precisa-se recorrer aos aspectos naturais e também a composição biológica dessas espécies.

Conhecer esses tipos de conceitos é essencialmente importante para se chegar a um terceiro tipo de conceito denominado interpretativo. Diferentemente do conceito criterial, os conceitos interpretativos exigem as diferenças de opiniões, o desacordo, o oposto ou o contraditório. “Pelo contrário, a partilha de um conceito interpretativo é consistente com diferenças de opinião muito grandes” (DWORKIN, 2012, p. 169) Conceitos como justiça, liberdade, igualdade, democracia, lei e todos os conceitos morais e políticos se enquadram nessa tipologia. A complexidade dessa terceira tipologia é muito maior quanto comparada às outras duas. De acordo com Dworkin, a razão de conhecer os conceitos interpretativos torna-se necessária para podermos compreender e descrever porque as pessoas discordam e discutem: “Compreender que tipos de conceitos são e de que tipo de argumentos necessitamos ajudar-nos-á a construir e a testar as concepções da responsabilidade judicatória, da vida, da obrigação moral, dos direitos humanos, da liberdade, da igualdade, da democracia e do direito” (DWORKIN, 2012, p. 172).

Não existe uma tipologia conceitual estática. Determinadas palavras predominantemente podem ser enquadradas a uma determinada categoria de conceitos, entretanto, isso não significa que uma palavra não possa deixar de migrar para outra categoria, como por exemplo, o conceito de livro ou de calvície, que inicialmente são criteriais, e que em outra situação podem ser interpretativos quando, por exemplo, surgisse um desacordo na palavra calvície, e aí surgiria o problema: como definir se alguém é calvo? Em Justiça para ouriços (2012), Dworkin cita o exemplo de uma lei que isenta os homens carecas de impostos sobre os rendimentos. Como definir quem é careca? Qual o critério a adotar, já que seria impossível a contagem de cabelos. Isso seria um grande problema interpretativo para os juristas e juízes. Esse exemplo é importante e já nos ajuda a inferir algo: que geralmente quando se tem conceitos criteriais integrados na lei esses conceitos tornam-se interpretativos.

Todos os conceitos morais e políticos são interpretativos. Segundo Dworkin, “A filosofia moral e política, é, em grande parte, um esforço para definir esses conceitos”. O entendimento sobre os conceitos interpretativos se torna mais fácil quando se compreende algumas de suas características essenciais distinguindo-os dos demais tipos de conceitos. Três características muito importantes, que serão exploradas a diante nos permitirá a chegar a algumas ilações. Em primeiro lugar, os conceitos interpretativos variam de lugar para lugar, como por exemplo, o que se entende como justiça, igualdade e democracia no Brasil não pode ser a mesma coisa, por exemplo, no Afeganistão. Como já vimos, os conceitos interpretativos exigem determinados contextos em que existam desacordos, isso é importante para que possa ser compreendida a segunda característica: um conceito interpretativo está sempre inter-relacionado com vários outros tipos de conceitos, e por isso é necessário interpretar toda a família de conceitos ligados ao conceito em questão, como por exemplo, o conceito de democracia, que está ligado aos conceitos de igualdade, governo, povo, soberania, política, constituição, representantes, etc. E como última característica e não menos principal, é que geralmente na filosofia quanto aos conceitos morais, eles nos remetem a dar uma resposta que já sabemos, no entanto, a ideia de conceitos interpretativos bem sucedidos nos traz algo de novo, ou seja, é necessário utilizar aqui o método de interpretação criativa proposta por Ronald Dworkin.


