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Algemas, um imperativo legal.

Caso Daniel Dantas

Agenda 09/01/2017 às 14:13

Neste modesto trabalho tentaremos demonstrar que nas prisões o uso de algemas é imperativo e não excepcional como entendeu o SFT ao editar a esdrúxula Súmula Vinculante nº 11/2008 e pretende o PL nº 280/2016.

                       

            Preocupa-nos sobremaneira o comportamento que tem sido adotado pelos agentes federais quando do cumprimento de ordens de prisão de criminosos do colarinho branco. Após o advento da esdrúxula Súmula Vinculante de nº 11, de 13 de agosto de 2008, os policiais não mais conduzem os meliantes de alta projeção social fazendo uso de algemas. Permitem que eles simulem estar algemados, para o que colocam ou lhes permitem colocar sobre seus punhos jaquetas e paletós. Injustificadamente, pois não têm obrigação de seguir o quanto enunciado na súmula convenientemente fabricada pelo Senhor Ministro do STF Gilmar Ferreira Mendes. Cumpre-lhes, sim, desempenhar suas funções diligentemente de conformidade com a lei. Esse ora criticado procedimento não é adotado quando em diligências para prender delinquentes sem expressão social, tais como traficantes de drogas, contrabandistas e até mesmo humildes sacoleiros, que com os parcos recursos decorrentes de indenizações trabalhistas, de origem lícita, pois, vão comprar bugigangas no vizinho Paraguai, para, com suas vendas, custear a mantença de suas famílias. Súmula não tem força de lei; não se impõe “erga omnes”. À tal súmula, em tese, devem obediência os magistrados. Semelhante comportamento não se vê por parte das polícias civis e militares das unidades da Federação. E seus respectivos Secretários de Segurança em nada ferem a lei por não determinarem que seus agentes efetuem as prisões - sejam de inexpressivos ou expressivos delinquentes, sem o uso de algemas. Na prática, é notório, observa-se que só o bandido sem projeção social, o “da ralé”, é preso algemado – e quase frequentemente espancado; aquele reconhecido, por algum modo, de “status” social é conduzido preso com a maior discrição possível.

           

           

USO DE ALGEMAS NO PROJETO DE LEI Nº 280/2016

CRIMES DE ABUSO DE AUTORIDADE

           

            Acentua-se esta nossa preocupação com a tramitação do PL nº 280/2016, patrocinado por dois “medalhões” – de latão da pior qualidade – da política nacional, quais sejam, os senadores Renan Calheiros e Romero Jucá, ambos investigados pela “Operação Lava Jato" e, portanto, na iminência de se verem algemados, mesmo que “de brincadeirinha”. O que pretendem é que em suas eventuais conduções estejam de mãos livres, não só para acenarem para os seus partidários como também para distribuir “bananas” para as autoridades judiciais que determinarem suas prisões. De todos os esforços se valeram alguns senadores para verem o projeto votado no Senado ainda sob o comando do seu proponente. Chegaram a conseguir a colocá-lo em pauta em regime de urgência. Não fosse o clamor popular e a intervenção de alguns senadores que a esse clamor foram solidários teriam conseguido seu intento. Caras de pau! Deveriam se dar por impedidos para a apreciação do projeto, já que manifestos são seus interesses em vê-lo aprovado, pois “sujos” e com grande probabilidade de serem “lavados” pela operação dirigida pelo Juiz Sérgio Moro.

Ressalve-se, essa maquinação não é obra genuína do senador que hoje a apresenta – Renan Calheiros. Ela foi apresentada em 2009 pelo então deputado federal, hoje ministro da defesa, Raul Jungmann, após a comovente prisão do banqueiro Daniel Dantas, o que ocorreu em julho de 2008 e que motivou a saída do então presidente do STF em sua defesa, o que fez como se advogado do mesmo fosse; mas não um causídico comum que exerce o múnus que lhe cabe observando princípios éticos. Abusou de prerrogativas do cargo, do que não poderia se valer qualquer outro patrono, mesmo que se antiético fosse. Não há, pois, como se deixar de reconhecer que foi o projeto de lei do então deputado Raul Jungmann inspirado na indignação do senhor ministro Gilmar Ferreira Mendes à vista da prisão do “injustiçado” banqueiro. Os mesmos aplausos dispensados pelo ministro do STF ao primitivo projeto são igualmente e abertamente por ele ratificados ao atual.  

