VI - Conclusão
Com a certeza que o presente ensaio traz apenas pequenas reflexões sobre o tema, sem contudo querer esgotar o assunto que é rico e fascinante, tentamos demonstrar que a proibição de retrocesso social encontra guarida também no direito brasileiro, uma vez que presentes, na ordem jurídica, os princípios da segurança jurídica (incluindo aqui a social), a proteção da confiança da estabilidade e continuidade da ordem vigente, notadamente quando implementadoras de direitos sociais, já que constituem valores nucleares do Estado Social e Democrático de Direito.
No nosso modesto entender, é inconstitucional a E.C. n.º 41 quando aniquilou a regra de transição anterior (trazida pela E.C. n.º 20), não prevendo a adoção de nenhuma medida compensatória, por ofensa ao princípio da segurança jurídica, na medida que qual nação civilizada que tencione ser um Estado de Direito deve respeitar, sobremodo, a segurança jurídica, da qual deflui o princípio da confiança que o cidadão deposita nas instituições, mormente as ditas democráticas. Igualmente, casuísticamente, pode a dita E.C. n.º 41 ofender a dignidade do servidor público, como pessoa humana, não lhe preservando o mínimo existencial, posto que apenas conferiu o direito de aposentação – na situação anterior – se o servidor abrir mão de parte de seu mínimo existencial, tomando-se os proventos de aposentadoria com verba estritamente alimentar, tomando-se, por exemplo (apenas a título de ilustração), como mínimo existencial aquele valor sobre o qual não incide a tributação do imposto sobre a renda. Nessa hipótese (verificada no caso concreto), poderá ser inconstitucional (inconstitucionalidade parcial sem redução de texto) a aplicação do redutor que faça com que os proventos do servidor fique aquém daquele limite.
Assim, como refere paradigmaticamente Ingo Sarlet [27], se o manejo consciente e constitucionalmente adequado do princípio da proibição de retrocesso não constitui certamente a melhor via para implementar de modo ativo os direitos fundamentais sociais e promover s condições para uma vida digna, também não restam dúvidas de que se trata de uma poderosa ferramenta para assegurar, no plano de uma eficácia negativa, a proteção dos direitos sociais contra a supressão e erosão pelos poderes constituídos, o que certamente não é menos relavante.
O princípio da proibição de retrocesso social se mostra como verdadeiro (não o único) mecanismo a preservar os fundamentos da República Federativa do Brasil, contribuindo para a manutenção dos objetivos fundamentais já concretizados em matéria social.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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____. A Eficácia dos Direitos Fundamentais, 3ª ed., Porto Alegre;Editora Livraria do Advogado, 2003.
____. Direitos fundamentais sociais e proibição de retrocesso: algumas notas sobre o desafio da sobrevivência dos direitos sociais num contexto de crise. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre:Instituto de Hermenêutica Jurídica, v.1, n.º 2, 2004.
____. Os direitos fundamentais sociais como "cláusulas pétreas", Revista Interesse Público, n.º 17 – 2003 – Doutrina – Artigos.
Notas
1 Cf., paradigmaticamente, BOBBIO, Norberto. A Era do Direitos, tradução de Carlos Nelson Coutinho – Rio de Janeiro:Campus, 1992, p. 37.
2 In Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo:Max Limonad, 4ª ed., 2000, pp. 54 e 55.
3 In Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988, 2ª ed., Porto Alegre – Editora Livraria do Advogado, 2002, p.89.
4 para saber mais vide BOBBIO, op. cit, especialmente a partir da página 49.
5 Na feliz expressão de MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Os Direitos Sociais e a sua concepção como cláusula pétrea constitucional, extraído do site www.prt21.gov.br/doutr15.htm
6 In Os direitos fundamentais sociais como "cláusulas pétreas", Revista Interesse Público, n.º 17 – 2003 – Doutrina – Artigos, p. 63.
7 Para saber mais vide a paradigmática obra de Ingo Wolfgang Sarlet A Eficácia dos Direitos Fundamentais, 3ª ed., Porto Alegre;Editora Livraria do Advogado, 2003, notadamente a partir da página 367.
