9. A APLICAÇÃO JURISPRUDENCIAL DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE NO DIREITO DO TRABALHO:
O primeiro caso de reparação pela perda de uma chance no Direito do Trabalho aceito pela Corte de Cassação Italiana ocorreu em 1983, quando determinada empresa convocou alguns trabalhadores para participar de um processo seletivo para a contratação de motoristas que iriam compor o seu quadro de funcionários. Não obstante tenham se submetido a diversos exames médicos, alguns candidatos ao emprego foram impedidos de participar das demais provas de direção e de cultura elementar, necessárias à conclusão do processo de admissão.
Na ação ajuizada, o juiz de primeiro grau reconheceu o direito dos autores de serem admitidos, desde que superassem as provas que não fizeram, condenando a empresa a indenizá-los pelo atraso no processo de admissão. O tribunal de Roma reformou a sentença, sob o argumento de que o dano decorrente da perda da chance não seria indenizável, por se tratar de um dando meramente potencial, não demonstrado de forma segura.
A corte de Cassação reformou o acórdão do tribunal, argumentando que a indenização pretendida pelos candidatos ao emprego se referia não à perda do resultado favorável, que seria a obtenção do emprego, mas, à perda da possibilidade de conseguirem referidos candidatos o resultado útil ao direito de participar das provas necessárias para obtenção do emprego. Esta possibilidade já se integrara ao patrimônio daqueles candidatos, quando do comportamento ilícito da empresa, enquadrando-se a situação como dando emergente.
Como se viu, o tema da responsabilidade civil pela perda de uma chance tem ganhado espaço na jurisprudência brasileira, entretanto, no Direito do Trabalho ainda é um tema bastante novo. O Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais inovou condenando uma empresa fundado na reparação de danos pela perda de uma chance, como se vê no caso a ser relatado neste artigo.
Acompanhando voto do desembargador Emerson José Alves Lage, a 7ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região – MG deferiu indenização por dano material a um reclamante, dispensado de forma abusiva e ilícita, logo após ter sido aprovado em processo seletivo interno da empresa. Com a promoção o reclamante se transformaria em supervisor de vendas, cargo em que teria o salário dobrado. Assim, no entender do relator, o reclamante teve frustrada uma chance real de obter o esperado ganho salarial, ao ser injustamente dispensado sob a acusação de cometer falta grave. Por isso, faria jus à reparação patrimonial, pelo prejuízo consistente na perda dessa oportunidade.
No caso em tela, a empresa resolveu investigar se os empregados utilizavam seus acessos ao sistema informatizado para realizar recargas de créditos de suas próprias linhas de telefone celular. Segundo relatos de testemunhas, mesmo sabendo que as recargas no celular do reclamante não haviam partido do seu acesso, os prepostos da empresa o mantiveram retido numa sala por mais de uma hora e meia até que, não suportando a pressão, ele assinou sua carta de demissão do emprego.
No dia seguinte, voltou para pedir a reconsideração da sua demissão, mas diante da recusa da responsável pelo setor e ainda sob pressão, rasgou o documento que havia assinado. Após o incidente, foi dispensado por justa causa tipificada na letra “a” do artigo 482 da CLT, por destruir documento da empresa.
O juiz de 1º Grau reverteu a justa causa e declarou a rescisão indireta do contrato, porém indeferiu o pedido de indenização por danos materiais, ao fundamento de que a aprovação em teste de seleção para o cargo apenas criou a expectativa do direito à promoção. Desse entendimento, discordou o Desembargador relator e decisão da Turma se assentou no artigo 402 do Código Civil, pelo qual as perdas e danos devidos ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu o que razoavelmente deixou de lucrar, já que a teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance “tornaria indenizável a probabilidade séria de obtenção de um resultado legitimamente esperado que é obstado por ato ilícito praticado pelo agente ofensor” – explicou o relator.
Observa-se que o relator considerou que a reparação da perda de uma chance não se fundaria na certeza, mas sim, na probabilidade, na possibilidade real de ganhos patrimoniais, que foi ilicitamente obstruída. A indenização teria por objetivo reparar a perda da oportunidade em si mesma, e não os ganhos perdidos. Até porque, no caso, não há como quantificar, ao certo, esses ganhos, pois não se pode prever por quanto tempo o reclamante se manteria no cargo de supervisor.