ARTIGO 15 DO PROJETO DE LEI Nº 280/2016

Permitimo-nos neste passo tecer algumas considerações ao artigo 15 desse projeto de lei. Reza o retro citado artigo:

Submeter o preso ao uso de algemas, ou de qualquer outro objeto que lhe tolha a locomoção, quando ele não oferecer resistência à prisão, nem existir receio objetivamente fundado de fuga ou de perigo à integridade física dele própria ou de terceiro:

Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa”.

INTEGRIDADE FÍSICA DO PRESO

Uma questão de prudência

A bem da verdade, a prisão em geral, a ordinária, a prisão responsável, deve ser feita mediante o emprego de algemas. Excepcional deve ser a prisão sem o seu emprego. Preso, a partir de então, o indivíduo fica sob custódia e responsabilidade do Estado. Reza o art. 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal brasileira:

 “é assegurado aos presos o respeito à sua integridade física e moral”.

 A prudência recomenda que o policial se valha de todos os meios ao seu alcance para preservar a integridade física do preso, das pessoas que, por qualquer circunstância, possam sofrer reflexos danosos em suas integridades físicas decorrentes da prisão, como também para preservar sua própria integridade física e prevenir responsabilidade no exercício de suas funções. E, repetimos, o meio de que até então dispõe o policial para, nesse particular desempenhar sua atividade com a eficácia esperada são as algemas, que, até que se apresente outro instrumento suficientemente eficiente para os fins desejados, devem continuar sendo utilizadas. Não há que se esperar é que o policial mantenha e conduza o preso “de mãos dadas”.

E, entendemos nós, mais recursos deveriam ser postos à disposição do policial para o cumprimento do múnus que lhe cabe. As vidas de custodiados do Estado podem ser alvos de atentados por terceiros interessados em seus silêncios. Interessante, pois, seria que o Poder Público, para proteger as vidas desses presos, fornecesse também, sempre, coletes à prova de balas. Antecipamo-nos: é utópica tal pretensão. Temos que nos contentar com as raríssimas oportunidades em que isso ocorre, o que é compreensível, já que o ordinário aqui neste País é sonegar essa proteção ao próprio policial no confronto com marginais.

Algemas como meio de evitar crimes

Também no resguardo da integridade física do preso, mais uma forte razão temos para sustentar nosso ponto de vista: a execução de pessoas por policiais inescrupulosos - forçados somos a reconhecer que existem nos quadros das polícias. Corriqueiras são as notícias de execuções de indivíduos que, comprovadamente, foram presos sem esboçar qualquer reação e assim se mantiveram até serem conduzidas. Esses maus policiais quando assim agem fazem por instinto perverso e motivos vários, entre os quais se inclui encomenda, e acabam ceifando vidas de infelizes - delinqüentes e inocentes, estes confundidos com marginais. Aos seus superiores e, posteriormente, perante a Justiça, invocam em seu favor o instituto “do estrito cumprimento do dever legal” como excludente de ilicitude, sob a alegação de que as vítimas foram alvejadas por terem fugido, quando na verdade as fugas foram impostas por esses policiais bandidos. O uso da algema retira desses policiais delinqüentes essa escapatória, que com sucesso, na maioria dos casos, vem encobrindo seus crimes, já que difícil será justificar a morte do preso - que a rigor deveria ser conduzido até a presença da autoridade competente algemado - por tentativa de fuga.

INTEGRIDADE MORAL DO PRESO.

