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Crime organizado

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9. ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL

Cabe consignar a existência de uma série de organizações criminosas atuantes no território brasileiro, configurando numa situação alarmante e preocupante a todos os setores da sociedade. Ademais, a impotência dos órgãos governamentais em relação ao efetivo controle do crime organizado e, em decorrência dos motivos expostos ao longo deste trabalho, os agentes criminosos atuam de forma desembaraçada, enfrentando o Estado de Direito e impondo suas regras, leis e condições, dominando, assim, uma parcela da sociedade que se vê coagida pelo medo.

Uma das organizações mais conhecidas e temidas denomina-se "Comando Vermelho", cuja criação deu-se em razão da união de alguns reincidentes da facção "Falange Vermelha", no final dos anos 70, no presídio localizado em Ilha Grande-RJ, objetivando lutar contra o grupo de poderio da época e dominar o tráfico de entorpecentes no Estado. Consta que os presos Williams da Silva Lima, o "Professor", agora com 59 anos de idade e 35 de prisão em Bangu III, Paulo César Chaves e Eucanã de Azevedo eram os líderes do grupo quando de sua criação.

Ao longo dos anos, novos adeptos juntaram-se ao Comando Vermelho, ampliando seu poder e possibilitando o investimento em armamentos pesados e a distribuição de substâncias entorpecentes. Atualmente, essa organização domina cerca de 70% do tráfico no Rio de Janeiro e atua em outras áreas, como tráfico de armamentos, crime organizado, roubos, seqüestros e homicídios.

Williams da Silva Lima, conhecido como o "Professor", no livro "Comando Vermelho – A História Secreta do Crime Organizado", de autoria de Carlos Amorim, declarou: "Conseguimos aquilo que a guerrilha não conseguiu: o apoio da população carente. Vou aos morros e vejo crianças com disposição, fumando e vendendo baseado. Futuramente, elas serão três milhões de adolescentes que matarão vocês - a polícia - nas esquinas. Já pensou o que serão três milhões de adolescentes e dez milhões de desempregados em armas?".

Outrossim, os líderes atuais dividem-se por regiões e morros. Embora a maioria esteja na prisão, principalmente cumprindo pena no presídio Bangu I, as ordens são repassadas de dentro das celas e as principais decisões são discutidas por uma espécie de colegiado do comando da organização.

Registre-se que em junho de 2.000 foi divulgada uma letra de uma música do grupo de rap Facção Central, referente à atuação do Comando Vermelho. Segue um trecho da música: "Quem enquadra a mansão, quem trafica. Infelizmente o livro não resolve/O Brasil só me respeita com o revólver/ O juiz ajoelha, o executivo chora/ Para não sentir o calibre da pistola/ Se eu quero roupa, comida, alguém tem de sangrar/ Vou enquadrar uma burguesa/ E atirar para matar/ Vou furtar seus bens/ E ficar bem louco/ Seqüestrar alguém no caixa eletrônico/ A minha quinta série só não adianta/ Se eu tivesse um refém com o meu cano na garganta/ Ai não tem gambé para negociar/ Vai se ferrar, é hora de me vingar. /".

Devido aos conflitos internos e às constantes discórdias, muitos integrantes afastaram-se do Comando Vermelho e fundaram uma nova facção, denominada "Terceiro Comando". Esta organização domina, atualmente, 12 comunidades na Zona Norte do Rio de Janeiro, de forma estratégica devido à proximidade com a Bahia de Guanabara. Seus principais líderes são Linho, Gangan e Miltinho do Dendê. A partir de sua criação, muitos conflitos com o Comando Vermelho foram registrados, em decorrência da disputa pelo controle de morros e favelas.

Ainda no Estado do Rio de Janeiro, formou-se, no final dos anos 90, uma outra organização, "Amigos dos Amigos (ADA)", cujo objetivo era o de controlar "bocas de fumo" e fugir do domínio do Comando Vermelho. Diferentemente dos outros grupos, o ADA não repassa o dinheiro obtido pelo comércio ilegal de entorpecentes, não sustenta as famílias dos traficantes presos e não interfere em planos de fuga de membros da quadrilha. Atualmente, controlam as favelas do complexo de São Carlos, Adeus/Juramento, Caju e Vila Vintém.