Partindo desta linha de considerações e da chance real e séria perdida pelo reclamante, o relator condenou a empresa a pagar a rescisão contratual se baseando no novo salário de supervisor, que seria devido a ele em função da suposta promoção, dando provimento ao recurso do reclamante. A Turma condenou ainda a ré a anotar na CTPS do reclamante a função de supervisor de operação de televendas, sob pena de multa diária de R$ 300,00, nos termos do artigo 461 do CPC. Foi também mantida a condenação da empresa ao pagamento de indenização no valor de 5 mil reais, pelos danos morais causados ao autor. (RO nº 01533-2007-112-03-00-5).
RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO - ATO ILÍCITO DO EMPREGADOR - PERDA DE UMA CHANCE - DANO PATRIMONIAL INDENIZÁVEL. A teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance torna indenizável a probabilidade séria de obtenção de um resultado legitimamente esperado que é obstado por ato ilícito praticado pelo agente ofensor. Se o reclamante tinha como justa e real a probabilidade de um ganho salarial decorrente de sua promoção ao cargo de supervisor de vendas da reclamada, porque aprovado em processo seletivo interno da empresa, mas viu perdida a chance de conquistar esse resultado em razão de ato ilícito praticado pelo empregador, quando da sua dispensa, manifestamente abusiva e ilícita, faz jus à reparação patrimonial decorrente deste ilícito. E aqui, independentemente dos ganhos perdidos, o que se indeniza é o prejuízo consistente na perda dessa oportunidade, a perda da chance real de alcançar a promoção legitimamente esperada. (TRT-3ª Região - RO 1533-2007-112-03-00-5 - Acórdão COAD 127370 - Rel. Des. Emerson José Alves Lage - Publ. em 2-10-2008)
Outro caso interessante aconteceu no ano de 2008, em São Paulo. Assim relatou o Desembargador José Ruffolo em acórdão unânime da 5ª Turma do TRT da 2ª Região:
a reclamada aceitou a matrícula do reclamante num dos cursos de nível superior da sua grade, acenando com a gratuidade do ensino que outorgava aos empregados. No dia seguinte, demitiu-o sem justa causa. Por claro que a atitude foi causadora de sofrimento, pois, em poucas horas, o reclamante tinha emprego e perspectiva de melhora nas condições de vida; em seguida, viu-se desempregado e, portanto, impossibilitado de estudar.
Em acórdão unânime da 5ª Turma do TRT da 2ª Região, decidiu-se pelo cabimento de indenização por dano moral em quebra de expectativa. O acórdão dos Desembargadores Federais do Trabalho da 5ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-SP) foi publicado em 19/09/2008, sob o nº Ac. 20080766336. Processo. 00832200431702003.
Novamente em Minas Gerais, empregado impedido de participar de eleição para CIPA também obteve o direito à indenização por perda de chance. A 8ª Turma do TRT da 3ª Região manteve a condenação de uma empresa a pagar indenização pela perda de uma chance a um empregado dispensado às vésperas de registrar a sua candidatura a membro da CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes). O direito à indenização pela “perda de uma chance” surge quando a vítima é privada da oportunidade de obter certa vantagem, por causa de ato ilícito praticado por terceiro. Ou seja, há prejuízo porque a vítima teria real possibilidade de um resultado favorável, se não fosse impedida pelo ofensor.
O reclamante era detentor de estabilidade no emprego até 30.11.08, por ter sido eleito membro da CIPA para o período 2006/2007. Ocorre que foi dispensado em 09.10.08, dois dias depois de publicado o edital que convocava os empregados para nova eleição de representantes da CIPA e um dia antes do início do prazo para registro das candidaturas, a partir de 10.10.08. A reclamada alegou que tudo não passou de uma coincidência e que não houve prova de que a rescisão tenha ocorrido para impedir o trabalhador de se candidatar para a CIPA.