Vamos e venhamos. Da mesma forma que inferimos que o uso de algemas é um imperativo legal para a proteção da integridade física do preso, também entendemos, com amparo no mesmo art. 5º, inciso XLIX, da C.F., que a prisão, no resguardo da integridade moral do preso, deve se revestir da mais rigorosa discrição. Não é o que se tem visto neste País, e que não é de hoje. Temos testemunhado verdadeiras execrações públicas. Mas esses constrangimentos não são consectários do emprego das algemas. São fruto de ilegais e, consequentemente, irresponsáveis exposições do preso na mídia. Ultimamente temos assistido, com mais freqüência do que em qualquer outra época, prisões com a presença da imprensa previamente convocada para acompanhar a ação policial, o que não ocorre só com pessoas de renome. Trata-se de comportamento deplorável, tanto pela exposição da integridade moral dos presos, como e principalmente pela ilegalidade de que o fato se reveste. É uma irresponsabilidade - com muita propriedade apelidada de “pirotecnia” -, que tem como escopo mesquinho, com prejuízo moral para o preso e desrespeito à legislação penal brasileira, a promoção de policiais, que não sabem se despir da vaidade para exercerem suas nobres funções.

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            Não conseguimos ver dificuldades para que as prisões se revistam da recomendada discrição. A polícia é devidamente instruída para efetuar uma prisão sem estardalhaços. Quando de um incêndio, os bombeiros sabem isolar o foco, evitando, assim, a aproximação de curiosos. Por que quando da prisão de um indivíduo em sua residência a polícia, precavendo-se de um eventual vazamento da ação ou da chegada da mídia ao local por seus próprios méritos, não isola o imóvel, ou mesmo o quarteirão, evitando a aproximação da imprensa e, consequentemente, a exposição do ainda suspeito? Outrossim, não se sabe os rumos que uma diligência policial pode tomar. Pode muito bem acabar em tiroteio. A convocação da imprensa para acompanhar diligências policiais, ou mesmo a permissão para que ela acompanhe a ação - ainda que não chamada para tanto - é temerária, é atentatória contra a vida dos profissionais de imprensa. É crime configurado no Capítulo III – Da Periclitação da Vida e da Saúde, art. 132, do Código Penal brasileiro, que assim dispõe:

“Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente”.

 Impõem-se, pois, que se faça cumprir a lei.

RESPONSABILIDADE DE QUEM TEM O PRESO SOB SUA GUARDA

Diz o art. 37, § 6º, da nossa Carta Magna:

“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

Para dar cumprimento ao mandamento constitucional, o policial deve ter e conduzir o preso sob sua guarda diligentemente, sob pena de responsabilidade funcional. Mas policial não é babá de preso. E nem o preso traz gravada em sua testa inscrição revelando sua personalidade. O comportamento humano nos reserva surpresas. Não raro é ver delinquentes darem cabo às próprias vidas quando presos, muita vez por pacto com comparsas, para não pôr em risco o empreendimento (?) criminoso. Frequentemente se tem notícia de que réus, inconformados com o veredicto, perdem o controle emocional em pleno salão do tribunal do júri, guarnecido por muitos policiais, e partem para agredir promotores, advogados, testemunhas e até juízes. Não muito invulgar também é pessoas supostamente honestas quando apanhadas delinquindo atentarem contra as próprias vidas por pressão psicológica sobre si mesmas. Para ilustrar esta última hipótese, voltemos ao dia 30 de maio de 2008. Naquele dia, por falta de diligência dos colegas policiais que o prenderam, o Tenente Fernando Neves, da PM de São Paulo, recebendo voz de prisão, acusado de pedofilia, logo em seguida se matou. Fosse ele imediatamente algemado não atentaria - naquele momento - contra a própria vida.

Por mera hipótese, se o senhor José Renan Vasconcelos Calheiros Filho, governador de Alagoas, fosse fundamentadamente preso pela Polícia Federal, não vislumbrando possibilidade alguma de se ver isentado dos fatos criminosos a si imputados e não tendo herdado o gene que poderia lhe dar serenidade nessas situações vexatórias, que é uma característica marcante em seu genitor, na sua condução - pressionado psicologicamente pelo dissabor que causaria aos familiares e amigos, aproveitando-se de descuido do policial encarregado de sua condução arrancasse desse a arma do coldre e desse cabo à própria vida, não temos a menor dúvida de que o senador José Renan Vasconcelos Calheiros seria o primeiro a acusar a Polícia Federal de negligência na condução de seu querido filho.

