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As medidas provisórias e o princípio da legalidade tributária

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Agenda 05/08/2004 às 00:00

5. O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA E AS MEDIDAS PROVISÓRIAS

No capítulo concernente à natureza jurídica das medidas provisórias, ficou comprovado que tal instituto constitucional, produzido pelo Poder Executivo, pode ser considerado lei formal e material simultaneamente, diante da competência ou função própria que o Executivo possui de legislar, visto que ao instituir a medida provisória o legislador constituinte repartiu a competência entre o referido Poder e o Legislativo.

Em seguida, no capítulo que trata do princípio genérico da legalidade, foi definido o sentido das expressões lei material e lei formal, classificando-se, posteriormente, a lei em sentido amplo (lei formal ou lei material) e em sentido restrito (lei formal e material, simultaneamente). À vista disso, ficou assente que a medida provisória, em virtude de ser ao mesmo tempo lei formal e material, pode ser entendida como uma lei em sentido restrito.

Ficou consignado, outrossim, que do Princípio da Legalidade deriva um outro, denominado de princípio da reserva legal ou da reserva de lei formal. Este nada mais é do que uma exacerbação ou um aprofundamento do mesmo Princípio da Legalidade, visto que pelo princípio da reserva de lei formal, somente a lei em sentido restrito (lei formal e material, simultaneamente) pode regular algumas matérias expressamente indicadas pela Constituição.

Destacou-se, ainda, que a Carta Magna vigente estabelece essa reserva de lei, de modo absoluto ou relativo. Destarte, ocorre a reserva absoluta de lei formal, quando a lei em sentido restrito há de ser descritiva ao extremo, prevendo todos os elementos do ato imposto por ela. Por outro lado, quando a Constituição Federal deixa claro que o que se requer é uma referência legal, uma previsão por parte da lei em sentido restrito, sem qualquer caráter de exaustão, há reserva relativa de lei formal. Neste caso, portanto, tudo a que o indivíduo está sujeito não há de estar minuciosamente descrito na lei em sentido restrito.

O capítulo anterior, finalmente, relatou que o princípio da legalidade tributária, consagrado no art. 150, inciso I, da atual Lei Fundamental brasileira, revela-se como uma reserva absoluta de lei formal. Destarte, um tributo somente pode ser instituído ou majorado mediante lei em sentido restrito, ou seja, uma lei que seja a um só tempo formal e material (princípio da reserva de lei formal). Ademais, esta lei em sentido restrito, que cria um tributo, deve estabelecer todos os elementos de que se necessita para saber se este existe, qual é o seu valor, quem deve pagar, quando e a quem deve ser pago, isto é, a referida lei deve ser descritiva ao extremo, prevendo todos os elementos do ato imposto por ela (princípio da reserva absoluta de lei formal). Diante disso, a norma constitucional que veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios "exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça", é também denominada de princípio da estrita legalidade tributária.

Tudo o que foi até agora descrito teve por escopo um único fim, qual seja o de demonstrar que as medidas provisórias podem criar ou aumentar tributo, porquanto conformam-se perfeitamente ao conceito de lei em sentido restrito, respeitando, portanto, o princípio da legalidade em matéria tributária.

Noutros termos, a medida provisória, por ser lei formal e material simultaneamente, ajustando-se, então, ao que se entende por lei em sentido restrito, pode instituir ou majorar um tributo, visto que respeita ao princípio da estrita legalidade tributária. Este princípio, também denominado pela doutrina de reserva absoluta de lei formal, exige lei em sentido restrito para a criação ou majoração de um tributo e, diante da comprovação de que a medida provisória é ao mesmo tempo lei formal e material, fica claro, por conseguinte, que o referido instituto pode ser usado como veículo normativo em matéria tributária.

Ressalta-se, contudo, que tal concepção leva em conta apenas o respeito da medida provisória em relação ao princípio da legalidade tributária. A posição adotada não analisa outras situações descritas pela doutrina como impeditivas da utilização das medidas provisórias em Direito Tributário, como o desrespeito ao princípio da anterioridade e da não-surpresa, a segurança jurídica dos contribuintes, a crítica aos pressupostos da relevância e urgência, etc.

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Por derradeiro, é mister destacar que o estudo em tela contraria corrente majoritária da doutrina, que não aceita a medida provisória como lei em sentido restrito e, em conseqüência, como ato normativo que acata o princípio da legalidade tributária. Assim, nada melhor do que ultimar a presente explanação citando algumas opiniões contrárias.

