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A vocação hereditária e a concorrência do cônjuge com os descendentes ou ascendentes do falecido.

Art. 1829, I, do Código Civil de 2002

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8. Conclusão

1. Herdeiros necessários são aqueles que não podem ser afastados da sucessão pela simples vontade do sucedido, v.g. descendentes, ascendentes e cônjuge. Este, por sua vez, é herdeiro sem prejuízo da meação em razão do regime de bens. Podemos dizer que em havendo herdeiros necessários, o patrimônio do de cujus se divide em duas partes: a) disponível (possível de ser testada) e b) legítima (deferida aos herdeiros). No direito das sucessões, a meação é a parte que cabe ao cônjuge supérstite, parte esta que compreende a metade dos bens do acervo.

2. A ordem de vocação hereditária é uma relação preferencial das pessoas que são chamadas a suceder ao finado, sendo esta estabelecida por lei. O artigo 1829 do Código civil estabelece a seguinte ordem de vocação hereditária: I – aos descendentes (...); II – aos ascendentes (...); III – ao cônjuge sobrevivente e IV – aos colaterais.

3. Com a norma supra citada o legislador previu a figura da concorrência do cônjuge supérstite com os demais chamados a suceder. A exceção a essa regra são as pessoas casadas sob os regimes da comunhão universal ou da separação obrigatória de bens, ou, ainda, da comunhão parcial, se o falecido não deixou bens particulares.

4. Quanto à reserva da quarta parte da herança, optamos pela interpretação que proporciona igualdade aos filhos do de cujus; assim, somente haverá tal reserva sendo o cônjuge sobrevivo ascendente daqueles com quem concorrer. Na hipótese de concorrência com filhos comuns do casal e também com os filhos somente do de cujus, ou até mesmo concorrência com apenas os filhos do de cujus, tal regra não pode ser aplicada, uma vez que poderá representar um prejuízo patrimonial futuro para aqueles que não serão herdeiros do cônjuge sobrevivente. Desta forma, a reserva da quarta parte da herança é cabível na hipótese em que o cônjuge supérstite concorre somente com seus próprios descendentes.

5. Quanto ao disposto no artigo 1830 do Código Civil, concluímos que a questão temporal deve ser repensada para que conseqüências desastrosas possam ser evitadas. Devemos consignar a hipótese de um casal, separado de fato, vir a constituir uma união estável paralela; nesse contexto, perceberemos um conflito patrimonial substancial, e, desta forma, entendemos que essa questão merece ser revista.

6. Restou claro que a sucessão legítima do companheiro se dá de forma distinta da sucessão do cônjuge. Importante frisar que não há o instituto da concorrência na sucessão de companheiro, e que, muito menos, foi este contemplado como herdeiro necessário, como o foi o cônjuge.

7. O sinal de pontuação objeto do nosso estudo, o ponto e vírgula, representa tão somente a sistematização do conteúdo do artigo, não tendo qualquer relevância formal. Desta forma, cabe ao intérprete do direito optar pela interpretação que identifique o contexto geral em que o artigo foi concebido, bem como sua adequação às normas com que se relaciona,visando sempre o melhor alcance social.

8. Desejou o legislador com o ponto e vírgula apenas e tão somente distinguir os regimes de bens que estava excluindo da concorrência; fê-lo dessa forma para destacar que quando casados sob o regime da comunhão parcial de bens, não deixando o de cujus bens particulares, o cônjuge supérstite não concorrerá. Nessa hipótese, o consorte supérstite não será herdeiro, tendo, porém, sua meação garantida.

9. Consignamos que o legislador se equivocou ao remeter o leitor para o artigo 1641 do Código Civil após ter mencionado o Regime da Separação Obrigatória de bens, pois o artigo correto seria o 1640 do mesmo diploma legal.