Portanto, não há como se deixar de concluir que a aferição da necessidade do emprego de algemas deve ser feita subjetivamente, seja pela autoridade policial ou judicial sob a responsabilidade da qual estiver o preso. Eles, sim, diante das circunstâncias que se lhes apresentam, poderão concluir pelo emprego ou não de algemas nos pacientes custodiados sob suas responsabilidades; não o senhor Renan Calheiros ou senhor Gilmar Mendes, que,com certeza, não estarão presentes numa situação concreta, salvo no dia em que porventura estiverem na condição de custodiados pelo Estado, mas, ressalve-se, sem fazer qualquer interferência na decisão tomada pelo agente público encarregado de conduzi-los presos. 

USO ARBITRÁRIO?

É conversa fiada dizer que o uso de algemas é arbitrário; que para seu emprego necessário se faz regulamentá-lo.

O policial deve resguardar a integridade física do preso. E o Estado tem interesse na preservação da integridade física do preso não só por sentimento altruístico. No caso do tenente Fernando Neves, com sua morte, muitos crimes ficaram sem elucidação, pois pesava sobre si não um só crime, mas vários.

O emprego de algemas não é arbitrário. É verdade, sim, que ainda se está esperando a disciplina do emprego de algemas preconizada no art. 199 da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84):

O emprego de algemas será disciplinado por decreto federal".

Mas a inexistência dessa regulamentação não implica em ser seu emprego arbitrário. O art. 284 do Código de Processo Penal está assim redigido:

“Não será permitido o emprego de força, salvo a indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso” (grifo nosso).

Mais adiante, no art. 292, está consignado: 

“Se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas” (grifo nosso).

Como visto, a lei autoriza o emprego de força comedida, o uso dos meios necessários, nos casos de resistência à prisão e tentativa de fuga. E não se deve interpretar como resistência à prisão tão-só aquela caracterizada pelo comportamento agressivo do preso, por uma reação física do indivíduo à voz de prisão a si endereçada. A resistência à prisão pode se apresentar em forma de uma reação psicológica do indivíduo contra si mesmo. Não se faz necessário grandes esforços para chegarmos à conclusão de que a resistência à prisão dessa forma pode se revestir. São algumas hipóteses cristalinamente viáveis: o preso, no trajeto em que é conduzido, atirar-se à frente de um automóvel em movimento; o indivíduo, recebendo voz de prisão em cômodo localizado em edificação vertical, precipitar-se do alto para a morte; ou, ao receber voz de prisão, a um pretexto qualquer, o preso isolar-se e dar cabo à própria vida, como foi o caso do tenente Fernando Neves. Pergunta-se: poderá o preso resistir à prisão de forma mais significativa do que dando fim à própria vida? Autorizado, pois, está o policial a fazer uma análise subjetiva do preso e decidir se convém ou não adotar medidas acautelatórias no cumprimento de seu mister. E o instrumento mais eficaz e comedido que o Estado põe à disposição do agente público para em tais casos se acautelar é a algema.

O EPISÓDIO DANIEL DANTAS

(UM TESOURO VALIOSO)

Ele tem consciência da grandiosidade de seu patrimônio material; de o quanto e o que pode comprar com seu dinheiro. Mas, à época do episódio, não percebeu o quanto é valioso em si próprio; o seu valor intrínseco. Talvez por isto tenha esperneado tanto quando preso e algemado; não tanto pela prisão, mas pelas algemas.

Sinceramente, é de se admirar; é de se espantar. Jamais existiu um fato que causasse tanta comoção no seio do mais alto poder judiciário deste País como a prisão do Sr. Daniel Dantas. Sua dignidade parece incomparável. Aos olhos do STF, com poucas prováveis exceções, a dignidade do Dalai Lama, hoje, não se compara, como também não se comparariam a da Madre Teresa de Calcutá, da Irmã Dulce, do Chico Xavier, e, talvez, até a de Jesus Cristo, à do Daniel Dantas. É intocável; irretocável e incensurável.