De acordo com a desembargadora Cleube de Freitas Pereira, não há como deixar de presumir que a dispensa teve mesmo o objetivo de impossibilitar que o autor se inscrevesse para concorrer às eleições da CIPA 2008/2009 e, se eleito, adquirisse o direito a novo período de estabilidade. Isso porque, como ele já havia sido escolhido pelos colegas para o período 2006/2007 e permaneceu atuando na comissão no período 2007/2008, por indicação da própria reclamada, certamente por ter apresentado um bom desempenho, a chance de ele ser eleito para o pleito 2008/2009 era real. Além disso, como empregado estável, o autor somente poderia ser dispensado por justa causa, ou motivos técnicos, econômicos e financeiros. Por isso, a conduta da empresa foi ilícita e causou danos ao trabalhador. Concluiu a desembargadora:
Assinalo que a reparação da perda de uma chance não está diretamente ligada à certeza de que esta seria realizada e que a vantagem perdida resultaria em prejuízo. Ao revés do sustentado pela reclamada, não se pode pretender que a vítima comprove, inequivocamente, que obteria o resultado perdido, caso não tivesse ocorrido a conduta do ofensor. Exige-se tão-somente a probabilidade, sendo a prova da perda da chance feita por verossimilhança[46].
Portanto, diante das jurisprudências coletadas, verifica-se plenamente possível a aplicação da Teoria da Responsabilidade Civil da Perda de uma chance no Direito Laboral.
CONCLUSÃO:
O artigo teve por objetivo traçar um esboço sobre a Teoria da Perda de uma chance, fenômeno que ocorre quando alguém, por força de ato praticado por outrem, fica tolhido da oportunidade de obter um benefício ou de evitar um malefício.
Procurou-se demonstrar, em um primeiro momento, a evolução do instituto da responsabilidade civil, para demonstrar que no Direito Contemporâneo, as hipóteses de danos ressarcíveis foram ampliadas em favor daquele que sofreu um dano injusto.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, os princípios da dignidade da pessoa humana, da solidariedade social e da justiça distributiva emergem no Direito Civil, norteando as relações sociais e o sistema da responsabilidade civil.
Pode-se inferir que este sistema possui um paradigma solidarista, determinando sempre que possível a reparação da vítima pelos danos injustos suportados. Esta reparação deve sempre se dar de forma integral, sendo este mais um princípio que orienta o sistema da reparação de danos.
Foram analisados os pressupostos da responsabilidade civil: a conduta, o dano, o nexo de imputação e o nexo de causalidade e constatou-se que sob uma nova ótica, a perda de uma chance preenche tais requisitos, sendo necessária, no entanto, a comprovação de causalidade entre a conduta e o dano da chance perdida.
Observou-se a controvérsia doutrinária acerca da natureza jurídica da perda de uma chance e concluiu-se que o fato de haver dúvidas sobre a configuração da perda de uma chance como dano moral, lucro cessante ou dano emergente não pode servir como fundamento para excluir a possibilidade de indenização.
Discutiu-se acerca da possibilidade de aplicação da Teoria da reparação civil fundada na perda de uma chance no Direito do Trabalho e conclui-se pela compatibilidade da teoria com o âmbito laboral.
Asseverou-se que a perda de uma chance constitui importante ferramenta da responsabilidade civil, capaz de ampliar as formas de reparação do dano injusto e, assim, requintar também a relação entre capital e trabalho, atendendo plenamente aos princípios da dignidade da pessoa humana e da proteção do trabalhador.
Não obstante a ausência de previsão na legislação laboral, não há qualquer óbice para a reparação do dano da perda de uma chance, na medida em que a teoria vai ao encontro com os princípios do Direito do Trabalho e a ampliação do leque de reparação do dano injusto é harmônica ao ideal de melhoria da condição social do trabalhador.
Para corroborar com a tese de plena aplicação da teoria, foram apresentadas jurisprudências que ilustram o papel da perda de uma chance nos casos concretos, tanto na esfera do Direito Comum, quanto no Direito do Trabalho.
Por fim, conclui-se que, apesar de ainda pouco difundida, a reparação civil baseada na perda de uma chance é plenamente palpável. Contudo, para que ocorra a obrigação de indenizar, é imprescindível que a chance seja séria e real, já que danos meramente hipotéticos ou eventuais não são indenizáveis, nem na esfera civil, nem na trabalhista.