HUGO DE BRITO MACHADO cita os que sustentam não ser possível a criação de tributo por medida provisória em face do princípio da legalidade. Como só a lei pode instituir ou aumentar o tributo, e como medida provisória não é lei, não poderia ela, então, criar ou aumentar tributo. Assim também seria em matéria penal, em face do princípio segundo o qual não há crime sem que lei o defina, nem pena sem prévia cominação legal. [32]

LUCIANO AMARO não tem nenhuma simpatia pelas medidas provisórias e crê que a Constituição deveria afastá-las do campo do direito tributário. Segundo o autor, um dos argumentos contra sua utilização no campo dos tributos é o de que a Constituição exige lei para a criação de tributos, e, por isso, não admitiria a medida provisória, que não é lei. [33]

Entende LUIZ EMYGDIO FRANCO DA ROSA JUNIOR que a medida provisória não pode ser veículo para criação ou majoração de tributos, em razão de a Constituição exigir para tais atos lei formal, em decorrência do princípio da legalidade tributária. [34]

No mesmo sentido encontra-se YOSHIAKI ICHIHARA, ao relatar que, cientifica e academicamente é sustentável a posição dos doutrinadores que defendem a imprestabilidade total das medidas provisórias como veículo implementador do princípio da legalidade tributária, para instituir, aumentar e reduzir tributos. [35]

Consoante MARCELO FIGUEIREDO, enfim, quando a Constituição Federal estabelece expressamente que determinado tema será versado em lei, fixa-se aí reserva absoluta ao legislador. Não pode ser veiculada por medida provisória, que, como dito, não é lei. [36]

Vê-se, portanto, diante das opiniões relatadas, que a medida provisória não possui muitos adeptos no que concerne ao Direito Tributário. A análise que finda, entretanto, a despeito de contrariar a doutrina majoritária, foi redigida com o intuito de demonstrar, tendo em vista todo o exposto, que a medida provisória pode ser considerada lei no seu sentido formal e material (lei em sentido restrito), respeitando, em conseqüência, o princípio da estrita legalidade tributária, podendo, portanto, instituir ou majorar tributos.


6. CONCLUSÃO

Certamente um dos pontos mais controvertidos da nova ordem constitucional brasileira, advinda da Constituição de 1988, é o referente à utilização da medida provisória, principalmente no que diz respeito à criação e aumento de tributos.

A medida provisória, conforme depreende-se da redação dada pelo art. 62 da atual Carta Magna, é um ato emanado do Poder Executivo, com força de lei, adotado nos casos de relevância e urgência. Fica claro, portanto, que a medida provisória é um ato produzido por um dos poderes estatais que, diante do princípio da separação dos poderes, inicialmente, não poderia exarar nenhum comando jurídico normativo impondo comportamentos forçados aos cidadãos.

Noutros termos, à primeira vista poder-se-ia dizer que o Executivo, em virtude do princípio descrito pela Teoria de Montesquieu, não teria competência ou função legislativa, porquanto esta pertenceria somente ao Poder Legislativo.

À vista disso, essa questão tem sido objeto de atenção e estudo por parte dos juristas brasileiros, não se chegando, contudo, a uma pacífica conclusão. E o tema relevante que tem levado a doutrina a debates infindáveis é o que concerne à natureza jurídica das medidas provisórias. É que, como foi visto, o texto constitucional conferiu à medida provisória, malgrado ser um ato oriundo do Poder Executivo, força de lei.

Em conseqüência, instigou-se magistralmente a criatividade da doutrina, que expressou diversas opiniões sobre o tema, embora quase todas divergentes, como, por exemplo, que a medida provisória seria fato, gestão de negócios, eventualidade disciplinada pelo Direito, lei, projeto de lei, ato administrativo, medida cautelar, ato político, etc.

Diante de tais idéias inconcludentes, o presente estudo objetivou mostrar uma posição analítica e crítica, porém passível de contestações, visto que contraria corrente majoritária da doutrina. E para que isso fosse possível, discorreu-se sobre alguns pontos importantes e intimamente conexos ao tema em questão.

Em suma, ficou demonstrado, utilizando-se de todo um contexto histórico-político e principiológico, que as medidas provisórias têm natureza jurídica de lei em sentido restrito, ou seja, a um só tempo lei formal e material, respeitando, por conseguinte, o princípio da estrita legalidade tributária. Em outras palavras, em virtude do exposto, é correto afirmar que tal instituto constitucional pode instituir ou majorar tributos.

Ressalta-se, entretanto, que tal posição exclui da apreciação outros aspectos que podem impedir a utilização das medidas provisórias em Direito Tributário, como o princípio da anterioridade e da não-surpresa, a segurança jurídica dos contribuintes, os pressupostos da relevância e urgência. O posicionamento adotado, enfim, refere-se somente à conformação das medidas provisórias ao principio da legalidade em matéria tributária.


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Notas

1Atividade Legislativa do Poder Executivo no Estado Contemporâneo e na Constituição de 1988. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1993, p. 33.