O Sr. Daniel Dantas, à vista de toda comoção causada por sua prisão, é, certamente, um tesouro valioso. É um arquivo vivo de valor inestimável. É ele, pelo visto, detentor do conhecimento de fatos marcantes da história moderna do Brasil. Sim!, história sim! É parte promíscua; mas é história! Toda nação, infelizmente, carrega essa mácula. A revelação do que ele guarda consigo não será do agrado de muita gente. Ele deve se conscientizar do seu valor. Doravante não deve se preocupar com algemas, mas com colete à prova de balas. O seu silêncio, e de outros tantos detentores de dossiês, é interessante para muitos; especialmente o silêncio “inquestionável”, qual seja, aquele decorrente da morte. Ele deve se lembrar que quando da morte de seu conterrâneo ACM pouca comoção e muito suspiro de alívio se notou no meio político nacional. Certeza se tem – pois ele repetidas vezes declarou, até no plenário do Senado - de que o falecido senador Antônio Carlos Magalhães possuía um relevante dossiê sobre a promiscuidade política deste País. Não se sabe até então para quem ele deixou esse legado. Pelo visto, o acervo do Sr. Daniel Dantas é mais abrangente. Deixou bem claro que não seria condenado em eventual processo judicial apreciado pela mais Alta Corte do Brasil. Como devem se lembrar, aconteceu melhor do que isso: os procedimentos – policial e judicial, que o envolveram foram anulados e ele passou de réu a vítima. Pode? Pode sim! Aqui nesta republiqueta pode sim!

Assim, por tudo quanto aqui exposto, não vislumbramos motivos justos para o esperneio do senhor Daniel Dantas com relação ao emprego de algemas quando de sua prisão. Ele, realmente, não tem consciência do que representa, do quão valioso é; se tivesse essa percepção, em vez de protestar por ter sido algemado, deveria, sim, reclamar por não ter sido protegido com colete à prova de balas.

UMA PRISÃO REALMENTE COMOVENTE

O Sr. Daniel Dantas é realmente um fenômeno. Sua prisão com o emprego de algemas foi um vilipêndio à sua imaculada dignidade (acreditamos que mesmo sem o emprego das algemas o resultado seria o mesmo). Tão perversa que feriu os brios do Supremo Tribunal Federal, nossa mais Alta Corte de Justiça (?). Ao longo de nossa história testemunhamos prisões de pessoas “importantes” nos mesmos moldes em que foi ele preso, e não se ouviu esse clamor. Por economia, citaremos só o Dr. Paulo Salim Maluf (deputado federal, ex-prefeito e ex-governador, grande empresário, de família tradicional de nossa mais importante metrópole – São Paulo), preso “n” vezes. Sua, do Sr. Daniel Dantas, única, ao que se sabe, prisão, bem fundamentada, ressalte-se – e por isso se valeram das algemas para contestá-la – não deixou de causar desesperadas reações. Parece que o emprego das algemas foi mais desconfortável para o Supremo do que para o próprio.  

A SÚMULA VINCULANTE Nº 11 DO STF

Um dos primeiros aprendizados (extra curriculum) do acadêmico de Direito é a máxima de que “da cabeça de juiz e bunda de neném ninguém sabe o que e quando sai”. Pois é, ao que parece, o Sr. Daniel Dantas sabe o que e quando sai da cabeça de juiz.