No Estado de São Paulo, no ano de 1.993, surgiu o PCC – Primeiro Comando da Capital, organização criminosa que tinha como objetivo inicial extorquir presos e seus familiares, assassinar presos a fim de dominar o sistema carcerário e traficar substâncias entorpecentes dentro dos presídios. Com o passar dos anos, o PCC passou a cometer outros tipos de infrações penais fora do aludido sistema.

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Ressalte-se que o Primeiro Comando da Capital possui uma estrutura piramidal, cujo topo é formado por líderes conhecidos como "fundadores" e por aqueles que alcançaram posição de prestígio, denominados "batizados". Atualmente, na posição de liderança, no denominado "primeiro escalão", encontram-se Marcos Williams Herbas Camacho, vulgo "Marcola" ou "Playboy" e Júlio César Guedes de Moraes, conhecido como "Julinho Carambola".

Ainda, tal organização assumiu as ações praticadas, embora sem identificar seus membros e ganhou a atenção da mídia, principalmente com a maior rebelião já registrada no mundo, a chamada "Megarebelião". De feito, em vários presídios foram realizadas rebeliões simultâneas sendo que os detentos gravaram, no chão do pátio do presídio Carandiru, o símbolo da organização.

É de verificar-se que os membros recebem cópias do estatuto da sociedade criminosa, no qual são determinadas as regras de conduta. Nesta linha, no final de 1996, o Estatuto do PCC foi divulgado, contendo os seguintes itens:

1 - Lealdade, respeito e solidariedade acima de tudo ao Partido.

2 - A luta pela liberdade, justiça e paz.

3 - A união na luta contra as injustiças e a opressão dentro da prisão.

4 - A contribuição daqueles que estão em liberdade com os irmãos dentro da prisão, por meio de advogados, dinheiro, ajuda aos familiares e ação de resgate.

5 - O respeito e a solidariedade a todos os membros do Partido para que não haja conflitos internos - porque aquele que causar conflito interno dentro do Partido, tentando dividir a irmandade será excluído e repudiado pelo Partido.

6 - Jamais usar o Partido para resolver conflitos pessoais contra pessoas de fora. Porque o ideal do Partido está acima dos conflitos pessoais. Mas o Partido estará sempre leal e solidário a todos os seus integrantes para que não venham a sofrer nenhuma desigualdade ou injustiça em conflitos externos.

7 - Aquele que estiver em liberdade "bem estruturado", mas esquecer de contribuir com os irmãos que estão na cadeia, será condenado à morte sem perdão.

8 - Os integrantes do Partido tem de dar bom exemplo a serem seguidos e, por isso, o Partido não admite que haja assalto, estupro e extorsão dentro do Sistema.

9 - O Partido não admite mentiras, traição, inveja, cobiça, calúnia, egoísmo e interesse pessoal, mas sim a verdade, a fidelidade, a hombridade, solidariedade e o interesse comum de de todos porque somos um por todos e todos por um.

10 - Todo o integrante terá de respeitar a ordem, a disciplina do Partido. Cada um vai receber de acordo com aquilo que fez por merecer. A opinião de todos será ouvida e respeitada, mas a decisão final será dos fundadores do Partido.

11 - O Primeiro Comando da Capital - PCC - fundado no ano de 1993, numa luta descomunal, incansável contra a opressão e as injustiças do campo de concentração "Anexo da Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté", tem como lema absoluto "A Liberdade, a Justiça e a Paz."

12 - O Partido não admite rivalidade interna, disputa de poder na liderança do Comando pois cada integrante do Comando saberá a função que lhe compete de "acordo" com sua capacidade para o exercício.