2.Tipologia interpretativa como método criativo

Trazer à tona essa tipologia de conceito se faz mister adentrar sobre a luz proposta pelo teórico Ronald Dworkin: a interpretação criativa. De acordo com Dworkin, quando surgem divergências fundamental para os conceitos interpretativos, seja no direito ou nas situações correlacionadas ao mesmo, essas divergências são necessárias para solucionar problemas que surgem cotidianamente na nossa sociedade. Os próprios juízes divergem sejam em questões fáticas ou nos sentidos das leis. Pois se há divergência, há um questionamento sobre o significado de tal declaração, conceito ou determinado caso. E nessas situações não podemos deixar de percorrer um caminho que é a interpretação criativa. O direito como integridade é estruturado em um processo pelos quais existem mais questões do que respostas. Por isso, quando se coloca em questão se democracia, igualdade ou liberdade são conceitos interpretativos, não se pode basear somente na concepção generalizada ou criterial de cada termo. Por exemplo, ao utilizar a palavra democracia, logo pensamos que democracia exige a compreensão de que é um governo feito pelas massas populares, e isso nos ajudará no nosso processo interpretativo, mas não solucionará ou dará respostas às outras inúmeras questões que surgirão. Segundo a teoria interpretativa, existem duas etapas que o intérprete deverá seguir: primeiro, uma dimensão de adequação, e segundo, uma dimensão explicativa. A melhor concepção seria aquela no qual se adéque a determinado caso. Ou seja, por exemplo, quando queremos definir qual o melhor conceito de democracia, é necessário termos a pré-concepção criterial de que democracia é governo do povo. A partir daí, precisa-se ir mais além, e é aqui que surgem as divergências, pois iremos adentrar dentro do estudo de determinado modelo democrático e a construir nossas próprias opiniões. E como já vimos isso, iremos observar que o conceito de democracia por exemplo possui uma dimensão extensiva, pois o que é colocado como democracia para os Estados Unidos não pode ser o mesmo para o Iraque ou até mesmo para o Brasil, que possui um modelo mais parecido com o americano, mas que existem suas peculiaridades. Para uns a democracia é legítima pelo fato de ser constituído pelo viés da soberania popular, para outros, democracia é governo das elites, ou seja, a vontade de uma minoria que detém poder econômico e decide de forma como vontade geral.

 Assim, os conceitos morais interpretativos sempre trazem algo de novo, não é como os conceitos morais filosóficos, que geralmente dão uma resposta generalizada para todos os contextos, os tipos criteriais são fracos para a teoria interpretativa.


Conclusão

A tipologia dos conceitos de Dworkin nos remete a sua teoria interpretativa, o direito como integridade, pois o método interpretativo aqui em questão não distancia daquele direito como obra literária, que remete a uma cadeia interpretativa, uma concatenação de ideais construídas, no qual o intérprete também é autor. A força do conceito interpretativo é muito maior do que os conceitos criteriais ou biológicos. Se pensarmos numa sociedade em que só houvesse consenso, talvez normalmente poderíamos chegar à conclusão de que seria uma sociedade onde o debate não passaria de mera ficção, onde o conceito de calvície jamais seria questionado, onde o Direito não passaria de mero dogma. Os conceitos interpretativos são a máxima de que o Direito não é apenas norma, algo dogmático inquestionável, absoluto. Mas acima de tudo pensamento, interpretação, debate. O Direito é um conceito interpretativo.


Referências:

DWORKIN, Ronald. Justiça para ouriços. Tradução de Pedro Eloi Duarte. Coimbra: Edições Almedinas, 2012. 515 pag.

______. O império do direito. Jefferson Luiz Camargo (trad). 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. (justiça e direito). 513 pag.

______. Levando os Direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. (justiça e direito)

______. Uma Questão de Princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2001a.

______. Constitucionalismo e democracia. Texto traduzido para fins acadêmicos por Emílio Peluso Neder Meyer. Publicado originalmente no European Journal of Philosophy, nº 3:1, p. 2-11, em 1995.

MACEDO JUNIOR, Ronaldo Porto . Como levar Ronald Dworkin a sério e como fotografar um Porco-Espinho em movimento. In: João Maurício Adeodato; Eduardo C.B. Bittar. (Org.). Filosofia e Teoria do Direito: Homenagem a Tercio Sampaio Ferraz Junior. 1 ed. São Paulo: Quartier Latin, 2011, v. 1, p. 1037-1048.


Notas

[i] Trabalho orientado pelo professor Dr. Nelson Juliano Cardoso Matos, é doutor em Direito pela Faculdade de Direito do Recife - UFPE (2008), Mestre em Direito pela Universidade de Brasília - UnB (2001). Atualmente, é professor adjunto da Universidade Federal do Piauí e Diretor do Centro de Ciências Humanas e Letras (CCHL). 

Sobre o autor
Eduardo Bílio

Graduando em Direito na Universidade Federal do Piauí.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BÍLIO, Eduardo. Dworkin e a tipologia dos conceitos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5199, 25 set. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54952. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

o artigo é resultado do estudo sobre a Teoria do Direito de um grupo de Pequisa, República, na Universidade Federal do Piauí.

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