O puxão de orelhas que ele deu no STF fez este adotar postura mal refletida sobre o uso das algemas. Para resguardar o santíssimo e outros tantos santos de futuras bem feitas prisões, o Egrégio STF (?) olvidou situações rotineiras em que é imperativo o emprego de algemas. O Colendo Tribunal (?) não deu margens a polêmicas e discussões no seio da sociedade brasileira. Atendendo aos reclamos do banqueiro-empresário, incontinenti - aproveitando a deixa do julgamento de um processo no dia 07 de agosto de 2008, em que os ministros do STF, seguindo o voto do Ministro relator Marco Aurélio Mello, decidiram anular o julgamento de um réu, por entenderem que houve abuso no uso de algemas, pelo fato de o condenado por homicídio ter permanecido algemado durante toda a sessão de julgamento no tribunal do júri do município de Laranjal Paulista/SP -, os ministros do STF decidiram adotar o entendimento de que “Só se usa algema em caso de necessidade, possibilidade de fuga ou agressão” (Min. Gilmar Mendes). Por sugestão do Ministro Marco Aurélio Mello, deveriam ser enviadas cópias da decisão para o, à época, ministro Tarso Genro (Justiça) e os secretários estaduais de Justiça para fixar a "tese de excepcionalidade" do uso de algemas. Vale lembrar: o senhor Daniel Dantas foi preso nos dias 08 e 10 de julho de 2008. Pois é, em tempo recorde, no dia 13 de agosto – de 2008! - o STF concebeu uma conveniente e inusitada súmula vinculante, nos seguintes termos:

"Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado" (grifo nosso) .

UMA SÚMULA INCONSTITUCIONAL

As algemas postas no imaculado senhor Daniel Dantas levou o STF a meter os pés pelas mãos, a arvorar-se à condição de legislador. A Constituição Federal delega poderes ao STF para adotar súmulas de efeito vinculante “sobre matéria constitucional”. Reza o seu art. 103-A:

“O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei” (grifo nosso).

O emprego de algemas não é matéria constitucional. É matéria abordada em legislação ordinária. Está previsto na Lei nº 7.210/84 (Lei de Execução Penal), precisamente no seu art. 199, onde também está estabelecido que sua regulamentação ficaria no aguardo de “decreto federal” (“O emprego de algemas será disciplinado por decreto federal"). E lá se vão 32 anos à espera dessa disciplina. Não sendo, pois, o emprego de algemas matéria constitucional e sua regulamentação, por explícita determinação legal, devendo advir de decreto federal, escapa à pretensão do STF ver por si disciplinada, pelo que não há como se deixar de reconhecer o Enunciado de Súmula Vinculante nº 11 do STF inconstitucional. Não só isto nos convence de que a súmula é inconstitucional. A pressa é inimiga da perfeição. E mais distante fica da perfeição quando à pressa se alia o desespero. Não fosse a súmula inconstitucional por não se tratar o emprego de algemas matéria constitucional e por querer o STF se sobrepor a quem é realmente competente para regulamentar o seu emprego, de igual forma é por não obedecer ao quanto consignado também no art. 103-A da C.F, ou seja, estar consubstanciada em decisões reiteradas de mesmo teor e com quase chance alguma de se ver o entendimento nela exposto modificado.

Seu enunciado é, em parte, uma repetição do quanto já cristalinamente contido na legislação processual penal e na Constituição Federal. Senão vejamos: diz que

“Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, ...”. É justamente o que está preconizado nos artigos 284

(“Não será permitido o emprego de força, salvo a indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso”) e 292

(“Se houver, ainda que por parte de terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas”)

do Código de Processo Penal pátrio.

                  As expressões salvo a indispensável (força) - art. 284, e usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência – art.292, são autorizadoras do uso de qualquer meio comedido - e, pois, de algemas - para vencer a resistência ou evitar a fuga do preso. E, segundo se depreende do quanto contido no art. 292, não só o agente público mas também as pessoas que o auxiliarem poderão se valer de meios extremos (até arma de fogo) para prender em flagrante ou dar cumprimento a ordem de prisão, após o que o agente público deverá circunstanciar o fato em auto subscrito por testemunhas. Inócua, pois, nessa parte do enunciado, é a súmula.

Chegamos à inevitável conclusão de que a Súmula Vinculante nº 11 do STF teve uma conotação de incompreensível desespero para, por motivos escusos, livrar do constrangimento (?) de serem presos com o emprego de algemas os delinquentes do colarinho branco que, certamente, apareceriam depois do senhor Daniel Dantas. Lamentável!