10. Concluímos que a concorrência se verifica nos seguintes regimes de bens, a saber: separação voluntária de bens; participação final nos aqüestos e comunhão parcial de bens, existindo bens particulares. Ao passo que não ocorreria nos regimes de separação obrigatória de bens, comunhão universal de bens e comunhão parcial de bens, não existindo bens particulares.

11. Quanto à relação entre o instituto da concorrência e os regimes de bens, concluímos: i) Casamento sob os regimes de separação convencional de bens; da comunhão parcial de bens (existindo bens particulares) e de participação final nos aqüestos: a concorrência se configura apenas quanto aos bens particulares do de cujus; ii) Casamento sob os regimes de comunhão universal de bens, de separação obrigatória de bens e comunhão parcial de bens (não existindo bens particulares): não há concorrência.

12. A concorrência do cônjuge sobrevivente é um grande avanço no campo sucessório, porém, a proteção estendida a ele foi de tal ordem que os descendentes ficaram em desvantagem em relação àquele. No intuito de proteção, o legislador pecou pela desproporção em relação aos quinhões hereditários. Assim, defendemos duas vertentes, a que verifica a interpretação gramatical do artigo, buscando, momentaneamente, a aplicação deste instituto, porém, em contrapartida, analisamos o instituto de forma a ajustá-lo aos anseios sociais e ambicionamos mudanças significativas no intuito de se evitar o desvirtuamento dos regimes de bens do casamento.

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______ A sucessão hereditária dos cônjuges. Disponível em: https://www.intelligentiajuridica.com.br/especial6.html Acesso em 10 de novembro de 2003.


Notas

1 Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 16.

2 Op. cit. p. 21.

3 Verificamos que o brasileiro, por uma questão cultural, não tem o hábito de falar sobre a morte, menos ainda é voltado para a prática da sucessão testamentária, ou seja a elaboração de testamentos. Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka complementa afirmando que muitos entendem que tais práticas atraem o azar; assim, se resguardam nem mesmo comentando sobre o assunto.Direito das sucessões: disposições gerais e sucessão legítima. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/4093/direito-das-sucessoes-brasileiro-disposicoes-gerais-e-sucessao-legitima>. Acesso em 10 de novembro de 2003.

4 A sucessão hereditária dos cônjuges. Disponível em: https://www.intelligentiajuridica.com.br/especial6.html>. Acesso em 10 de novembro de 2003.

5 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Anotado e Legislação Extravagante. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 803.

6A sucessão entre cônjuges. Disponível em: <https://www.google.com.br/search?q=cache:pACq5hfCK1kJ:www.csalaw.com.br/pdf/Informativo40.pdf+herdeiro+necess%C3%A1rio&hl=pt&ie=UTF-8>. Acesso em 10 de novembro de 2003.

7 Direito Civil. São Paulo: Atlas, 2003, p. 181.

8 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit. p. 746.

9 Op. cit. p.191.

10 Op. cit. p. 743.

11 Casamento e regime de bens. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/4095/casamento-e-regime-de-bens>. Acesso em 13 de julho de 2003.

12 Direito civil. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 61-62.

13 Op. cit. p. 93-95.

14 A herança do cônjuge sobrevivo e o novo Código Civil Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/2999/a-heranca-do-conjuge-sobrevivo-e-o-novo-codigo-civil>. Acesso em 04 de janeiro de 2004.

15 Op. cit.

16 Op. cit. p. 97.

17 Na ordem da vocação hereditária o Poder Público não pode renunciar.

18 O cônjuge no novo Código Civil. Disponível em: https://www.estado.estadao.com.br/editorias/03/04/12/aberto001.html Acesso em 10 de novembro de 2003.

19 Op. cit..

20 LIMA, Ieda Maria Andrade. Breves considerações sobre o cônjuge no direito sucessório do novo código civil. Disponível em:https://www.espacovital.com.br/artigoieda.htm. Acesso em 10 de novembro de 2003.