13 - Temos de permanecer unidos e organizados para evitarmos que ocorra novamente um massacre semelhante ou pior ao ocorrido na Casa de Detenção em 2 de outubro de 1992, onde 111 presos foram covardemente assassinados, massacre esse que jamais será esquecido na consciência da sociedade brasileira. Porque nós do Comando vamos sacudir o sistema e fazer essas autoridades mudar a política carcerária, desumana, cheia de injustiça, opressão, tortura e massacres nas prisões.

14 - A prioridade do Comando no momento é pressionar o governador do Estado a desativar aquele campo de concentração "Anexo à casa de Custódia e Tratamento de Taubaté" de onde surgiu (sic) a semente e as raízes do Comando por meio de tantas lutas inglórias e tantos sofrimentos atrozes.

15 - Partindo do Comando Central da Capital do KG do Estado, as diretrizes de ações organizadas e simultâneas em todos os estabelecimentos penais do Estado são uma guerra sem trégua, sem fronteiras, até a vitória final.

16 - O importante de tudo é que ninguém nos deterá nesta luta porque a semente do Comando espalhou por todos os Sistemas Penitenciários do Estado e conseguimos nos estruturar também do lado de fora com muitos sacrifícios e muitas perdas irreparáveis mas nos consolidamos a nível estadual e a médio e longo prazo nos consolidaremos a nível nacional. Em coligação com o Comando Vermelho - CV e PCC iremos revolucionar o país de dentro das prisões e o nosso braço armado será o Terror dos Poderosos, opressores e tiranos que usam o Anexo de Taubaté e o Bangu I do Rio de Janeiro como instrumento de vingança da sociedade na fabricação de monstros. Conhecemos a nossa força e a força de nossos inimigos Poderosos, mas estamos preparados, unidos. E um povo unido jamais será vencido. Liberdade, Justiça e Paz.

O Quartel general do PCC, Primeiro Comando da Capital, em coligação com o Comando Vermelho - CV. "Unidos Venceremos" –

Ademais, os líderes conseguem obter, de forma ilícita, telefones celulares, normalmente pré-pagos, que são introduzidos nos presídios, com os quais são efetuadas ligações às "centrais" (linhas telefônicas instaladas em locais quaisquer, programadas com o escopo de efetuarem a transferência de chamadas ou o que se denomina "teleconferência" – três pessoas falando ao mesmo tempo ) que transferem as chamadas para os locais desejados.

Além disso, há sérios indícios de que as organizações Comando Vermelho e Primeiro Comando da Capital uniram-se a fim de destituir o Estado de Direito, realizando uma série de ações coordenadas. Também apura-se a ligação dessas organizações com outras de nível internacional, formando uma rede de conexão do crime organizado.


10.O TERRORISMO

Embora terrorismo e organização criminosa sejam, tecnicamente, distintos, uma vez que os grupos terroristas não participam, necessariamente, no comércio de produtos ilícitos, assim como as organizações criminosas não agem de acordo com motivações étnicas, religiosas ou políticas, é preciso encará-lo como uma ameaça a toda comunidade internacional.

O terrorismo pode ser dividido em dois grandes grupos: o primeiro refere-se àquelas organizações independentes, que agem por motivações políticas e ideológicas contra uma população específica ou um determinado governo; o segundo grupo está relacionado com o chamado terrorismo de Estado, que age patrocinado por governos interessados em desestabilizar e aniquilar nações rivais ou grupos populacionais específicos. Em ambos os casos, o terrorismo é considerado um crime político e uma afronta à humanidade, devendo ser combatido por toda comunidade internacional.

Segundo especialistas no assunto, as motivações iniciais dos grupos terroristas consistiam em questões étnicas e religiosas. Devido à continuidade desses conflitos, assim como à falta de solução, essas ações vêm recrudescendo a cada ano. Consta que, na segunda metade do século XX, com o fim da Guerra Fria, as atividades terroristas potencializaram-se devido a motivações políticas, surgindo grupos terroristas em diversos países, aproveitando-se de um certo vácuo político pós Guerra Fria para atingir seus objetivos até então reprimidos.