Depreende-se desse entendimento esdruxulamente sumulado (súmula jurisprudencial consubstancia-se em decisões reiteradas de mesmo teor e só pode ser consagrada vinculante quando não se vislumbra mais possibilidade alguma de entendimento diverso) que o preso só poderá ser algemado se resistir à prisão, se houver fundado receio de sua fuga ou se ele, preso, ou terceiros oferecerem perigo à integridade física do policial ou de outras pessoas. O vocábulo “própria” só pode se referir ao policial, pois mais adiante  encontra-se “por parte do preso ou de terceiros”. Vê-se, pois, que nenhuma preocupação foi dedicada à integridade física do preso. Outrossim, a título de curiosidade, indagamos: algemando-se o preso evitar-se-á o perigo à integridade física do policial ou alheia por parte de terceiros?

Por tudo quanto aqui expusemos, claro é que discordamos do entendimento do Ministro Marco Aurélio Mello no julgamento do processo retro mencionado, e que o conteúdo que está esposado na súmula imposta goela abaixo do jurisdicionado brasileiro nos causa repulsa e indignação, muito especialmente pelo modo não convencional de sua elaboração.

FRUSTRAÇÃO DE UMA CONTRIBUIÇÃO DO EPÍSÓDIO

Voltamos a repetir: as algemas são o meio próprio de que se vale o policial para, no particular da prisão, cumprir sua função com a responsabilidade que o caso requer.

O episódio Daniel Dantas teve seu ponto positivo. Fez vir à tona outra importantíssima utilidade das algemas. É o Brasil um país que clama por meios que contribuam para a diminuição da criminalidade, hoje mais do que nunca contra a famigerada corrupção O desconforto, o constrangimento, causado ao Sr. Daniel Dantas pelo uso das algemas comprova que elas se prestam a tal finalidade, ou seja, são um desestímulo ao cometimento desses crimes. Não para o cometimento de crimes famélicos, cujos autores já vivem na indignidade e, pois, o emprego ou não de algemas em nada afetará a imagem deles perante nossa sociedade, mas, principalmente, para os criminosos “de colarinho branco”, cuja classe tem aumentado nos últimos anos em progressão geométrica, que vêm nas algemas uma mácula indelével na imagem que ostentam perante a “alta sociedade brasileira”. Na grande maioria dos casos é o único constrangimento por que passam os criminosos que lesam o erário, que lesam uma nação inteirinha. E a nossa mais alta Corte de Justiça quer justamente desativar essa prestimosa causa de inibição do crescimento da criminalidade. Haja dinheiro nos cofres públicos ...

Os figurões – ministros, políticos, juízes, advogados, altos empresários do tipo Daniel Dantas, etc. – que se insurgem contra o uso de algemas, antes de cometerem deslizes, deveriam comedir os constrangimentos por que farão passar seus familiares – pais, avós, irmãos, filhos, netos - e amigos.

CONCLUSÃO

Mantido que seja o entendimento exposado na esdrúxula sumula nº 11 do STF ou, se por absurdo, transformado em lei o desesperado e desnecessário PL 280/2016 – a legislação brasileira, em momento algum deu amparo ao abuso de autoridade -, mantendo o artigo contra o qual ora nos insurgimos, veremos frustrada a maior contribuição que o episódio Daniel Dantas deu para a sociedade brasileira, qual seja, a de inibir o cometimento de crimes contra o erário, de fazer os criminosos “do colarinho branco” pensarem duas vezes antes de delinquir.

Concluímos: o emprego de algemas é legal e imperativo - a excepcionalidade é o seu não emprego - e cumpre as importantes finalidades de preservar a integridade física das pessoas envolvidas na prisão, de evitar o cometimento de crimes por policiais inescrupulosos e, também, de conter o aumento da criminalidade no campo de atuação dos criminosos de “colarinho branco”; e, por fim, também que a exposição do preso na mídia é conduta deplorável e ilegal.

                                                                                                           

Sobre o autor
Ubiratan Pires Ramos

Auditor-fiscal do Trabalho, aposentado. Advogado.

Informações sobre o texto

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