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Súmula 285 do Tribunal de Contas da União: ilegalidade e insegurança jurídica

Agenda 14/01/2017 às 19:42

Apesar de louvável qualquer esforço que tenha por objetivo diminuir o sangramento diário dos cofres públicos, a súmula em destaque padece de ilegalidade.

Com o objetivo de conter gastos públicos com o pagamento de pensões concedidas com fundamento na revogada Lei Federal n. 3.373 de 1958, o Tribunal de Contas da União editou a súmula 285 em 14 de julho de 2014, cuja redação é a seguinte: 

“A pensão da Lei 3.373/1958 somente é devida à filha solteira maior de 21 anos enquanto existir dependência econômica em relação ao instituidor da pensão, falecido antes do advento da Lei 8.112/1990.”.

Como se vê, a Corte de Contas passou a exigir a prova de dependência econômica por parte de filhas de ex-servidores públicos, para a manutenção do benefício de pensão previdenciária previsto na lei federal n. 3.373.

Apesar de louvável qualquer esforço que tenha por objetivo diminuir o sangramento diário dos cofres públicos, a súmula em destaque padece de ilegalidade.

De fato, o novo verbete do TCU viola claramente os princípios da legalidade e da segurança jurídica, conforme ficará demonstrado.

Estabelece o art. 5º, II, da Constituição Federal de 1988, que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Estabelece ainda a Carta Magna, em seu art. 37, caput, que a “Administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte(...)”(destaque nosso).

Sobre o princípio constitucional da legalidade, assim nos ensina Celso Antônio Bandeira de Mello:

“Nos termos do art. 5º, II, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Aí não se diz “em virtude de” decreto, regulamento, resolução, portaria ou quejandos. Diz-se “em virtude de lei”. Logo, a Administração não poderá proibir ou impor comportamento algum a terceiro, salvo se estiver previamente embasada em determinada lei que lhe faculte proibir ou impor algo a quem quer que seja. Vale dizer, não lhe é possível expedir regulamento, instrução, resolução, portaria ou seja lá que ato for para coartar a liberdade dos administrados, salvo se em lei já existir delineada a contenção ou imposição que ato administrativo venha a minudenciar.(In: Curso de Direito Administrativo. 26.São Paulo: Malheiros,2009, Pgs. 102-103).(destaque nosso).

Neste contexto e considerando o teor da súmula 285 do TCU, verifica-se que a lei federal n. 3.373/1958 dispõe, dentre outros aspectos, sobre os requisitos para a concessão de pensão temporária às filhas maiores 21(vinte e um) de ex-servidores falecidos na vigência na norma. Verbis:

(...)Art 5º Para os efeitos do artigo anterior, considera-se família do segurado: (...)II - Para a percepção de pensões temporárias:

a) o filho de qualquer condição, ou enteado, até a idade de 21 (vinte e um) anos, ou, se inválido, enquanto durar a invalidez;

b) o irmão, órfão de pai e sem padrasto, até a idade de 21 (vinte e um) anos, ou, se inválido enquanto durar a invalidez, no caso de ser o segurado solteiro ou viúvo, sem filhos nem enteados.

Parágrafo único. A filha solteira, maior de 21 (vinte e um) anos, só perderá a pensão temporária quando ocupante de cargo público permanente.

Pela simples leitura do parágrafo único do art. 5º, acima, verificamos os 02 (dois) requisitos legais para a concessão da pensão temporária, a saber, ser a filha solteira e não ocupante de cargo público.

Diante da clara redação da lei, que não demanda maiores interpretações, resta inequívoco que a súmula 285 da Corte de Contas extrapolou os limites do texto legal, ao exigir mais um requisito para concessão do benefício previdenciário (dependência econômica), ferindo de morte o princípio da legalidade.

Oportunas neste ponto as lições do Ministro Carlos Maximiliano, que assim nos ensina: “Quando o texto dispõe de modo amplo, sem limitações evidentes, é dever do intérprete aplicá-lo a todos os casos particulares que se possam enquadrar na hipótese geral prevista explicitamente; não tente distinguir entre as circunstâncias da questão e as outras; cumpra a norma tal qual é, sem acrescentar condições novas, nem dispensar nenhuma das expressas”(In: Hermenêutica e aplicação do direito.19.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, Pg. 201.) (destacamos).