8 Nesse sentido HORTA, Raul Machado. Natureza, Limitações e Tendências da Revisão Constitucional. pp. 14-5, apud SARLET, Ingo Wolfgang, In Os direitos fundamentais sociais como "cláusulas pétreas", Revista Interesse Público, n.º 17 – 2003 – Doutrina – Artigos, p. 69.
9 In Direito Constitucional, 5ª ed., Coimbra:Livraria Almedina, 1992, pp. 474-5.
10 In A Eficácia dos Direitos Fundamentais, 3ª ed., Porto Alegre;Editora Livraria do Advogado, 2003, p.394.
11 ANDRADE, José Carlos Vieira de. In Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra:Livraria Almedina, 1987, pp. 307-9.
12 Op. cit. p. 395, destacando, ainda, o brilhante autor, que contra o reconhecimento, em princípio, de uma proibição de retrocesso na esfera das conquistas sociais, argumenta-se que esta esbarra no fato de que o conteúdo do objeto dos direitos fundamentais sociais não se encontra, de regra, definido ao nível da Constituição, sendo, além, disso, indeterminável sem a intervenção do legislador, de tal sorte que este deverá dispor de uma quase absoluta liberdade de conformação nesta seara, que, por sua vez, engloba a autonomia para voltar atrás no que diz com as próprias decisões, liberdade esta que, no entanto, se encontra limitada pelo princípio da proteção da confiança e pela necessidade de justificação das medidas reducionistas. Tal concepção, ao mnos para nós, não pode merecer acolhida, sob pena de se outorgar os legislador o poder de livremente dispor do conteúdo essencial, já que – em se comungando tal ponto de vista – ter-se-ia de reconhecer que os órgãos legiferantes, inquestionavelmente vinculados aos direitos fundamentais e às normas constitucionais em geral, dispõem do poder de tomar decisões mesmo em flagrante desrespeito à vontade do expressa do Constituinte.
13 Cf. SARLET, Ingo Wolfgang, in Direitos fundamentais sociais e proibição de retrocesso: algumas notas sobre o desafio da sobrevivência dos direitos sociais num contexto de crise. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre:Instituto de Hermenêutica Jurídica, v.1, n.º 2, 2004.
14 Na lição de MELLO, Celso A. B. de. Curso de direito administrativo. São Paulo:Malheiros, 2002, pp. 112 e ss.
15 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição de 1988. 2ª ed., Porto Alegre:Editora Livraria do Advogado, 2002, p.62.
16 citado por SARLET, Ingo Wolfgang, in Direitos fundamentais sociais e proibição de retrocesso:...
17 Cf. citado por SARLET, Ingo Wolfgang. Op.cit. p.139
18 Cf. SARLET, I.W. op. cit. p.140.
19 idem ibidem, pp. 141-2
20 Entre nós, Suzana Toledo Barros, in O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. Brasília:Brasília Jurídica, 1996, p. 163, refere que a admissão de um princípio da proibição de retrocesso social, entendido como uma garantia dos direitos sociais perante a lei, conflita com o princípio da autonomia do legislador, uma vez que o nível de determinação constitucional desses direitos parece ser nenhum.
21 Discorrendo sobre a possibilidade de uma total eliminação de uma norma concretizadora de direitos sociais, tendo em vista a incapacidade prestacional do poder público, tomando por base o princípio da reserva do possível, ver LEAL, Stifelman Roger. In Direitos sociais e a vulgarização da noção de direitos fundamentais". Acessível em http://orion.ufrgs.br/mestredir/doutrina/leal2.htm.
22 CANOTILHO, J.J. Gomes; MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra:Coimbra Editora, 1991, p. 131.
23 Op. cit. pp. 147 e ss.
24 in Direitos fundamentais sociais e proibição de retrocesso:...p. 155.
25 Para saber mais sobre o tema vide Rodolfo Arango e Julieta Lemaitre, in Jurisprudência constitucional sobre o mínimo vital. Bogotá:Ediciones Uniandes, 2002.
26 Acórdão n.º 509/2002.
27 in Direitos fundamentais sociais e proibição de retrocesso:...p. 163.