2Fundamentos de Direito Público. 3. ed. São Paulo : Malheiros, 1997, p. 54.

3Atividade Legislativa do Poder Executivo no Estado Contemporâneo e na Constituição de 1988. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1993, p. 34.

4 Ibid, p. 40 e 42.

5Medidas Provisórias. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1991, p. 45.

6 ADI 295 MC / DF – Distrito Federal, relator o Ministro Marco Aurélio, publicado o acórdão no DJ, 22 de agosto de 1997, PP-38758, Ement vol-01879-01, PP-00001, julgamento de 22 de junho de 1990, Órgão Julgador Tribunal Pleno.

7As Medidas Provisórias no Direito Comparado e no Brasil. São Paulo : LTr, 1993, p. 314-315.

8As Medidas Provisórias e a Constituição Federal/88. Curitiba : Juruá, 1991, p.47.

9 Ibid, p. 47-48.

10Atividade Legislativa do Poder Executivo no Estado Contemporâneo e na Constituição de 1988. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1993, p. 130.

11Da Medida Provisória. Belo Horizonte : Del Rey, 1994, p. 33-34.

12Curso de Direito Tributário. 19 ed. rev., atual. e ampl. de acordo com as Leis Complementares ns. 104 e 105, de 10.1.2001. São Paulo : Malheiros, 2001, p. 65.

13Fundamentos de Direito Público. 3. ed. São Paulo : Malheiros, 1997, p. 40.

14Comentários à Constituição do Brasil : promulgada em 5 de outubro de 1988. v. 2. São Paulo : Saraiva, 1989, p. 23.

15Comentários à Constituição Brasileira de 1988. 2. ed., atual. e reformulada. v. 1. São Paulo : Saraiva, 1997, p. 29 e 30.

16Direito Constitucional. 11. ed. atual. com a E. C. n º. 35/01. São Paulo : Atlas, 2002, p. 69-70.

17Comentários à Constituição Brasileira. v. 1. São Paulo : Saraiva, 1989, p. 64.

18Direito Constitucional. 11. ed. atual. Com a E.C. nº. 35/01. São Paulo : Atlas, 2002, p. 69-70.

19Curso de Direito Constitucional Positivo. 18. ed. rev. e atual. nos termos da Reforma Constitucional (até a Emenda Constitucional n.27, de 21.3.2000). São Paulo : Malheiros, 2000, p. 426-427.

20Direito Constitucional. 11. ed. atual. Com a E.C. nº. 35/01. São Paulo : Atlas, 2002, p. 70.

21 Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário. 12. ed. atual. e aumentada, inclusive Jurisprudência até dezembro de 1997. Rio de Janeiro : Renovar, 1998, p. 275.

22Curso de Direito Tributário. 17. ed. rev., atual e ampl. São Paulo : Malheiros, 2000, p. 34.

23Curso de Direito Tributário. 17. ed. rev., atual e ampl. São Paulo : Malheiros, 2000, p. 61-62.

24 Ibid, p. 34.

25Curso de Direito Financeiro e de Direito Tributário. 4. ed., atual. São Paulo : Saraiva, 1995, p. 107.

26Comentários à Constituição do Brasil. v. 6. São Paulo : Saraiva, 1990, p. 146.

27Curso de Direito Constitucional Positivo. 18. ed. rev. e atual. nos termos da Reforma Constitucional (até a Emenda Constitucional n.27, de 21.3.2000). São Paulo : Malheiros, 2000, p. 431 – 432.

28Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário. 12. ed. atual. e aumentada, inclusive Jurisprudência até dezembro de 1997. Rio de Janeiro : Renovar, 1998, p. 276-277.

29Direito Tributário Brasileiro. São Paulo : Saraiva, 1997, p. 110 e 114.

30Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1978, p. 69-70.

31Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário. 12. ed. atual. e aumentada, inclusive Jurisprudência até dezembro de 1997. Rio de Janeiro : Renovar, 1998, p. 280.

32Curso de Direito Tributário. 17. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo : Malheiros, 2000, p. 65.

33Direito Tributário Brasileiro. São Paulo : Saraiva, 1997, p.166.

34Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário. 12. ed. atual. e aumentada, inclusive Jurisprudência até dezembro de 1997. Rio de Janeiro : Renovar, 1998, p. 172.

35Princípio da Legalidade Tributária na Constituição de 1988. São Paulo : Atlas, 1995, p.106.

36A Medida Provisória na Constituição. São Paulo : Atlas, 1991, p. 39.

Sobre o autor
Rodrigo Spessato

Advogado em Curitiba/PR, Especialização Lato Sensu pela Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Paraná– FEMPAR

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SPESSATO, Rodrigo. As medidas provisórias e o princípio da legalidade tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 394, 5 ago. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5542. Acesso em: 26 nov. 2024.

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