Considerando ainda que o texto da súmula 285 reflete mudança de interpretação de norma jurídica por parte do TCU, entendemos que o enunciado viola também o princípio da segurança jurídica, caso se pretenda cancelar/suspender pensões concedidas com fundamento em interpretação anterior.

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Estabelece o art. 2º da lei federal n. 9.784/99 que a “Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.” (destaque nosso).

Como se vê, o princípio da segurança jurídica é previsto de forma expressa no Ordenamento Jurídico Brasileiro e deve ser observado pela Administração Pública.

Conforme nos ensina a Prof. Maria Sylvia Zanella Di Pietro, jurista que participou da elaboração do anteprojeto que resultou na lei 9.784/99, “o princípio se justifica pelo fato de ser comum, na esfera administrativa, haver mudança de interpretação de determinadas normas legais, com a consequente mudança de orientação, em caráter normativo, afetando situações já reconhecidas e consolidadas na vigência de orientação anterior. Essa possibilidade de mudança de orientação é inevitável, porém gera insegurança jurídica, pois os interessados nunca sabem quando a sua situação será passível de contestação pela própria Administração Pública. Daí a regra que veda a aplicação retroativa.(...)por respeito ao princípio da segurança jurídica, não é admissível que o administrado tenha seus direitos flutuando ao sabor de interpretações jurídicas variáveis no tempo” (In: Direito Administrativo. 25.Ed.São Paulo: Atlas, 2012, pg. 85) (Destaque nosso).

Em sintonia com o princípio da segurança jurídica, a própria lei federal n. 9.784/99 possui dispositivo expresso proibindo a aplicação retroativa de nova interpretação. Vejamos:

Art. 2º (...)Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

(...) XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.

O próprio Tribunal de Contas da União já entendeu, por meio da súmula n. 105, que a “modificação posterior da Jurisprudência não alcança aquelas situações constituídas à luz de critério interpretativo anterior”.

No caso sob análise, o Tribunal de Contas após modificar seu entendimento sobre a aplicação da lei federal n. 3.373/1958, editou a súmula 285 e pretende cancelar pensões legalmente concedidas antes da edição do enunciado. Outrossim, resta claro que tal decisão viola o princípio da segurança jurídica previsto na lei federal n. 9.784/99.

Em rápida pesquisa jurisprudencial, constatamos que o Poder Judiciário já tem se manifestado de forma contrária ao novo entendimento do Tribunal de Contas de União.

A título de exemplo, temos a seguinte manifestação do Ministro Antônio Saldanha Palheiro do Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do Agravo Regimental no Recurso Especial n. 764052, em 23 de agosto de 2016. Vejamos:

“(...)o art. 5º, parágrafo único, da Lei n. 3.373/1958 (na redação vigente ao tempo do óbito do servidor) não elencava como requisito para a concessão da pensão a existência de dependência econômica entre o instituidor e sua filha, mas tão somente que fosse ela solteira e que não ocupasse cargo público”.

Considerando que a lei federal n. 3.373 de 1958 continua sendo aplicada até hoje por força do princípio Tempus Regit Actum, beneficiando diversas filhas de ex-servidores, algumas já recebendo pensão previdenciária há décadas, inclusive, e, tendo em vista ainda que há notícias de que o TCU está determinando o cancelamento dos benefícios concedidos em desacordo com a questionável súmula 285, devemos ver uma grande quantidade de ações judiciais tratando da matéria neste e nos próximos anos. 

Sobre o autor
Robson Antônio Castro Rodrigues

Advogado. Pós-Graduado em Direito. Atua nas seguintes áreas: Direito do Trabalho, Servidores Públicos e Ações Indenizatórias.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, Robson Antônio Castro. Súmula 285 do Tribunal de Contas da União: ilegalidade e insegurança jurídica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4945, 14 jan. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55070. Acesso em: 23 dez. 2024.

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