Atente-se que o problema em questão nunca foi exclusividade do mundo em desenvolvimento, já que grupos terroristas com perfis separatistas perpetraram ataques significativos na Espanha e na Grã-Bretanha. Dentro do contexto político, o terrorismo atingiu duramente as sociedades italiana, francesa, grega e japonesa.

Registre-se que grupos de narcotraficantes estão associando-se a movimentos terroristas que, por sua vez, têm no comércio ilegal de drogas uma importante fonte de recursos para financiar suas operações. Constata-se, portanto, uma combinação literalmente explosiva, o que torna essa questão mais complexa e preocupante.


11. CRIME ORGANIZADO E GLOBALIZAÇÃO

Cabe salientar que o fenômeno da globalização encontra-se presente nas práticas ilícitas, tais como no crime organizado. Neste sentido, Gomes e Cervini afirmam que "(...) talvez seja a ‘internacionalização’ (globalização) a marca mais saliente do crime organizado, nas duas últimas décadas. Já não é mais correto apontar a conexão norte-americana-italiana (Máfia siciliana e Cosa Nostra) como uma singular manifestação dessa modalidade criminosa. Inúmeras são as organizações criminais já mundialmente conhecidas. Podemos citar, dentre tantas outras ainda não tão destacadas, a camorra italiana, na´drangheta calabresa, a sacra corona pugliesa, a boryokudan e a yakuza japonesas, as tríades chinesas, os jovens turcos de Cingapura, os novos bandos no Leste Europeu, os cartéis da droga, os contrabandistas de armas etc."

As organizações criminosas beneficiam-se da globalização da economia, do livre comércio, desenvolvimento das telecomunicações, sistema financeiro internacional etc. "Alguns já chegaram a formar um verdadeiro ´´antiestado´´, isto é, um ´´estado´´ dentro do Estado, com uma pujança econômica incrível, até porque existe muita facilidade na ´´lavagem do dinheiro sujo´´, e grande poder de influência (pelo que é válido afirmar que é altamente corruptor(...).

Ainda, "o narcotraficante atual está cada vez mais diferente daqueles jovens com pulseiras de ouro, cintos largos, anéis brilhantes...tornou-se um executivo, um empresário moderno, que se dedica a um negócio altamente lucrativo. Estão participando ativamente da vida econômica de vários países, assim como da vida política. Marcam presença principalmente nos processos de privatização, não só para ´´lavar dinheiro´´, senão sobretudo para incorporar-se na vida econômica lícita. Estão integrando o ´´narcotráfico´´ na vida institucional de cada país e desse modo buscam uma convivência pacífica, evitando-se a guerra fratricida e sangrenta".

Argemiro Procópio revela a influência dos costumes e valores sobre uso de substâncias entorpecentes e seu conseqüente tráfico ilícito, enfatizando a entrada cada vez maior de menores no crime organizado. Assim, "No Rio de Janeiro e em São Paulo, menores de 18 anos ocupam postos de comando no mundo dos narcóticos. Tais funções no passado pertenciam exclusivamente aos maduros e considerados experientes. As organizações criminosas empregam diretamente, sem salários fixos, milhões de pessoas, sendo parte constituída por crianças e adolescentes. A recompensa cresce nas funções de mando".

Sobre os autores
Leandro Lopes de Almeida

bacharel em Direito em São Paulo (SP), pós-graduando em Direito Penal e Processual Penal

Alline Gonçalves Gonçalez

acadêmica de Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie

Anna Paola Bonagura

acadêmica de Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie

Beatriz Antonietti Garcia

acadêmica de Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie

Paulo Marcelo de Aquino Lopes

Bacharelando em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Luciana Lie Kuguimiya

Bacharel de Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós graduada em Direito Constitucional pela PUC/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Leandro Lopes; GONÇALEZ, Alline Gonçalves et al. Crime organizado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 392, 3 ago. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5529. Acesso em: 23 nov. 2024.

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