21 Breves considerações sobre o direito das sucessões à luz do novo Código Civil. Disponível em: http://www.cpc.adv.br/doutrina/civil/flaviosucessoes.htm. Acesso em 10 de janeiro de 2004.

22 Op. cit.

23 Op. cit. p. 806.

24 Op. cit. p. 77.

25 SCHWARTZ JUNIOR, Cherubin Helcias. Notas sobre o direito das sucessões no novo Código Civil brasileiro. Disponível em: https://www.amaerj.org.br/noticiasespecial13.htm. Acesso em 14 de dezembro de 2003.

26 Não podemos olvidar que, analisando textos jurídicos, percebemos muitas vezes que a sua estruturação é sui generis; assim, podemos notar que entre uma alínea e outra, ou entre um inciso e o seguinte, encontramos um ponto e vírgula. Qual a função deste sinal de pontuação no contexto do artigo? Na maior parte dos casos somente tem função organizacional e sistemática, visto que não dissocia o que está disposto antes e depois dele.

É com essa visão que desejamos que o leitor interprete o ponto e vírgula do inciso I do artigo 1829 do Código Civil. Vale esclarecer que tal sinal de pontuação não apresenta qualquer relevância formal; conseqüentemente, concluímos que não devemos optar pela análise semântica, uma vez que nesse estudo não buscamos o significado dos símbolos, que no caso se expressa pelo ponto e vírgula, e sim a intentio legis.

Temos conhecimento de que no campo jurídico a expressão oral é feita através da escrita e que as regras a serem observadas são provenientes da gramática, tudo de acordo com as regras vigentes para o idioma nacional.

Mesmo diante de tais evidências, devemos nos preocupar em obter a melhor interpretação, partindo-se da interpretação gramatical.

A interpretação em seu significado amplo não se dá exclusivamente com fundamento em uma única técnica exegética; deste modo, afirmamos que ao intérprete cabe a análise dos artigos em seu contexto geral, levando em consideração que tal norma deve ser adaptada da melhor forma possível às exigências sociais.

O intérprete jurídico deve considerar as condições particulares do tempo em que a norma incide, assim como as condições em que se originou, de modo que ambos os sentidos se interpenetrem, o primeiro ajudando a clarear o segundo.

27 Op. cit.

28 Sucessão: regras gerais no novo código. Disponível em: https://www.gontijo-familia.adv.br/monografias/mono256.html. Acesso em 10 de novembro de 2003.

29 Ponto final. Art. 1829, inciso I, do novo Código Civil Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/4634/ponto-final>. Acesso em 04 de janeiro de 2004.

30 Op. cit.

31 Op. cit.

32 Op. cit..

33 ARAÚJO, Luciano Viana. Ordem de vocação hereditária no novo Código Civil: Os direitos sucessórios do cônjuge. Disponível em: https://www.netflash.com.br/justicavirtual/artigos/art48.htm>. Acesso em 10 de novembro de 2003.

34 BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Op. cit.

35 Sucessão dos Cônjuges no Novo Código Civil. Disponível em: https://www.iusnet.com.br/webs/ruy_antunes/artigon86.cfm. Acesso em 10 de novembro de 2003.

36 Op cit. p. 804.

37 Pontuações. Disponível em:https://www.marcoadvogados.com.br/artigoluizfelipe.htm. Acesso em 05 de janeiro de 2004.

Sobre os autores
João Agnaldo Donizeti Gandini

juiz de Direito em Ribeirão Preto (SP), mestrando pela Unesp, professor da Faculdade de Direito da Universidade de Ribeirão Preto

Cristiane Jacob

acadêmica de Direito pela Universidade de Ribeirão Preto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GANDINI, João Agnaldo Donizeti; JACOB, Cristiane. A vocação hereditária e a concorrência do cônjuge com os descendentes ou ascendentes do falecido.: Art. 1829, I, do Código Civil de 2002. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 415, 20 ago. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5543. Acesso em: 15 nov. 2024.

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